Category Archives: Curadoria

Foto icônica do arquivo histórico da Fiocruz ilustrará exposição em Lyon, França

 

Foto icônica do arquivo histórico da Fiocruz ilustrará exposição em Lyon, França

Cristiane d’Avila e Ana Luce Girão*

 

No dia 12 de abril, o Museu das Confluências, em Lyon, França, abrirá a exposição Epidemias, cuidando dos vivos. Segundo o texto de abertura do evento, as epidemias são fenômenos biológicos e sociais derivados da inter-relação entre a saúde humana, animal e ambiental. Além de chamar a atenção para a convergência de fatores que podem ocasionar crises sanitárias complexas, a exposição destaca a relevância do passado como fonte de aprendizados para emergências futuras. Ao menos essa parece a mensagem dos curadores com a escolha da imagem que ilustrará o catálogo do evento: uma fotografia de Oswaldo Cruz (1872 – 1917), seu filho Bento Oswaldo Cruz (1895 – 1941) e o pesquisador Carlos Burle de Figueiredo (18? – 1960), em Manguinhos, no ano de 1910.

 

 

A exposição Epidemias, cuidando dos vivos, exibirá coleções de medicina, etnografia, espécimes de história natural e obras contemporâneas sobre as epidemias de peste bubônica, varíola, cólera, gripe de 1918 (gripe “espanhola”), aids e covid-19. O objetivo é percorrer a história da microbiologia para explicar como a humanidade tem enfrentado esses eventos ao longo do tempo. Nessa perspectiva, parece apropriado homenagear o microbiologista que enfrentou doenças cujos surtos ceifaram milhares de vidas, entre o final do século XIX e o início do século XX, no Brasil.

Desde muito jovem, o médico voltou sua carreira para a experimentação, sendo o laboratório seu lugar de pesquisa por excelência. Em sua tese de doutoramento em medicina no Rio de Janeiro, intitulada “A veiculação microbiana pelas águas”, Oswaldo Cruz mergulhou no universo dos micróbios para investigar a qualidade da água que abastecia a cidade.

Recém-formado, instalou um laboratório de análises clínicas em sua casa, no Jardim Botânico, então Freguesia da Gávea, zona sul do Rio. Nesse laboratório particular e no do médico e cientista Chapot Prévost (1864 – 1907), examinou amostras de doentes de cólera, durante o surto da doença no Vale do Paraíba, em 1894. Nesse mesmo período, a convite do médico Egydio Salles Guerra (1858 – 1945), chefe da Policlínica Geral do Rio de Janeiro, montou um laboratório de análises clínicas no Serviço de Moléstias Internas da Policlínica.

Pouco depois, Oswaldo foi a Paris se capacitar em microbiologia no Instituto Pasteur, onde teve o privilégio de estudar com Émile Roux (1853 – 1933), Elie Metchnikoff (1845 – 1916) e outros cientistas da primeira geração de pasteurianos. No Instituto de Toxicologia de Paris participou de experiências no campo da medicina legal, com Charles Vibert (1854 – 1918) e Jules Ogier (1853 – 1913), também cientistas de renome. A fim de ter uma especialidade clínica, buscou nova especialização em moléstias das vias urinárias com o prof. Félix Guyon (1831 – 1920). Para além da formação científica e clínica, encontrou tempo para aprender a fazer vidraria de laboratório em uma fábrica de vidros local, técnica que seria futuramente adotada no Instituto que levaria seu nome.

Em 1899, pouco tempo depois de seu retorno de Paris, Oswaldo Cruz foi para Santos, onde ocorria um surto de peste bubônica, já diagnosticado pelos médicos Adolpho Lutz (1855 – 1940) e Vital Brazil (1865 – 1950), do Instituto Bacteriológico de São Paulo. Para combater a doença era necessária uma grande quantidade de soro antipestoso. A criação do Instituto Soroterápico Federal, no qual Oswaldo Cruz assumiria inicialmente a direção técnica e posteriormente a direção geral, e do Instituto Butantan, em São Paulo, são uma consequência direta deste evento.

Situado no bairro de Manguinhos, então freguesia de Inhaúma, distante da malha urbana, mas acessível pela Estrada de Ferro Leopoldina e pelo porto de Inhaúma, o Instituto Soroterápico Federal foi instalado em uma antiga fazenda que pertencia à municipalidade do Rio de Janeiro. Ao assumir a direção geral, Oswaldo Cruz começa a implantar seu projeto de um centro de pesquisas, produção e ensino, aos moldes do Instituto Pasteur. Em 1908, o instituto recebe um novo estatuto e passa a se chamar Instituto Oswaldo Cruz (IOC), em homenagem ao seu diretor.

Em 1903, Oswaldo Cruz passa a acumular também a função de diretor da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), órgão responsável pelos serviços sanitários da Capital Federal e dos portos. Sua principal tarefa era implementar campanhas sanitárias para combater os surtos de febre amarela, varíola e peste bubônica. Em 1907, a cidade do Rio de Janeiro é declarada livre de febre amarela e os casos de peste bubônica estavam em franco declínio. O combate à varíola, feito através da vacina, não obteve o mesmo sucesso, e em 1908 a cidade seria atingida por um novo surto desta doença.

Em 1909, quando deixa a DGSP e passa a se dedicar exclusivamente ao IOC, as obras das novas instalações estavam a todo vapor. Do que hoje chamamos de Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos (NAHM), já estavam concluídos o Pavilhão da Peste e a Cavalariça, onde se produzia o soro antipestoso, e o Pombal, dedicado à criação de animais de laboratório e de pombos correio, que faziam a comunicação entre o IOC e a DGSP.

O Pavilhão Mourisco, cuja construção só se concluiria em 1918, já contava com dois andares finalizados. Nestes funcionavam vários laboratórios, dentre os quais o de Oswaldo Cruz, que, assim como os demais, apresentava “paredes lisas, sem ornamentação, revestidas com azulejos brancos e com cantos arredondados nas junções entre as paredes e o piso”, detalham os arquitetos Renato da Gama-Rosa Costa e Alexandre Jose de Souza Pessoas no livro Um lugar para a ciência: a formação do campus de Manguinhos (2003, p.59). Atualmente, esses espaços abrigam exposições e atividades culturais e de divulgação científica voltadas para o público que trabalha e visita o Pavilhão Mourisco.

 

 

 

* Cristiane  d’Avila é jornalista e Ana Luce Girão é historiadora do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz)

 

 

 

Referências:

COSTA, R. G. R., PESSOA, A. J. S. Um lugar para a ciência: a formação do campus de Manguinhos [online]. Coord. Benedito Tadeu de Oliveira. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2003, 264 p. Coleção História e saúde. ISBN: 978-65-5708-113-6. https://doi.org/10.7476/9786557081136.

CRUZ, Oswaldo Gonçalves. A vehiculação microbiana pelas águas. These apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Typographia da Papelaria e Impressora (S.A), 1893.

GUERRA, Egydio Salles. Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, Vecchi, 1940.

Site: Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz. Disponível em https://oswaldocruz.fiocruz.br/. Acesso em 19/03/2024.

Documento: Diário de laboratório de Oswaldo Cruz. Arquivo Pessoal Oswaldo Cruz. Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.

 

Acesse aqui o artigo O cientista Oswaldo Cruz (1872 – 1917), prefeito de Petrópolis, escrito por Cristiane d’Avila e Ana Luce Girão em parceria com Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica. Foi publicado no portal em 28 de dezembro de 2017.

 

Série “Feministas, graças a Deus!” XVII – Anna Amélia Carneiro de Mendonça e o Zeppelin

No 17º artigo da série Feministas, graças a Deus! a equipe de Documentação da Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC, instituição parceira da Brasiliana Fotográfica, traz para nossos leitores um pouco da história da poeta e feminista carioca Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça (1896 – 1971) com fotos dela no Rio de Janeiro e também de uma viagem que realizou para Istambul, que sediou, no mês de abril de 1935, o XII Congresso da Aliança Internacional de Mulheres pelo Sufrágio e Igualdade de Cidadania, e para outros países da Europa. Ela foi a representante do Brasil no evento e a engenheira Carmen Portinho (1903 – 2001) e Edith Fraenkel (1889 – 1968), que foi a primeira presidente eleita da Associação Brasileira de Enfermagem e uma de suas fundadoras, foram como suplentes. Durante sua vida, Anna Amélia sempre esteve engajada na defesa dos direitos das mulheres, apoiando as iniciativas promovidas pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, onde foi vice-presidente e lutou pelo voto feminino. Ao final do artigo, está publicado um brevíssimo perfil de Anna Amélia, escrito por Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal. Feliz 2024!

 

 

Acessando o link para as fotografias relativas à Anna Amélia Queiroz Carneiro de Mendonça do acervo da FGV CPDOC disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

 

ANNA AMÉLIA E O ZEPPELIN

Equipe de Documentação da Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC

 

O MOTIVO

 

O XII Congresso da Aliança Internacional de Mulheres pelo Sufrágio e Igualdade de Cidadania aconteceu em Istambul, entre 18 e 25 de abril de 1935. Até essa data, os congressos da Aliança (International Alliance of Women for Suffrage and Equal Citizenship) eram, majoritariamente, centrados na Europa. A partir de então, a organização procura se aproximar e concentrar suas reuniões em nações do Oriente e da América Latina. Nesse contexto, o décimo segundo congresso acontece, pela primeira vez, fora do eixo europeu, como forma de comemorar junto a movimentos feministas locais e ao governo a recente introdução do direito a voto e outras garantias de igualdade política femininas na Turquia. A delegação brasileira também comemorava o direito ao voto da mulher, recém conquistado em 1932 com a promulgação do novo Código Eleitoral. As delegadas brasileiras foram a engenheira Carmen Portinho (1903 – 2001), a enfermeira Edith Fraenkel (1889 – 1969) e a poetisa Anna Amélia Carneiro de Mendonça (1896 – 1971).

 

  Programa do XII Congresso da Aliança Internacional de Mulheres pelo Sufrágio e Igualdade de Cidadania

Programa do XII Congresso da Aliança Internacional de Mulheres pelo Sufrágio e Igualdade de Cidadania / Acervo FGV CPDOC

 

Anna Amélia, poeta, tradutora, ativista feminista e estudantil, nasceu em 17 de agosto de 1896, na cidade do Rio de Janeiro. Como outras mulheres de sua época, não foi matriculada em nenhuma instituição de ensino formal, e recebeu educação em seu lar, sendo instruída nos idiomas português, inglês, francês e alemão. Em 1911, com 14 anos de idade, publica seu primeiro livro de poesias – Esperança.

A participação política de Anna Amélia começa a ganhar destaque quando, em 1929, junto a estudantes universitários e representantes da Escola Naval e da Escola Militar, funda a Casa do Estudante Brasileiro (CEB) e se torna a primeira presidente da instituição. Sua atuação estava voltada para a promoção do intercâmbio cultural entre os estudantes e para a interação entre empresas e alunos, visando auxiliar na busca por empregos e garantindo a compatibilidade com os horários das aulas. Vale ressaltar, que nesse momento surge o primeiro bandejão universitário.

 

 

Anna Amélia desempenhou relevante papel no movimento feminista brasileiro. Em 1931, participou do II Congresso Internacional Feminista, organizado pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), tendo apresentado a tese – O problema da habitação para moças-estudantes e o projeto de uma casa para a estudante brasileira na organização da Casa do Estudante do Brasil  – associando seu ativismo estudantil com a situação feminina, e reivindicando o aumento de mulheres no ensino superior brasileiro. A partir desse momento, ganhou destaque entre as organizações feministas do país, chegando a assumir a vice-presidência da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.

Tornou-se a primeira mulher a integrar a equipe de apuração de votos no Tribunal Superior Eleitoral, fazendo parte da mesa apuradora das eleições. Sua contribuição foi destacada na edição de fevereiro de 1935 do Boletim da Federação Brasileira Pelo Progresso Feminino, onde foi reconhecida como uma das figuras proeminentes que lutaram pelos direitos das mulheres durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1934.

Representante escolhida pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em 10 de abril de 1935, Anna Amélia é confirmada, pelo presidente Getúlio Vargas, porta-voz da delegação brasileira no XII Congresso da Aliança Internacional de Mulheres pelo Sufrágio e Igualdade de Cidadania. No dia 11, parte para a Turquia.

 

Passaporte de Anna Amélia / Acervo

Passaporte de Anna Amélia / Acervo FGV CPDOC

 

VOANDO NO ZEPPELIN

 

Anna Amélia, acompanhada do marido, Marcos Carneiro de Mendonça (1894 – 1988), historiador e goleiro do Fluminense, e da filha mais velha, Marcia Cláudia, embarca no dia 11 de abril, no Rio de Janeiro.

 

 

A viagem, a bordo do Zeppelin, teve uma escala em Recife  e durou cinco dias, seguindo pelo mar e pela costa da África e da Europa até seu ponto final, a cidade alemã de Friedrichshafen.

 

 

 

 

 

 

 

Anna Amélia escreve em seu diário sobre o “monstro flutuante”:

“Deixando a longe o tapete mágico do litoral brasileiro o Zeppelin conquista o mar alto e o céu amplo. Azul transparente e fluido sobre a nossa cabeça; azul compacto e forte abaixo de nós. Um dia só entre os dois abismos e o monstro flutuante está sobre Marrocos, dominando as cidades alvas que se recortam lá embaixo como detalhadas maquetes de gesso. Depois Gibraltar à espreita, e a Europa que se esforça com as plantas levadas das cordilheiras” (AACM lit 1972.07.15)

 

 

 

O voo chegou à Friedrichshafen, no dia 16 de abril e o Zeppelin sobrevoa a cidade, antes de pousar. Friedrichshafen fica no extremo-sul da Alemanha constituída por pequenas casas, campos de plantação e grandes hangares de estacionamento e construção de dirigíveis.

 

 

 

 

 

 

 

 

De Friedrichshafen, Anna Amélia segue de trem para a Turquia, chegando a Istambul dia 20, e se hospeda no Hotel Continental durante o Congresso.

 

 

 

 

Anna Amélia escreve em seu diário:

Istambul… Fica nos meus olhos o encantamento de uma tarde. Os minaretes da cidade velha são braços de ouro sobre a gama do horizonte. Uma voz mágica chama para a prece. E neste momento Istambul é bem o Oriente, e é toda a poesia que eu fui buscar. (AACM lit 1972.07.15. p.5)

Anna Amélia se surpreende com o crescente avanço progressista que marcava o país, principalmente, nas questões das mulheres. Ela registra que as mulheres turcas não estavam mais com os “rostos velados por véus negros” ou “encarceradas em harens“, vivendo em condições cada vez mais igualitárias, ocupando as faculdades – medicina, direito, jornalismo – e atuando na política, como deputadas na Assembleia Nacional.

É nessa oportunidade de mostrar a modernidade da nova sociedade turca que o governo do país se organiza junto a seu movimento feminista para receber o XII Congresso da Aliança Internacional de Mulheres pelo Sufrágio e Igualdade de Cidadania.

Além de participar de conferências e votações, Anna Amélia apresenta a candidatura da então presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, a ativista Bertha Lutz (1894 – 1976), para a Comissão Executiva da  International Alliance of Women for Suffrage and Equal Citizenship. Esse momento de congregação foi também a oportunidade de se aproximar de outras lideranças feministas, como Latife Bekir, política turca, e outros grandes nomes como Nancy Astor e Margery Corbett Ashby.

O ponto alto do evento foi sua palestra no Teatro Municipal de Istambul. Com o discurso “A Mulher Cidadã”, Anna discursa sobre o movimento feminino no Brasil, o dever da mulher cidadã e, principalmente, seu trabalho pela paz universal. Além da oportunidade de se expressar, o congresso foi um momento de aprender, com influências em seu trabalho e ativismo que serão vistos em textos e discursos posteriores.

 

 

 

A viagem de Anna Amélia e sua família seguiria ainda por outros países da Europa: Hungria, Áustria, Alemanha, Bélgica, França, Inglaterra, Luxemburgo, Suíça, Itália, Mônaco, Espanha e Portugal. Ela retorna ao Rio de Janeiro, de navio, no dia 15 de agosto de 1935, após 95 dias de viagem.

Em 15 de abril de 1936, um ano após a viagem, Anna Amélia dá uma entrevista a uma rádio e afirma:

Entreguem às mulheres a solução dos desentendimentos internacionais, e verão como se ensina os povos, a tolerância e o bom senso. Nada de canhões atroadores, gases asfixiantes, bombardeios aéreos. Mas palavras sinceras, corações abertos, mãos leais abertas para um gesto fraternal. A mulher quer a paz. E a sua tenacidade provará ao mundo que esse lindo sonho de hoje pode vir a ser a ventura dos homens de amanhã. (AACM mf 1936.03.11, 1A)

Em 1976, foi lançado seu diário de viagem, Quatro Pedaços do Planeta no Tempo do Zeppelin.

 

annamelia9

 

Fontes:

ANNA AMÉLIA: Feminismo no tempo do Zeppelin. Direção: Tarcila Soares Formiga. Rio de Janeiro, 2019. (10min39). Disponível em: https://youtu.be/l3yvqyO33hg?si=gW_-_8j-PLElZxiO

Arquivo pessoal Anna Amélia Carneiro de Mendonça (FGV CPDOC)

https://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=AACM_mf&hf=www18.fgv.br&pagfis=180

GLEW, Helen. Embracing the language of human rights: International women’s organizations, feminism and campaigns against the marriage bar, c.1919–1960. Gender & History, Londres, v.35,  p.(780–794), 2023. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/journal/14680424

RUPP, Leila J. Worlds of Women: The Making of an International Women’s Movement. Princeton: Princeton University Press, 1998.

 

Brevíssimo perfil de Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça (1896 – 1971)

Andrea C.T. Wanderley*

 

Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, nascida em 17 de agosto de 1896, no Rio de Janeiro, era filha de José Joaquim de Queiroz Jr (1870 – 1919) e de Laura Palhares Machado (1874 – 1941); e irmã de Laura Margarida (1898 – 1995) e Maria José (1911 – 1984). Esta última foi casada com o jornalista e professor Austregésilo de Athayde (1898 – 1993), que foi durante muitos anos, entre 1958 e 1993, presidente da Academia Brasileira de Letras.

Viveu em Minas Gerais até 1911, quando sua família retornou ao Rio de Janeiro. Sua formação primária e secundária foi proporcionada por diversas preceptoras estrangeiras que se sucederam em sua casa. Ela e suas irmãs aprenderam a falar fluentemente alemão, francês e inglês, e tiveram aulas de Botânica, Geografia, História, Matemática, Música e Pintura.

