Série “Feministas, graças a Deus!” XVI – O I Salão Feminino de Arte, em 1931, no Rio de Janeiro

Entre 6 e 30 de junho de 1931, aconteceu, no Rio de Janeiro, o I Salão Feminino de Arte, em um dos salões da Escola Nacional de Belas Artes.  Foi um dos muitos eventos importantes da história das artes plásticas no Brasil ocorridos na cidade durante o referido ano e é o tema do décimo sexto artigo da série Feministas, graças a Deus!. O Salão Feminino é considerado, até hoje, a primeira exposição realizada no país com a participação exclusiva de mulheres nas áreas de arquitetura, artes aplicadas, escultura, gravura e pintura. Fotografias das pintoras Georgina Albuquerque (1885 – 1962) e Sylvia Meyer (1889-1955); e da escultora Nicolina Vaz de Assis Pinto do Couto (1874 – 1941), integrantes da mostra de 1931, fazem parte do Álbum de artistas doado, em 1932, pelo escritor M. Nogueira da Silva (1880 – 1943), à Seção de Estampas da Fundação Biblioteca Nacional, uma das instituições fundadoras da Brasiliana Fotográfica.

As imagens de Nicolina Pinto do Couto são das décadas de 10 e de 20 e, em algumas, ela está acompanhada de seu marido, o escultor português Rodolfo Pinto do Couto (1888 – 1945). Há ainda um registro de Nicolina com um grupo de artistas no Salão Nacional de 1913.

 

 

Acessando o link para as fotografias de mulheres do Álbum de Artistas disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

As fotografias de Silvia Meyer são de 1912: de aulas de pintura ao ar livre e de uma cena do concurso de fim de ano na Escola Nacional de Belas Artes.

 

 

Os registros de Georgina Albuquerque são da década de 1910: em um deles ela está com sua família, filhos e marido, o também pintor Lucilio de Albuquerque (1877 – 1939) e, em outro, ela está com seus filhos.

 

 

No Álbum dos artistas, vale ressaltar que, dentre imagens de dezenas de artistas, existem apenas fotos de cinco mulheres. Além das já citadas, imagens da arquiteta Arinda Sobral (1883 – 1981) e da pintora Angelina Agostini (1888 – 1973).

O I Salão Feminino de Arte foi promovido pela Sociedade Brasileira de Belas Artes, dirigida por Augusto José Marques Junior (1887 – 1960), em colaboração com a Associação de Artistas Brasileiros. A iniciativa foi apoiada pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), que se propôs a envidar esforços para que o evento fosse exitoso, revelando que, naquele momento do feminismo brasileiro, a organização de uma mostra com participação exclusiva de mulheres foi um fato importante para o movimento.

Em um artigo de Conceição Andrade de Arroxelas Brandão, publicado no Diário de Notícias, de 1º de fevereiro de 1931, fica evidente o entusiasmo da FBPF pela realização do I Salão Feminino de Arte (Diário de Notícias, 1º de fevereiro de 1931, última coluna).

 

 

Lembramos que, em torno de 1931, a busca pela emancipação da mulher no Brasil, principalmente a partir da luta pelo voto feminino, estava em alta e contava com feministas como Bertha Lutz  (1894 – 1976), fundadora de FBPF, em 1922; Natércia Cunha Silveira (1905 – 1993), fundadora da Aliança Nacional de Mulheres, em 1931, Elvira Komel (1906 – 1932) e  Carmen Portinho (1903 – 2001), fundadora da União Universitária Feminina, em 1929, dentre várias outras.  No mesmo mês da abertura do salão, sob a orientação de Bertha Lutz, foi promovido o Segundo Congresso Internacional Feminista. Finalmente, menos de um ano depois da realização da exposição, o Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, instituiu o Código Eleitoral Provisório e reconheceu o direito de voto às mulheres.

