Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” II – No Dia Nacional da Saúde, o Desinfetório de Botafogo e um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior, responsável pelo projeto

Hoje é celebrado o Dia Nacional da Saúde, uma homenagem à data de nascimento do médico sanitarista Oswaldo Cruz, em 5 de agosto de 1872. Com uma fotografia produzida por Joaquim Pinto da Silva (1884 – 1951), conhecido como J. Pinto, responsável pela produção de milhares de imagens do acervo da Casa de Oswaldo Cruz, instituição parceira da Brasiliana Fotográfica, a jornalista Cristiane d´Avila conta um pouco da história da era das desinfecções e do Desinfetório de Botafogo, baseada no livro Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e a revolução pasteuriana no Brasil (1999), do historiador Jaime Larry Benchimol. Na obra, ele descreve a atuação dos bacteriologistas que precederam Oswaldo Cruz e sua geração, detalhando as estratégias empregadas pelos cientistas e médicos para debelar as epidemias de cólera e febre amarela, ocorridas no Brasil no final do século XIX e início do XX. É o segundo artigo da série Os arquitetos do Rio de Janeiro.

 

 

Ao final do artigo, os leitores poderão ler um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior (1868 – 1955), responsável pelo projeto do Desinfetório de Botafogo, de autoria da pesquisadora e editoral do portal, Andrea C. T. Wanderley.

 

 

 

O desinfetório de Botafogo

Cristiane d´Avila*

 

Na extensa obra Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e a revolução pasteuriana no Brasil, o historiador Jaime Larry Benchimol descreve a atuação dos bacteriologistas que precederam Oswaldo Cruz e sua geração e dedica um capítulo à ‘era das desinfecções’. Nele, o pesquisador detalha as estratégias empregadas pelos cientistas e médicos para debelar as epidemias de cólera e febre amarela, flagelos que ceifaram milhares de vidas brasileiras no final do século XIX e início do XX.

“A epidemia de cólera (1894-1895) é um dos episódios que inauguram as lutas protagonizadas por esses bacteriologistas” (1) , explica Benchimol no referido capítulo. A luta a que se refere o historiador representou o que ele classifica como um novo paradigma na saúde pública: à luz da teoria de Pasteur, jovens médicos do Rio de Janeiro passaram a realizar, inicialmente em pequenos laboratórios instalados em suas próprias casas, análises químicas e bacteriológicas de amostras de enfermos, a fim de auxiliar o diagnóstico clínico e reorientar as ações higienistas.

A bacteriologia, incipiente, ainda não havia remodelado os serviços de higiene. Naquele fim de século, a defesa sanitária de cidades, domicílios, vias, veículos de transporte e mesmo indivíduos era realizada pela desinfecção por vapor, calor e, sobretudo, uso de líquidos germicidas. “Os anos 1890 marcam, com certeza, o auge da mania por estes agentes físicos e estas substâncias químicas dotadas do poder de destruir micróbios fora e dentro das pessoas, e, se bobeassem, de intoxicar ou matar os próprios viventes parasitados”(2) , ressalta Benchimol.

As medidas preventivas para o enfrentamento de surtos epidêmicos de doenças infectocontagiosas incluíam, além do emprego de cordões sanitários para isolar vias e cidades atingidas por surtos, a construção de desinfetórios públicos, erguidos segundo normas rígidas de higiene. Tais edificações eram munidas “com estufas a vapor sob pressão, pulverizadores a vapor e de mão e outros itens para o expurgo de passageiros, bagagens e objetos suscetíveis de contaminação pelo germe do cólera” (3) , descreve o pesquisador.

Rastrear a movimentação humana motivada pelo comércio efervescente entre os portos das cidades litorâneas e o interior do país era praticamente impossível. Tal circulação levou ao alastramento do cólera aos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, atingindo a capital da República. Na ânsia de frear o avanço da epidemia, das vias terrestres e estações ferroviárias a inspeção sanitária partiu para os domicílios urbanos.

“Podemos imaginar quão difícil era implementar num cortiço, numa estalagem, num velho sobrado (…) as meticulosas instruções relativas à desinfecção do lugar em que residia o colérico, fosse qual fosse o desfecho do caso” (4) , conta Benchimol. Cartazes com carimbo da diretoria sanitária e o dizer ‘Infeccionado’ eram afixados nas portas das residências, então interditadas até que o local fosse desinfetado. Objetos que podiam ser aproveitados, como colchões, travesseiros e cobertores, eram levados pelos agentes para expurgo, por vapor ou pressão, nos desinfetórios municipais.

Por lei, o médico era multado se não notificasse às autoridades os casos de febre amarela, varíola, sarampão, escarlatina, cólera-morbo, peste e difteria. “Na ausência do médico, cabia ao chefe da família, ao administrador, proprietário ou arrendatário do estabelecimento comercial ou habitação coletiva notificar o serviço municipal de saúde, que enclausurava o doente no sistema de vigilância domiciliar ou pública” (5) , detalha o historiador. Entre as recomendações médicas, “as pessoas deviam evitar bebidas alcoólicas, frutas verdes e alimentos crus (…) beber limonadas ácidas, conservar o asseio do corpo e das roupas e lavar as mãos com soluções desinfetantes de ácido fênico, ácido bórico ou sulfato de cobre” (6) .

