E, há 100 anos, Hercule Florence chegou ao Brasil!

Há 100 anos, em 8 abril de 1824, chegou ao Rio de Janeiro, a bordo da fragata Marie Théreze, que havia zarpado do porto de Toulon, na França, em fevereiro de 1824, o fotógrafo, desenhista, tipógrafo e naturalista francês Antoine Hercule Romuald Florence (1804 – 1879) (Diário do Rio de Janeiro, 9 de abril de 1824, segunda coluna). Viveu no Brasil entre 1824 e 1879, quando faleceu, em Campinas. Foi, certamente, um dos mais extraordinários estrangeiros que se estabeleceu no país, no século XIX, tendo sido o inventor de um dos primeiros métodos de fotografia do mundo.

Em 11 de agosto de 2023, o Instituto Moreira Salles, uma das instituições fundadoras da Brasiliana Fotográfica, anunciou a aquisição da coleção Cyrillo Hercules Florence, composta por aproximadamente 1.200 itens, que reúne a parte mais importante da obra e dos documentos do Hercule Florence.  A coleção estava sob a guarda da família e foi reunida por seu neto, Cyrillo Hercules Florence (1901 – 1995).

 

 

Foi no livro de Florence, Livre d´annotations et les premiers matériaux, em 1834, que ele usou pela primeira vez o verbo photographier – cinco anos antes da palavra ser utilizada na Inglaterra, em 1839, por John Frederick William Herschel (1792-1871). Florence deixou uma descrição do procedimento adotado por ele para obter o registro fotográfico, em 1833.

Foi a partir da pesquisa e do teste realizados pelo professor Boris Kossoy (1941-), aos quais se seguiu a publicação de seu livro “1833: a Descoberta Isolada da Fotografia no Brasil” (1980), que Hercule Florence tornou-se conhecido internacionalmente. Convidamos vocês à leitura dos artigos O francês Hercule Florence (1804 – 1879), inventor de um dos primeiros métodos de fotografia do mundo e Florence, autor do mais antigo registro fotográfico existente nas Américas, já publicados na Brasiliana Fotográfica.

 

Acessando o link para as imagens de Hercule Florence disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Autorretrato de Hercule Flrence, 1855. Detalhe de um retrato de sua família, em Campinas

Autorretrato de Hercule Florence, 1855. Detalhe de um retrato de sua família, em Campinas

 

Foi publicado nos Anais do Museu Paulista, de dezembro de 2019, o artigo Revelando Hercule Florence, o Amigo das Artes: análises por fluorescência de raios X.  A física Márcia de Almeida Rizzutto, coordenadora do NAP-Faepah, atestou, com a ajuda do método conhecido como fluorescência de raios X por dispersão de energia (ED-XRF) para detectar a presença de elementos químicos, que os manuscritos de Florence descrevem fielmente os processos de produção fotográfica por ele testados em 1833. Segundo Boris Kossoy, “é a comprovação física daquilo que já se sabia do ponto de vista químico”.

Nos dias 23 e 24 de maio de 2023, foi realizado no Instituto Moreira Salles, de São Paulo, o seminário internacional 190 anos dos experimentos fotográficos de Hercule Florence para celebrar o seu pioneirismo na descoberta dos processos fotográficos. Vários temas relacionados a Florence foram abordados durante o evento, mas o principal assunto do encontro foi a divulgação dos resultados das análises físico-químicas realizadas, em 2022, de três objetos do inventor, por meio de uma parceria inédita entre quatro instituições de três continentes: o IMS, o Instituto Hercule Florence (IHF), de São Paulo, Brasil; o Getty Conservation Institute (GCI), de Los Angeles, EUA; e o Laboratório HERCULES da Universidade de Évora, Portugal.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