Além da efervescência de acontecimentos em prol da emancipação feminina na época, outro fato que liga o feminismo à realização deste evento artístico é a presença, na comissão organizadora do Salão, da escritora e feminista atuante, Anna Amélia Carneiro de Mendonça (1896 – 1971), presidente da Casa do Estudante do Brasil, fundada em 1929.

 

 

A exposição contou com 63 artistas, 172 pinturas, 17 esculturas, 1 gravura e 3 de artes aplicadas, todas obras assinadas individualmente, e mais outras dessas últimas artes, com a assinatura coletiva da Escola Profissional Orsina da Fonseca e da Escola Profissional Paulo de Frontin (Fon-Fon, 27 de junho de 1931). A diretora da Orsina da Fonseca era a feminista e professora Leolinda Daltro (1859 – 1935), que foi tema do décimo quinto artigo da série Feministas, graças a Deus!, publicado em 19 de abril dde 2023.

 

 

 

 

Algumas das artistas que participaram da exposição foram, além das já mencionadas, as pintoras Camilla Alvares de Azevedo, Cândida de Gusmão Cerqueira, Francisca Leão, Haydéa Santiago, Helvia Barbosa Lima, Ignez Corrêa de Castro, Isabel Teixeira de Mello Julieta Bicalho, Katarina Gesnesha, Maria Francelina Barreto Falcão (1897-1979), Moema Machado Vieira, Nativa Tinoco, Nieta Gomes, Odelli Castello Branco, Palmyra Pedra Domeneck, Regina Veiga, Ruth de Almeida, Sarah Vilela de Figueiredo, Solange Frontin Hess, Suzanna Mesquita, Wanda Turatti e Yvonne Visconti. A gravurista Lucilia Ferreira e as escultoras Celita Vaccani ((1913 – 2000), Rosalina Candido Mendes e Zelia Ferreira.

Chama atenção a ausência das modernistas Tarsila do Amaral (1886 – 1973) e Anita Malfatti (1889 – 1964). Terá sido devido à divisão entre acadêmicos e modernos, já que todas as obras expostas no I Salão Feminino de Arte tinham caráter acadêmico? Ou terá sido falta de interesse delas, já artistas consagradas, em participarem da mostra?

Segundo uma de suas organizadoras, a pintora Cândida de Gusmão Cerqueira:

 

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Inicialmente, a inauguração do salão seria na primeira quinzena de maio, mas foi adiada para junho (A Noite, 27 de abril de 1931, penúltima coluna; Jornal do Commercio, 7 de junho de 1931, última coluna).

 

 

Sua vernissage aconteceu em 5 de junho e, a abertura para o público, no dia seguinte.

 

 

Sob o patrocínio da comissão organizadora do evento, o jornalista, pintor e intelectual Celso Kelly (1906 – 1979) proferiu uma conferência sobre a arte brasileira (A Noite, 10 de junho de 1931, penúltima coluna). Ele havia sido, em 1928, o organizador de um mostra livre de arte, na Biblioteca Nacional, que reuniu 300 trabalhos de 120 artistas, e que resultou na criação por ele e pelos irmãos Armando e Mário Navarro da Costa (1883 – 1931) da Associação Brasileira de Artistas, uma das promotoras do I Salão Feminino de Arte.

 

 

Em 12 de junho, o Diário de Notícias publicou uma reportagem especial sobre o evento:

 

 

 

 

 

Terra de Senna, pseudônimo do jornalista, escritor, humorista, poeta e dramaturgo Lauro Nunes (1896-1972), publicou uma crítica sobre o salão e comentou se tratar de um esforço digno dos maiores incentivos, porém lamentou seu caráter de exposição retrospectiva (Diário Carioca, 17 de junho de 1931, segunda coluna).

Em 22 de junho, a poetisa Anna Amélia Carneiro de Mendonça fez uma palestra intitulada Um salto de cinquenta anos (Jornal do Brasil, 23 de junho de 1931, quinta coluna).