Segundo Benchimol, a Inspetoria do Serviço de Isolamento e Desinfecção, vinculada à Diretoria de Higiene e Assistência Pública Municipal, inaugurou na cidade do Rio de Janeiro, em 1890, o Desinfetório Central, próximo à Praça Quinze de Novembro. No ano seguinte, foram construídos dois outros – um no Engenho Velho, atual Praça da Bandeira, e outro na Rua da Relação, distrito de Santo Antônio.

Em 1904, Oswaldo Cruz, então à frente da Direção Geral de Saúde Pública, conseguiu prover a capital da República de mais um desinfetório. Construído na Rua General Severiano, em Botafogo, Zona Sul da cidade, foi projetado por Luiz de Moraes Junior, autor do projeto do Castelo Mourisco, sede da Fiocruz em Manguinhos. Em 8 de agosto de 1905, o jornal carioca A Notícia publicou, em sua primeira página, uma extensa reportagem sobre o novo edifício, incluindo detalhes sobre a arquitetura e os equipamentos de higienização ali instalados. Atualmente, o prédio histórico, anexo ao Hospital Rocha Maia, abriga o Super Centro Carioca de Vacinação da prefeitura do Rio de Janeiro.

 

O novo desinfetório**

 

“Entre os estabelecimentos visitados hoje pelos delegados do Congresso Científico Latino-Americano figuram os desinfetórios pertencentes à Diretoria Geral de Saúde Pública.

De acordo com a última reforma feita nos serviços de higiene, foram mandados construir, além do desinfetório central, dois distritais, que atenderão às zonas de Botafogo e do Engenho de Dentro.

O de Botafogo, que já está concluído, não obstante não estar ainda oficialmente inaugurado, recebeu a honrosa visita dos delegados do Congresso.

Fica ele situado na rua General Severiano na parte dos terrenos em que ia ser construída a Universidade, abrangendo uma área de 4.063 metros.

O engenheiro da Diretoria Geral de Saúde Publica, o Sr. Luiz de Moraes Junior, observou nessa esplêndida construção todos os preceitos recomendados pela higiene, e bem assim atendeu a todos os melhoramentos usados nos países estrangeiros, em
estabelecimentos congêneres.

Desse modo, foi observada a parte mais recomendada nos desinfetórios, e que é o evitar-se o absoluto contacto entre as pessoas, os objetos e o material, antes de ser desinfectados com os que já estiveram.

Por esse motivo, todo o lado esquerdo do edifício foi destinado à parte impura e o lado direito à parte pura. 

Pela parte impura entram os doentes, pessoal, objetos pertencentes a casa em que esteve o enfermo e o respectivo material. Ali sofrem rigoroso expurgo, por meio de estufas e câmaras de formol e enxofre. Terminado esse serviço, sem poder haver a menor comunicação entre o pessoal, são transferidos, por pequenas janelas, para o lado puro, todos os objetos já desinfectados.

O mais curioso em todo esse serviço é que desde a entrada do pessoal e material para a parte impura, são dados sinais elétricos consecutivos na sala da administração até ficar completamente feita a desinfecção.

construção de todo o edifício obedeceu a um estilo leve e moderno, tendo a forma retangular, fazendo três corpos, tendo 27 metros e 90 centímetros de comprimento por 16 metros e 40 centímetros de largura.

No centro do edifício existe uma área medindo 6 metros por 3 metros e 80 centímetros, sendo a superfície geral de 567 metros quadrados.

A entrada principal de ingresso para a sala de espera, tendo esta de um lado, o gabinete do inspector e do outro lado a sala de administração.

De um e de outro lado do edifício ficam situados a portaria, gabinete médico, sala de escritório, sala de depósito de desinfetantes e de limpeza de empregados, sala de espera para as pessoas que desejarem tomar banho de desinfecção, sala para recepções de bagagens, roupas e mais objetos sujeitos à desinfecção, sala para recepção das roupas desinfectadas.

Fora desse edifício, no pátio foi construído um outro menor, medindo seis metros por dez. Tem ele duas portas, uma para o lado impuro por onde entram os carros e outra para o lado puro, por onde saem já desinfectados.

Ainda existem, perfeitamente construídos, a casa do guarda, as cocheiras com uma área de 225 metros para comportar 40 animais e finalmente um reservatório para 18.000 litros d’água.

O edifício principal do desinfetório tem os alicerces de concreto, ferro e alvenaria. As paredes externas do edifício são de tijolos polidos franceses e as internas são de tijolos furados.

Os soalhos das três salas da frente são de massaranduba e peroba e o revestimento das paredes e tetos são de estuque fino.

As portas externas são de massaranduba e as das salas de peroba.

Em cada lado do edifício foi colocada uma marquise de ferro forjado suspensa em consolos de ferro, estando as mesmas cobertas com vidros de cores.

O desinfetório está preparado para funcionar desde já, tendo todo o material necessário inclusive estufas Genester-Hereher, câmaras de formol e enxofre, fornos de incineração, aparelhos de lavar roupas, gerador a vapor e um belo aparelho centrífugo com um movimento de 1.200 rotações por segundo para secar roupas e movido a eletricidade. 