Nota da editora: havia dúvidas em torno da data de nascimento de Hercule Florence – seria 28, 29 de fevereiro ou 9 de março de 1804. O artigo Os nascimentos de Hercule Florence, publicado em de 2022 pelo Instituto Hercule Florence esclarece que a data de nascimento foi 28 de fevereiro de 1804 e a data de batizado 29 de fevereiro de 1804. A data 9 de março foi aventada a partir de um erro de leitura de William Luret, ex-jornalista da Radio Montecarlo. Como os artigos Florence, autor do mais antigo registro fotográfico existente nas Américas e O francês Hercule Florence (1804 – 1879), inventor de um dos primeiros métodos de fotografia do mundo haviam sido publicados na Brasiliana Fotográfica em 17 de junho de 2015 e 7 de março 2017, respectivamente, portanto antes das dúvidas em relação à data de nascimento de Florence terem sido dirimidas, constava como data de seu nascimento 29 de fevereiro de 1804, como o próprio havia escrito em seu diário. Segundo Thierry Thomas, historiador belga que se debruçou sobre vida e obra de Florence, o artista pode não ter se enganado. “Hercule, de verdade, não se engana totalmente. Muitas pessoas no passado, consideravam o dia do batismo como o dia de nascimento. Pode ser também que ele só consultou o registro de batismo e não o registro de nascimento”.  As correções já foram realizadas e explicadas nos artigos mencionados.

 

 

 

E o choro tornou-se Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro!

No Dia Nacional do Choro, com a publicação de fotos do conjunto musical Os Batutas, do qual 0 flautista, saxofonista, compositor e arranjador Pixinguinha (1897 – 1973) fazia parte, a Brasiliana Fotográfica celebra a declaração pelo IPHAN -Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – do gênero musical choro, que nasceu no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. Pixinguinha, pseudônimo do carioca Alfredo da Rocha Viana Filho, é considerado um dos maiores compositores da música popular brasileira e contribuiu diretamente para que o choro encontrasse uma forma musical definitiva (Site do IMS). A comemoração do Dia Nacional do Choro, iniciada em 2005 pela Comunidade de Prática da Música – Incubadora Cultural Gênesis PUC-Rio, é realizada em 23 de abril, em homenagem à data de nascimento de Pixinguinha.

 

 

Acessando o link para as imagens dos Batutas disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

A decisão de tornar o choro ou chorinho Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro foi tomada, no dia 29 de fevereiro de 2024, no último dia da 103ª reunião do Conselho Consultivo do IPHAN, em Brasília, com aprovação unânime. O parecer foi da historiadora Marcia Chuva, conselheira do IPHAN. O pedido de registro do gênero musical como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro foi feito pelo Clube do Choro de Brasília, pela Casa do Choro do Rio de Janeiro, pelo Clube do Choro de Santos e por diversos chorões e choronas de todo o Brasil a partir de abaixo-assinados.

Com a decisão, o IPHAN e os detentores do bem cultural passam a desenvolver políticas públicas de salvaguarda, resgate histórico e promoção do choro em todo o país. Segundo o  presidente do Iphan e do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, Leandro Grass, o choro passa a ser objeto da Política do Patrimônio Cultural brasileiro. Nosso compromisso agora é torná-lo ainda mais conhecido e amado, para que possa também ser um instrumento de Educação Patrimonial.

 

choro2

 

Também no dia 29, o Terreiro Ilê Axé Icimimó Aganju Didè, em Cachoeira, na Bahia, foi tombado como Patrimônio Cultural Brasileiro. No primeiro dia da reunião do IPHAN, ocorrido na véspera, dia 28 de fevereiro, o Conjunto da Estação Julio Prestes, em São Paulo, também havia sido tombado.

 

“Ainda em vida, Pixinguinha tornou-se um clássico. Definido e definitivo. Para aqueles que o conheceram e com ele trabalharam, foi um dos mais estupendos exemplares da espécie humana”.

Carlos Heitor Cony (1926 – 2018)

 

 

Pixinguinha – Um choro de saudade

Carlos Heitor Cony

Não sei se ainda há. Mas havia uma lei que proibia dar o nome de pessoas vivas a ruas, praças, becos, pontes, viadutos e demais logradouros públicos. Como se tratava de uma lei brasileira -e mais do que isso, de uma lei carioca-, tinha mais exceções do que regras. E uma dessas exceções, a mais justificada talvez, estava situada num distante subúrbio da cidade: rua Pixinguinha. Ele ainda estava vivo, e como.