Casou-se, em 17 de dezembro de 1917, com o mineiro Marcos Carneiro de Mendonça (1894 – 1988), goleiro do Fluminense e o primeiro goleiro da seleção brasileira, considerado o primeiro ídolo do futebol no Brasil (O Paiz, 17 de dezembro de 1917, quarta coluna), tendo sido presidente do Fluminense Football Club, entre 1941 e 1943. Foi também historiador e escritor. Anna Amélia apaixonou-se por ele, em torno de 1913, quando assistiu a uma partida do América Football Club. Sobre essa paixão, escreveu um poema:

 

“Foi sob um céu azul, ao louro sol de maio,
Que um dia eu te encontrei formoso como Apolo,
E meu amor nasceu num luminoso raio,
Como brota a semente à umidade do solo.
Havia tanta vida. Era tão verde o campo.
E eu senti-me envolver num clarão muito doce,
Esse clarão cresceu, cresceu e acentuou-se
Como o sol ao raiar pelo horizonte escampo.
E eu te amei… Foi assim–verdes frondes, contai-o
Que, banhado de luz, entre os beijos de Eolo,
Sob um céu muito azul, ao louro sol de maio,
Um dia te encontrei formoso como Apolo”. 

 

Anna Amélia e Marcos tiveram quatro filhos: Márcia Claudia (1918 – 2012), Eliana Laura (1920 – 1920), José Joaquim (1921 – 1999) e Bárbara Heliodora (1923 – 2015). A partir de 1944, o casal passou a morar no Solar dos Abacaxis, como era conhecido um palacete do século 19 no bairro do Cosme Velho, projeto do arquiteto José Maria Jacinto Rabelo  (1821 – 1871), discípulo do arquiteto Grandjean de Montigny (1776 – 1850). Havia sido construído, em 1843, pelo comendador Borges da Costa, bisavô de Anna Amélia. Deve seu nome aos abacaxis de ferro que enfeitam suas sacadas. Anna Amélia e Marcos foram anfitriões, na mansão, de inúmeras festas e saraus que reuniam artistas, diplomatas, empresários, escritores, estudantes, intelectuais, políticos e personalidades da elite carioca.

 

 

Anna Amélia traduziu para o português Hamlet, além de outras obras de autoria de William Shakespeare (1564 – 1616), poeta e dramaturgo inglês, e a caçula do casal, Bárbara Heliodora, foi uma das maiores especialistas, no Brasil, em Shakespeare, além de uma importante crítica teatral.

 

 

Anna Amélia foi pioneira na introdução do tema do futebol na literatura brasileira com a poesia O Salto, publicada no livro Alma (1922). Seu encantamento com o esporte surgiu de sua convivência com os empregados da Usina Esperança, em Itabirito, em Minas Gerais, de propriedade de seu pai. Segundo Bernardo Buarque de Hollanda (1974-), o poema teria sido composto na casa de Coelho Neto (1864 – 1934), durante um dos saraus dominicais entre jogadores do Fluminense da década de 1910 e 1920:

O Salto

 Ao ver-te hoje saltar para um torneio atlético,

Sereno, forte, audaz, como um vulto da Ilíada,

Todo o meu ser vibrou num ímpeto frenético,

Como diante de um grego, herói de uma Olimpíada.

Estremeci fitando esse teu porte estético,

Como diante de Apolo estremecera a dríada.

Era um conjunto de arte esplendoroso e poético

Enredo e inspiração para uma helioconíada

No cenário sem par de um pálido crepúsculo

Tu te lançaste no ar, vibrando em cada músculo

Por entre as aclamações da massa estusiástica

Como um deus a baixar o Olimpo, airoso e lépido

Tocaste o solo, enfim, glorioso ardente, intrépido,

Belo na perfeição da grega e antiga plástica”.

 

Outros livros de sua autoria foram Esperanças (1911)Ansiedade (1926)A Harmonia das coisas e dos seres (1936), Versos que eu digo (1937), Mal de amor (1939), Castro Alves, um estudante apenas (1950), Poemas (1951), 50 poemas de Ana Amélia (1957) e Todo mundo (1959).

Foi uma das fundadoras, com o teatrólogo Paschoal Carlos Magno  (1906 – 1980) e com a advogada e feminista Maria Luiza Dória Bittencourt (1910 – 2001), entre outros, da Casa do Estudante Brasileiro (CEB), em 13 de agosto de 1929. Foi sua primeira presidente, tornando-se vitalícia no cargo. A CEB foi importante no surgimento do Teatro do Estudante, criado, em 1938, por Paschoal Carlos Magno; e do Teatro Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento (1914 – 2011), fundado em 1944.

 

 

Seus poemas e crônicas foram publicados em importantes jornais do país como O GloboO Jornal, A Noite e nas revistas O Cruzeiro, Fon-Fon e Careta, dentre outras.

Um dos artigos da edição especial da revista Cruzeiro, de 15 de dezembro de 1928, sobre as Praias de Banho no Rio de Janeiro, em Paquetá e em Niterói, intitulado Em louvor das praias, foi escrito por Anna Amélia, então Rainha dos Estudantes, coroada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 26 de setembro de 1928 (O Paiz, 26 de setembro de 1928, penúltima coluna).

Foi diretora no suplemento feminino do Diário de Notícias e, como já mencionado, a primeira mulher a integrar o Tribunal Superior Eleitoral, fazendo parte da mesa apuradora das eleições de 1934. Foi secretária do Hospital Pró-Matre e presidenta da Associação Brasileira de Educação entre 1941 e 1942.  Em 1942, foi escolhida como representante do Brasil na Comissão Internacional de Mulheres, com sede na União Pan-Americana em Washington, posição que ocupou durante três anos; e, em 1967, foi a convidada do governo de Israel como representante da mulher brasileira no Congresso Internacional Feminino pela Paz e Desenvolvimento.

Faleceu no Rio de Janeiro, em 31 de março de 1971, de ataque cardíaco (O Jornal, 2 de abril de 1971Manchete, 24 de abril de 1971).

 

 

Pouco mais de um ano depois de sua morte, foi publicado um depoimento do jornalista, crítico de arte e  professor Mário Barata (1921 – 2007) sobre ela, a brasileira perfeita…síntese feminina de quatro séculos e meio de caminho para a civilização, de origem lusa, nos trópicos (Jornal do Commercio, 24 de março de 1972, terceira coluna).

 

 

Em 1976, quase cinco após seu falecimento, foi lançado seu diário de viagem, Quatro Pedaçodo Planeta no Tempo do Zeppelin, pela Archimedes Edições (Jornal do Commercio, 4 de janeiro de 1976).

Assista aqui  Anna Amélia – Feminismo no tempo do Zeppelin, dirigido e roteirizado por Tarsila Soares Formiga, produzido na Oficina de Audiovisual em Sala de Aula, ofertada pelo Núcleo de Audiovisual e Documentário da FGV CPDOC em 2019.

 

*Andrea C.T. Wanderley é editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica.

 

Fontes:

ARAÚJO, D. Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça: a introdução do futebol na poesia do Brasil. FuLiA/UFMG [revista sobre Futebol, Linguagem, Artes e outros Esportes], [S. l.], v. 7, n. 3, p. 16–39, 2023. DOI: 10.35699/2526-4494.2022.38766. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/fulia/article/view/38766.

DUARTE, Constância Lima. Anna Amélia: militância e paixão. Interdisciplinar v. 3, n. 3, p. 22-30 – jan/jun de 2007

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

MONTEIRO, Alessandra Nóbrega; COSTA, Anna Beatriz Oliveira Menezes. Anna Amélia: feminismo brasileiro à luz de um arquivo pessoal. Revista Discente Ofícios de Clio, Pelotas, vol. 6, n° 10 | janeiro – junho de 2021.

SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Erico Vital (organizadores). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 2000.

Site Associação Brasileira de Educação

Site Memória de Família

 

Acesse aqui os outros artigos da Série “Feministas, graças a Deus!”

Série “Feministas, graças a Deus!” I – Elvira Komel, a feminista mineira que passou como um meteoro, publicado em 25 de julho de 2020, de autoria da historiadora Maria Silvia Pereira Lavieri Gomes, do Instituto Moreira Salles, em parceria com Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” II  – Natércia da Cunha Silveira (1905 – 1993), o jequitibá da floresta, publicado em 20 de agosto de 2020, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” III  – Bertha Lutz e a campanha pelo voto feminino: Rio Grande do Norte, 1928, publicado em 29 de setembro de 2020, de autoria de Maria do Carmo Rainha, doutora em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” IV  – Uma sufragista na metrópole: Maria Prestia (? – 1988), publicado em 29 de outubro de 2020, de autoria de Claudia Heynemann, doutora em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” V – Feminista do Amazonas: Maria de Miranda Leão (1887 – 1976), publicado em 26 de novembro de 2020, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, mestre em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” VI – Júlia Augusta de Medeiros (1896 – 1972) fotografada por Louis Piereck (1880 – 1931), publicado em 9 de dezembro de 2020, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” VII – Almerinda Farias Gama (1899 – 1999), uma das pioneiras do feminismo no Brasil, publicado em 26 de fevereiro de 2021, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” VIII – A engenheira e urbanista Carmen Portinho (1903 – 2001), publicado em 6 de abril de 2021, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” IX – Mariana Coelho (1857 – 1954), a “Beauvoir tupiniquim”, publicado em 15 de junho de 2021, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” X – Maria Luiza Dória Bittencourt (1910 – 2001), a eloquente primeira deputada da Bahia, publicado em 25 de março de 2022, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XI e série “1922 – Hoje, há 100 anos” VI – A fundação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, publicado em 9 de agosto de 2022, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XII e série “1922 – Hoje, há 100 anos” XI – A 1ª Conferência para o Progresso Feminino, publicado em 19 de dezembro de 2022, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, historiadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” XIII – E as mulheres conquistam o direito do voto no Brasil!, publicado em 24 de fevereiro de 2023, de autoria de Andrea C T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XIV – No Dia Internacional da Mulher, Alzira Soriano, a primeira prefeita do Brasil e da América Latina, publicado em 8 de março de 2023, de autoria de Andrea C T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XV – No Dia dos Povos Índígenas, Leolinda Daltro,”a precursora do feminismo indígena” e a “nossa Pankhurst, publicado em 19 de abril de 2023, de autoria de Andrea C T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XVI – O I Salão Feminino de Arte, em 1931, no Rio de Janeiro, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica, publicado em 30 de junho de 2023

O “Dr. Photographo” Oswaldo Cruz

Ricardo Augusto dos Santos, Felipe Almeida Vieira e Francisco dos Santos Lourenço, pesquisadores da Fiocruz, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica, são os autores do artigo O “Dr. Photographo” Oswaldo Cruz, que traz para os leitores do portal uma faceta pouquíssimo conhecida do cientista: ele era um entusiasta da fotografia e este interesse ocupou um lugar importante tanto em sua vida privada como na profissional. Atuou muitas vezes como fotógrafo e foi personagem central de inúmeras fotografias ao longo de sua vida. Com a publicação de registros realizados por ele próprio, por fotógrafos ainda não identificados, pelo fotógrafo português José Ferreira Guimarães (1841 – 1924) e por J. Pinto (1884 – 1951), fotógrafo baiano que atuou muitos anos na Fundação Oswaldo Cruz, vamos conhecer um pouco desta história.

 

 

Acessando o link para as fotografias relativas a este artigo disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

O “Dr. Photographo” Oswaldo Cruz

 

Ricardo Augusto dos Santos, Felipe Almeida Vieira e Francisco dos Santos Lourenço*

 

Oswaldo Gonçalves Cruz (1872 – 1917) era um apaixonado pela fotografia. O interesse na criação de imagens em suporte sensível ocupou um lugar de destaque em sua vida privada e no mundo do trabalho. Ele próprio atuou como fotógrafo e foi personagem central de inúmeras fotografias de conteúdos distintos ao longo de sua gloriosa existência.

 

 

 

É importante registrar que nem sempre foi possível a identificação dos profissionais que contribuíram para eternizar a imagem de Oswaldo Cruz com suas lentes, já que a maioria de seus nomes se perdeu no tempo. Nessa perspectiva, até mesmo as fotografias atribuídas a Oswaldo Cruz apresentam um quantitativo subestimado em virtude da carência de elementos descritivos, como datas, nomes e locais, que comprovem a sua autoria.

As raras fontes existentes indicam que Oswaldo Cruz demonstrou interesse pela fotografia quando morou em Paris, na França, com a família, entre 1897 e 1899, a fim de aprimorar seus conhecimentos médico-científicos. Em carta a Emília da Fonseca Cruz, a Miloca (1873 – 1952), sua esposa, retornando da Exposição Internacional de Higiene de Dresden, na Alemanha, em 1911, fez menção a um passeio turístico para Fontainebleau, em 1897. Nessa ocasião, retratou a esposa, filhos e monumentos históricos.

 

 

De acordo com Ezequiel Dias (1880 – 1922), cientista e cunhado de Oswaldo, este se dedicava tanto à fotografia que se tornou um perito na arte, passando os domingos envolvido com a prática. Essa narrativa também foi compartilhada nas memórias afetivas do professor Eduardo Oswaldo Cruz (1933 – 2015), que herdou verdadeiras “preciosidades documentais” deixadas por seu ilustre avô. O material encontra-se sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz.

“O interesse de Oswaldo pela fotografia é evidente pela presença em sua casa da Praia de Botafogo, número 406, de uma câmara escura, localizada ao lado de sua sala de estudo (que ele denominava ‘meu Palácio de Cristal’), o que assegurava condições ideais para seu entretenimento. Sabemos que o próprio executava todas as manipulações necessárias, incluindo a sensibilização das placas, sua revelação e preparo dos positivos”.

Eduardo Oswaldo Cruz. Anaglyphos, s.d.

 

 

 

Porém, segundo a inscrição contida na imagem a seguir, Oswaldo Cruz possuía também em sua anterior residência, na rua Voluntários da Pátria, número 128, em Botafogo, um espaço para exercitar seu passatempo predileto, a fotografia. Em ambos os endereços registrou cenas do cotidiano familiar.

 

 

oswaldo4

Taxiphote, aparelho similar ao pertencente a Oswaldo Cruz / stereoscopyhistory.net

 

Para embasar da melhor forma possível a execução de seu hobby, Oswaldo Cruz cercou-se de publicações sobre teoria e técnica fotográficas. Entre os títulos em alemão, francês e italiano da antiga biblioteca do cientista, hoje preservados no acervo da Casa de Oswaldo Cruz, destacam-se La fotografia industriale. Fotocalchi economici per le riproduzioni di disegni, piani, carte, musica, negative fotografiche, ecc. e Les nouveautés photographiques, années 1904 et 1905. Complément annuel à la théorie, la pratique et l’art en photographie.

 

Coleção Bibliográfica Oswaldo Cruz / Acervo Casa de Oswaldo Cruz

Coleção Bibliográfica Oswaldo Cruz / Acervo Casa de Oswaldo Cruz

 

As câmeras utilizadas por Oswaldo Cruz, que teriam sido adquiridas em Paris, foram a Kodak Folding Pocket, que empregava Roll Film tamanho 118, e a Vérascope Richard, a sua favorita, que produzia fotografias estereoscópicas.

 

“Ainda que em alguns sentidos guarde semelhanças à prática amadora da fotografia plana, o amadorismo estereoscópico tem também suas especificidades, sobretudo no que diz respeito à sua capilarização. Estendendo-se pouco, ou quase nada, para além das elites, podemos perceber um perfil padrão dos fotógrafos amadores: profissionais liberais herdeiros de abastadas famílias brasileiras, homens de posses e/ou ocupantes de altos cargos da administração pública e sediado nos grandes centros urbanos”.

Maria Isabela Mendonça dos Santos.

A estereoscopia e o olhar da modernidade, 2019.

 

 

 

Entre as clássicas denominações atribuídas a Oswaldo Cruz – “mito na ciência brasileira”, “saneador do Rio de Janeiro” e “fundador da medicina experimental no Brasil” – houve uma de procedência totalmente informal, e que serviu de fio condutor para a concepção deste artigo. Sua origem se deu a partir de um episódio pitoresco envolvendo a figura de Oswaldo Cruz, que na ocasião foi chamado de “Dr. Photographo” por estudantes da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

 

Ezequiel Caetano Dias. Traços biográficos de Oswaldo Cruz, 1922

Ezequiel Caetano Dias. Traços biográficos de Oswaldo Cruz, 1922

 

As imagens que apresentamos no presente artigo pertencem à Coleção Família Oswaldo Cruz. Nela encontram-se, entre outras “preciosidades documentais”, fotografias, cartas e álbuns, de natureza e suportes diversos, que revelam aspectos até então desconhecidos da vida privada e da trajetória de Oswaldo Cruz como médico, cientista, sanitarista e administrador de instituições de ciência e saúde pública. Dito isso, vamos conhecer um pouco mais a respeito do nosso “Dr. Photographo”.

 

 Oswaldo Cruz, a Saga de Um Herói Brasileiro

Samba-enredo da Escola de Samba Em Cima da Hora, no carnaval de 2000.

 

“De São Luiz do Paraitinga

A saga de um herói vamos contar

Grande gênio da ciência

Trouxe a experiência da Cidade-Luz

No Brasil está vivo na memória

Um carnaval de epidemias combateu

Saneando a cidade, o meu Rio tropical

Foi espelho de Paris

Botaram abaixo o antigo

Construindo um ideal e assim remodelaram a capital

 

Com seus feitos, muitas vidas preservou

Foram ideias geniais e amor

Diretor pela saúde se tornou

Nos anais da nossa história o seu nome consagrou

 

Mas nem tudo eram flores

E houve dissabores com a vacinação

E aí a imprensa com humor, malhou, malhou

Em meio a tanta dor

 

Lá no Pará,

Terra de Tapajós e Apiacás

Com muita força e fé, livrou do mal

Operários da Madeira-Mamoré

Pesquisador, tornou-se imortal

Prefeito da Cidade Imperial

 

Oswaldo Cruz, a Fundação é você

Batam palmas, eu quero ver

Parabéns ao centenário

Muito fez por merecer”

 

Natural de São Luiz do Paraitinga, cidade histórica do interior paulista, Oswaldo Cruz nasceu no dia 5 de agosto de 1872, filho do médico Bento Gonçalves Cruz (1845 – 1892) e Amália Taborda de Bulhões Cruz (1851 – 1921). Em 1877, quando Oswaldo tinha cinco anos de idade, sua família se transferiu para a capital do Império, a cidade do Rio de Janeiro.