Esse desinfetório servirá para todo o serviço central, enquanto não estiver concluído o que vai ser construído na rua do Rezende”. 

A Notícia, 08 de agosto de 1905

 

(1) Benchimol, 1999, p.250.
(2) Idem, p.271.
(3) Idem, p.258.
(4)Idem, p.272.
(5)Idem, p.292.
(6) Idem, p.293.

 

*Cristiane d´Avila é jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

**Grafia atualizada. Fonte: Jornal A Notícia, 08 de agosto de 1905, edição 191. Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/830380/11799
Transcrição disponível em: https://oticsrio.com.br/2023/01/23/do-desinfectorio-de-botafogo-ao-hospital-rocha-maia-118-anos-de-historia/

 

Fontes:

BENCHIMOL, Jaime Larry. Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e revolução pasteuriana no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Editora UFRJ, 1999. E-book.

 

Breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior (1868 – 1955)

 

Andrea C. T. Wanderley***

 

 

O Desinfetório de Botafogo foi projetado pelo arquiteto português Luiz de Moraes Junior, que nasceu em 28 de janeiro de 1868, e passou sua infância e a adolescência, na cidade de Faro, cidade onde nasceu e capital do Algarve. Formado pela Universidade de Lisboa, iniciou sua carreira como engenheiro ferroviário. Casou e teve duas filhas. Em 1900, sem sua família, veio para o Brasil como técnico de uma grande firma alemã. No Rio de Janeiro, fiscalizou os imóveis do Mosteiro de São Bento e das Ordens Religiosas e, a convite do padre Ricardo, vigário-geral da Igreja da Penha, deu início às obras de restauração da fachada desta igreja. Em 1901, residia na Rua General Cãmara , 64 (Almanak Laemmert, 1902, primeira coluna; A Notícia, 31 de julho de 1904, quarta coluna; A Notícia, 5 e 6 de outubro de 1907, terceira coluna).

 

 

Foi durante o trajeto de trem para o trabalho que conheceu Oswaldo Cruz, que fazia o mesmo percurso até Manguinhos. Ficaram amigos e Oswaldo Cruz o convidou para realizar o Castelo Mourisco, sede da Fiocruz em Manguinhos, construído entre 1905 e 1918, e símbolo da instituição (Jornal do Brasil, 14 de agosto de 1905, terceira coluna).

 

 

Também executou os projetos de instalações que, atualmente, formam o Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos (NAHM), composto pelo Pavilhão do Relógio ou da Peste; a Cavalariça; o Quinino ou Pavilhão Figueiredo Vasconcellos; o Pombal ou Biotério para Pequenos Animais; o Hospital Evandro Chagas; e a Casa de Chá.

 

 

 

 

 

 

 

 

Participou de todas as obras sanitárias realizadas por Oswaldo Cruz em combate à febre amarela e à peste organizadas pela Diretoria Geral de Saúde Pública com o objetivo de higienizar o Rio de Janeiro. Em 1910, foi um dos promotores de uma homenagem a Oswaldo Cruz, o ilustre cientista brasileiro a quem o Rio de Janeiro deve a prodigiosa obra do seu saneamento e o Brasil o brilho de uma representação científica das mais gloriosas no estrangeiro, realizada no Palácio Monroe (A Notícia, 31 de agosto e 1º de setembro de 1910, penúltima coluna; Correio da Manhã, 4 de setembro de 1910, primeira coluna).

No campo da arquitetura hospitalar, sanitária e médico-experimental, Moraes Junior desenvolveu diversos outros empreendimentos, dentre eles a sede da Policlínica do Rio de Janeiro, na antiga Avenida Central, atual Rio Branco (Gazeta de Notícias,4 de março de 1909, penúltima coluna); os Dispensários da Fundação Gaffré Guinle; e a reforma do Hospital do Engenho de Dentro e da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro. Foi o realizador prático do projeto de Assepsia Integral do médico Mauricio Gudin (1883 – 1959), construindo na Beneficência Portuguesa e no Hospital-Escola de Niterói os blocos que tornaram realidade o processo concebido por Gudin (O Paiz, 7 de novembro de 1923, segunda coluna). Foi também autor do projeto do edifício da Escola Nacional de Medicina, cuja pedra fundamental foi assentada em 22 de maio de 1916 (Correio da Manhã, 23 de maio de 1916, segunda coluna).

Também atuou em outras áreas da arquitetura, tendo construído a casa da família de Oswaldo Cruz, na Praia de Botafogo, e do túmulo do cientista, no Cemitério São João Batista.

 

 

Em Petrópolis, foi o responsável pelo Grande Hotel e pelo prédio do jornal Tribuna de Petrópolis. Na Alemanha, participou do projeto de construção e decoração do Pavilhão do Brasil na Exposição Internacinal de Higiene de Dresden, realizada em 1911 (Correio da Manhã, 11 de junho de 1917, terceira coluna).