A placa é azul, com letras brancas, mas tem um palavrão embaixo que procura explicar o homenageado: “musicólogo”. Para um homem que amava a música, a classificação é quase ofensiva. Pixinguinha nem sequer era músico. Era música -e essa seria a melhor palavra para defini-lo, explicá-lo e amá-lo.
Foi Negrão de Lima, então governador da Guanabara, quem oficializou o nome da rua. Negrão aprendeu a amar Pixinguinha por influência de Paulo Bittencourt, dono do “Correio da Manhã”, homem a quem custava admirar alguém, mas, quando admirava, era para valer. Antes dos dois, um outro homem de bom gosto já apostava no rapazinho que tocava flauta: Arnaldo Guinle financiou a viagem dos Oito Batutas à Europa, em 1921, naquela que seria a nossa primeira caravana realmente cultural.
Citando o governador Negrão de Lima, o jornalista Paulo Bittencourt e o milionário Arnaldo Guinle, pode-se supor que a glória de Pixinguinha tenha sido imposta de cima para baixo, o que não é verdade. Tampouco se tratou de um dos muitos exemplos em que a fama percorreu o tradicional caminho da arte popular: subiu de baixo para cima, como no caso de Pelé.
Com Pixinguinha, a glória foi total, o amor e a admiração que soube provocar vinham de todos os lados: era o artista de gênio, o homem simples, o papo perfeito, a vida repartida com todos. Quem não gostava dele só podia ser mau-caráter, pois o velho Pixinga realizou, dentro e fora da música, uma das mais doces e gratificantes trajetórias de homem.
Sua personalidade pode ser abordada de diversos modos. A começar pelo seu estranho apelido, feito do carinho de sua avó africana (“pizim dim” significa menino bom) e da gozação carioca de sua moléstia deformadora, bexiga, que, no caso dele, recebia o tratamento carinhoso de bexiguinha. Aceitando os dois apelidos -que mais tarde seriam fundidos em “Pixinguinha”-, ele assumia com humor e consciência a sua raça e a sua circunstância.
Era um negro e era um carioca, como Machado de Assis, Lima Barreto e o padre José Maurício. Um carioca genuíno que não se deixou prostituir nem se avacalhar, emigrando para a zona sul: viveu agarrado aos subúrbios, aos bares que nunca estão na moda e, por isso, se tornam eternos enquanto duram. Agarrou-se também a um feitio de vida sem rancor e sem glória, ao pijama caseiro, à tradição das grandes comilanças dominicais, quando o angu ou a feijoada são para “durar três dias”.
Carioca até na morte: o coração ameaçou falhar diversas vezes, mas só foi parar na sacristia de uma igreja em Ipanema, durante um batizado, quase sem agonia e sem escândalo. Só uma coisa faz um carioca do subúrbio ir parar em Ipanema (e vice-versa): batizado ou enterro.
Como carioca, ele teria de se juntar vida afora com outros cariocas: Di Cavalcanti, Villa-Lobos, Vinicius de Morais, Orlando Silva, que foi, de longe, o seu melhor intérprete (“Rosa” e “Carinhoso”). Isso sem falar na turma da pesada, os antológicos do samba, que constituiriam a velha-guarda, em natural fase de extinção.
Além de carioca, Pixinguinha foi flautista, antes mesmo de ser músico. E adotou a forma mais carioca da música: o chorinho, ao qual, mais tarde, daria uma dimensão bachiana. Como instrumentista, pertence à categoria de nossos poucos virtuoses, ao lado de Benedito Lacerda, Jacó do Bandolim e Baden Powell. Anos depois, seria virtuose em outro instrumento: o sax tenor. Mas, para ganhar dinheiro como orquestrador, curtia o seu piano e foi com ele que tornou lendária a sua capacidade de orquestrar ou arranjar qualquer loucura que lhe entregavam.
Muitos desses arranjos são hoje de domínio público, ou seja, todos cantam e ninguém sabe quem fez, parecendo ter brotado por geração espontânea. É o caso, por exemplo, da introdução de “O Teu Cabelo Não Nega”, a marchinha dos irmãos Valença que Lamartine Babo requentou, Castro Barbosa gravou e Eleazar de Carvalho, então fuzileiro naval, fez a tuba dar o ritmo definitivo. O resultado é que até hoje a marchinha funciona como hino oficial do Carnaval.
Como compositor, ele pertence mais à música erudita do que à popular. A maioria dos seus choros são obras-primas de contraponto e fuga, numa faixa que o ouvido apressado -ou rude- apreende apenas um pouco do ritmo ou da melodia. Mesmo assim, algumas de suas composições pertencem ao patrimônio de todas as épocas: agradam a jovens e a velhos, são músicas intemporais, são Pixinguinha.
Ainda em vida, Pixinguinha tornou-se um clássico. Definido e definitivo. Para aqueles que o conheceram e com ele trabalharam, foi um dos mais estupendos exemplares da espécie humana.