 

 

Em 1889, ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde se formou em 1892, aos vinte anos. Em relação ao período que Oswaldo Cruz realizou sua graduação, é necessária uma correção. A partir da consulta aos documentos sobre a vida estudantil do cientista na Faculdade de Medicina, verificamos ser 1889 o ano correto para a sua entrada no curso médico – e não 1887, como foi difundido por seus primeiros biógrafos.

 

Certificado de provas da primeira série do curso médico, 9 de abril de 1889 / Acervo do Centro de Ciências da Saúde/UFRJ.

Certificado de provas da primeira série do curso médico, 9 de abril de 1889 / Acervo do Centro de Ciências da Saúde/UFRJ.

 

Em 1893, casou-se com Emília, com que teve seis filhos: Elisa (1894 – 1965), Bento (1895 – 1941), Hercília (1898 – 1968), Oswaldo (1903 – 1977), Zahra (1907 – 1908) e Walter (1910 – 1967). Ainda nesse ano, Oswaldo Cruz montou um laboratório de análises clínicas em sua casa e deu início a uma diversificada atuação como médico no consultório que herdara de seu pai, na Fábrica de Tecidos Corcovado e na Policlínica Geral do Rio de Janeiro. Além disso, auxiliou o Instituto Sanitário Federal no diagnóstico da epidemia de cólera que grassava no Vale do Paraíba.

 

 

Entre 1897 e 1899, conforme citado anteriormente, Oswaldo Cruz esteve em Paris estudando microbiologia, soroterapia e imunologia no Instituto Pasteur e medicina legal no Instituto de Toxicologia. Sua estadia com a família na “cidade-luz” foi financiada pelo sogro, o abastado comerciante português Manuel José da Fonseca (1842 – 1912).

 

 

 

De volta ao Rio de Janeiro, Oswaldo Cruz retomou suas funções como médico e fez parte da comissão que averiguou a crise de peste bubônica na cidade de Santos. Em seguida, recebeu o convite para exercer a direção técnica do Instituto Soroterápico Federal, que estava sendo criado na Fazenda de Manguinhos, localizada à beira mar, no subúrbio carioca. Seu funcionamento teve início em 1900, sob o comando do barão de Pedro Affonso (1845 – 1920). Dois anos depois, o barão foi destituído do cargo. Oswaldo Cruz, então, passou a dirigir sozinho os destinos do instituto – “célula mater” do que é, hoje, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

“Embora as verbas permanecessem escassas, o Instituto, sob a direção exclusiva de Oswaldo, foi tendo maiores facilidades para a realização de pesquisas. Trabalhava-se o mais que se podia, despreocupadamente, com satisfação, com muito interesse pelas pesquisas científicas e com liberdade para investigar sobre os mais variados assuntos com aprovação ampla de Oswaldo, cujo maior objetivo era alargar o âmbito das atividades praticadas no Instituto”.

Henrique de Beaurepaire Aragão.

Notícia histórica sobre a fundação do Instituto Oswaldo Cruz (Instituto de Manguinhos), 1950.

 

Sobre os primeiros tempos do Instituto Soroterápico Federal existem relatos de que o próprio Oswaldo Cruz documentou fotograficamente as atividades desenvolvidas nos improvisados ambientes de pesquisa e de preparo de soros e vacinas.

 

 

Em 1903, a partir da contratação do exímio e criativo fotógrafo Joaquim Pinto da Silva, o J. Pinto (1884 – 1951), foram ampliados os registros referentes aos funcionários, estudantes, eventos, expedições científicas, campanhas sanitárias e instalações físicas do que viria a ser, dentro de poucos anos, um dos principais centros de ciências biomédicas e saúde do país. As fotografias produzidas por J. Pinto e outros fotógrafos que serviram na instituição ao longo de sua história, também estão reunidas no acervo da Casa de Oswaldo Cruz. Muitas delas, inclusive, foram apresentadas como tema de artigos na própria Brasiliana Fotográfica.

 

 

 

 

 

Mesmo após a chegada de um fotógrafo profissional, Oswaldo Cruz continuou produzindo fotografias sobre o dia a dia de Manguinhos, bem como de suas viagens a trabalho dentro e fora do país. No edifício símbolo da instituição, o Pavilhão Mourisco, mandou instalar um moderno Gabinete Fotográfico. Essa iniciativa, inovadora para os padrões da época, vem comprovar o grande apreço que o cientista tinha pela elaboração de imagens, não somente fixas, mas também em movimento.

“Entre o 3° e o 4° andar estão os gabinetes de macro e microfotografia, cinematografia etc., onde são executados por profissional de real competência – o Snr. Pinto – todos os trabalhos desse gênero. Ao lado, se acha uma copiosa coleção catalogada de fotografias e microfotografias, todas elas referentes a estudos realizados pelo pessoal do Instituto”. 

Ezequiel Caetano Dias. O Instituto Oswaldo Cruz: resumo histórico (1899-1918), 1918.

 

 

 

A partir de 1903, Oswaldo Cruz também comandou a Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), tendo como desafio empreender uma campanha sanitária para debelar as principais doenças que assolavam o Rio de Janeiro: febre amarela, peste bubônica e varíola. Essa árdua tarefa se desenvolveu no contexto da reforma urbana orquestrada pelo prefeito Francisco Pereira Passos (1836 – 1913), que recebeu plenos poderes do presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848 – 1919) para transformar a capital da República em uma metrópole tropical com ares parisienses.

Cabe ressaltar aqui o papel desempenhado pela fotografia no período da Primeira República ou República Velha. Graças a difusão da técnica, um farto material iconográfico foi publicado na imprensa brasileira. Consultando revistas ilustradas e jornais diários, encontramos fotografias – além de charges e caricaturas – que foram utilizadas para enaltecer ou criticar as campanhas sanitárias e atividades científicas sob a responsabilidade de Oswaldo Cruz.

 

 

Os métodos empregados pelo diretor da DGSP para combater as epidemias de febre amarela e peste bubônica abordaram o isolamento dos doentes, a eliminação de mosquitos e ratos, a notificação compulsória dos casos positivos e a desinfecção de imóveis e ruas. Esses métodos, embora eficazes, não foram bem recebidos por vários segmentos da população, que desconfiavam da sua validade.

 

 

 

 

O combate à varíola, por sua vez, não saiu conforme o planejado por Oswaldo Cruz. Em 1904, depois da aprovação da polêmica lei que tornou obrigatória a vacinação contra a varíola em todo o Brasil, eclodiu uma revolta popular, seguida da tentativa de golpe militar: a Revolta da Vacina. Ela durou sete dias e foi reprimida severamente pelo governo de Rodrigues Alves, que acabou suspendendo a obrigatoriedade da vacinação.

 

 

De 1905 a 1906, ainda como parte das atribuições da DGSP, Oswaldo Cruz realizou uma viagem a diversos portos marítimos e fluviais de norte a sul do Brasil em companhia de seu secretário, o médico João Pedroso Barreto de Albuquerque (1869 – 1936). O objetivo da viagem era estabelecer um código sanitário para o país de acordo com as normas internacionais. Por esse novo empreendimento, Oswaldo Cruz foi mais uma vez incompreendido e atacado pela imprensa.

 

 

 

 

Em 1907, durante o XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim (Alemanha), Oswaldo Cruz recebeu da imperatriz Augusta Vitória (1858 – 1921) a medalha de ouro em nome da seção brasileira presente na Exposição Internacional de Higiene. No evento foram exibidos os produtos e documentos referentes às ações do Instituto Soroterápico Federal e da DGSP, como, por exemplo, vacinas e soros, peças anatomopatológicas, coleções zoológicas, gráficos e fotografias de campanhas sanitárias e maquetes dos edifícios construídos para o instituto e a saúde pública no Rio de Janeiro. Quando ainda se encontrava no exterior, o governo brasileiro transformou o Instituto Soroterápico Federal em Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos, um antigo anseio do cientista. Ao regressar ao Rio de Janeiro, em 1908, Oswaldo Cruz foi festivamente recebido como herói nacional após o retumbante sucesso alcançado pelo Brasil no evento de Berlim, que consagrou os trabalhos realizados sob seu comando em Manguinhos e contra as epidemias na capital federal, sobretudo a de febre amarela. A partir desse episódio, o comportamento da impressa em relação às atividades de Oswaldo Cruz se modificou, e as homenagens ao homem público, antes tão criticado, se tornaram rotineiras.

 

oswaldo23

Charge alusiva à conquista da medalha de ouro em Berlim / Edgard de Cerqueira Falcão. Oswaldo Cruz monumenta histórica, 1971

 

Com o desenvolvimento e transformação do “Instituto de Manguinhos” no arrojado Instituto Oswaldo Cruz (IOC), assim batizado em 1908 para homenagear os feitos do cientista, fotografia e desenho passaram a ser serviços complementares indispensáveis às atividades de ensino e pesquisa. Os sucessores de Oswaldo na gestão do instituto continuaram a dedicar atenção a essas práticas.

 

 

Oswaldo Cruz pediu exoneração da DGSP em 1909 e voltou a se dedicar exclusivamente ao seu instituto. Entre outras ações, promoveu o inventário das condições sanitárias do interior do Brasil através de expedições formadas por cientistas do IOC e médicos da DGSP. De 1910 a 1911, liderou importantes missões de combate à malária durante a construção da Ferrovia Madeira-Mamoré, a “ferrovia do diabo”, em Porto Velho, Rondônia, e à febre amarela em Belém, a convite do governador paraense João Coelho (1852 – 1926).

 

 

Nas duas ocasiões em que regressou ao Rio de Janeiro proveniente da região Norte do país, Oswaldo Cruz foi calorosamente recepcionado no Cais Pharoux, atual Praça XV, por autoridades, amigos e admiradores, que se deslocaram até o local para parabenizá-lo pela excelente condução dos trabalhos de saúde pública realizados no Pará e Rondônia.

 

 

 

Retornou à Alemanha em 1911 para participar da Exposição Internacional de Higiene de Dresden. O destaque da presença brasileira no evento foi, sem dúvida, a apresentação de peças anatomopatológicas, fotografias, moldes e bustos em gesso de doentes, entre outros itens, sobre a descoberta de Carlos Chagas (1879 – 1940), cientista do IOC, em 1909, da doença transmitida pelo barbeiro, a tripanossomíase americana ou doença de Chagas. A exibição dos filmes que documentam essa descoberta e as ações de combate à febre amarela no Rio de Janeiro também tiveram excelente aceitação entre os participantes da exposição. Muito provavelmente, o fotógrafo J. Pinto foi o responsável pelo filme Chagas em Lassance, o primeiro de caráter científico realizado no Brasil.

 

 

Em carta ao fiel escudeiro João Pedroso, que ficou em seu lugar chefiando os trabalhos de combate à febre amarela em Belém, Oswaldo Cruz resumiu com alegria mais um triunfo da ciência brasileira em solo alemão:

 

Berlim, 28 de julho de 1911.

Caro Pedroso.

De passagem por aqui, de volta de Dresden e a caminho de Paris não quis deixar de te mandar algumas linhas, informando-te dos resultados de nossa Exposição. Quando o Vasconcelos me escrevia cheio de entusiasmo, julgava eu que era vibração exagerada de patriotismo hipertrofiado pelos ares estrangeiros; mas, felizmente, tive ocasião de verificar a realidade do fato: É um sucesso completo, no ponto de vista, que eu o encaro, i. é. como meio de tornar conhecido o Brasil científico. Com efeito, a Exposição tem tido uma verdadeira romaria de sábios de toda a Alemanha. Quando aqui se reuniu o Congresso de Microbiologia foram todos os membros à nossa Exposição, espontaneamente e sem prévio convite; examinaram cuidadosamente tudo e ficaram todos encantados pelos estudos do Chagas. Quando no cinematógrafo viram a fita dos doentes do Chagas, não se puderam conter e irromperam em palmas e vivas! […] Os resultados da campanha do Pará têm pasmado a todos e com um interesse admirável estudam cuidadosamente os gráficos e mapas. Não havia, pois, exagero, e nossa reputação, já adquirida, de país civilizado que caminha na vanguarda do progresso científico, teve mais uma eloquente sanção, e vocês todos contribuíram para isso com enorme contingente, pelo que vivamente os felicito.

E Sales Guerra. Osvaldo Cruz, 1940.

Em 1912, o cientista foi eleito “imortal” da Academia Brasileira de Letras na vaga do poeta Raimundo Correia (1859 – 1911). Em 1914, recebeu a condecoração de oficial da Ordem Nacional da Legião de Honra da França.

 

 

 

 

Ainda em 1914, Oswaldo Cruz presidiu a Conferência Sanitária realizada em Montevidéu (Uruguai), que contou com a participação de representantes da Argentina, Brasil, Paraguai e do país anfitrião. O objetivo da conferência foi a elaboração de uma nova Convenção Sanitária para a região. Antes de voltar ao Rio de Janeiro, esteve na capital argentina visitando estabelecimentos científicos e de ensino superior. Na ocasião, recebeu o diploma de membro honorário da Academia de Medicina da Universidade Nacional de Buenos Aires.

 

 

 

 

Em 1916, por motivos de saúde, deixou a direção do IOC e foi morar em Petrópolis, região serrana fluminense. Lá, durante poucos meses, ocupou o cargo de primeiro prefeito da cidade, por nomeação de Nilo Peçanha (1867 – 1924), presidente do estado do Rio de Janeiro. No dia 11 de fevereiro de 1917, durante os festejos de Momo, Oswaldo Cruz morreu em sua casa, na rua Montecaseros, aos 44 anos, cercado por familiares e amigos. Seu enterro, realizado no dia seguinte, no Cemitério de São João Batista, Rio de Janeiro, reuniu representantes de todas as camadas sociais, que formaram um cortejo solene para dar o último adeus ao grande cientista brasileiro – o “Dr. Photographo” Oswaldo Cruz –, que se tornou símbolo da ciência nacional e da saúde pública.

 

 

* Ricardo Augusto dos Santos é Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz. Felipe Almeida Vieira e Francisco dos Santos Lourenço são pesquisadores do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz.

 

Fontes:

ARAGÃO, Henrique de Beaurepaire. Notícia histórica sobre a fundação do Instituto Oswaldo Cruz (Instituto de Manguinhos). Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 48, p. 1-75, 1950.

BENCHIMOL, Jaime Larry (coord.). Manguinhos do sonho à vida: a ciência na belle époque. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 1990.

BRITTO, Nara. Oswaldo Cruz: a construção de um mito na ciência brasileira. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006.

D’AVILA, Cristiane. A Exposição Internacional de Higiene de Dresden, na Alemanha, em 1911. Brasiliana Fotográfica, Rio de Janeiro, 5 jan. 2022.

DIAS, Ezequiel Caetano. O Instituto Oswaldo Cruz: resumo histórico (1899-1918). Rio de Janeiro: Instituto Oswaldo Cruz, 1918.

DIAS, Ezequiel Caetano. Traços biográficos de Oswaldo Cruz. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 1-79, 1922.

FALCÃO, Edgard de Cerqueira (org.). Oswaldo Cruz monumenta histórica. A incompreensão de uma época. Oswaldo Cruz e a caricatura. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. tomo 1.

FONSECA FILHO, Olympio da. A escola de Manguinhos: contribuição para o estudo do desenvolvimento da medicina experimental no Brasil. São Paulo: EGTR, 1974.

FRAIHA NETO, Habib. Oswaldo Cruz e a febre amarela no Pará. 2 ed., rev. e ampl. Ananindeua: Instituto Evandro Chagas, 2012.

FRAGA, Clementina. Vida e obra de Oswaldo Cruz. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2005.

GUERRA, E. Sales. Osvaldo Cruz. Rio de Janeiro: Vecchi, 1940.

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

LIMA, Ana Luce Girão Soares de. A bordo do República: diário pessoal da expedição de Oswaldo Cruz aos portos marítimos a fluviais do Brasil. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 158-167, 1997.

LIMA, Nísia Trindade; MARCHAND, Marie-Hélène (org.). Louis Pasteur & Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz; Banco BNP Paribas Brasil S.A., 2005.

LOPES, Myriam Bahia. Corpos ultrajados: quando a medicina e a caricatura se encontram. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 257-275, 1999.

LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, Ricardo; LOURENÇO, Francisco dos Santos. Antonio Gonçalves Peryassú e o estudo dos mosquitos para sanear o Brasil: uma resenha biográfica. Revista Pan-Amazônica de Saúde, Ananindeua, v. 13, p. 1-13, 2022.

Oswaldo Cruz: o médico do Brasil. São Paulo: Fundação Odebrecht; Brasília: Fundação Banco do Brasil, 2003.

OSWALDO CRUZ, Eduardo. Anaglyphos: Oswaldo Cruz como fotógrafo. Inglaterra, s.d.

ROCHA LIMA, Henrique da. Com Oswaldo Cruz em Manguinhos. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 4, n. 1/2, p. 15-38, 1952.

SANTOS, Maria Isabela Mendonça dos. A estereoscopia e o olhar da modernidade. Brasiliana Fotográfica, Rio de Janeiro, 29 maio 2019.

SANTOS, Ricardo Augusto dos. O fotógrafo Joaquim Pinto da Silva, o J. Pinto (1884 1951) e a Fundação Oswaldo Cruz. Brasiliana Fotográfica, Rio de Janeiro, 16 nov. 2017.

SANTOS, Ricardo Augusto dos; LOURENÇO, Francisco dos Santos. João Pedro ou João Pedroso?. Brasiliana Fotográfica, Rio de Janeiro, 11 jan. 2019.

SERPA, Phocion. A vida gloriosa de Osvaldo Cruz. Rio de Janeiro, 1937.

THIELEN, Eduardo Vilela et al. A ciência a caminho da roça: imagens das expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz em 1911 e 1912. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 1991.

THIELEN, Eduardo Vilela. Imagens da saúde do Brasil: a fotografia na institucionalização da saúde pública. Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 1992.

WANDERLEY, Andrea C. T. Breve perfil e cronologia do fotógrafo português José Ferreira Guimarães (1841 – 30/01/1924). Brasiliana Fotográfica, Rio de Janeiro, 30 nov. 2017.