 

 

Foi amigo dos presidente do Brasil, Nilo Peçanha (1867 – 1924) e Rodrigues Alves (1848 – 1919) e de diversos outros políticos e empresários de destaque no Brasil. Foi nomeado Cônsul Geral do Haiti no Rio de Janeiro, em 18 de junho de 1919, cargo que exerceu durante toda sua vida.  Tornou-se Comendador da Ordem Nacional do Haiti Honneur et Merite, em 1933; e da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, do Brasil, em 1937. Foi membro do Instituto de Engenharia (Correio Paulistano, 24 de junho de 1919, quinta colunaAlmanak Laemmert, 1927, última colunaJornal do Brasil, 15 de julho de 1927, primeira coluna; Correio da Manhã, 13 de abril de 1933, segunda coluna; O Jornal, 5 de fevereiro de 1937, quinta coluna; Relatórios do Ministério das Relações Exteriores, 1940).

Desportista, em 1907, foi o tesoureiro da primeira diretoria do Automóvel Club do Brasil, do qual foi um dos fundadores. Durante décadas seguiu fazendo parte da instituição. Em 1928, dirigiu as obras de renovação do interior do prédio, na Rua do Passseio (O Jornal, 8 de julho de 1928, terceira coluna). Em 1939, tornou-se seu sócio benemérito (Jornal do Commercio, 31 de maio de 1939, segunda coluna).

 

 

Ainda em 1907 foi juiz de chegada de uma corrida de automóveis realizada na Avenida Beira-Mar, em Botafogo. Em 1908 e 1909, foi um dos promotores de corridas de automóveis partindo de Niterói e percorrendo diversas cidades fluminenses. Foi admitido como membro do Jockey Club, em 1908 (Gazeta de Notícias, 15 de março de 1907, quinta coluna; A Imprensa, 14 de julho de 1908, última colunaO Fluminense, 25 de setembro de 1908, quarta coluna; O Fluminense, 2 de junho de 1909,quarta coluna).

Na Exposição Nacional de 1908, ganhou a Medalha de Ouro na categoria de Arquitetura (Jornal do Brasil, 21 de novembro de 1908, terceira coluna). No ano seguinte,conquistou outra Medalha de Ouro, desta vez pelo plano e projeto de um hospital moderno, na Exposição Internacional de Higiene do Rio de Janeiro (Correio da Manhã, 24 de outubro de 1909, quarta coluna).

Em 1910, integrou o júri, presidido por Marciano Aguiar Moreira, presidente do Jockey Club, que julgou o projeto da nova sede social da instituição, na então Avenida Central, atual Rio Branco. Os outros jurados foram Domingos Cunha, Francisco de Oliveira Passos (1878 – 1958), engenheiro civil e filho do prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Pereira Passos (1836 – 1913), entre 1902 e 1906; e o professor e escultor Rodolpho Bernardelli (1852 – 1931). Venceu o projeto de Heitor de Mello (1875 – 1920) (O Paiz, 11 de agosto de 1910, terceira coluna; Jornal do Commercio, 2 de setembro de 1913, sexta coluna; Correio da Manhã, 6 de setembro de 1913, sexta coluna). Ainda em 1910, foi premiado na categoria Escola Profissional em um concruso para prédios escolares promovidos pelo Serviço de Inspeção Sanitária Escolar (Correio da Manhã, 28 de novembro de 1910, segunda coluna).

Era zelador da Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Penha no Irajá (O Paiz, 7 de outubro de 1913, penúltima coluna). Em 1920, participou do Congresso Brasileiro de Proteção à Infância (O Paiz, 2 de dezembro de 1919, última coluna). Em 1915, integrava a comissão organizadora de um evento carnavalesco, o Garden Tea Dansant Masque (Correio da Manhã, 14 de fevereiro de 1915, segunda coluna).

Em 1921, aderiu a uma homenagem ao professor Carlos Chagas (1878 – 1934), na sede do Club dos Diários, do qual era tesoureiro (O Paiz, 14 de agosto de 1921, segunda coluna; O Paiz, 30 de abril de 1924, penúltima coluna). Foi um dos supervisores da construção da  estrada Rio-Petrópolis, inaugurada em 1928, da qual foi um dos subscritores (O Paiz, 29 de janeiro de 1923, segunda coluna; Automóvel-Club, maio de 1926; O Jornal, 6 de setembro de 1928, sexta coluna).

 

 

 

Em 1923, recebeu um título honorífico do Real Gabinete Português de Leitura, do qual era sócio (O Brasil, 15 de maio de 1923, terceira coluna).

Em 1925, sofreu um acidente de carro, na Avenida Beira-Mar, perto da Rua do Russel. Ele residia na rua Assunção, nº 65 (Correio a Manhã, 24 de setembro de 1925, terceira coluna). Fez parte da comissão da 1ª Exposição de Automobilismo, Autopropulsão e Estradas de Rodagem (O Paiz, 26 de agosto de 1925, última coluna;  O Paiz, 25 de outubro de 1925, quarta coluna; Automovel-Club, setembro 1925).

 

 

Em 1926, a convite da Sociedade Interamericana de Mulheres, as cientistas Marie Curie (1867 – 1934) e Irène Joliot-Curie (1897 – 1956), mãe e filha, em visita ao Brasil, foram a Petrópolis acompanhadas por Bertha Lutz, pela embaixatriz da França e pela sra. Paul Hazard, e por Luiz Moraes Junior e Armando Godoy, ambos da diretoria do Automóvel Clube do Brasil, que forneceu os carros usados no trajeto. Foram recebidas pelo prefeito da cidade, Francisco de Avelar Figueira de Melo (1883 – 1938), e o senador Joaquim Moreira (1853 – 1929) ofereceu um almoço ao grupo (O Paiz, 6 de agosto de 1926, quarta coluna).