Folha de São Paulo, 4 de abril de 2003

 

Ouça aqui a história do choro Carinhoso, de Pixinguinha, uma das mais emblemáticas canções da música popular brasileira

 

O nascimento e a origem do choro

 

 

“….possivelmente a partir de 1870, pelo gênio do flautista Joaquim Antônio da Silva Callado Júnior nasce o “choro”, oriundo das classes menos abastadas, na cidade do Rio de Janeiro, especificamente nos bairros da Cidade Nova, Catete, Rocha, Andaraí, Tijuca, Estácio e nas vilas do centro antigo, onde esta classe média baixa residia. As maiores influências do choro vêm da polca e do lundu. Inicialmente o choro tinha três partes, posteriormente,passou a ter duas, sempre com características modulantes e de rondó”. 

“…Alguns pesquisadores acreditam que a palavra “choro” é  derivada do latim “chorus” (coro). Outra vertente de pesquisadores, como José Ramos Tinhorão, afirma que o termo é derivado do verbo “chorar”. Os choros lentos (influência dos lundus chorados ou doce-lundu), por parecerem um lamento, lembram o verbo “chorar” e quando os instrumentos de cordas, principalmente o violão, são tangidos ao mesmo tempo para o acompanhamento da flauta, lembram um estado de melancolia. Segundo Luís da Câmara Cascudo, a palavra seria uma derivação de “xolo”, certo tipo de baile que os escravos faziam nas fazendas. Da palavra derivou o vocábulo “xoro”, que foi alterado para “choro”. Já Ary Vasconcelos acredita que a palavra é uma corruptela de “choromeleiros”, certa corporação de músicos do período colonial que executavam as “charamelas”. Segundo Henrique Cazes, os instrumentos de palhetas “charamelas” são precursores dos oboés, fagotes e clarinetes. Na primeira década do século XX o termo “choro” já denominava  o gênero, como uma forma musical definida e não mais como sinônimo de uma roda de músicos que executavam músicas populares”.

Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira

 

Ouça aqui a reportagem Choro é declarado Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo IPHAN, do Canal Gov

Ouça aqui o programa O choro e raízes da música popular brasileira, da Rádio Batuta

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

AMARAL, Euclides. Alguns aspectos da MPB. Rio de Janeiro : Esteio Editora, 2010.

Dicionário Cravo Albim de Música Popular Brasileira

Folha de São Paulo, 4 de abril de 2003

G1

Rádio Batuta

Site Appa – Arte e Cultura

Site Instituto Moreira Salles

Os 9 anos da Brasiliana Fotográfica

Neste mês a Brasiliana Fotográfica celebra seus nove anos de existência. Foi fundada em 17 de abril de 2015 pela Fundação Biblioteca Nacional e pelo Instituto Moreira Salles. Para marcar seu aniversário, o portal promove um seminário, no Auditório Machado de Assis, na Biblioteca Nacional, hoje, a partir das 14h. Aproveitamos para agradecer a nossos usuários e para divulgar alguns de nossos números: 72.473.810 visualizações, 11.019 imagens disponíveis em nosso acervo fotográfico, 506 artigos publicados e, além da participação das já mencionadas instituições fundadoras, a de 10 instituições parceiras: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, Escola de Ciências Sociais (FGV CPDOC), Fiocruz, Fundação Joaquim Nabuco, Leibniz-Institut fuer Laenderkunde, Leipzig; Museu Aeroespacial, Museu da República e Museu Histórico Nacional. Durante o evento, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro passará a integrar o portal. Vida longa à Brasiliana Fotográfica!