 

Três álbuns fotográficos da Exposição Nacional de 1908 no Museu Histórico Nacional: Boscagli, Malta e Musso

No mês em que a Exposição Nacional de 1908 completa 115 anos – foi inaugurada em 11 de agosto e encerrada em 15 de novembro de 1908 -, a Brasiliana Fotográfica publica o artigo A Exposição Nacional de 1908 no Museu Histórico Nacional, de autoria da historiadora Maria Isabel Ribeiro Lenzi, do Arquivo Histórico do Museu Histórico Nacional, uma das instituições parceiras do portal, com três álbuns fotográficos produzidos na ocasião pelos fotógrafos Augusto Malta (1864 – 1957), José Boscagli (1862 – 1945) e Luis Musso (18? – 19?). Cada álbum tem sua característica: o de Malta parece ter sido realizado especialmente para presentear o seu amigo, o ministro Miguel de Calmon; o de Boscagli retratou a mostra do Rio Grande do Sul; e, finalmente, tudo indica que o produzido por Musso tenha sido encomendado pelo governo federal para o registro oficial do evento.

 

Acessando o link para as fotografias do álbum de autoria de Augusto Malta sobre a Exposição Nacional de 1908 pertencentes ao Museu Histórico Nacional disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá visualizar e magnificar as imagens.

 

 

Acessando o link para as fotografias do álbum de autoria de José Boscagli sobre a Exposição Nacional de 1908 pertencentes ao Museu Histórico Nacional disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá visualizar e magnificar as imagens.

 

 

Acessando o link para as fotografias do álbum de autoria de Luis Musso sobre a Exposição Nacional de 1908 pertencentes ao Museu Histórico Nacional disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá visualizar e magnificar as imagens.

 

 

A Exposição Nacional de 1908 no Museu Histórico Nacional

Maria Isabel Ribeiro Lenzi*

 

 

Era 1907. O Rio de Janeiro, então Distrito Federal, acabara de ser remodelado ao gosto das nações ditas civilizadas, pelo governo de Rodrigues Alves com a participação do prefeito Pereira Passos e do sanitarista Oswaldo Cruz. No ano seguinte, faria 100 anos que o Brasil abrira seus portos às nações amigas. Foi esse o mote para que fosse organizada a Exposição Nacional de 1908, oportunidade de o país exibir sua produção a si próprio.  A ideia havia sido lançada pela Associação Comercial, apoiada pela imprensa e acatada pelo Congresso Nacional, que votou em 1907 orçamento para promover, no ano seguinte, o evento destinado a ser um panorama da agricultura, da indústria, da pecuária e das artes liberais desenvolvidas no país.

 

 

Depois de muito debate, foi escolhida a várzea entre as praias da Saudade e Vermelha, no vale formado entre os morros da Urca, Pão de Açúcar e Babilônia, para a construção do que viria a ser a Exposição Nacional de 1908.  O país promovera anteriormente exposições nacionais, mas aquela foi a primeira em que foram construídos pavilhões especialmente para a ocasião. O lugar escolhido, além de apresentar uma bonita paisagem, tinha a vantagem de já abrigar dois edifícios públicos – a antiga Escola Militar e a fundação do prédio para a Universidade do Brasil – que poderiam ser aproveitados depois de reforma.  O presidente da República era Afonso Penna. Seu Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, Miguel Calmon Du Pin e Almeida, nomeou o engenheiro José Mattoso Sampaio Corrêa para chefiar a comissão construtora que estaria encarregada de produzir uma “pequenina cidade de palacetes no areal da Urca”,[1] onde se faria um inventário do Brasil com função pedagógica, para que os próprios brasileiros conhecessem o país. O cronista João do Rio fala sobre isso:

 

A exposição vai abrir-se. É a grande mostra do Brasil. Cada estado expõe suas riquezas… e os tentamens da sua indústria o estrangeiro admirará, aproveitará… o brasileiro descobrirá. Estou a ver o pasmo… dos cariocas diante do ouro, das pedras, das madeiras, dos tecidos e dos aproveitamentos da natureza assombrosa pelo homem vagaroso. Isso é Paraná?… Isso é Amazonas? Ora, diga-me, onde fica o Mato Grosso? Quando o brasileiro descobrirá o Brasil?[2]

 

A exposição, inaugurada no dia 11 de agosto, ficou aberta até 15 de novembro de 1908. De janeiro a junho, a área que hoje corresponde à Praia Vermelha e parte da Av. Pasteur era um canteiro de obras com muitos operários que fizeram surgir aqueles palácios em arquitetura efêmera que logo desapareceriam da vida carioca. Era como um sonho aquela cidadela iluminada pela luz elétrica, mas, como nos sonhos, uma alegria fugaz.

O edifício da Universidade do Brasil foi adaptado para abrigar o Palácio dos Estados e a Escola Militar, depois da reforma, se transformou no Palácio das Indústrias, com um grande chafariz em sua fachada – o Chateau d’Eau.  Quatro estados e o Distrito Federal construíram seus próprios pavilhões. Os de Minas Gerais, de São Paulo, da Bahia e do Distrito Federal, opulentos, simbolizando o poder de suas elites, contrastavam com a simplicidade do Pavilhão de Santa Catariana, que apresentou aos visitantes uma casa de colono feita de madeira e em seu interior, 150 tábuas de diferentes espécies de árvores catarinenses.

 

 

As demais unidades da federação ocuparam o Palácio dos Estados com seus produtos.  Portugal foi o único país estrangeiro a participar do certame com um pavilhão em estilo manuelino oferecido pelo governo brasileiro àquele país. Porém, os produtos portugueses excederam aquele espaço e Portugal construiu, então, um anexo a seu pavilhão onde foram expostas telas e esculturas de seus artistas.

 

 

 

 

Algumas instituições também se fizeram representar, como a Fábrica de Tecidos Bangu, com seu pavilhão, à época descrito como “uma pequena mesquita mourisca”; a Sociedade Nacional de Agricultura com pavilhão em estilo renascença; a Fábrica de Chocolate Bhering, com o Pavilhão Café e Cacau. O Jardim Botânico participou com uma estufa envidraçada onde o público podia admirar várias espécies de plantas e ao seu redor, muitas mudas que, provavelmente, o público poderia adquirir.

 

 

Os divertimentos não faltavam na exposição. Para quem gostava da arte dramática, havia dois teatros. O Teatro João Caetano, grande, inspirado no Teatro Municipal que estava prestes a ser inaugurado, era dirigido por Artur Azevedo. Havia também, por iniciativa do empresário Paschoal Segreto, um pequeno teatro de variedades, um cinematógrafo e uma pista de patinação. Pinturas, esculturas, desenhos de artistas nacionais foram expostos no Pavilhão das Artes Liberais.

 

 

Os amantes da música podiam assistir a concertos no Pavilhão Egípcio – nome este devido à estética egípcia daquele espaço dedicado às apresentações das orquestras. E para abrigar as bandas militares e civis, diversos coretos foram distribuídos pela exposição.

 

 

Os visitantes entravam na Exposição pela Porta Monumental.  Muito deles vindos de barca que saía do Cais Pharoux para o ancoradouro construído especialmente para recebê-los. Alguns serviços eram oferecidos nos pavilhões dos Correios e Telégrafo, da Assistência Municipal, da Imprensa e dos Bombeiros. O visitante também contava com opções entre quiosques de cerveja e de refrescos, além de cafés e restaurantes.

No Pavilhão da Imprensa, Olavo Bilac editava o Jornal da Exposição, onde se encontrava a programação e as notícias do evento. Em suas crônicas, Bilac fazia críticas e elogios à exposição. Ele lembra em um de seus textos que sem a “fada de eletricidade”, as noites não seriam tão espetaculares!

 

 

Muitos fotógrafos registraram esse evento do início do século XX. Certamente, diversos visitantes levavam sua Kodak na bolsa, mas foi o trabalho de profissionais que chegou até os nossos dias, nos dando uma ideia do que foi a comemoração do centenário da abertura dos portos brasileiros às nações amigas.

Na coleção Miguel Calmon do Museu Histórico Nacional, existem três álbuns da Exposição Nacional de 1908.  Um deles é do fotógrafo Augusto Malta, que parece feito especialmente para presentear o ministro Miguel de Calmon. Nele, temos acesso à imagem da área antes da construção dos pavilhões, mas a maioria das fotografias nos mostra a exposição em seu auge, com muita gente perambulando entre os edifícios. É visível o caráter único deste álbum, pois Augusto Malta recortou algumas fotografias em formas inusuais, muitas vezes privilegiando retratar o ministro Calmon e o presidente Afonso Pena.  Destacamos o balão que Augusto Malta clica com sua lente na hora em que ele é lançado do Pavilhão de São Paulo, bem como as fotografias noturnas nas quais a luz elétrica protagoniza as imagens…

 

 

O álbum de Luis Musso nos parece um trabalho encomendado pelo governo federal para o registro oficial do evento. As fotografias são todas da mesma dimensão e com muito poucas pessoas no entorno. São retratos dos prédios, como se o fotógrafo quisesse catalogar a arquitetura do evento. A capa traz o brasão da República, o que nos sugere seu caráter oficial.

 

 

 

Por fim, temos um álbum produzido pelo governo do Rio Grande do Sul, onde é possível ver os produtos exibidos por este estado.  A maioria absoluta das fotografias é de autoria de José Boscagli (com exceção da primeira foto, que é de Augusto Malta e apresenta o Palácio dos Estados, onde o Rio Grande do Sul expunha seus produtos). A importância deste álbum está na possibilidade dele nos oferecer uma ideia de como eram expostos os produtos na mostra.

 

 

 

 

Cabe lembrar ainda fato curioso ocorrido na exposição, embora não registrado por nenhum fotógrafo: a visita da banda de música dos indígenas Bororo. Eles lá estiveram, tocaram no Pavilhão de São Paulo e no Teatro João Caetano. Mas não chegou até nós nenhuma imagem deles no evento. Quem quiser saber mais sobre o assunto, veja a postagem da Brasiliana Fotográfica: Novos acervos: Museu Histórico Nacional .

 

 

*Maria Isabel Ribeiro Lenzi é Doutora em História pela UFF e historiadora do Arquivo Histórico do Museu Histórico Nacional (IBRAM/MTur)

 

Bibliografia:

Levy, Ruth. Entre Palácios e Pavilhões. A arquitetura efêmera da Exposição Nacional de 1908. Rio de Janeiro: EBA Publicações, 2008.

Neves, Margarida de Souza. As vitrines do progresso. Rio de Janeiro: PUC-RIo, FINEP, PNPq, 1986

Pereira, Margareth da Silva. A Exposição Nacional de 1908 ou O Brasil visto por dentro. In: Pereira, Margareth da Silva (org). 1908, um Brasil em exposição. São Paulo: Caixa Cultural, 2011

Mariani, Luiza Helena. Bilac, João do Rio e a Exposição Nacional de 1908. In: Pereira, Margareth da Silva (org). 1908, um Brasil em exposição. São Paulo: Caixa Cultural, 2011

Revista Kosmos. Ano V, julho de 1908, nº 7

 

[1] Revista Kosmos, ano  V, nº7, julho de 1908, p.1

[2] Apud:  Levy  Ruth, Palácios e Pavilhões. A arquitetura efêmera da Exposição Nacional de  1908. p.73

 

Nota da editora:

Uma curiosidade: foi durante a Exposição Nacional de 1908 que o engenheiro fluminense Augusto Ferreira Ramos (1860 – 1939), um dos coordenadores do Pavilhão de São Paulo, teve a ideia de construir o Bondinho do Pão de Açúcar. Para saber mais sobre essa história, acesse o artigo A construção do Bondinho do Pão de Açúcar sob as lentes de Theresio Mascarenhas, de minha autoria, publicado na Brasiliana Fotográfica, em 27 de outubro de 2022.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Links para os artigos sobre exposições nacionais ou internacionais publicados na Brasiliana Fotográfica

O pintor Victor Meirelles e a fotografia na II Exposição Nacional de 1866, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 17 de agosto de 2017.Motr

A festa do progresso: o Brasil na Exposição Continental, Buenos Aires, 1882, de autoria de Maria do Carmo Rainho, Arquivo Nacional, publicado em 29 de março de 2018.

Série “O Rio de Janeiro desaparecido” II – A Exposição Nacional de 1908 na Coleção Família Passos, de autoria de Carla Costa, Museu da República, publicado em 5 de abril de 2018.

Marc Ferrez, a Comissão Geológica do Império (1875 – 1878) e a Exposição Antropológica Brasileira no Museu Nacional (1882), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 29 de junho de 2018.

Paris, 1889: o álbum da exposição universal, de autoria de Claudia B. Heynemann, Arquivo Nacional,publicado em 27 de julho de 2018.

Café Brasil: o Império na Exposição Internacional de Filadélfiade autoria de Claudia B. Heynemann, Arquivo Nacional, publicada em 4 de dezembro de 2019.

Festa das Artes e da Indústria Segunda Exposição Nacional, 1866, de autoria de Claudia Beatriz Heynemann e Maria Elizabeth Brêa Monteiro, Arquivo Nacional, em 5 de abril de 2020.

A apresentação do Departamento Nacional de Saúde Pública na Exposição Internacional do Centenário da Independência, de Ricardo Augusto dos Santos, Fiocruz, publicado em 13 de abril de 2020.

A Exposição Internacional de Higiene de Dresden, de Cristiane d´Avila, Fiocruz, publicado em 5 de janeiro de 2022.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VIII – A abertura da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil e o centenário da primeira grande transmissão pública de rádio no país, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 7 de setembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

 

 

 

No Dia do Historiador, um artigo sobre o ofício

No Dia do Historiador, a Brasiliana Fotográfica publica o artigo O Ofício do Historiador, de Ricardo Augusto dos Santos, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz, parceira do portal desde agosto de 2017. Nele o autor nos revela o trabalho realizado por pesquisadores da instituição, que seguem rotinas para organizar e identificar documentos, sejam eles relatórios, manuscritos ou fotografias. Também dá exemplos de algumas descobertas feitas por historiadores a partir de entrevistas e de pesquisas objetivas ou não. Destaca os acervos, abertos a consulta, dos médicos Belisário Penna (1868 – 1939) e Renato Kehl (1889 – 1978), “descobertos” sogro e genro a partir de uma entrevista com uma das filhas de Belisário.

O Dia do Historiador foi instituído, no Brasil, pela  Lei nº 12.130/2009, de 17 de dezembro de 2019, em homenagem ao nascimento do diplomata e escritor pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910). É comemorado, desde 2010, no dia 19 de agosto. No última dia 14 de agosto, a Brasiliana Fotográfica publicou o artigo Uma homenagem ao historiador José Murilo de Carvalho (1939 – 2023), sobre ele, que foi um dos maiores historiadores do Brasil.

O ofício de historiador também foi tema de uma poesia do grande poeta Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987).

 

Historiador 

Veio para ressuscitar o tempo

e escalpelar os mortos,

as condecorações, as liturgias, as espadas,

o espectro das fazendas submergidas,

o muro de pedra entre membros da família,

o ardido queixume das solteironas,

os negócios de trapaça,

as ilusões jamais confirmadas nem desfeitas. 

Veio para contar

o que não faz jus a ser glorificado

e se deposita, grânulo,

no poço vazio da memória.

É importuno,

sabe-se importuno e insiste,

rancoroso, fiel.

 

Carlos Drummond de Andrade, in Paixão Medida

 

O Ofício do Historiador

 Ricardo Augusto dos Santos*

 

O ofício do historiador apresenta afinidade com a ciência que estuda vestígios materiais da presença humana. Munidos de instrumentos adequados, historiadores e arqueólogos realizam suas investigações, revelando fontes inexploradas. Nestas disciplinas, a busca de objetos soterrados pelo tempo, vestígios do cotidiano, alcançam novas dimensões, indicando aspectos desconhecidos sobre as sociedades, surgindo um manancial de informações, tornando acessível o conhecimento.

Pacientemente, são retiradas camadas de terra acumuladas pelos homens, recuperando práticas e ideias. O trabalho historiográfico, além das semelhanças com uma arqueologia documental, é igualmente marcado pela ideia do resgate. Sem dúvida, a similitude da prática historiográfica com a pesquisa arqueológica é atraente.

O ofício historiográfico realiza-se em estreita relação e, simultaneamente, à descoberta, organização e divulgação dos documentos encontrados. Vamos falar de alguns exemplos.

No início da década de 1990, pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz entrevistaram Maria Penna, a última filha viva de Belisário Penna (1868-1939). Em meio às perguntas, a gentil senhora exclamou: Vocês deveriam fazer essas perguntas a minha irmã, a Eunice. Mas, infelizmente, ela morreu. Ela foi casada com Renato Kehl.

 

 

Naquela época, não possuíamos conhecimento do parentesco unindo estes dois intelectuais. Após a entrevista, dias depois, determinei tarefas a uma estagiária. Seria sua responsabilidade a pesquisa sobre Renato Kehl (1889-1974). Em pouco tempo, a aprendiz de pesquisadora, mencionou a novidade: seu pai conhecia Sergio Kehl, filho de Renato e, portanto, neto de Belisário. Contactado, Sérgio estava doente e desejava doar rapidamente o acervo do famoso eugenista. Assim foi feito. Os documentos de Kehl foram incorporados ao Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz.

 

 

Os importantes acervos dos intelectuais Belisário Penna e Renato Kehl estão sob a guarda da COC/FIOCRUZ e estão abertos a consulta. São textos, fotos, relatórios e recortes de jornais que registram a presença das ideias eugênicas e sanitaristas no Brasil.

 

Acessando o link para as fotografias do acervo de Renato Kehl disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

Acessando o link para as fotografias do acervo de Belisário Penna disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Na época da citada entrevista, ainda se tinha uma visão embaçada sobre a trajetória de Belisário. Por exemplo, pensava-se que ele fosse primo de Affonso Penna, presidente do Brasil entre 1906 e 1909. Entretanto, investigando os documentos, apuramos que Maria Guilhermina de Oliveira Penna, nascida em Barbacena (1857-1929), irmã de Belisário, casou-se em 23 de janeiro de 1875 com Affonso Augusto Moreira Penna (1847-1909) que exerceria a presidência da República e faleceu durante seu mandato. Portanto, Belisário era cunhado do presidente.

Entretanto, outros laços familiares se revelaram. Eunice Penna, filha de Belisário, como já mencionado, casou-se com Renato Kehl. Além desta união, outro casamento consolidou os laços entre as famílias Penna e Kehl. João Fernandes de Oliveira Penna, filho de Belisário, uniu-se com a irmã de Kehl, Cecília Ferraz Kehl.

Mas, um outro fato interessante que ilustra a atividade historiográfica merece destaque. Uma característica da profissão é a existência de rotinas de pesquisa, além de uma perseverança quase sem limite. Os profissionais que trabalham na organização de fontes, não ignoram que determinados itens, ao final da organização dos fundos documentais e inserção de dados nas bases, permanecem algum tempo sem identificação, dificultando sua inclusão nas séries documentais. Temporariamente,  o documento (relatório, manuscrito, foto), poderá ficar fora do arranjo. O processo de identificação irá demandar mais investimento, mas esse obstáculo é superado.