Em 1929, participou, como Cônsul do Haiti, do 2º Congresso Pan-americano de Estradas de Rodagem, quando proferiu um discurso (Automóvel-Club, agosto/setembro de 1929).

Integrou a primeira diretoria, como suplente, de uma a associação de turismo, a Rio Turing S.A (O Paiz, 7 de dezembro de 1933, terceira quarta coluna).

Participou, em 1934, de uma inspeção nas obras realizadas no Circuito da Gávea de automobilismo (Jornal do Commercio, 19 de setembro 1934, quarta coluna). Integrava a comissão técnica das corridas internacionais de automóveis (Correio da Manhã, 30 de setembro de 1934, penúltima coluna).

 

 

Durante a gestão do prefeito Pedro Ernesto (1884 – 1942), construiu vários hospitais no Rio de Janeiro. Houve uma polêmica em torno de sua indicação sem a realização de uma concorrência pública (Correio da Manhã, 26 de agosto de 1934; Jornal do Brasil, 29 de agosto de 1934, primeira coluna).

Foi membro da Sociedade Filatélica Brasileira e possuía uma das coleções de selos mais valiosas do Brasil. Participou, em 1934, da Exposição Filatélica Nacional, realizada no Palácio das Festas, na Feira Internacional de Amostras. Em 1938, foi um dos patronos da Exposição Filatélica Internacional, na Escola de Belas Artes. Possuia um par de selos olho de boi dos valores de 30 e 90, unidos – uma raridade (D. Quixote, 20 de maio de 1925, primeira colunaD. Quixote, 1º de julho de 1925, primeira coluna; Jornal do Commercio, 26 de setembro de 1934, terceira coluna; O Carioca, 9 de novembro de 1935, segunda colunaJornal do Commercio, 15 de junho de 1938, segunda coluna; A Noite, 24 de outubro de 1938, segunda coluna; O Cruzeiro, 19 de novembro de 1938).

Uma apólice mineira sorteada com mil contos foi vendida pelo corretor a Luiz Moraes Junior e ao deputado Augusto Cursino (Diário da Noite, 4 de janeiro de 1935).

Em 1942, participou da X Conferência Sanitária Panamericana, no Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro (Gazeta de Notícias, 2 de setembro de 1942).

Em 1953, era o tesoureiro do Petrópolis Country Club (Jornal do Brasil, 22 de fevereiro de 1907, quarta colunaJornal do Brasil, 19 de março de 1953, terceira coluna; Jornal do Brasil, 24 de setembro de 1953, sexta colunaO Jornal, 16 de julho de 1955O Jornal, 22 de setembro de 1957).

Faleceu em 15 de julho de 1955, na Beneficência Portuguesa, de onde era sócio graduado, no Rio de Janeiro. Era casado, em segunda núpcias com Gelmina Fazzioni de Moraes. O casal não teve filhos (Jornal do Brasil, 16 de julho de 1955).

 

 

 

Outras de suas realizações foram o Palacete Seabra, no Flamengo e o Rio Hotel, na Praça Tiradentes, além do Grande Hotel e da sua residência localizada em Petrópolis.

 

***Andrea C. T. Wanderley é pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Em 29 de outubro de 2023, o título deste artigo foi alterado para Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” II – No Dia Nacional da Saúde, o Desinfetório de Botafogo e um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior, responsável pelo projeto.

Fontes:

Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Portal da Fiocruz

 

Outros artigos da série Os arquitetos do Rio de Janeiro

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” I – Porto D´Ave e a moderna arquitetura hospitalar, de autoria de Cristiane d´Avila – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, publicado em 14 de janeiro de 2021.

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” III – O centenário do Copacabana Palace, quintessência do “glamour” carioca, e seu criador, o arquiteto francês Joseph Gire, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado em 13 de agosto de 2023

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” IV – Archimedes Memória (1893 – 1960), o último dos ecléticos, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 1º de dezembro de 2023

Série “O Rio de Janeiro desaparecido XXVII e “Os arquitetos do Rio” V – O Jockey Club e o Derby Club, na Avenida Rio Branco e o arquiteto Heitor de Mello (1875 – 1920), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 15 de janeiro de 2024

Hanseníase em Jacarepaguá

Ricardo Augusto dos Santos, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica, é o autor do artigo Hanseníase em Jacarepaguá, no qual nos conta um pouco da história do Hospital Colônia de Curupaiti, inaugurado, em 1928, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Lá os portadores da doença conhecida popularmente como lepra, que era considerada um castigo divino, viviam afastados da sociedade. Na época, essa era considerada uma medida de obstáculo à propagação da doença e também um tratamento. O isolamento compulsório foi abolido em meados dos anos 1980.

 

 

Hanseníase em Jacarepaguá

Ricardo Augusto dos Santos*

 A doença conhecida popularmente como lepra, era considerada um castigo divino. Temida pelas populações, a hanseníase não inspirava nenhuma solidariedade. A internação compulsória e o isolamento foram práticas obrigatórias durante décadas. Encarcerados em hospitais, os doentes eram separados de suas famílias e amigos; o afastamento social era considerado tratamento e obstáculo à propagação da doença.