 

 

A exposição foi encerrada com a palestra Príncipe Raul de Leoni, de Paschoal Carlos Magno (1906 – 1980) (A Noite, 29 de junho de 1931, segunda coluna). Publicação de uma crítica (O Jornal, 5 de julho de 1931).

 

 

O II Salão Feminino de Arte foi realizado muitos anos depois, em 1939, na Associação Cristã dos Moços. Algumas artistas que participaram do evento, em 1931, como Celita Vaccani, Georgina de Albuquerque e Regina Veira apoiavam a realização da segunda edição do evento, mais uma vez promovido pela Sociedade Brasileira de Belas Artes (Diário de Notícias 15 de junho de 1939, terceira coluna; O Jornal15 de junho de 1939, primeira coluna; e 23 de julho de 1939, quarta coluna).

 

Brevíssimo resumo de outros importantes eventos artísticos ocorridos no Rio de Janeiro em 1931

 

Movimento Artístico Brasileiro

 

 

Conforme mencionamos no início do artigo, em 1931, ocorreram no Rio de Janeiro outros importantes eventos da história das artes plásticas no Brasil. Um deles foi a criação do Movimento Artístico Brasileiro no Salão Essenfelder, no Studio Nicolas, que ficava localizado na Praça Marechal Floriano e pertencia ao fotógrafo romeno Nicolas Alagemovitz (1893 – 1940), um musicista que se fez mago da arte fotográfica, que era sócio do Photo Club Brasileiro. De acordo com o estatuto da nova associação, o Movimento foi organizado por uma comissão formada por Affonso de Carvalho, Nicolas Alagemovits, Fritz, Martha Silva Gomes, Henrique Pongetti, Bandeira Duarte e João Ribeiro Pinheiro.

“O “Movimento Artístico Brasileiro” começou pelo princípio: a sua sala no andar ocupado pelo fotógrafo Nicolas, num dos mais belos arranha céus da Cinelândia, dispõe de duzentas confortáveis cadeiras, de um palco para teatro, concertos e conferências e supera em elegância muitas das famosas “boîtes” espirituais de Paris, pequenas colmeias de homem de talento”.

 

O escritor Henrique Pongetti (1898 – 1979) em entrevista para o

Jornal do Brasil, 3 de junho de 1931

 

 

Segundo Nicolas, o Movimento Artístico Brasileiro é exclusivamente um centro de cultura, de arte e de pensamento e cuja atividade é dirigida no sentido de propagar todas as manifestações estéticas e congregar os seus criadores. José Siqueira, em artigo publicado, na Revista da Semana, de 19 de fevereiro de 1939, destacou que o Movimento vinha realizando uma série de conferências, concertos, recitais e exposições de pintura, em que tomaram parte grandes vultos da arte nacional e estrangeira. Essa instituição que é de todos os artistas, tem por fim congregá-los, para que dessa estreita união a Arte venha a ser amplamente beneficiada  (Diário de Notícias, 4 de junho de 1931Revista da Semana, 27 de junho de 1931, última coluna; Diário de Notícias, 22 de janeiro de 1932; Revista da Semana, 19 de fevereiro de 1938).

 

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Com a morte de Nicolas, em 27 de setembro de 1940, apesar de continuar existindo, o Movimento foi perdendo vigor e as notícias a seu respeito foram diminuindo na imprensa carioca nos anos que se seguiram (Correio da Manhã, 28 de setembro de 1940, última coluna).

 

Núcleo Bernardelli

 

 

Ainda em junho, no dia 12 , foi criado o Núcleo Bernardelli, formado por um grupo,  liderado por Edson Motta (1910 – 1981), de pintores insatisfeitos com o ensino artístico da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (ENBA). Buscavam democratizar o ensino de arte e conseguir o acesso dos artistas modernos ao prêmio de viagens ao exterior e ao Salão Nacional de Belas Artes. O nome é uma homenagem a dois professores da ENBA, os irmãos Henrique Bernardelli (1858-1936) e Rodolfo Bernardelli (1852-1931).