Entre os documentos do acervo de Renato Kehl, destaca-se um pequeno conjunto de fotografias. Uma foto deste arquivo permanecia desconhecida. Não havia anotação em seu verso. Aparentemente, nenhuma fotografia do acervo estava relacionada. Mas, eu conservava a sensação de que conhecia o lugar. Que já havia visto a cena. Assistindo a um documentário sobre a cidade do Rio de Janeiro, fartamente acompanhado de imagens do início do século XX, identifiquei o local da fotografia. Trata-se do monumental Palácio das Festas. Um prédio edificado no Rio de Janeiro para a Exposição Internacional do Centenário da Independência em 1922. O edifício foi considerado uma das obras mais belas da exposição e contava com obras de arte para ornamentá-lo. Assim como a maioria das construções, o Pavilhão de Festas foi demolido após o fim da comemoração. A obra possuía salas para mostras. A entrada do palácio era decorada com motivos relacionados à natureza brasileira.

 

 

Uma das apresentações montadas no local foi preparada pelo recém-criado Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP). Esse órgão administrativo da saúde pública era uma antiga reivindicação dos intelectuais sanitaristas, que acreditavam que somente uma organização nacional resolveria os graves problemas de saúde no Brasil. A instalação dessa apresentação de fotos e maquetes realizada pelo DNSP obteve ampla repercussão, sendo saudada pela imprensa como um momento vital para a salvação do país. O médico Renato Kehl, funcionário do DNSP, trabalhou na produção.

Em seu arquivo pessoal, Renato Kehl guardou dezenas de imagens fotográficas desta mostra. Podemos averiguar que o objetivo da exposição do DNSP era colaborar para a educação higiênica das populações rurais e urbanas. Os objetos e fotografias, reunidas no trabalho, realçam o valor dos ensinamentos da higiene. As imagens são um fragmento da campanha educativa e sanitária que deveria ser instalada no Brasil. São imagens das habitações típicas das áreas rurais, infestadas de insetos transmissores de doenças. Também eram apresentados os modelos corretos de casas rurais que os camponeses deveriam construir.(1)

 

 

 

(1) Sobre a exposição do DNSP, ver https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=18805

 

*Ricardo Augusto dos Santos é Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz

Fontes:

ALVES, Fernando Antônio Pires; SANTOS, Ricardo Augusto dos; HAMILTON, Wanda Suzana. Acervo da Casa de Oswaldo Cruz. História, Ciências, Saúde- Manguinhos.  Outubro 1994, Volume 1, nº 1, Págs.. 145-152.

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” II – No Dia Nacional da Saúde, o Desinfetório de Botafogo e um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior, responsável pelo projeto

Hoje é celebrado o Dia Nacional da Saúde, uma homenagem à data de nascimento do médico sanitarista Oswaldo Cruz, em 5 de agosto de 1872. Com uma fotografia produzida por Joaquim Pinto da Silva (1884 – 1951), conhecido como J. Pinto, responsável pela produção de milhares de imagens do acervo da Casa de Oswaldo Cruz, instituição parceira da Brasiliana Fotográfica, a jornalista Cristiane d´Avila conta um pouco da história da era das desinfecções e do Desinfetório de Botafogo, baseada no livro Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e a revolução pasteuriana no Brasil (1999), do historiador Jaime Larry Benchimol. Na obra, ele descreve a atuação dos bacteriologistas que precederam Oswaldo Cruz e sua geração, detalhando as estratégias empregadas pelos cientistas e médicos para debelar as epidemias de cólera e febre amarela, ocorridas no Brasil no final do século XIX e início do XX. É o segundo artigo da série Os arquitetos do Rio de Janeiro.

 

 

Ao final do artigo, os leitores poderão ler um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior (1868 – 1955), responsável pelo projeto do Desinfetório de Botafogo, de autoria da pesquisadora e editoral do portal, Andrea C. T. Wanderley.

 

 

 

O desinfetório de Botafogo

Cristiane d´Avila*

 

Na extensa obra Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e a revolução pasteuriana no Brasil, o historiador Jaime Larry Benchimol descreve a atuação dos bacteriologistas que precederam Oswaldo Cruz e sua geração e dedica um capítulo à ‘era das desinfecções’. Nele, o pesquisador detalha as estratégias empregadas pelos cientistas e médicos para debelar as epidemias de cólera e febre amarela, flagelos que ceifaram milhares de vidas brasileiras no final do século XIX e início do XX.

“A epidemia de cólera (1894-1895) é um dos episódios que inauguram as lutas protagonizadas por esses bacteriologistas” (1) , explica Benchimol no referido capítulo. A luta a que se refere o historiador representou o que ele classifica como um novo paradigma na saúde pública: à luz da teoria de Pasteur, jovens médicos do Rio de Janeiro passaram a realizar, inicialmente em pequenos laboratórios instalados em suas próprias casas, análises químicas e bacteriológicas de amostras de enfermos, a fim de auxiliar o diagnóstico clínico e reorientar as ações higienistas.

A bacteriologia, incipiente, ainda não havia remodelado os serviços de higiene. Naquele fim de século, a defesa sanitária de cidades, domicílios, vias, veículos de transporte e mesmo indivíduos era realizada pela desinfecção por vapor, calor e, sobretudo, uso de líquidos germicidas. “Os anos 1890 marcam, com certeza, o auge da mania por estes agentes físicos e estas substâncias químicas dotadas do poder de destruir micróbios fora e dentro das pessoas, e, se bobeassem, de intoxicar ou matar os próprios viventes parasitados”(2) , ressalta Benchimol.

As medidas preventivas para o enfrentamento de surtos epidêmicos de doenças infectocontagiosas incluíam, além do emprego de cordões sanitários para isolar vias e cidades atingidas por surtos, a construção de desinfetórios públicos, erguidos segundo normas rígidas de higiene. Tais edificações eram munidas “com estufas a vapor sob pressão, pulverizadores a vapor e de mão e outros itens para o expurgo de passageiros, bagagens e objetos suscetíveis de contaminação pelo germe do cólera” (3) , descreve o pesquisador.

Rastrear a movimentação humana motivada pelo comércio efervescente entre os portos das cidades litorâneas e o interior do país era praticamente impossível. Tal circulação levou ao alastramento do cólera aos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, atingindo a capital da República. Na ânsia de frear o avanço da epidemia, das vias terrestres e estações ferroviárias a inspeção sanitária partiu para os domicílios urbanos.

“Podemos imaginar quão difícil era implementar num cortiço, numa estalagem, num velho sobrado (…) as meticulosas instruções relativas à desinfecção do lugar em que residia o colérico, fosse qual fosse o desfecho do caso” (4) , conta Benchimol. Cartazes com carimbo da diretoria sanitária e o dizer ‘Infeccionado’ eram afixados nas portas das residências, então interditadas até que o local fosse desinfetado. Objetos que podiam ser aproveitados, como colchões, travesseiros e cobertores, eram levados pelos agentes para expurgo, por vapor ou pressão, nos desinfetórios municipais.

Por lei, o médico era multado se não notificasse às autoridades os casos de febre amarela, varíola, sarampão, escarlatina, cólera-morbo, peste e difteria. “Na ausência do médico, cabia ao chefe da família, ao administrador, proprietário ou arrendatário do estabelecimento comercial ou habitação coletiva notificar o serviço municipal de saúde, que enclausurava o doente no sistema de vigilância domiciliar ou pública” (5) , detalha o historiador. Entre as recomendações médicas, “as pessoas deviam evitar bebidas alcoólicas, frutas verdes e alimentos crus (…) beber limonadas ácidas, conservar o asseio do corpo e das roupas e lavar as mãos com soluções desinfetantes de ácido fênico, ácido bórico ou sulfato de cobre” (6) .

Segundo Benchimol, a Inspetoria do Serviço de Isolamento e Desinfecção, vinculada à Diretoria de Higiene e Assistência Pública Municipal, inaugurou na cidade do Rio de Janeiro, em 1890, o Desinfetório Central, próximo à Praça Quinze de Novembro. No ano seguinte, foram construídos dois outros – um no Engenho Velho, atual Praça da Bandeira, e outro na Rua da Relação, distrito de Santo Antônio.

Em 1904, Oswaldo Cruz, então à frente da Direção Geral de Saúde Pública, conseguiu prover a capital da República de mais um desinfetório. Construído na Rua General Severiano, em Botafogo, Zona Sul da cidade, foi projetado por Luiz de Moraes Junior, autor do projeto do Castelo Mourisco, sede da Fiocruz em Manguinhos. Em 8 de agosto de 1905, o jornal carioca A Notícia publicou, em sua primeira página, uma extensa reportagem sobre o novo edifício, incluindo detalhes sobre a arquitetura e os equipamentos de higienização ali instalados. Atualmente, o prédio histórico, anexo ao Hospital Rocha Maia, abriga o Super Centro Carioca de Vacinação da prefeitura do Rio de Janeiro.

 

O novo desinfetório**

 

“Entre os estabelecimentos visitados hoje pelos delegados do Congresso Científico Latino-Americano figuram os desinfetórios pertencentes à Diretoria Geral de Saúde Pública.

De acordo com a última reforma feita nos serviços de higiene, foram mandados construir, além do desinfetório central, dois distritais, que atenderão às zonas de Botafogo e do Engenho de Dentro.

O de Botafogo, que já está concluído, não obstante não estar ainda oficialmente inaugurado, recebeu a honrosa visita dos delegados do Congresso.

Fica ele situado na rua General Severiano na parte dos terrenos em que ia ser construída a Universidade, abrangendo uma área de 4.063 metros.

O engenheiro da Diretoria Geral de Saúde Publica, o Sr. Luiz de Moraes Junior, observou nessa esplêndida construção todos os preceitos recomendados pela higiene, e bem assim atendeu a todos os melhoramentos usados nos países estrangeiros, em
estabelecimentos congêneres.

Desse modo, foi observada a parte mais recomendada nos desinfetórios, e que é o evitar-se o absoluto contacto entre as pessoas, os objetos e o material, antes de ser desinfectados com os que já estiveram.

Por esse motivo, todo o lado esquerdo do edifício foi destinado à parte impura e o lado direito à parte pura. 

Pela parte impura entram os doentes, pessoal, objetos pertencentes a casa em que esteve o enfermo e o respectivo material. Ali sofrem rigoroso expurgo, por meio de estufas e câmaras de formol e enxofre. Terminado esse serviço, sem poder haver a menor comunicação entre o pessoal, são transferidos, por pequenas janelas, para o lado puro, todos os objetos já desinfectados.

O mais curioso em todo esse serviço é que desde a entrada do pessoal e material para a parte impura, são dados sinais elétricos consecutivos na sala da administração até ficar completamente feita a desinfecção.

construção de todo o edifício obedeceu a um estilo leve e moderno, tendo a forma retangular, fazendo três corpos, tendo 27 metros e 90 centímetros de comprimento por 16 metros e 40 centímetros de largura.

No centro do edifício existe uma área medindo 6 metros por 3 metros e 80 centímetros, sendo a superfície geral de 567 metros quadrados.

A entrada principal de ingresso para a sala de espera, tendo esta de um lado, o gabinete do inspector e do outro lado a sala de administração.

De um e de outro lado do edifício ficam situados a portaria, gabinete médico, sala de escritório, sala de depósito de desinfetantes e de limpeza de empregados, sala de espera para as pessoas que desejarem tomar banho de desinfecção, sala para recepções de bagagens, roupas e mais objetos sujeitos à desinfecção, sala para recepção das roupas desinfectadas.

Fora desse edifício, no pátio foi construído um outro menor, medindo seis metros por dez. Tem ele duas portas, uma para o lado impuro por onde entram os carros e outra para o lado puro, por onde saem já desinfectados.

Ainda existem, perfeitamente construídos, a casa do guarda, as cocheiras com uma área de 225 metros para comportar 40 animais e finalmente um reservatório para 18.000 litros d’água.

O edifício principal do desinfetório tem os alicerces de concreto, ferro e alvenaria. As paredes externas do edifício são de tijolos polidos franceses e as internas são de tijolos furados.

Os soalhos das três salas da frente são de massaranduba e peroba e o revestimento das paredes e tetos são de estuque fino.

As portas externas são de massaranduba e as das salas de peroba.

Em cada lado do edifício foi colocada uma marquise de ferro forjado suspensa em consolos de ferro, estando as mesmas cobertas com vidros de cores.

O desinfetório está preparado para funcionar desde já, tendo todo o material necessário inclusive estufas Genester-Hereher, câmaras de formol e enxofre, fornos de incineração, aparelhos de lavar roupas, gerador a vapor e um belo aparelho centrífugo com um movimento de 1.200 rotações por segundo para secar roupas e movido a eletricidade. 

Esse desinfetório servirá para todo o serviço central, enquanto não estiver concluído o que vai ser construído na rua do Rezende”. 

A Notícia, 08 de agosto de 1905

 

(1) Benchimol, 1999, p.250.
(2) Idem, p.271.
(3) Idem, p.258.
(4)Idem, p.272.
(5)Idem, p.292.
(6) Idem, p.293.

 

*Cristiane d´Avila é jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

**Grafia atualizada. Fonte: Jornal A Notícia, 08 de agosto de 1905, edição 191. Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/830380/11799
Transcrição disponível em: https://oticsrio.com.br/2023/01/23/do-desinfectorio-de-botafogo-ao-hospital-rocha-maia-118-anos-de-historia/

 

Fontes:

BENCHIMOL, Jaime Larry. Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e revolução pasteuriana no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Editora UFRJ, 1999. E-book.

 

Breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior (1868 – 1955)

 

Andrea C. T. Wanderley***

 

 

O Desinfetório de Botafogo foi projetado pelo arquiteto português Luiz de Moraes Junior, que nasceu em 28 de janeiro de 1868, e passou sua infância e a adolescência, na cidade de Faro, cidade onde nasceu e capital do Algarve. Formado pela Universidade de Lisboa, iniciou sua carreira como engenheiro ferroviário. Casou e teve duas filhas. Em 1900, sem sua família, veio para o Brasil como técnico de uma grande firma alemã. No Rio de Janeiro, fiscalizou os imóveis do Mosteiro de São Bento e das Ordens Religiosas e, a convite do padre Ricardo, vigário-geral da Igreja da Penha, deu início às obras de restauração da fachada desta igreja. Em 1901, residia na Rua General Cãmara , 64 (Almanak Laemmert, 1902, primeira coluna; A Notícia, 31 de julho de 1904, quarta coluna; A Notícia, 5 e 6 de outubro de 1907, terceira coluna).

 

 

Foi durante o trajeto de trem para o trabalho que conheceu Oswaldo Cruz, que fazia o mesmo percurso até Manguinhos. Ficaram amigos e Oswaldo Cruz o convidou para realizar o Castelo Mourisco, sede da Fiocruz em Manguinhos, construído entre 1905 e 1918, e símbolo da instituição (Jornal do Brasil, 14 de agosto de 1905, terceira coluna).

 

 

Também executou os projetos de instalações que, atualmente, formam o Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos (NAHM), composto pelo Pavilhão do Relógio ou da Peste; a Cavalariça; o Quinino ou Pavilhão Figueiredo Vasconcellos; o Pombal ou Biotério para Pequenos Animais; o Hospital Evandro Chagas; e a Casa de Chá.

 

 

 

 

 

 

 

 

Participou de todas as obras sanitárias realizadas por Oswaldo Cruz em combate à febre amarela e à peste organizadas pela Diretoria Geral de Saúde Pública com o objetivo de higienizar o Rio de Janeiro. Em 1910, foi um dos promotores de uma homenagem a Oswaldo Cruz, o ilustre cientista brasileiro a quem o Rio de Janeiro deve a prodigiosa obra do seu saneamento e o Brasil o brilho de uma representação científica das mais gloriosas no estrangeiro, realizada no Palácio Monroe (A Notícia, 31 de agosto e 1º de setembro de 1910, penúltima coluna; Correio da Manhã, 4 de setembro de 1910, primeira coluna).

No campo da arquitetura hospitalar, sanitária e médico-experimental, Moraes Junior desenvolveu diversos outros empreendimentos, dentre eles a sede da Policlínica do Rio de Janeiro, na antiga Avenida Central, atual Rio Branco (Gazeta de Notícias,4 de março de 1909, penúltima coluna); os Dispensários da Fundação Gaffré Guinle; e a reforma do Hospital do Engenho de Dentro e da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro. Foi o realizador prático do projeto de Assepsia Integral do médico Mauricio Gudin (1883 – 1959), construindo na Beneficência Portuguesa e no Hospital-Escola de Niterói os blocos que tornaram realidade o processo concebido por Gudin (O Paiz, 7 de novembro de 1923, segunda coluna). Foi também autor do projeto do edifício da Escola Nacional de Medicina, cuja pedra fundamental foi assentada em 22 de maio de 1916 (Correio da Manhã, 23 de maio de 1916, segunda coluna).

Também atuou em outras áreas da arquitetura, tendo construído a casa da família de Oswaldo Cruz, na Praia de Botafogo, e do túmulo do cientista, no Cemitério São João Batista.

 

 

Em Petrópolis, foi o responsável pelo Grande Hotel e pelo prédio do jornal Tribuna de Petrópolis. Na Alemanha, participou do projeto de construção e decoração do Pavilhão do Brasil na Exposição Internacinal de Higiene de Dresden, realizada em 1911 (Correio da Manhã, 11 de junho de 1917, terceira coluna).

 

 

Foi amigo dos presidente do Brasil, Nilo Peçanha (1867 – 1924) e Rodrigues Alves (1848 – 1919) e de diversos outros políticos e empresários de destaque no Brasil. Foi nomeado Cônsul Geral do Haiti no Rio de Janeiro, em 18 de junho de 1919, cargo que exerceu durante toda sua vida.  Tornou-se Comendador da Ordem Nacional do Haiti Honneur et Merite, em 1933; e da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, do Brasil, em 1937. Foi membro do Instituto de Engenharia (Correio Paulistano, 24 de junho de 1919, quinta colunaAlmanak Laemmert, 1927, última colunaJornal do Brasil, 15 de julho de 1927, primeira coluna; Correio da Manhã, 13 de abril de 1933, segunda coluna; O Jornal, 5 de fevereiro de 1937, quinta coluna; Relatórios do Ministério das Relações Exteriores, 1940).