Durante o século XX, hospitais colônias espalharam-se pelo Brasil, segregando as pessoas contaminadas. Era característico destes espaços o longo período de internação, resultando em separação perpétua da vida social. Estigmatizados, milhares de enfermos passaram vidas inteiras nos leprosários. Assim, aqueles que porventura saíam das colônias de hansenianos tornavam-se eternamente excluídos da sociedade.

 

 

No Brasil, inúmeros fugiram da hospitalização, mas muitos permaneceram confinados. Alguns ficaram enclausurados por mais de 60 anos. Mesmo após o término do isolamento compulsório, abolido em meados dos anos 1980, os pacientes – por vários motivos – continuaram nesses hospitais.

Neste texto, apresentamos imagens do Hospital Colônia de Curupaiti. A pedra fundamental foi lançada em 1922 e a inauguração ocorreu somente em 1928. Localizado em Jacarepaguá, bairro da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, seus prédios foram projetados para o isolamento obrigatório dos portadores de hanseníase.

 

Acessando o link para as imagens do Hospital Colônia de Curupaiti disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

Desde meados do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro vinha passando por uma série de transformações urbanísticas. Habitações coletivas dos pobres, os cortiços foram sendo demolidos, levando os habitantes a viverem em favelas próximas ao centro da cidade ou em zonas suburbanas afastadas do núcleo citadino. Funcionários públicos, comerciantes e militares começaram a construir suas residências na zona sul, distante das “classes perigosas” e suas doenças. Procurava-se produzir uma cidade organizada de acordo com as ideias hegemônicas no pensamento médico e social.

No auge das demolições dos velhos prédios coloniais, intelectuais, políticos e médicos pensavam a futura “Cidade Maravilhosa” como um corpo doente que necessitava ser alvo de intervenção sanitarista/urbanística.

Tratar as doenças em locais distantes dos bairros populosos fazia parte de uma estratégia sanitária. Logo, diversos argumentos foram utilizados para implantar um determinado modelo de cuidado clínico. Ao retirar os doentes do convívio social, a ciência pretendia proteger os sãos e os doentes, impedindo a circulação das pessoas. Construídos como conjuntos independentes dentro das cidades, os hospitais de isolamento possuíam cinemas, lojas e espaços para recreação. Havia acomodações para solteiros e habitações para casais doentes sem dificuldades de locomoção.

 

 

No Rio de Janeiro, Jacarepaguá, situado na zona rural do município e cercado por fazendas produtoras de alimentos, foi o local escolhido para a criação dos hospitais de isolamento para tratamento das doenças. Nesta região da cidade, foram erguidos hospitais para apartar da sociedade os atingidos pela tuberculose, lepra e doença mental.

Nas primeiras décadas do século XX, a estação de trem mais próxima localizava-se em Cascadura, bairro da zona norte da cidade. Pensava-se que o exílio e o clima seriam adequados para a assistência necessária.

Entre as décadas de 1920 e 1950, a construção dos prédios obedeceu a este critério: segregação para tratamento das doenças. As instituições de atendimento aos portadores de lepra, doença mental e tuberculose – Hospital Colônia de Curupaiti, Colônia Juliano Moreira e o Sanatório de Curicica – estavam de acordo com as premissas do conceito de Hospital-Colônia: terrenos de grande extensão territorial e afastados dos centros urbanos. Comércio, entretenimento e práticas de esportes faziam parte das atividades recomendadas. Além das terapias medicamentosas, deveria existir um espaço de sociabilidade controlado pela equipe médica.

As fotografias que ilustram o presente artigo pertencem ao acervo do médico Heráclides César de Souza Araújo. Nascido em 24 de junho de 1886, em Imbituva (PR), era filho de Júlio César de Souza Araújo e Manoela Alves de Souza Araújo. Em 1912, concluiu o curso de farmácia pela Escola de Farmácia de Ouro Preto. No ano seguinte, transferiu-se e ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e, depois, no Curso de Aplicação do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), quando foi aluno de Adolpho Lutz (1855-1940) e trabalhou com doenças sexualmente transmissíveis.

 

 

Nesse período, por indicação de Lutz, especializou-se em dermatologia na Universidade de Berlim, onde apresentou um trabalho sobre a lepra no Brasil. Em 1924, retornou ao IOC e ao grupo de pesquisa coordenado por Lutz, e no mesmo ano iniciou sua viagem de três anos por vários países. Na época, inaugurou o Laboratório de Leprologia, que dirigiu até sua aposentadoria em 1956.

 

 

Após a criação do Serviço Nacional de Lepra, em 1941, ministrou cursos para leprologistas pelo Departamento Nacional de Saúde. Entre 1941 e 1956, foi editor das Memórias do Instituto Oswaldo Cruz e exerceu a chefia da Seção de Bacteriologia e da Divisão de Microbiologia e Imunologia do IOC. No ano seguinte e até sua morte, foi perito da Organização Mundial da Saúde em leprologia. Participou de associações acadêmicas e profissionais em todo o mundo, tendo contribuído para a criação da Sociedade Internacional de Leprologia, em que ocupou o cargo de vice-presidente no período compreendido entre 1932 e 1956. Após a aposentadoria, continuou seu trabalho no IOC. Morreu em 10 de agosto de 1962, no Rio de Janeiro.