 

brasiliana

O evento será aberto por Marco Lucchesi, presidente da Fundação Biblioteca Nacional, e por Marcelo Araújo, diretor do Instituto Moreira Salles. O tema da primeira mesa será “Brasiliana Fotográfica: novas parcerias”, com Paulo Knauss e Carolina Alves. O da segunda mesa, “Brasiliana Fotográfica: acervo e acesso”, será apresentado por Diana Ramos e por mim, Andrea Wanderley. Após um rápido intervalo, Ana Maria Mauad e Amanda Farah serão as palestrantes da mesa “Brasiliana Fotográfica: pesquisa e difusão”. O encerramento será realizado pelos curadores do portal, Joaquim Marçal e Sérgio Burgi.

 

A imagem escolhida para ilustrar o convite para o evento é de autoria do fotógrafo italiano Vincenzo Pastore (1865 – 1918) e foi produzida em São Paulo, em torno de 1910.

 

 

Pastore, um fotógrafo entre dois mundos, foi um importante cronista visual de São Paulo da segunda metade do século XIX e do início do século XX. Com sua câmara ele capturava tipos e costumes de um cotidiano ainda pacato de São Paulo, uma cidade que logo, com o desenvolvimento econômico, mudaria de perfil. Captava as transformações urbanas e humanas da cidade, que passava a ser a metrópole do café. Com seu olhar sensível, o bem sucedido imigrante italiano flagrava trabalhadores de rua como, por exemplo, feirantes, engraxates, vassoureiros e jornaleiros, além de conversas entre mulheres e brincadeiras de crianças. Pastore, ao retratar pessoas simples do povo, realizou, na época, um trabalho inédito na história da fotografia paulistana.

 

Os 9 anos da Brasiliana Fotográfica*

Andrea C. T. Wanderley

Boa tarde! É um prazer estar aqui com vocês, apesar do frio na barriga… Vou tentar, a partir de minha experiência como editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica fazer uma resumida radiografia da história, do funcionamento e do que já foi realizado ao longo desses nove anos no portal apresentando, também, seus dados estatísticos. Como tenho muito a contar achei melhor escrever um texto e lê-lo pra vocês.

Quando me convidaram para participar deste seminário me lembrei do dia em que neste mesmo local a Brasiliana Fotográfica foi lançada. Dia 17 de abril de 2015. Já contratada como pesquisadora do portal, estava neste auditório ouvindo os idealizadores, os criadores da plataforma, Renato Lessa, então presidente da Biblioteca Nacional e Flavio Pinheiro, então diretor do Instituto Moreira Salles, quando, pela primeira vez, vi a imagem produzida pelo fotógrafo Antonio Luis Ferreira da Missa Campal celebrada em Ação de Graças pela abolição da escravatura no Brasil, realizada em 17 de maio de 1888, no Rio de Janeiro. Fiquei fascinada pela foto. Ali surgia a minha primeira ideia de pauta para a Brasiliana Fotográfica. Mas antes de publicar o artigo sobre ela, publiquei dois – sobre o Dia do Trabalho e sobre o Dia da Abolição da Escravatura.