Desportista, em 1907, foi o tesoureiro da primeira diretoria do Automóvel Club do Brasil, do qual foi um dos fundadores. Durante décadas seguiu fazendo parte da instituição. Em 1928, dirigiu as obras de renovação do interior do prédio, na Rua do Passseio (O Jornal, 8 de julho de 1928, terceira coluna). Em 1939, tornou-se seu sócio benemérito (Jornal do Commercio, 31 de maio de 1939, segunda coluna).

 

 

Ainda em 1907 foi juiz de chegada de uma corrida de automóveis realizada na Avenida Beira-Mar, em Botafogo. Em 1908 e 1909, foi um dos promotores de corridas de automóveis partindo de Niterói e percorrendo diversas cidades fluminenses. Foi admitido como membro do Jockey Club, em 1908 (Gazeta de Notícias, 15 de março de 1907, quinta coluna; A Imprensa, 14 de julho de 1908, última colunaO Fluminense, 25 de setembro de 1908, quarta coluna; O Fluminense, 2 de junho de 1909,quarta coluna).

Na Exposição Nacional de 1908, ganhou a Medalha de Ouro na categoria de Arquitetura (Jornal do Brasil, 21 de novembro de 1908, terceira coluna). No ano seguinte,conquistou outra Medalha de Ouro, desta vez pelo plano e projeto de um hospital moderno, na Exposição Internacional de Higiene do Rio de Janeiro (Correio da Manhã, 24 de outubro de 1909, quarta coluna).

Em 1910, integrou o júri, presidido por Marciano Aguiar Moreira, presidente do Jockey Club, que julgou o projeto da nova sede social da instituição, na então Avenida Central, atual Rio Branco. Os outros jurados foram Domingos Cunha, Francisco de Oliveira Passos (1878 – 1958), engenheiro civil e filho do prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Pereira Passos (1836 – 1913), entre 1902 e 1906; e o professor e escultor Rodolpho Bernardelli (1852 – 1931). Venceu o projeto de Heitor de Mello (1875 – 1920) (O Paiz, 11 de agosto de 1910, terceira coluna; Jornal do Commercio, 2 de setembro de 1913, sexta coluna; Correio da Manhã, 6 de setembro de 1913, sexta coluna). Ainda em 1910, foi premiado na categoria Escola Profissional em um concruso para prédios escolares promovidos pelo Serviço de Inspeção Sanitária Escolar (Correio da Manhã, 28 de novembro de 1910, segunda coluna).

Era zelador da Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Penha no Irajá (O Paiz, 7 de outubro de 1913, penúltima coluna). Em 1920, participou do Congresso Brasileiro de Proteção à Infância (O Paiz, 2 de dezembro de 1919, última coluna). Em 1915, integrava a comissão organizadora de um evento carnavalesco, o Garden Tea Dansant Masque (Correio da Manhã, 14 de fevereiro de 1915, segunda coluna).

Em 1921, aderiu a uma homenagem ao professor Carlos Chagas (1878 – 1934), na sede do Club dos Diários, do qual era tesoureiro (O Paiz, 14 de agosto de 1921, segunda coluna; O Paiz, 30 de abril de 1924, penúltima coluna). Foi um dos supervisores da construção da  estrada Rio-Petrópolis, inaugurada em 1928, da qual foi um dos subscritores (O Paiz, 29 de janeiro de 1923, segunda coluna; Automóvel-Club, maio de 1926; O Jornal, 6 de setembro de 1928, sexta coluna).

 

 

 

Em 1923, recebeu um título honorífico do Real Gabinete Português de Leitura, do qual era sócio (O Brasil, 15 de maio de 1923, terceira coluna).

Em 1925, sofreu um acidente de carro, na Avenida Beira-Mar, perto da Rua do Russel. Ele residia na rua Assunção, nº 65 (Correio a Manhã, 24 de setembro de 1925, terceira coluna). Fez parte da comissão da 1ª Exposição de Automobilismo, Autopropulsão e Estradas de Rodagem (O Paiz, 26 de agosto de 1925, última coluna;  O Paiz, 25 de outubro de 1925, quarta coluna; Automovel-Club, setembro 1925).

 

 

Em 1926, a convite da Sociedade Interamericana de Mulheres, as cientistas Marie Curie (1867 – 1934) e Irène Joliot-Curie (1897 – 1956), mãe e filha, em visita ao Brasil, foram a Petrópolis acompanhadas por Bertha Lutz, pela embaixatriz da França e pela sra. Paul Hazard, e por Luiz Moraes Junior e Armando Godoy, ambos da diretoria do Automóvel Clube do Brasil, que forneceu os carros usados no trajeto. Foram recebidas pelo prefeito da cidade, Francisco de Avelar Figueira de Melo (1883 – 1938), e o senador Joaquim Moreira (1853 – 1929) ofereceu um almoço ao grupo (O Paiz, 6 de agosto de 1926, quarta coluna).

Em 1929, participou, como Cônsul do Haiti, do 2º Congresso Pan-americano de Estradas de Rodagem, quando proferiu um discurso (Automóvel-Club, agosto/setembro de 1929).

Integrou a primeira diretoria, como suplente, de uma a associação de turismo, a Rio Turing S.A (O Paiz, 7 de dezembro de 1933, terceira quarta coluna).

Participou, em 1934, de uma inspeção nas obras realizadas no Circuito da Gávea de automobilismo (Jornal do Commercio, 19 de setembro 1934, quarta coluna). Integrava a comissão técnica das corridas internacionais de automóveis (Correio da Manhã, 30 de setembro de 1934, penúltima coluna).

 

 

Durante a gestão do prefeito Pedro Ernesto (1884 – 1942), construiu vários hospitais no Rio de Janeiro. Houve uma polêmica em torno de sua indicação sem a realização de uma concorrência pública (Correio da Manhã, 26 de agosto de 1934; Jornal do Brasil, 29 de agosto de 1934, primeira coluna).

Foi membro da Sociedade Filatélica Brasileira e possuía uma das coleções de selos mais valiosas do Brasil. Participou, em 1934, da Exposição Filatélica Nacional, realizada no Palácio das Festas, na Feira Internacional de Amostras. Em 1938, foi um dos patronos da Exposição Filatélica Internacional, na Escola de Belas Artes. Possuia um par de selos olho de boi dos valores de 30 e 90, unidos – uma raridade (D. Quixote, 20 de maio de 1925, primeira colunaD. Quixote, 1º de julho de 1925, primeira coluna; Jornal do Commercio, 26 de setembro de 1934, terceira coluna; O Carioca, 9 de novembro de 1935, segunda colunaJornal do Commercio, 15 de junho de 1938, segunda coluna; A Noite, 24 de outubro de 1938, segunda coluna; O Cruzeiro, 19 de novembro de 1938).

Uma apólice mineira sorteada com mil contos foi vendida pelo corretor a Luiz Moraes Junior e ao deputado Augusto Cursino (Diário da Noite, 4 de janeiro de 1935).

Em 1942, participou da X Conferência Sanitária Panamericana, no Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro (Gazeta de Notícias, 2 de setembro de 1942).

Em 1953, era o tesoureiro do Petrópolis Country Club (Jornal do Brasil, 22 de fevereiro de 1907, quarta colunaJornal do Brasil, 19 de março de 1953, terceira coluna; Jornal do Brasil, 24 de setembro de 1953, sexta colunaO Jornal, 16 de julho de 1955O Jornal, 22 de setembro de 1957).

Faleceu em 15 de julho de 1955, na Beneficência Portuguesa, de onde era sócio graduado, no Rio de Janeiro. Era casado, em segunda núpcias com Gelmina Fazzioni de Moraes. O casal não teve filhos (Jornal do Brasil, 16 de julho de 1955).

 

 

 

Outras de suas realizações foram o Palacete Seabra, no Flamengo e o Rio Hotel, na Praça Tiradentes, além do Grande Hotel e da sua residência localizada em Petrópolis.

 

***Andrea C. T. Wanderley é pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Em 29 de outubro de 2023, o título deste artigo foi alterado para Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” II – No Dia Nacional da Saúde, o Desinfetório de Botafogo e um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior, responsável pelo projeto.

Fontes:

Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Portal da Fiocruz

 

Outros artigos da série Os arquitetos do Rio de Janeiro

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” I – Porto D´Ave e a moderna arquitetura hospitalar, de autoria de Cristiane d´Avila – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, publicado em 14 de janeiro de 2021.

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” III – O centenário do Copacabana Palace, quintessência do “glamour” carioca, e seu criador, o arquiteto francês Joseph Gire, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado em 13 de agosto de 2023

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” IV – Archimedes Memória (1893 – 1960), o último dos ecléticos, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 1º de dezembro de 2023

Série “O Rio de Janeiro desaparecido XXVII e “Os arquitetos do Rio” V – O Jockey Club e o Derby Club, na Avenida Rio Branco e o arquiteto Heitor de Mello (1875 – 1920), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 15 de janeiro de 2024

Novos acervos: Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC

Com muito entusiasmo a Brasiliana Fotográfica em seu oitavo ano de existência – foi criada em 17 de abril de 2015 pela Fundação Biblioteca Nacional e pelo Instituto Moreira Salles – anuncia a entrada em seu acervo fotográfico de uma nova instituição parceira: a Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC. É mais um passo importante para a preservação da memória da história do Brasil e da fotografia. Com imagens de diversos arquivos pessoais, dentre eles os de Getulio Vargas e de Oswaldo Aranha, o artigo de estreia da Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC foi escrito por sua Equipe de Documentação e é sobre a Revolução de 1930, marco inicial da Segunda República no Brasil. A FGV CPDOC completa hoje 50 anos. Feliz aniversário e parabéns por todas as valiosas realizações! Seja muito bem-vinda à Brasiliana Fotográfica!

logocpdoc

Além das já mencionadas instituições fundadoras e da nova parceira, integram também o portal o Acervo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, o Arquivo Nacional, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, a Fiocruz, a Fundação Joaquim Nabuco, o Leibniz-Institut fuer Laenderkunde, o Museu Aeroespacial, o Museu da República e o Museu Histórico Nacional.

 

CPDOC 50 ANOS integra-se à Brasiliana Fotográfica

Equipe de Documentação da Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC

 

No ano em que comemora 50 anos de criação, o CPDOC se integra à Brasiliana Fotográfica, participando de uma rede de instituições parceiras, relevantes para a preservação da memória histórica brasileira. Ao longo dos anos, o Centro sempre priorizou o tratamento, a preservação e a consulta a seu acervo – textual, visual, sonoro e audiovisual. Participar da Brasiliana potencializa a visualização e o acesso público a seus registros visuais. Para essa primeira postagem, foram eleitas as fotografias que retratam a Revolução de 1930. A escolha desse conjunto de imagens foi definida por corresponder ao recorte histórico do CPDOC – história contemporânea do Brasil.  A Revolução de 1930, comandada por Getulio Vargas, instala a nova república no país. As fotografias que compõem esse dossiê integram os arquivos pessoais de Getulio Vargas (GV), Antunes Maciel (AM), Cordeiro de Farias (CFa), Cristiano Machado (CM), Epitácio Cavalcanti Albuquerque (ECA), Geraldo Rocha (GR), Haroldo Pereira (HP), João Antonio Mesplé (JAM), João Batista Pereira (JBP), Luiz Simões Lopes (LSL), Mena Barreto (MBM), Oswaldo Aranha (OA), e Pedro Ernesto Batista (PEB). 

 

 

Acessando o link para as fotografias acerca da Revolução de 1930 pertencentes à Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá visualizar e magnificar as imagens.

 

A Revolução de 1930

 

Movimento armado, iniciado em 3 de outubro de 1930, com o objetivo imediato de derrubar o governo Washington Luís e impedir a posse de Júlio Prestes, eleito presidente da República em 1º de março de 1930. O movimento tornou-se vitorioso em 24 de outubro e Getulio Vargas assumiu o cargo de presidente provisório no dia 3 de novembro. As mudanças políticas, sociais e econômicas que tiveram lugar na sociedade brasileira no pós-1930 fizeram com que esse movimento revolucionário fosse considerado o marco inicial da Segunda República no Brasil.

 

 

As origens do movimento revolucionário 

 

A oposição dos jovens oficiais do Exército — os “tenentes” — ao sistema político manifestou-se desde a década de 1920. Nas revoltas dos 18 do Forte (1922), de São Paulo e Rio Grande do Sul (1924), e na Coluna Prestes (1925-1927), os “tenentes” defendiam o equilíbrio entre os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário -, pleiteavam um nacionalismo econômico e a modernização da sociedade.

 

A Aliança Liberal

 

Rompendo com a política do Café com leite, segunda a qual Minas Gerais e São Paulo se revezavam no governo da República, a partir de 1928, o presidente Washington Luís passou a apoiar ostensivamente a candidatura de outro paulista – Júlio Prestes – à sua sucessão. Os presidentes dos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul opunham-se à candidatura de Júlio Prestes e lançaram os nomes de Getulio Vargas, presidente do Rio Grande do Sul, e João Pessoa, presidente da Paraíba, respectivamente à presidência e à vice-presidência da República.

 

 

No início de agosto de 1929, formou-se a Aliança Liberal. Em 12 de setembro, uma convenção dos partidos dominantes de 17 estados, liderados por São Paulo, homologou as candidaturas de Júlio Prestes e Vital Soares à presidência e vice-presidência da República. Pouco depois, em 20 de setembro, a Aliança Liberal aprovou a chapa Vargas-João Pessoa.

 

 

 

Ainda em 1929, a corrente mais radical da Aliança Liberal passou a admitir a hipótese de um movimento armado em caso de derrota nas urnas. Buscou a colaboração dos “tenentes” pelo passado revolucionário, a experiência militar e o prestígio no interior do Exército. Entretanto, os “tenentes” não tinham uma posição homogênea. Juarez Távora, João Alberto Lins de Barros e Antônio de Siqueira Campos aderiram à ideia de colaborar com a Aliança Liberal, enquanto Luís Carlos Prestes mostrava reservas quanto ao movimento.

 

 

Com a campanha eleitoral em andamento, Getulio Vargas, pouco seguro da vitória, estabeleceu um acordo com o presidente Washington Luís estabelecendo, entre outros entendimentos, que, caso derrotado nas eleições, acataria o resultado e passaria a apoiar o governo constituído. Em contrapartida, Washington Luís e Júlio Prestes se comprometiam a não apoiar elementos divergentes da situação no Rio Grande do Sul. Vargas munia-se assim de um instrumento que lhe permitiria uma saída, qualquer que fosse o resultado eleitoral. Em 2 de janeiro de 1930, ao lado de João Pessoa, Vargas lançou sua plataforma de governo, para uma grande multidão concentrada na Esplanada do Castelo, no Rio de Janeiro.

 

 

 

 

O resultado das eleições em 1º de março de 1930 deu a vitória a Júlio Prestes e Vital Soares, eleitos com 57,7% dos votos, e foi contestado por suspeita de fraude.

 

O movimento eclode

 

Em 19 de março de 1930, o gaúcho Borges de Medeiros, em entrevista publicada no jornal A Noite, reconheceu enfaticamente a vitória de Júlio Prestes. A entrevista provocou forte reação e as articulações para um movimento revolucionário foram retomadas.

 

 

O movimento deveria contar com o apoio de três estados – Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba – e eclodir simultaneamente em todo o Brasil. Em fins de maio, o Congresso aprovou os resultados das eleições, declarando Júlio Prestes presidente eleito. Três momentos impulsionaram o ânimo revolucionário – ainda em maio, a morte em acidente aéreo do ‘tenente’ Siqueira Campos; em junho, o manifesto de Vargas pelos jornais condenando as fraudes eleitorais e as violências pelo governo federal e pelos governos estaduais contra os aliancistas, e o assassinato de João Pessoa em Recife por João Dantas, apoiador do governo federal. Os preparativos militares se aceleraram e a pressão sobre os chefes do movimento.

 

 

 

 

A posição de Vargas, de aparente alheamento ao movimento e muitas vezes contrária à sua deflagração, pode ser interpretada como uma tentativa de não despertar a desconfiança do governo federal. Foi isso exatamente o que ocorreu. O Rio Grande teve condições de preparar o movimento com a quase ignorância do governo federal. Em 25 de setembro, Vargas e Oswaldo Aranha decidiram desencadear a revolução no dia 3 de outubro. Segundo o plano adotado, o movimento deveria irromper simultaneamente no Rio Grande do Sul, Minas e estados do Nordeste. A ação deveria ter início, por escolha de Osvaldo Aranha, às 17h30, no fim do expediente nos quartéis, o que facilitaria a ação militar e a prisão dos oficiais em suas casas.

 

revolução7

Bilhete marcando dia e hora da eclosão do movimento revolucionário, assinado por Lindolfo Collor e Oswaldo Aranha. Porto Alegre (RS), 25 de setembro de 1930 / Acervo FGV CPDOC

 

Efetivamente, a revolução eclodiu nesse horário no Rio Grande do Sul com ataque a posições militares de Porto Alegre e avançando pelos demais estados do Sul.

 

 

Em Belo Horizonte, a revolução eclodiu, no mesmo dia e na mesma hora, e boa parte de sua população aderiu aos batalhões de voluntários que logo se formaram em diversas cidades mineiras. O Norte e o Nordeste do país tiveram a Paraíba como sede do movimento revolucionário, mas o movimento eclodiu na madrugada do dia 4 e se alastrou, pelos outros estados, madrugada adentro.

 

 

 

A 11 de outubro, acompanhados de todo o estado-maior civil e militar da revolução, Getulio Vargas e Góis Monteiro seguiram de trem com destino ao norte do Paraná, prevendo choques violentos com as tropas legalistas. O comboio revolucionário estacionou em Ponta Grossa. Vargas e sua comitiva permaneceram em um dos vagões da composição ferroviária.

 

 

Góis montou seu quartel-general numa das dependências do grupo escolar da cidade, planejou o ataque a ser desfechado sobre São Paulo e foi informado sobre as ações exigindo a renúncia do presidente Washington Luís. Ante a negativa deste, no dia 24 de outubro, os militares determinaram o cerco ao Palácio Guanabara e sua prisão.

 

 

Movimento vitorioso

 

Deposto Washington Luis, assume o governo uma Junta Governativa Provisória composta pelos generais Tasso Fragoso e João de Deus Mena Barreto, e pelo almirante Isaías de Noronha. Com a situação na capital sob controle, a Junta enviou telegramas a Vargas propondo a suspensão total das hostilidades em todo o país. Em 28 de outubro, em proclamação ao país, a Junta Governativa comunicou a decisão de transmitir o poder a Vargas.