 

 

 

 

 

*Ricardo Augusto dos Santos é Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz

A Exposição Internacional de Higiene de Dresden, na Alemanha, em 1911

A Brasiliana Fotográfica inaugura 2022 com um artigo sobre a participação do Brasil na Exposição Internacional de Higiene de Dresden, em 1911, no qual foi o único país das Américas a ter um pavilhão. O Instituto Oswaldo Cruz, o Instituto Butantã e o Instituto Vacinogênico de São Paulo participaram do evento. O pavilhão brasileiro foi projetado por Luiz Moraes Junior (1872 – 1955), responsável pela construção do castelo de Manguinhos, prédio principal da Fiocruz, em estilo mourisco. Cristiane d´Avila, jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica, nos conta um pouco desta história. Não deixem de ver o filme Cinematógrafo brasileiro em Dresden, cujo link está no final do artigo!

 

 

A Exposição Internacional de Higiene de Dresden 

Cristiane d´Avila*

 

Sala repleta, público de pé, palmas ao final da sessão. Na tela do cinematógrafo, imagens das ações de combate à febre amarela no Rio de Janeiro e do médico Carlos Chagas em Lassance, Minas Gerais, onde pesquisava a doença que levaria seu nome. Era o ano de 1911, e um longínquo país chamado Brasil, como também os achados de seus cientistas, causavam espanto e admiração em mulheres, homens e crianças que visitavam a Exposição Internacional de Higiene de Dresden, Alemanha. Organizado para celebrar o progresso e a modernidade ocidental, o evento temático representava a oportunidade de os participantes exibirem produtos, pesquisas e inovações para um público diverso e ampliado.

 

 

 

Nos salões e espaços de convivência distribuídos pelos 320 mil metros quadrados de área, mais de cinco milhões de visitantes conheceram, ao longo dos seis meses de duração do megaevento, o que de mais avançado havia sobre higiene e cuidados com o corpo, obras sanitárias, ciência e saúde pública. Nos pavilhões eram exibidos, entre inúmeros artefatos, microscópios, modelos em gesso e cera de partes do corpo humano, fotografias e também filmes relacionados às descobertas da medicina e da microbiologia.

 

Acessando o link para as imagens relativas à Exposição Internacional de Higiene de Dresden, em 1911, disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Em artigo sobre essa exposição, a pesquisadora Alice Ferry de Moraes detalhou a composição dos pavilhões do evento internacional: doenças infecciosas, saúde da mulher, nutrição, cidades e habitações, esportes. No amplo terreno ocupado – onde havia praça e jardim, pavilhão de música e restaurante, pista de dança, cervejaria e casa de chá – circulavam não apenas cientistas, mas um público curioso e atento às descobertas da época. Além da Alemanha, anfitriã, havia pavilhões de mais 12 países: Áustria, China, Espanha, França, Holanda (Amsterdã), Hungria, Inglaterra, Itália, Japão, Rússia, Suíça e Brasil, única nação das Américas presente à mostra.

 

 

Um dos destaques, o pavilhão do Brasil foi projetado por Luiz Moraes Junior, responsável pela construção do castelo de Manguinhos (prédio principal da Fiocruz, em estilo mourisco).

 

 

Dentro do pavilhão havia uma casa que representava o sistema de isolamento criado para evitar a contaminação das pessoas saudáveis por pacientes vítimas da febre amarela. Também estavam expostos uniformes dos “mata-mosquitos” e material de desinfecção das ruas e casas. O pavilhão contava ainda com a exibição de soros e vacinas, uma coleção de mosquitos e outros insetos brasileiros”, detalha a pesquisadora.

 

 

Segundo Ferry, havia imensa expectativa sobre o que o Brasil exibiria em Dresden, pois já se sabia das descobertas de Chagas em Lassance. O sucesso de Oswaldo Cruz e do Instituto de Manguinhos no XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim e na Exposição de Higiene contígua ao evento, realizados em 1907, concorriam para uma nova consagração.

De acordo com o historiador Jaime Benchimol, no evento berlinense o Brasil ocupou três salas: uma exibia a profilaxia da febre amarela no Rio de Janeiro; outra, as estatísticas demográficas da cidade; a terceira, projetos e fotografias dos prédios do Instituto e produtos biológicos fabricados em Manguinhos. A exibição dos materiais das doenças tropicais, segundo ele, causou sensação em Berlim: peças anatomopatológicas das lesões provocadas pela febre amarela e peste bubônica e a coleção de insetos brasileiros. Ao final, o reconhecimento: o país foi laureado com medalha de ouro, entregue a Oswaldo Cruz pela imperatriz da Alemanha. No ano seguinte, 1908, o instituto foi rebatizado como Instituto Oswaldo Cruz (IOC).

Não à toa, o sucesso da campanha em Berlim elevou a expectativa sobre a presença do Brasil em Dresden: de três salas, o país ganhou um pavilhão inteiro para exibir seus avanços científicos e sanitários. Agraciado com o prêmio máximo na capital alemã, o Instituto, principalmente pelas descobertas de Chagas e a campanha de combate à febre amarela no Rio, tornou o país reconhecido por suas pesquisas na medicina tropical e microbiologia.