Comecei a pesquisar sobre a imagem da missa campal e identifiquei a presença do escritor Machado de Assis na fotografia. Chamei a Elvia Bezerra, então Coordenadora de Literatura do IMS, mostrei a foto com zoom para os curadores do portal, Joaquim Marçal e Sérgio Burgi, e todos concordaram: era mesmo o Machado de Assis. Confirmei, por sugestão de Joaquim Marçal, com Eduardo Assis Duarte, professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, que considerou a descoberta significativa e, a fotografia, um documento histórico da maior importância. Foi então publicado, em 17 de maio de 2015 o artigo Missa Campal de 17 de maio de 1888. Pronto! Foi o primeiro furo da Brasiliana Fotográfica! Deu primeira página da Folha de São Paulo e foi notícia no Jornal Nacional! Foram tantos os acessos ao portal que o sistema foi derrubado e, graças à eficiente ação dos profissionais da BN Digital, logo recuperado! A descoberta também foi saudada pelo imenso historiador José Murilo de Carvalho que escreveu o artigo, Machado de Assis vai à missa, publicado no portal ainda em maio de 2015.

O futuro prometia! Acho que nossa equipe, que cresceu muito desde então, tem cumprido a promessa de, ao longo desses 9 anos, aumentar o repositório on-line de imagens do portal e levar a nossos usuários artigos relevantes a partir do destaque de imagens ainda mais relevantes.

Sobre nossos leais usuários falarei um pouco adiante.

Crescemos mesmo. No início, o acervo da Brasiliana Fotográfica contava com 2.393 imagens de suas duas instituições fundadoras. Hoje temos 11.019 imagens! São fotografias do século XIX e das três primeiras décadas do século XX. E agora, além das instituições fundadoras, são nossas parceiras, vou falar aqui em ordem de chegada:

O Leibniz-Institut fuer Laenderkunde, Leipzig, na Alemanha; o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, que entraram em 2016.

O Arquivo Nacional, a Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e o Museu da República que entraram em 2017.

Em 2018, foi a vez do Museu Histórico Nacional. No ano seguinte, a Fundação Joaquim Nabuco aderiu e, em 2020, o Museu Aeroespacial. Ano passado, a Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC passou a integrar o portal.

E hoje, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro se tornou parceiro da Brasiliana Fotográfica. Uma grande alegria que dá um brilho especial à essa comemoração de aniversário! E a perspectiva é que muitas outras instituições passem a integrar o portal nos próximos anos!

O acervo da Brasiliana Fotográfica é formado por imagens destas 12, em pouco tempo, com a entrada do IHGB, de 13 instituições importantíssimas nacional e internacionalmente. Como editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica me relaciono com profissionais de todas elas e saúdo a colaboração sempre eficiente e talentosa de vocês, a troca de idéias, de conhecimento e a amizade que se criou entre nós. Acredito que este ambiente de união e respeito, sem disputas, todos trabalhando na direção da excelência, seja, certamente, um dos fatores mais importantes do sucesso do nosso portal!

E vamos aqui dar uma definição objetiva do portal: a Brasiliana Fotográfica é um espaço para dar visibilidade, fomentar o debate e a reflexão sobre os acervos deste gênero documental, abordando-os enquanto fonte primária mas também enquanto patrimônio digital a ser preservado. É uma plataforma de difusão de conhecimento imagético e textual. Um de seus principais atrativos é a ferramenta de zoom, que permite a realização de verdadeiros passeios por suas imagens. Também é possível, registrando-se no site, selecionar imagens e direcioná-las para grupos que o próprio usuário cria, compartilhando as seleções com outras pessoas. Assim sendo, a Brasiliana Fotográfica amplia as possibilidades de pesquisa, sobretudo à distância, sem que o interessado de outras cidades precise, necessariamente, deslocar-se até o Rio de Janeiro.

Ao longo destes 9 anos, publicamos 506 artigos no portal, 122 escritos pelos parceiros ou por convidados externos e 400 por mim, sendo 26 em parceria com profissionais das instituições anteriormente mencionadas. Uma média de um artigo por semana. Durante 9 anos só interrompidos entre 11 de abril e 7 de junho de 2021 por um ataque cibernético. Acredito que a regularidade nas publicações seja outro fator definitivo no alcance da Brasiliana Fotográfica. Integrantes de todas as suas instituições formadoras já tiveram seus artigos publicados no portal. Como são muitos, não vou citá-los nominalmente.