 

 

Em 31 de outubro, precedido por três mil soldados gaúchos, Vargas desembarcou no Rio de Janeiro (Distrito Federal), sendo recebido por uma manifestação apoteótica de apoio.

 

 

Finalmente, em 3 de novembro de 1930, Vargas tomou posse como chefe do Governo Provisório e governou o país por 15 anos até ser deposto em 1945.

 

 

 

 

(1) Nota da Editora: Esta mesma foto foi publicada no Correio da Manhã, em 1º de novembro de 1930.

 

 

Acesse aqui o vídeo da Sessão Solene em homenagem aos 50 anos do CPDOC, realizada em 21 de junho de 202, no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica

Hanseníase em Jacarepaguá

Ricardo Augusto dos Santos, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica, é o autor do artigo Hanseníase em Jacarepaguá, no qual nos conta um pouco da história do Hospital Colônia de Curupaiti, inaugurado, em 1928, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Lá os portadores da doença conhecida popularmente como lepra, que era considerada um castigo divino, viviam afastados da sociedade. Na época, essa era considerada uma medida de obstáculo à propagação da doença e também um tratamento. O isolamento compulsório foi abolido em meados dos anos 1980.

 

 

Hanseníase em Jacarepaguá

Ricardo Augusto dos Santos*

 A doença conhecida popularmente como lepra, era considerada um castigo divino. Temida pelas populações, a hanseníase não inspirava nenhuma solidariedade. A internação compulsória e o isolamento foram práticas obrigatórias durante décadas. Encarcerados em hospitais, os doentes eram separados de suas famílias e amigos; o afastamento social era considerado tratamento e obstáculo à propagação da doença.

Durante o século XX, hospitais colônias espalharam-se pelo Brasil, segregando as pessoas contaminadas. Era característico destes espaços o longo período de internação, resultando em separação perpétua da vida social. Estigmatizados, milhares de enfermos passaram vidas inteiras nos leprosários. Assim, aqueles que porventura saíam das colônias de hansenianos tornavam-se eternamente excluídos da sociedade.

 

 

No Brasil, inúmeros fugiram da hospitalização, mas muitos permaneceram confinados. Alguns ficaram enclausurados por mais de 60 anos. Mesmo após o término do isolamento compulsório, abolido em meados dos anos 1980, os pacientes – por vários motivos – continuaram nesses hospitais.

Neste texto, apresentamos imagens do Hospital Colônia de Curupaiti. A pedra fundamental foi lançada em 1922 e a inauguração ocorreu somente em 1928. Localizado em Jacarepaguá, bairro da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, seus prédios foram projetados para o isolamento obrigatório dos portadores de hanseníase.

 

Acessando o link para as imagens do Hospital Colônia de Curupaiti disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

Desde meados do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro vinha passando por uma série de transformações urbanísticas. Habitações coletivas dos pobres, os cortiços foram sendo demolidos, levando os habitantes a viverem em favelas próximas ao centro da cidade ou em zonas suburbanas afastadas do núcleo citadino. Funcionários públicos, comerciantes e militares começaram a construir suas residências na zona sul, distante das “classes perigosas” e suas doenças. Procurava-se produzir uma cidade organizada de acordo com as ideias hegemônicas no pensamento médico e social.

No auge das demolições dos velhos prédios coloniais, intelectuais, políticos e médicos pensavam a futura “Cidade Maravilhosa” como um corpo doente que necessitava ser alvo de intervenção sanitarista/urbanística.

Tratar as doenças em locais distantes dos bairros populosos fazia parte de uma estratégia sanitária. Logo, diversos argumentos foram utilizados para implantar um determinado modelo de cuidado clínico. Ao retirar os doentes do convívio social, a ciência pretendia proteger os sãos e os doentes, impedindo a circulação das pessoas. Construídos como conjuntos independentes dentro das cidades, os hospitais de isolamento possuíam cinemas, lojas e espaços para recreação. Havia acomodações para solteiros e habitações para casais doentes sem dificuldades de locomoção.

 

 

No Rio de Janeiro, Jacarepaguá, situado na zona rural do município e cercado por fazendas produtoras de alimentos, foi o local escolhido para a criação dos hospitais de isolamento para tratamento das doenças. Nesta região da cidade, foram erguidos hospitais para apartar da sociedade os atingidos pela tuberculose, lepra e doença mental.

Nas primeiras décadas do século XX, a estação de trem mais próxima localizava-se em Cascadura, bairro da zona norte da cidade. Pensava-se que o exílio e o clima seriam adequados para a assistência necessária.

Entre as décadas de 1920 e 1950, a construção dos prédios obedeceu a este critério: segregação para tratamento das doenças. As instituições de atendimento aos portadores de lepra, doença mental e tuberculose – Hospital Colônia de Curupaiti, Colônia Juliano Moreira e o Sanatório de Curicica – estavam de acordo com as premissas do conceito de Hospital-Colônia: terrenos de grande extensão territorial e afastados dos centros urbanos. Comércio, entretenimento e práticas de esportes faziam parte das atividades recomendadas. Além das terapias medicamentosas, deveria existir um espaço de sociabilidade controlado pela equipe médica.

As fotografias que ilustram o presente artigo pertencem ao acervo do médico Heráclides César de Souza Araújo. Nascido em 24 de junho de 1886, em Imbituva (PR), era filho de Júlio César de Souza Araújo e Manoela Alves de Souza Araújo. Em 1912, concluiu o curso de farmácia pela Escola de Farmácia de Ouro Preto. No ano seguinte, transferiu-se e ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e, depois, no Curso de Aplicação do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), quando foi aluno de Adolpho Lutz (1855-1940) e trabalhou com doenças sexualmente transmissíveis.

 

 

Nesse período, por indicação de Lutz, especializou-se em dermatologia na Universidade de Berlim, onde apresentou um trabalho sobre a lepra no Brasil. Em 1924, retornou ao IOC e ao grupo de pesquisa coordenado por Lutz, e no mesmo ano iniciou sua viagem de três anos por vários países. Na época, inaugurou o Laboratório de Leprologia, que dirigiu até sua aposentadoria em 1956.

 

 

Após a criação do Serviço Nacional de Lepra, em 1941, ministrou cursos para leprologistas pelo Departamento Nacional de Saúde. Entre 1941 e 1956, foi editor das Memórias do Instituto Oswaldo Cruz e exerceu a chefia da Seção de Bacteriologia e da Divisão de Microbiologia e Imunologia do IOC. No ano seguinte e até sua morte, foi perito da Organização Mundial da Saúde em leprologia. Participou de associações acadêmicas e profissionais em todo o mundo, tendo contribuído para a criação da Sociedade Internacional de Leprologia, em que ocupou o cargo de vice-presidente no período compreendido entre 1932 e 1956. Após a aposentadoria, continuou seu trabalho no IOC. Morreu em 10 de agosto de 1962, no Rio de Janeiro.

 

 

 

 

 

*Ricardo Augusto dos Santos é Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz

Série “1922 – Hoje, há 100 anos” XI e série “Feministas, graças a Deus!” XII – A 1ª Conferência pelo Progresso Feminino

Hoje a Brasiliana Fotográfica encerra a série 1922, Hoje, há 100 anos com a publicação do artigo 1ª Conferência pelo Progresso Feminino e o “bom” feminismo, de autoria da antropóloga Maria Elizabeth Brêa Monteiro, do Arquivo Nacional, uma das instituições parceiras do portal.  A série surgiu ancorada em dois eventos: a Semana de Arte Moderna, em São Paulo; e a Exposição do Centenário da Independência do Brasil, no Rio de Janeiro. Ao longo de 2022, foram publicados 11 artigos abordando alguns dos mais significativos acontecimentos no país, que completaram 100 anos. O movimento feminista não poderia deixar de estar representado. A 1ª Conferência pelo Progresso Feminino aconteceu entre 19 e 23 de dezembro, no edifício Silogeu, do Instituto dos Advogados, no centro do Rio de Janeiro, e em Petrópolis. É também o décimo segundo artigo da série “Feministas, graças a Deus”.

 

 

 

1ª Conferência pelo Progresso Feminino e o “bom” feminismo

Maria Elizabeth Brêa Monteiro*

 

As duas primeiras décadas do século XX foram marcadas, no Brasil e no mundo, por eventos decisivos que repercutem, de diferentes formas, nos dias de hoje. A 1ª Guerra Mundial, a Revolução Comunista e seus desdobramentos mudaram o curso da história e a forma como se passou a refletir sobre o futuro.

No Brasil, o novo século se fez sentir pela busca de ares civilizados para uma República recente, ainda muito balizada por valores e traços escravagistas. Uma ampla reforma urbana foi iniciada com o objetivo de dar à capital do país uma nova imagem sintonizada com os valores europeus da Belle Époque. Velhos edifícios e cortiços foram demolidos afastando a população pobre do centro da cidade. Um extenso programa de alargamento das ruas na área central e a canalização de alguns dos principais rios compunham o programa de saneamento básico. Contudo, essas transformações urbanas não conseguiram alijar o caráter conservador de uma sociedade que se pretendia moderna sem renunciar a seus privilégios.

 

Acessando o link para as imagens da 1ª Conferência pelo Progresso Feminino disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Nesse contexto, o ano de 1922 teve um caráter insigne. A par da realização da Semana de Arte Moderna, em São Paulo, foi organizada, no Rio de Janeiro, a Exposição do Centenário da Independência. A ideia de apresentar ao mundo uma nação moderna, respeitada entre as demais, com laços diplomáticos que se estendiam por todo o globo e integrada aos progressos e tecnologias de sua época, norteou as festas do Centenário da Independência do Brasil. Para a abertura da exposição, foram aceleradas as obras de desmonte do Morro do Castelo e do aterro da Praia de Santa Luzia, abrindo espaço para os palácios e pavilhões que apresentavam as vistosas construções e os avanços industriais do Brasil e de outras nações.[1]

 

 

Paralelamente, outros eventos, de natureza não tão comemorativa, ocorreram em 1922. O movimento tenentista e a fundação do Partido Comunista no Brasil acenavam para problemas políticos, para a constituição de um proletariado urbano e um adensamento da camada pobre da população que se apresentavam como novos atores da arena política.[2] O ano também foi pontuado pelo crescimento do feminismo e pela criação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, entidade presidida por Bertha Lutz até 1942, tendo como principal bandeira de luta a conquista do sufrágio universal, bandeira esta apresentada desde a instauração da República, mas que foi negada pelo Congresso Constituinte em 1891.[3]

 

 

Durante a década de 1920 a reivindicação pelo voto feminino se intensificou. De acordo com June Edith Hahner:

“Como o descontentamento político e os protestos contra a oligarquia arraigada cresciam, tornava-se maior a possibilidade de direito ao voto feminino encontrar seu lugar em meio às exigências de reforma eleitoral da classe média urbana.”[4]

Após a participação de Bertha Lutz como delegada oficial do Brasil na I Conferência Panamericana de Mulheres, realizada em Baltimore, Estados Unidos, é fundada, a 19 de agosto de 1922, a Federação Brasileira das Ligas pelo Progresso Feminino que, dois anos depois, passou a se chamar Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), com sede no Rio de Janeiro.

Bertha, em sua viagem aos Estados Unidos representava a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher (LEIM), concebida para estudar os diferentes aspectos do movimento feminista e lutar pelos direitos femininos. Cabe mencionar que a sua participação no evento norte-americano é considerada por alguns autores, como June Hahner, um novo rumo para o movimento feminista, abrindo espaço para temas como bem-estar das crianças, a questão do trabalho feminino nas indústrias, o tráfico de mulheres, a educação feminina e o estatuto político e civil das mulheres, o que ensejou a elaboração de um novo estatuto para a Liga cujos objetivos abarcaram a emancipação feminina em todos os níveis desde a promoção da educação até a proteção às mães e a infância; a proteção para o trabalho feminino; a orientação para profissões; a conquista de direitos civis e políticos e a manutenção da paz mundial.[5]

Nessa conferência, quando se reuniram cerca de 2.000 mulheres, Bertha estreitou os laços com Carrie Chapman Catt, fundadora da Associação Nacional do Sufrágio Feminino dos Estados Unidos e presidente da recém-criada Associação Pan-Americana de Mulheres para a qual Bertha Lutz foi indicada vice-presidente.

 

 

Carrie Catt, que visitava um país sul-americano pela primeira vez, foi a personalidade estrangeira mais prestigiada durante a I Conferência pelo Progresso Feminino, realizada de 19 a 23 de dezembro no edifício Silogeu, do Instituto dos Advogados, no centro do Rio de Janeiro e em Petrópolis. Bertha, em seu discurso de saudação, dirige-se a Carrie como a “valorosa pregoeira do sufrágio feminino” que vem ao Brasil para exortar a “união de todas as mulheres em prol de grandes ideaes que devem congregar-nos para o bem, senão para a salvação da humanidade.”[6] A conferência contou também com a participação da escritora, jornalista, iluminista, abolicionista, defensora da educação e das ideias feministas Julia Lopes de Almeida[7] como presidente de honra.

 

 

Como presidente da conferência Bertha enviou farta correspondência a autoridades estrangeiras e de instituições brasileiras no sentido de prestigiarem o evento destinado a “deliberar questões de ensino e instrução feminina, oportunidades de ação, condições de trabalho e carreiras abertas à mulher, métodos de evidenciar o seu desenvolvimento e progresso, assistência e proteção à mesma, bem como o seu papel como fator no lar e na comunidade, suas funções e responsabilidade na vida dos povos, na elevação dos ideais do mundo civilizado, na aproximação das nações e na manutenção da paz”.[8]

A conferência contou com uma significativa delegação brasileira, representando Pernambuco, Paraíba, Bahia, Sergipe, Pará, Santa Catarina, Amazonas, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Paraná, além de entidades como a Cruzada Nacional contra a Tuberculose; o Centro Social Feminino; a Liga de Professores; a Cruz Vermelha; a Legião da Mulher Brasileira; a União dos Empregados do Comércio. Marcou presença também Nair Coimbra, filha do vice-presidente da República Estácio Coimbra, senadores, deputados, médicos e advogados. As representações estrangeiras emprestaram uma atenção especial da imprensa que noticiou praticamente todos os dias da conferência, informando sobre o programa a ser seguido, temas abordados e palestrantes das sessões.[9] Vieram ao Brasil para o evento, além de Carrie Chapman, Elisabeth Babcock e Anita van Lennep (EUA), Rosette Susana Anus (Holanda), Ana de Castro Osório (presidente da Associação Feminina de Portugal)[10], srta. Pidgeon (Departamento Nacional de Agricultura de Washington), sra. Abels (Liga pelas Relações Pacíficas Internacionais).

 

 

Para a conferência, que buscava dar visibilidade internacional para o Brasil como um país afinado às formas progressistas e libertárias da modernidade, entre as quais poderiam ser enquadradas as recentes e tímidas demandas feministas da Federação, foram constituídas seis comissões, a saber: ensino e instrução; carreiras apropriadas à mulher; direito da mulher; indústria; comércio e profissões liberais; assistência às mães e à infância.[11]

 

 

A tese geral da conferência foi “a colaboração da Liga pelo Progresso Feminino na educação da mulher no bem social e aperfeiçoamentos humanos” e apresentava como um de seus objetivos “deliberar sobre questões práticas de ensino e instrução feminina”. Assim, o tema educação configurou-se como transversal da conferência. A inclusão social das mulheres no espaço público por meio da educação as tornava mais capazes de pleitear o direito ao voto, incrementava os direitos sociais e políticos de uma parcela significativa da população que havia sido historicamente excluída da esfera pública. [12] Da Comissão de Educação e Instrução foi integrante Carneiro Leão, diretor de Instrução Pública do Distrito Federal, Esther Pedreira de Mello; Benevenuta Ribeiro, diretora da Escola Profissional Feminina Rivadávia Correa; Maria Xaltrão Gaze, diretora da Escola de Aplicação; delegadas da Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal; Branca Canto de Mello pela Liga Paulista pelo Progresso Feminino e os deputados José Augusto e Tavares Cavalcante.[13] Os temas de discussão selecionados foram ensino primário; ensino profissional, doméstico e agrícola; educação cívica; ensino secundário e superior.

Em seu discurso de 23 de dezembro de 1922, Anna Cesar, presidente da Legião da Mulher Brasileira destaca a instrução como “o principal veículo da propaganda feminista no Brasil, a fim de podermos vencer as barreiras dos mal-entendidos preconceitos e de outros prejuízos gerados da ignorância.”[14]

 

 

Outros temas tiveram espaço durante a conferência, como assistência à infância, ensino doméstico que “compreende essencialmente, e sobretudo, a cozinha e o arranjo de casa, os cuidados com que as crianças devem ser tratadas assim como as pessoas de casa, e o conhecimento de tudo que pode tornar agradável e confortável o interior de uma casa”[15] ou questões de eugenia relativas ao casamento apresentadas pelo dr. Renato Kehl [16] Nos trabalhos sobre o papel da mulher no comércio, na indústria, na lavoura e no funcionalismo, o Jornal do Brasil, em sua edição de 22 de dezembro, noticia que “tomaram parte, com muito brilhantismo, as senhoritas Carmen Cunha e Nair Braga das casas A Pompéa e A Capital, como delegadas da União dos Empregados do Commercio do Rio de Janeiro, defendendo uma tese apresentada pela associação de classe.”

O segundo dia da conferência teve como destaque a fundação da Aliança Brasileira pelo Sufrágio Feminino, na sessão Direitos da Mulher, com o intuito de se dedicar, unicamente, pela aprovação do voto feminino. O senador Justo Chermont, autor do projeto que estava sendo analisado no Senado em prol do sufrágio feminino, foi homenageado nessa sessão, inclusive por Carrie Chapman.[17]

O dia 22 de dezembro concentrou as últimas reuniões dos grupos de trabalho. A última palestra intitulada “O papel da mulher na civilização” foi ministrada por Carrie Chapman Catt, em sessão presidida pelo senador Lauro Muller. Em sua palestra, Chapman lembrou que nas democracias o governo é do povo e o povo compreende também a mulher, ressaltando o papel desta na evolução social, defendendo a intervenção da mulher na vida pública e afirmando que seria o Brasil na América do Sul o primeiro país a conceder-lhe direito.[18]

 

 

Ao longo da conferência uma série de eventos sociais recepcionaram participantes e organizadores. Aproveitando a realização da Exposição Internacional do Centenário da Independência, realizou-se uma visita ao pavilhão da Noruega. Um passeio a Teresópolis também foi oferecido.