Alguns dos integrantes do grupo foram Bustamante de Sá (1907 – 1988), José Pancetti (1902 – 1958), Manoel Santiago (1897 – 1987) e Milton Dacosta (1915 – 1988) (Diário de Notícias, 12 de junho de 1931, quarta coluna). Sua primeira sede foi o já citado Studio Nicolas. Depois o grupo se transferiu para os porões da Escola Nacional de Belas Artes, onde permanceu até 1936, quando foi para a Rua São José e, depois, para a Praça Tiradentes, n. 85, até 1941, quando foi extinto.

 

Exposição Geral de Belas Artes de 1931, que ficou conhecido como Salão Revolucionário

 

 

Meses depois, em 1º de setembro, foi aberto a Exposição Geral de Belas Artes de 1931, que ficou conhecido como Salão Revolucionário, sob a organização do então diretor da instituição, Lúcio Costa (1902-1998). Foi um marco na história da arte no Brasil. A participação dos artistas modernos foi maciça e por decisão do júri do evento todos os trabalhos inscritos foram aceitos. Participaram da exposição Alfredo da Veiga Guignard (1896 – 1962), Cândido Portinari (1903 – 1962), Di Cavalcanti (1897 – 1976), Ismael Nery (1900 – 1934) e Pedro Correia de Araújo (1874 – 1955), dentre vários outros. Um dos destaques do salão foi o quadro Eu vi  mundo…ele começa no Recife, de Cícero Dias (1907 – 2003) (O Jornal, 2 de setembro de 1931). Foi chamado pelo poeta Manuel Bandeira de Salão dos Tenentes pela participação de diversos modernistas que se opunham aos generais da arte, os acadêmicos.

Abaixo, o artigo O “Salão dos Tenentes”, de Bandeira, publicado no Diário Nacional, de São Paulo, em 5 de setembro de 1931:

 

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Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

BANDEIRA, Manuel. O salão dos tenentes. VIEIRA, Lucia Gouveia. Salão de 31. Rio de Janeiro: Funarte, 1984. p.93-94.

Enciclopédia ItaúCultural

HARTWIG, Nathalia Lange. O Movimento Artístico Brasileiro (1931-1940) no cenário musical carioca dos anos 1930. XXVIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – Manaus – 2018.

HARTWIG, Nathalia Lange. Salão Essenfelder: descobertas por meio da Imprensamusical do Rio de Janeiro da década de 1930. UFPR. ANAIS DO IV SIMPOM 2016  -SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PÓS-GRADUANDOS EM MÚSICA.

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

MORAES, Frederico. Cronologia das Artes Plásticas no Brasil 1816-1994. Rio de Janeiro : Topbooks, 2001.

SILVA, Tahis Canfield. Um olhar sobre o I Salão Feminino de Arte de 1931. XIII Encontro de História da Arte. Arte em confronto: embates em torno da história da arte, 2018..

 

Acesse aqui os outros artigos da Série “Feministas, graças a Deus!