Como convidados externos, destaco aqui, além da contribuição já mencionada de José Murilo de Carvalho, as participações da antropóloga Lylia Schwartz, recém eleita para a Academia Brasileira de Letras, da historiadora Ana Maria Mauad, fã do portal e uma das palestrantes de hoje, do jornalista Cássio Loredano, da doutora em Literatura Elvia Bezerra, do fotógrafo e educador Millard Schisler e da historiadora Maria Isabella Mendonça dos Santos, dentre vários outros. Todos estão listados na aba do portal CURADORES CONVIDADOS.

Então, são centenas de artigos! E como eles surgem? Essa é uma pergunta que me fazem recorrentemente. Bem, as pautas surgem de várias formas: a partir de uma fotografia ou de um grupo delas, por exemplo. Fico navegando no acervo fotográfico e as inspirações aparecem! Às vezes, pela beleza da imagem, às vezes pela importância do que é retratado ou por remeter a algum assunto interessante. Um exemplo bem atual é o artigo No último dia do verão, o céu e o sol do Rio de Janeiro por Guilherme Santos, com a imagem produzida por Guilherme Santos. Passeando pelo acervo me deparei com essa imagem belíssima. Ah, eu tinha que dar um destaque a ela. Queria que nossos usuários a vissem…Fiquei pensando e daí surgiu a ideia de colocá-la em um artigo sobre o fim do verão.

Outra linha de pesquisa é a das efemérides: pode ser a celebração de uma data ou de um evento histórico. Temos recentemente a publicação de um artigo sobre o Dia do Bibliotecário. Cidades, bairros, ruas, monumentos, a história da fotografia e das técnicas fotográficas são frequentemente assuntos de nossos artigos. Notícias atuais também podem render idéias e publicações. Por exemplo, em fevereiro li que o choro foi declarado patrimônio cultural imaterial. Agora em abril, spoiler!!!, será publicado um artigo no Dia Nacional do Choro.

Os parceiros muitas vezes propõe as pautas ou eu as proponho a eles. Tem dado certo! Foi o que aconteceu no artigo Foto icônica do arquivo histórico da Fiocruz ilustrará exposição em Lyon, França. A jornalista Cristiane d’ Ávila, da Casa de Oswaldo Cruz propôs o tema, enviou o texto com a foto, eu editei e o artigo foi publicado.

Motivada e inspirada pelo livro Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro, em que foi compilada a trajetória de fotógrafos e retratistas que documentaram o Brasil entre 1833 e 1910 e uma de minhas fontes de pesquisa mais frequentes, de autoria do professor Boris Kossoy, grande nome da fotografia e um entusiasta do portal, escrevi o perfil com cronologia de 66 fotógrafos e fotógrafas que atuaram no Brasil no século XIX até as primeiras décadas do XX. A primeira foi Militão Augusto de Azevedo (1837 – 1905) e sua obra-prima, o “Álbum comparativo da cidade de São Paulo 1862-1887″, ainda em maio de 2015 e, a última, em fevereiro deste ano sobre O fotógrafo alemão Theodor Preising (1883 – 1962), “o viajante incansável”. Por ideia do curador Joaquim Marçal, foi criada a aba do portal CRONOLOGIA DE FOTÓGRAFOS, onde todas as cronologias estão reunidas. Acredito que essa seja uma contribuição importante para a historiografia da fotografia no Brasil.

Já temos também publicações reunidas em cinco séries: Avenidas e ruas, com 18 artigos que proporcionam aos usuários verdadeiras caminhadas em cidades de todo o Brasil; Os arquitetos do Rio de Janeiro, com 5 artigos e O Rio de Janeiro desaparecido, com 27, que mostram, a partir dos registros como diversos fotógrafos viam a cidade, suas mudanças urbanas e seu desenho. Temos ainda a série Feministas, graças a Deus, com 17 artigos baseados em fotografias do acervo do Arquivo Nacional, que traz a história do começo do movimento feminista brasileiro e o perfil de várias feministas do início do século XX, dentre elas Bertha Lutz e Carmen Portinho. Finalmente, a série 1922 – Hoje, há 100 anos, com 11 artigos que pontuam alguns dos mais importantes acontecimentos ocorridos no referido ano, que foi marcante na história do Brasil. Acho, inclusive, que precisamos abrir uma nova aba reunindo todas estas séries.