 

 

No encerramento, foram proferidos discursos por Evaristo de Moraes, que pediu o auxílio da mulher na “propaganda humanitária e moral da sociedade com processos mais inteligentes que os que vigoram”, por Lopes Gonçalves, que falou longamente sobre a constitucionalidade do direito de voto da mulher e prometeu bater-se por ele, na tribuna popular, no jornalismo e no Parlamento; e por Lauro Müller, que aconselhou as entusiastas dos direitos políticos da mulher a conquistarem esses direitos pela ação e pelo trabalho, demonstrando aos homens que mereceriam esses direitos pela educação e “pelo seu próprio valor”.[19]

 

 

Mesmo com ambiguidades presentes no movimento feminista, também percebidos durante a I Conferência, as mulheres iam introduzindo mudanças nos mecanismos de conquista de direitos. Empunhando, assim, a bandeira do voto feminino, rumava-se, na estratégia de Bertha e suas companheiras de Federação, de maneira cordial para a defesa da emancipação da mulher e a conquista de direitos. Essa postura, identificada por alguns pesquisadores, com um “feminismo bem-comportado”[20], voltado para os anseios das mulheres das classes média e alta, de alguma forma se contrapunha ao feminismo sustentado por Maria Lacerda de Moura, tido como “mal-comportado” ao atentar para os direitos das trabalhadoras das classes baixas e para a liberdade sexual.[21]

Os temas escolhidos para serem debatidos na conferência, isto é, a forma como a questão da emancipação feminina estava sendo pensada pelo grupo, expõem as estratégias utilizadas e que acabaram por consolidar a imagem de representantes no Brasil. Mudar a visão da sociedade brasileira em relação à mulher considerada a “rainha do lar”, debater sobre a formação do magistério, a nacionalização do ensino público, o acesso da mulher ao mercado de trabalho e igualdade salarial orientavam essa atuação. A questão da cidadania constituía-se no debate em torno de direitos civis, que englobava o acesso ao voto e ao divórcio, maternidade, igualdade salarial e proibição do trabalho noturno às mulheres, e se misturavam com perspectivas de proteção e de conquista de direitos.[22] As deliberações da conferência revelam uma estratégia conciliadora de assegurar um lugar no espaço público, sem afetar o papel da mulher no seio familiar. A tática era sensibilizar os homens nos cargos de poder a aceitarem suas demandas, denotando o “bom” feminismo.[23]

 

* Maria Elizabeth Brêa Monteiro é antropóloga do Arquivo Nacional

 

[1] Ver a exposição virtual “O Rio do morro ao mar” em http://exposicoesvirtuais.an.gov.br/index.php/galerias/10-exposicoes/178-o-rio-do-morro-ao-mar.html

[2] Ver http://querepublicaeessa.an.gov.br/serie-especial-independencia/333-o-centenario-em-1922.html

[3] Ver a matéria 1922 – hoje, há 100 anos – a fundação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, de autoria de Andrea C.T. Wanderleypublicada no portal Brasiliana Fotográfica. Disponível em https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?tag=federacao-brasileira-pelo-progresso-feminino

[4] HAHNER, June Edith. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil, 1850-1940. Florianópolis: Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003. p.269.

[5] KARAWEJCZYK, Monica. O Feminismo em Boa Marcha no Brasil! Bertha Lutz e a Conferência pelo Progresso Feminino. Revista Estudos Feministas, v. 26, núm. 2, 2018. Disponível em https://www.redalyc.org/jatsRepo/381/38156079025/html/index.html#B12

[6] Ver BR_RJANRIO_Q0_ADM_EVE_CNF_TXT_0002_v_03_d0001, p.1.

[7] Julia participou das primeiras reuniões para a fundação da Academia Brasileira de Letras. Apesar de sua importância como escritora, ela não pôde integrar a ABL uma vez que se optou por manter a Academia exclusivamente masculina, da mesma forma que a Academia Francesa, que serviu de modelo.

[8] Essa correspondência está reunida em BR_RJANRIO_Q0_ADM_EVE_CNF_TXT_0002_v_06_d0001 e BR_RJANRIO_Q0_ADM_EVE_CNF_TXT_0002_v_07_d0001.

[9] O Paiz, 16 dezembro 1922. P. 6

[10] Considerações sobre projetos, redes de sociabilidade do feminismo foram objeto da correspondência entre Bertha e Ana Castro. Essas cartas, que compõem o fundo Federação Brasileira para o Progresso Feminino, do Arquivo Nacional, foram publicadas em “A propaganda feminista luso-brasileira: as cartas de Ana de Castro Osório a Bertha Lutz” de autoria de Eduardo da Cruz e Andreia Monteiro de Castro. Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/navegacoes/article/view/32139/17814. Ana de Castro Osório publicou, em 1905, Às Mulheres Portuguesas, o primeiro manifesto feminista português.

[11] Ver Programa da Conferência pelo Progresso Feminino. Fundo FBPF, Arquivo Nacional. BR_RJANRIO_Q0_ADM_EVE_CNF_TXT_0002_v_01_d0001

[12] Ver Relatório dos trabalhos realizados pela Comissão de educação e ensino. Fundo FBPF, Arquivo Nacional. BR_RJANRIO_Q0_ADM_EVE_CNF_TXT_0002_v_02_d0001

[13] BONATO, Nailda Marinho da Costa. O Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Uma fonte múltipla para a história da educação das mulheres. Acervo, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1-2, jan.-dez. 2005, p. 131-146. Disponível em https://revista.an.gov.br/index.php/revistaacervo/%20article/view/189

[14] Ver BR_RJANRIO_Q0_ADM_EVE_CNF_TXT_0002_v_03_d0001, p.6.

[15] A escola doméstica. Traduzido e compilado por Guilhermina Sassetti Noellner e dedicado a Lydia de Rezende. Fundo FBPF, Arquivo Nacional. BR_RJANRIO_Q0_ADM_EVE_CNF_TXT_0002_v_03_d0001, p. 59-72.

[16] Ver BR_RJANRIO_Q0_ADM_EVE_CNF_TXT_0002_v_05_d0001, p. 24-33.

[17] KARAWEJCZYK, Monica. O Feminismo em Boa Marcha no Brasil! Bertha Lutz e a Conferência pelo Progresso Feminino. Revista Estudos Feministas, vol. 26, núm. 2, 2018. Disponível em https://www.redalyc.org/jatsRepo/381/38156079025/html/index.html#B12

[18] O Paiz, 24 de dezembro de 1922.

[19] O Paiz, 24 de dezembro de 1992. P. 6

[20] Rachel Soihet, em artigo publicado na Revista Brasileira de Educação, em 2000, emprega o termo “feminismo tático” para descrever a forma conciliadora de atuação das federalistas. Disponível em https://www.scielo.br/j/rbedu/a/mJxm348crdgLd4mgqnwMHcd/?format=pdf&lang=pt

[21] Dultra, Eneida Vinhaes Bello. Direitos das mulheres na Constituinte de 1933-1934: disputas, ambiguidades e omissões. Tese em Direito, Estado e Constituição. UnB, 2018. Disponível em https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/34535/1/2018_EneidaVinhaesBelloDultra.pdf

[22] Fraccaro, Glaucia Cristina Candian. Uma história social do feminismo – Diálogos de um campo político brasileiro (1917-1937). Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 31, nº 63, p. 7-26, janeiro-abril 2018, p. 18. Disponível em http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/71642

[23] KARAWEJCZYK, Monica. O Feminismo em Boa Marcha no Brasil! Bertha Lutz e a Conferência pelo Progresso Feminino. Revista Estudos Feministas, vol. 26, núm. 2, 2018. Disponível em https://www.redalyc.org/jatsRepo/381/38156079025/html/index.html#B12

 

Links para os artigos já publicados da Série 1922 – Hoje, há 100 anos

Série 1922 – Hoje, há 100 anos I – Os Batutas embarcam para Paris, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 29 de janeiro de 2022

Série 1922 – Hoje, há 100 anos II- A Semana de Arte Moderna, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 13 de fevereiro de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos III – A eleição de Artur Bernardes e a derrota de Nilo Peçanha, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 1º de março de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IV – A primeira travessia aérea do Atlântico Sul, realizada pelos aeronautas portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicada em 17 de junho de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos V – A Revolta do Forte de Copacabana, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicada em 5 de julho de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VI – A fundação da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 9 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VII – A morte de Gastão de Orleáns, o conde d´Eu (Neuilly-sur-Seine, 28/04/1842 – Oceano Atlântico 28/08/1922), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 28 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VIII – A abertura da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil e o centenário da primeira grande transmissão pública de rádio no país, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 7 de setembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IX – O centenário do Museu Histórico Nacional, de autoria de Maria Isabel Lenzi, historiadora do Musseu Histórico Nacional, publicado em 12 de outubro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos X – A morte do escritor Lima Barreto (1881 – 1922), de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 1º de novembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Acesse aqui os outros artigos da Série “Feministas, graças a Deus!

Série “Feministas, graças a Deus!” I – Elvira Komel, a feminista mineira que passou como um meteoro, publicado em 25 de julho de 2020, de autoria da historiadora Maria Silvia Pereira Lavieri Gomes, do Instituto Moreira Salles, em parceria com Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” II  – Natércia da Cunha Silveira (1905 – 1993), o jequitibá da floresta, publicado em 20 de agosto de 2020, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” III  – Bertha Lutz e a campanha pelo voto feminino: Rio Grande do Norte, 1928, publicado em 29 de setembro de 2020, de autoria de Maria do Carmo Rainha, doutora em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” IV  – Uma sufragista na metrópole: Maria Prestia (? – 1988), publicado em 29 de outubro de 2020, de autoria de Claudia Heynemann, doutora em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” V – Feminista do Amazonas: Maria de Miranda Leão (1887 – 1976), publicado em 26 de novembro de 2020, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, mestre em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” VI – Júlia Augusta de Medeiros (1896 – 1972) fotografada por Louis Piereck (1880 – 1931), publicado em 9 de dezembro de 2020, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” VII – Almerinda Farias Gama (1899 – 1999), uma das pioneiras do feminismo no Brasil, publicado em 26 de fevereiro de 2021, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” VIII – A engenheira e urbanista Carmen Portinho (1903 – 2001), publicado em 6 de abril de 2021, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” IX – Mariana Coelho (1857 – 1954), a “Beauvoir tupiniquim”, publicado em 15 de junho de 2021, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” X – Maria Luiza Dória Bittencourt (1910 – 2001), a eloquente primeira deputada da Bahia, publicado em 25 de março de 2022, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XI e série “1922 – Hoje, há 100 anos” VI – A fundação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, publicado em 9 de agosto de 2022, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XIII – E as mulheres conquistam o direito do voto no Brasil!, publicado em 24 de fevereiro de 2023, de autoria de Andrea C T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XIV – No Dia Internacional da Mulher, Alzira Soriano, a primeira prefeita do Brasil e da América Latina, publicado em 8 de março de 2023, de autoria de Andrea C T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XV – No Dia dos Povos Índígenas, Leolinda Daltro,”a precursora do feminismo indígena” e a “nossa Pankhurst, publicado em 19 de abril de 2023, de autoria de Andrea C T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XVI – O I Salão Feminino de Arte, em 1931, no Rio de Janeiro, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica, publicado em 30 de junho de 2023

Série “Feministas, graças a Deus!” XVII – Anna Amélia Carneiro de Mendonça e o Zeppelin, equipe de Documentação da Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC, em parceira com Andrea C.T. Wanderley, publicado em 5 de janeiro de 2024

Exercícios da Esquadra Brasileira no Centenário da Independência

A Esquadra Brasileira nasceu, em 10 de novembro de 1822, ano da Independência do Brasil. Para celebrar a data, a equipe do Departamento de História da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica, escreveu o artigo Exercícios da Esquadra Brasileira no Centenário da Independência sobre as manobras realizadas pela esquadra em 1922, ano em que foram comemorados os 100 anos da independência do país.

 

 

Acessando o link para as fotografias dos exercícios da Esquadra Brasileira no Centenário da Independência disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

Segundo o Vice-Almirante José Carlos Mathias, Diretor do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha,“os bicentenários da Independência e da Esquadra são faces de uma mesma moeda; são histórias que se entrecruzam no mar e nele continuam e continuarão sendo escritas. Portanto, celebrar os 200 anos da Esquadra, é memorar e homenagear a rica história do Brasil”.

 

 

Exercícios da Esquadra Brasileira no Centenário da Independência

 Equipe do Departamento de História da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha

 

 

As manobras da Esquadra Brasileira de janeiro e fevereiro de 1922 ganharam um aparato especial naquele ano em que se comemorou o centenário da Independência do Brasil. Contaram, no seu encerramento, em 21 de fevereiro, com a presença do Presidente da República Epitácio Pessoa, que foi recebido, a bordo do navio capitania, o Encouraçado Minas Gerais, pelo Almirante Pedro Max Frontin, o então chefe do Estado-Maior da Armada, e pelo comandante do navio, o Capitão de Mar e Guerra Damião Pinto da Silva, reunindo-se aos demais convidados como o Ministro da Marinha Dr. Veiga Miranda e diversos representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

 

 

O início das manobras deu-se na altura das ilhas Maricás, com a participação do Minas Gerais, sendo acompanhado pelos Encouraçados São Paulo e Floriano e pelo Contratorpedeiro Pará, seguindo em coluna reta cruzando a barra da Baía de Guanabara. Aproximadamente às 13 horas do dia 21 de fevereiro de 1922, foram iniciados os exercícios de tiro em alvo flutuante com os disparos com os maiores canhões das torres dos encouraçados. Aos convidados a bordo foram distribuídos cópias do programa de exercícios.

 

 

 

 

De acordo com jornal O Paiz, de 22 de fevereiro de 1922, “foi grande a emoção que se apoderou dos convidados no momento em que se anunciou que o Minas ia romper o fogo com as torres. Todos colocaram algodões aos ouvidos e ficaram atentos para o alvo, que se achava a mais de 12 kilometros de distância.[1]

 

 

Os disparos dos canhões de calibre 120 mm, feitos pelas baterias secundárias (de menor poder de fogo), dos Encouraçados São Paulo e Minas Gerais, embora não colocando a pique o alvo flutuante, foram considerados positivos como prática de enquadramento do alvo a grande distância, pois tais exercícios não eram realizados há muito tempo por falta de recursos.

Curiosamente, o alvo utilizado foi o casco do desativado Paquete Alagoas, navio de transporte de passageiros da Companhia Brasileira de Navegação a Vapor, que foi empregado para transportar o imperador deposto d. Pedro II e sua família para o exílio na Europa em 1889.

 

 

Posteriormente, incorporado à Marinha do Brasil, serviu por um período de quartel flutuante para a Escola de Aprendizes -Marinheiros do Rio de Janeiro até ser alocado para seu destino final como alvo para os exercícios de tiro da Esquadra. Mesmo não atingido pelos tiros dos encouraçados, o casco afundou no fim dos exercícios quando rebocado pelo Rebocador Laurindo Pitta.

 

 

Fato não menos importante foi a presença do Navio-Escola Benjamim Constant no local onde se realizaram os exercícios de tiro, a cujo bordo estavam os alunos da Escola Naval,  aspirantes a guarda-marinha, em viagem de treinamento. A tripulação do Benjamim Constant também honrou a grandeza do evento, prestando salvas e postos de continência ao pavilhão presidencial içado no Minas Gerais.

 

 

Os exercícios da Esquadra realizados eram muito esperados pelo Estado-Maior da Armada, contribuindo com o treinamento das tripulações em evoluções táticas e instrução de tiro com os diversos canhões que equipavam os navios. Durante praticamente um mês no início de 1922, tais exercícios envolveram diversos navios das duas divisões navais que compunham a Esquadra nacional, contribuindo para o treinamento de cerca de quatro mil militares da Marinha do Brasil.

 

 

A presença do presidente da República demonstrou a importância do evento, sendo registrada por diversos jornais da época a robustez do poderio bélico da Esquadra e o aprestamento da marujada.

 

 

 

[1] Jornal O Paiz, 22 de fevereiro de 1922, pág. 3-4.

 

Um pouco da história do surgimento da primeira Esquadra brasileira

 

 

Como já mencionado, em 10 de novembro de 1822, há exatos 200 anos, nascia a primeira Esquadra Brasileira, quando a bandeira nacional foi, pela primeira vez, içada em um navio de guerra brasileiro, a Nau Martim de Freitas, posteriormente, rebatizada de Nau Pedro I, o primeiro navio Capitânia da Esquadra, criada para combater as forças navais portuguesas que se opunham à Independência do Brasil.

O primeiro ministro da Marinha, brasileiro nato, nomeado após a Proclamação da Independência do Brasil foi o então Capitão de Mar e Guerra Luís da Cunha Moreira, Visconde de Cabo Frio (1777 – 1865), que substituiu o almirante Manoel Antônio Farinha ( 17? – 1842), em 22 de outubro de 1822 (Gazeta do Rio, 7 de novembro de 1822, primeira coluna).

Para o estabelecimento da Marinha Imperial os navios portugueses deixados nos portos foram incorporados a ela, dentre eles as fragatas Real CarolinaSucesso e União, rebatizadas ParaguaçuNiterói e Piranga, respectivamente. As corvetas Liberal e Maria da Glória também foram incorporadas assim como o Brigue Reino Unido, renomeado como Cacique. O governo adquiriu os brigues Maipu e Nightingale, rebatizados como Caboclo e Guarani. Formava-se, então, a primeira Esquadra Brasileira.

De acordo com o Chefe do Departamento de História da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, Capitão de Fragata (T) Carlos André Lopes da Silva, era pequeno número de militares de origem brasileira na ocasião e havia a necessidade de aumentar o efetivo militar. Houve então uma negociação: “Dentre os cerca de 160 oficiais da Marinha portuguesa servindo no Brasil, 94 declararam lealdade a Dom Pedro. No entanto, o que pode parecer uma extensa adesão, na prática, não forneceu oficiais suficientes para tripular os navios da nova Esquadra. Com isso, a contratação de europeus, sobretudo britânicos, foi a solução. Foram mais de 450 estrangeiros contratados, cerca de 30 deles exercendo a função de oficiais, inclusive o então Comandante em Chefe da incipiente Esquadra brasileira, o Almirante Thomas Cochrane”.

 

 

Andrea C.T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

Agência Marinha de Notícias

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Portal Base Industrial de Defesa e Segurança

Portal Defesa.net

Portal Presidência da República

Portal Poder Naval

Portal Superior Tribunal Militar

VIDIGAL, Amorim Ferreira. A evolução da Marinha Brasileira. Revista da Escola Superior de Guerra, 1997.