Série “Feministas, graças a Deus!” I – Elvira Komel, a feminista mineira que passou como um meteoro, publicado em 25 de julho de 2020, de autoria da historiadora Maria Silvia Pereira Lavieri Gomes, do Instituto Moreira Salles, em parceria com Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” II  – Natércia da Cunha Silveira (1905 – 1993), o jequitibá da floresta, publicado em 20 de agosto de 2020, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” III  – Bertha Lutz e a campanha pelo voto feminino: Rio Grande do Norte, 1928, publicado em 29 de setembro de 2020, de autoria de Maria do Carmo Rainha, doutora em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” IV  – Uma sufragista na metrópole: Maria Prestia (? – 1988), publicado em 29 de outubro de 2020, de autoria de Claudia Heynemann, doutora em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” V – Feminista do Amazonas: Maria de Miranda Leão (1887 – 1976), publicado em 26 de novembro de 2020, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, mestre em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” VI – Júlia Augusta de Medeiros (1896 – 1972) fotografada por Louis Piereck (1880 – 1931), publicado em 9 de dezembro de 2020, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” VII – Almerinda Farias Gama (1899 – 1999), uma das pioneiras do feminismo no Brasil, publicado em 26 de fevereiro de 2021, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” VIII – A engenheira e urbanista Carmen Portinho (1903 – 2001), publicado em 6 de abril de 2021, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” IX – Mariana Coelho (1857 – 1954), a “Beauvoir tupiniquim”, publicado em 15 de junho de 2021, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” X – Maria Luiza Dória Bittencourt (1910 – 2001), a eloquente primeira deputada da Bahia, publicado em 25 de março de 2022, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XI e série “1922 – Hoje, há 100 anos” VI – A fundação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, publicado em 9 de agosto de 2022, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XII e série “1922 – Hoje, há 100 anos” XI – A 1ª Conferência para o Progresso Feminino, publicado em 19 de dezembro de 2022, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, historiadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” XIII – E as mulheres conquistam o direito do voto no Brasil!, publicado em 24 de fevereiro de 2023, de autoria de Andrea C T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XIV – No Dia Internacional da Mulher, Alzira Soriano, a primeira prefeita do Brasil e da América do Sul, publicado em 8 de março de 2023, de autoria de Andrea C T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XV – No Dia dos Povos Índígenas, Leolinda Daltro,”a precursora do feminismo indígena” e a “nossa Pankhurst, publicado em 19 de abril de 2023, de autoria de Andrea C T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XVII – Anna Amélia Carneiro de Mendonça e o Zeppelin, equipe de Documentação da Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC, em parceira com Andrea C.T. Wanderley, publicado em 5 de janeiro de 2024

A primeira passagem do Graf Zeppelin pelo Rio de Janeiro, em 1930, e registros de outras viagens

A chegada do Graf Zeppelin ao Rio de Janeiro foi um grande acontecimento. Sua passagem silenciosa pelo céu da cidade parecia uma visão de sonho e deslumbrou a população causando uma verdadeira comoção. O fotógrafo Jorge Kfuri (1893 – 1965) registrou o evento e a Brasiliana Fotográfica relembra o fato destacando imagens que pertencem à Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, uma das parceiras do portal. São 10 fotografias aéreas do dirigível alemão sobrevoando diversos bairros e locais da Cidade Maravilhosa, dentre eles o Bairro Peixoto, Botafogo, Copacabana, Humaitá, a Lagoa Rodrigo de Freitas, o Pão de Açúcar e o Campo dos Afonsos, onde aterrissou. Kfuri produziu as imagens a bordo do avião Consul Dayte nº 332, da Marinha de Guerra, pilotado pelo capitão-tenente Antônio Dias Costa (? – 1930), que faleceu dois dias depois em um acidente de avião (Diário da Noite, 26 de maio, quarta coluna e 28 de maio de 1930).

A Brasiliana Fotográfica reuniu também registros de outras passagens tanto do Graf Zeppelin como do dirigível Hindenburg pelo Rio de Janeiro, que pertencem ao acervo do Instituto Moreira Salles – são de autoria do fotógrafo amador Guilherme Santos (1871 – 1966) e de fotógrafos ainda não identificados. Há também uma fotografia, de autoria do fotógrafo húngaro Alfredo Krausz (1902 – 1953), de uma passagem do Graf Zeppelin por São Paulo tendo ao fundo o Edifício Martinelli. A Brasiliana Fotográfica também resgatou a crônica O morro em polvorosa, de Manuel Bandeira (1886 – 1968), sobre o impacto da presença do zepelim nos céus do Rio de Janeiro, publicada no Diário Nacional de 31 de maio de 1930.