Um das diversas consequências da difusão de fotografias com a produção de artigos em torno delas é a possibilidade de ampliação do conhecimento. Por exemplo, em 30 de outubro de 2017, foi publicado o artigo O fotógrafo português Francisco du Bocage (14/04/1860 – 22/10/1919). Em 2018, um de seus bisnetos, Sergio Du Bocage, entrou em contato conosco e agendamos um encontro. Ele trouxe documentos do fotógrafo que foram incorporados à nossa publicação.

Abre aspas: “Segundo um documento de identificação expedido em 10 de abril de 1918, no Recife, Bocage era português, naturalizado brasileiro, casado, tinha 1m68 de altura, olhos castanhos escuros, cabelos grisalhos, bigodes brancos, barba raspada e sua profissão era comerciante. Traz ainda uma imagem e a assinatura do fotógrafo”. Fecha aspas.

Outra contribuição interessante dos usuários surgiu de uma ideia do curador Sérgio Burgi. Convidamos os leitores a nos ajudar na identificação de outras pessoas que estavam na foto da missa campal de 1888. Desta forma, além de termos criado um vínculo mais próximo entre os usuários e o portal, conseguimos nomear vários personagens presentes no registro e dois artigos foram publicados com as novas “descobertas”.

Bem, a visão é escrever de modo claro sobre assuntos interessantes ancorados em imagens relevantes e numa pesquisa rigorosa e extensa. Aqui destaco a gloriosa Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, uma fonte de informação absolutamente genial. Em cerca de 90 por cento do que escrevo a hemeroteca é uma das referências mais importantes.

Uma preocupação do portal é divulgar fotografias de todas as regiões do Brasil. Até hoje, no escopo do período abordado pela Brasiliana, são mais conhecidos fotógrafos que atuaram no Rio de Janeiro, em São Paulo, na Bahia e em Pernambuco, mas, nos nossos artigos, imagens de todas as regiões do país já foram destacadas.

Agora o leitor de imagens e de textos, para quem todo esse trabalho é realizado! Este usuário que não conhecemos, que pode ser uma criança, um adulto, um aluno dos graus mais variados, um professor, um curioso. Vocês são responsáveis por 72.473.810 visualizações em nosso portal!!! É uma honra, um privilégio e uma enorme responsabilidade produzir para vocês!!! Usuários, em nome de toda a equipe da Brasiliana Fotográfica, muito obrigada pela audiência e prestígio que vocês dão ao nosso portal!!! Esta é, na verdade, a grande parceria, a grande e almejada interação: a das instituições formadoras da Brasiliana Fotográfica com vocês!!! Vamos em frente!!!

Então, resumindo a Brasiliana em números nestes 9 anos: temos em nosso acervo fotográfico 11.019 imagens de 12 instituições. Já publicamos 506 artigos e tivemos 72.473.810 visualizações.

Saúdo especialmente dois colaboradores imprescindíveis no dia a dia da Brasiliana Fotográfica: os gestores de conteúdo Roberta Zanatta, do Instituto Moreira Salles, e Vinícius Martins, da Fundação Biblioteca Nacional. Colegas de trabalho que se tornaram amigos!

Me despeço, agradecendo à confiança das instituições fundadoras e parceiras do portal e de seus curadores, Sérgio Burgi e Joaquim Marçal. Podem ter certeza que trabalho com o máximo de seriedade e comprometimento. E também com muita alegria e entusiasmo!

Acredito que juntos realizamos um trabalho importante voltado ao desenvolvimento da educação e da cultura de nosso país, fazendo com que a história da fotografia, a memória e a própria História do Brasil estejam cada vez mais ao alcance da população. Viva a Brasiliana Fotográfica! Vida longa à Brasiliana Fotográfica!

Muito obrigada!

 

*Palestra realizada por Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica, durante o evento sobre os 9 anos de aniversário da Brasiliana Fotográfica, realizado, em 2 de abril de 2024, no Auditório Machado de Assis, na Biblioteca Nacional.