Sérgio Burgi, coordenador de Fotografia do Instituto Moreira Salles e um dos curadores do portal, fez uma apreciação das fotografias selecionadas para essa publicação*.

 

 

Várias fotografias creditadas ao tenente J. Kfuri, do Serviço Fotográfico da Aviação Naval, foram publicadas na revista O Cruzeiro, de 7 de junho de 1930. Acima delas, os títulos eram exuberantes e líricos: “Na escuridão da noite como um meteoro…“, “Como um pássaro maravilhoso a aeronave parece voar entre as nuvens e as neblinas matinares” e “O refulgente pássaro aéreo voa sobre os bairros da cidade“, entre outros.

 

 

Na mesma edição, como as admiráveis fotografias do tenente Kfuri pediam um texto de excepcional significação, foi publicado o artigo Palavras do Ar, do engenheiro e professor Vicente Licínio Cardoso (1889 – 1931), único passageiro brasileiro do Graf Zeppelin. Estava na Europa como delegado da Federação Nacional das Sociedades da Educação, quando foi convidado pela Companhia Zeppelin para representar o país no primeiro voo da aeronave para o Brasil.

 

 

Acessando o link para as fotografias do Graf Zeppelin no Rio de Janeiro pertencentes ao acervo da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha que estão disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

Acessando o link para as fotografias de passagens de zepelins pelo Brasil pertencentes ao acervo do Instituto Moreira Salles que estão disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

 

 O primeiro voo do Graf Zeppelin ao Brasil

Ferdinand von Zeppelin

Batizado pela filha do pioneiro dos dirigíveis, o conde Ferdinand Graf von Zeppelin (1838 – 1917), em 8 de julho de 1928, data em que ele completaria 90 anos, o Graf Zeppelin D – LZ127  – graf significa conde – realizou seu primeiro voo em 18 de setembro do mesmo ano. O primeiro voo comercial aconteceu em 11 de outubro, também em 1928. Tinha aproximadamente 236 metros de comprimento e cerca de trinta metros de altura. Seu luxo, tamanho e velocidade encantaram seus passageiros e as populações por onde passava. Sua presença nos céus cariocas foi referido em uma crônica de Manuel Bandeira (1886 – 1968) como um acontecimento empolgante e inédito…um espetáculo…perturbantemente inédito (Diário Nacional, 31 de maio de 1930).

O Graf Zeppelin tinha 10 cabines duplas, dois lavabos, banheiros masculino e feminino, restaurante, cozinha, sala de rádio, sala de navegação e sala de controle. Foi o primeiro balão dirigível a vir ao Brasil, o primeiro a transpor a linha equatorial atravessando o oceano Atlântico no hemisfério sul. Veio em voo experimental e seu destino era o Rio de Janeiro. Prateado, partiu da base de Friedrichshafen, na Alemanha, em 18 de maio de 1930, e fez na manhã do dia seguinte uma parada em Sevilha, na Espanha. Sobrevoou os céus do Recife, primeira parada em terras brasileiras, após um voo de 59 horas conduzido pelo comandante Hugo Eckener (1868 – 1954).  Aterrissou no Aeroporto do Jiquiá, na capital pernambucana, em 22 de maio de 1930, onde era esperado por uma multidão estimada em 15 mil pessoas – a data havia sido decretada feriado pelo prefeito do Recife, Francisco da Costa Maia. A chegada da aeronave foi saudada pelo sociólogo Gilberto Freyre (1900 – 1987), então oficial de gabinete do governador Estácio Coimbra (1872 – 1937) (Diário de Pernambuco, 22 e 23 de maio de 1930). Houve tumulto entre a multidão e a polícia e o cônsul da Inglaterra e sua esposa foram atropelados pela cavalaria (Correio da Manhã, 25 de maio de 1930, terceira coluna). Fotografias sobre a passagem do dirigível por Recife foram publicadas em O Cruzeiro de 7 de junho de 1930.

 

Lista dos passageiros:

 

 

O Graf Zeppelin foi reabastecido com gás e seguiu para o Rio de Janeiro à meia-noite de 23 de maio (Diário de Pernambuco, 24 de maio de 1930).  Finalmente, a aeronave atingiu a cidade às 23:30 do dia 24 e durante toda a madrugada bordejou fora da barra com seus motores parados para não incomodar com barulho os habitantes do Rio. Seu sobrevoo à cidade, na manhã do dia 25 de maio, descrito como empolgante, como um dos mais imponentes espetáculos que poderia ser proporcionado pela aviação moderna, foi assistido por quase toda a população carioca. A espera pelo evento foi como a espera por um convidado de honra, um convidado para quem se reservam todas as atenções, todas as fidalguias, as fidalguias a que se dispensam aos grandes personagens que propositadamente se fazem aguardar com curiosidade…O prefeito Antônio da Silva Prado Junior (1880 – 1955) e outras autoridades, dentre elas o embaixador Morgan, dos Estados Unidos, foram receber o comandante Eckener ainda a bordo do zeppelin (Correio da Manhã, 26 de maio de 1930).

 

 

O conde Pereira Carneiro (1877 – 1954) e sua esposa, além do comandante Trompovsky e do capitão Fontenelle, representando o Ministro da Viação, embarcaram no dirigível (Correio da Manhã, 26 de maio de 1930, primeira coluna), que, cerca de uma hora depois da aterrissagem, voltou ao Recife, onde chegou no dia 26 (Correio da Manhã, 27 de maio de 1930). Dois dias depois, iniciou seu retorno à Alemanha. Ao sobrevoar Natal, a tripulação jogou uma coroa de flores sobre a estátua de um dos pioneiros da aviação, Augusto Severo (1864 – 1902), com a mensagem “A Alemanha ao Brasil na pessoa de seu grande filho Augusto Severo” (Correio da Manhã, 29 de maio de 1930). No fim do dia, cruzou a linha do Equador. A passagem por Havana, previamente programada, foi suspensa (Correio da Manhã, 31 de maio de 1930), e o Zeppelin chegou ao Aeroporto de Lakehurst, nos Estados Unidos, em 31 de maio (Correio da Manhã, 1º de junho de 1930). No dia 2 de junho partiu para Sevilha (Correio da Manhã, 3 de junho de 1930), onde chegou no dia 5 (Correio da Manhã, 6 de junho de 1930). Alcançou seu destino final, Friedrichshafen, em 6 de junho de 1930, após 19 dias desde o início de sua viagem tricontinental (Correio da Manhã, 7 de junho de 1930).

 

 

A história dos zeppelins foi interrompida pela explosão do dirigível Hindenburg, ocorrida, 77 horas depois da decolagem em Frankfurt, no final de uma tarde chuvosa, em Lakehurst, em Nova Jeresey, nos Estados Unidos, em 6 de maio de 1937, matando 36 pessoas – 13 passageiros, 22 tripulantes e um membro da equipe de terra (O Jornal, 7 de maio de 1937 e Revista da Semana, 15 de maio de 1937). Realizou 63 voos desde seu primeiro, em 4 de março de 1936. Segundo Claudio Lucchesi, autor do livro Loucos e heróis: fatos curiosidades da história da aviação, o Hindenburg fez 6 voos para o Brasil.

Após cerca de uma década, nenhum acidente foi registrado envolvendo o Graf  Zeppelin. Porém, após a tragédia com o Hindenburg, ainda em 1937, foi retirado de operação e ficou exposto em um hangar de Frankfurt (O Jornal, 19 de junho de 1937, quarta coluna). Foi desmanchado em março de 1940 por ordem de Hermann Goering (1893 – 1946), comandante-chefe da Luftwaffe, a força aérea alemã. Em nove anos de operação, o Graf Zeppelin realizou 590 voos transportando milhares de passageiros e centenas de quilos de carregamentos e correspondência.

 

 

A chegada do Graf Zeppelin ao Rio de Janeiro foi uma notícia de destaque em vários jornais da época:

A semana ZeppelinFon-Fon, 24 de maio de 1930

O Conde Zeppelin no Rio de Janeiro – Correio da Manhã, 26 de maio de 1930

O rápido pouso do Zeppelin – Como A Noite soube que o dirigível não aterraria no Campo dos AfonsosA Noite, 26 de maio de 1930

O Rio de Janeiro viveu momentos de intensa emoção e entusiasmo com a visita do “Graf Zeppelin”O Jornal, 26 de maio de 1930

Sob aclamação delirante, o povo carioca consagra a jornada audaz do comandante Eckner – O raid triunfante do “Graf Zeppelin’Gazeta de Notícias, 26 de maio de 1930

O entusiasmo que despertou o empolgante espetáculo da chegada do “Conde Zeppelin” – Jornal do Brasil, 27 de maio de 1930

O “Graf” Zeppelin em visita ao Brasil – Continuando a sua rota magnífica, após ter sido aclamado pela população carioca, chegou ontem, pela manhã, a Recife, o grande dirigível alemão – O Paiz, 27 e 28 de maio de 1930

O “Graf” Zeppelin no BrasilO Cruzeiro, 31 de maio de 1930

O morro em polvorosa, por Manoel Bandeira – Diário Nacional, 31 de maio de 1930

A viagem do ZeppelinO Malho, 31 de maio de 1930

De Ícaro a Zeppelin, por Escragnole Dória – Revista da Semana, 31 de maio de 1930

A viagem do “Graf” Zeppelin ao Brasil – O Cruzeiro, 7 de junho de 1930

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

Airships.net

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

LAUX Paulo F. A memorável passagem do Zeppelin pelo Brasil, 2012. Aeromagazine, 3 de outubro de 2012.

LINS, Fernando Chaves. Por céus nunca d´antes navegados, 2006. Recife: Universidade Federal de Pernambuco

LUCCHESI, Claudio. Loucos e heróis: fatos curiosidades da história da aviação, 1996.

O Estado de São Paulo, 9 de junho de 2015

O Globo, 2 de julho de 2013

 

 

 

De Sérgio Burgi, coordenador de Fotografia do Instituto Moreira Salles e curador da Brasiliana Fotográfica:

Vejam as imagens, verdadeiramente oníricas, dos primeiros vôos dos dirigíveis nos céus do Brasil, fotografados do ar por Jorge Kfury e do solo, em estereoscopias, por Guilherme Santos, entre outros registros preciosos sobre o tema, que integram a Brasiliana Fotográfica. 
Somam-se nestas imagens muitos pioneirismos que marcaram o início do século XX: a aviação, vivendo ainda a convivência entre as duas grandes modalidades das quais Santos Dumont foi pioneiro, os balões dirigíveis e aviões a motor; a fotografia aérea, que concretizou e expandiu as ambições, desde as imagens pioneiras em balão de Nadar, de se realizar registros fotográficos a “olho de pássaro” de todo o território. É neste momento também que a fotografia estereoscópica se une à fotografia aérea para o início dos levantamentos aerofotogramétricos que revolucionariam toda a cartografia mundial.
E no solo, a fotografia estereoscópica era também redescoberta por uma legião de fotógrafos, amadores e profissionais, que, como o carioca Guilherme Santos, dedicaram-se a produzir verdadeiras crônicas visuais de seu tempo. Imagens de uma fotografia documental e direta, em chapas de vidro, porém já fortemente marcadas pelas inovações da época, que levariam a fotografia a novos horizontes de linguagem e representação ao longo do século XX.

*A apreciação de Sérgio Burgi foi integrada à publicação em 26 de maio de 2018.