 

 

 

 

Além do IOC, o Instituto Butantã e o Instituto Vacinogênico de São Paulo também se fizeram presentes na Exposição de Dresden: o primeiro, com exibição de ofídios, fotografias e filme sobre a produção da vacina contra mordida de cobra; o segundo, com fotos e filme sobre pesquisas experimentais e fabricação da vacina contra tuberculose bovina. No cinematógrafo brasileiro de Dresden foram exibidos quatro filmes: dois do IOC (Chagas em Lassance e o combate à febre amarela no Rio de Janeiro); um do Instituto Butantã e um do Instituto Vacinogênico de São Paulo.

 

 

“O cinematógrafo brasileiro lotava todos os dias, mantendo uma parte do público em pé e terminando suas sessões sob aplausos”, destaca Ferry no artigo, lembrando que os dois filmes paulistas se perderam. Utilizando a ferramenta zoom, pode-se ver, na fotografia abaixo, a entrada do cinematógrafo e outros detalhes da imagem.

 

 

Felizmente, os filmes sobre a campanha de febre amarela e Chagas em Lassance foram recuperados e podem ser vistos no documentário Cinematógrafo brasileiro em Dresden, roteirizado e dirigido pelos pesquisadores da Fiocruz Eduardo Thielen e Stella Oswaldo Cruz Penido.

 

 

*Cristiane d´Avila é jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

 

O comparecimento do Brasil à nossa Exposição tem uma importância capital. Aqui estão as principais nações do mundo. Grande é a nossa satisfação e o nosso reconhecimento ao governo brasileiro por ter sido o único país das Américas a participar e construir pavilhão especial”

Karl Lingner (1861 – 1916), presidente da Exposição Internacional de Higiene de Dresden

 

 

Fontes:

 

ALMEIDA, Marta de. Entre balões, carrosséis e ciências: a exposição internacional de higiene na capital federal. ‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ, 2006.

BENCHIMOL, Jaime Larry (coord.). Manguinhos do sonho à vidaa ciência na Belle Époque. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2020.

MONTEIRO, José Carlos. Imagens de paradoxosRECIIS – R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Saúde. Rio de Janeiro, v.6, n.4 – Suplemento, Fev., 2013.

MORAES, Alice Ferry de. O Cinematógrafo e os Filmes Brasileiros na Exposição Internacional de Higiene De Dresden, em 1911. Revista Livre de Cinema, v.2, n. 2, mai/ago, 2015.

SANJAD, Nelson. Exposições internacionais: uma abordagem historiográfica a partir da América LatinaHistória, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol. 24, núm. 3, pp. 785-826, 2017.

 

 

 

 

 

 

 

 

Links para os artigos sobre exposições nacionais ou internacionais publicados na Brasiliana Fotográfica

O pintor Victor Meirelles e a fotografia na II Exposição Nacional de 1866, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 17 de agosto de 2017.

A festa do progresso: o Brasil na Exposição Continental, Buenos Aires, 1882, de autoria de Maria do Carmo Rainho, Arquivo Nacional, publicado em 29 de março de 2018.

Série “O Rio de Janeiro desaparecido” II – A Exposição Nacional de 1908 na Coleção Família Passos, de autoria de Carla Costa, Museu da República, publicado em 5 de abril de 2018.

Marc Ferrez, a Comissão Geológica do Império (1875 – 1878) e a Exposição Antropológica Brasileira no Museu Nacional (1882), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 29 de junho de 2018.

Paris, 1889: o álbum da exposição universal, de autoria de Claudia B. Heynemann, Arquivo Nacional,publicado em 27 de julho de 2018.

Café Brasil: o Império na Exposição Internacional de Filadélfiade autoria de Claudia B. Heynemann, Arquivo Nacional, publicada em 4 de dezembro de 2019.

Festa das Artes e da Indústria Segunda Exposição Nacional, 1866, de autoria de Claudia Beatriz Heynemann e Maria Elizabeth Brêa Monteiro, Arquivo Nacional, em 5 de abril de 2020.

A apresentação do Departamento Nacional de Saúde Pública na Exposição Internacional do Centenário da Independência, de Ricardo Augusto dos Santos, Fiocruz, publicado em 13 de abril de 2020.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VIII – A abertura da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil e o centenário da primeira grande transmissão pública de rádio no país, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 7 de setembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Três álbuns fotográficos da Exposição Nacional de 1908 no Museu Histórico Nacional: Boscagli, Malta e Musso, de autoria de Maria Isabel Ribeiro Lenzi, historiadora do Museu Histórico Nacional, publicado em 25 de agosto de 2023, na Brasiliana Fotográfica.

 

Debate pelos cinco anos da Brasiliana Fotográfica – link de acesso e para fotografias mostradas durante o encontro

 

O debate que a Brasiliana Fotográfica promoveu para celebrar o seu aniversário de cinco anos, dentro do contexto da atual pandemia do coronavírus, foi muito bem sucedido, tendo sido assistido por centenas de pessoas numa live transmitida no dia 17 de abril de 2020, às 17h30m. Pode ser acessado no link https://www.facebook.com/institutomoreirasalles/videos/547559385897022/ . Os debatedores foram o historiador Jaime Benchimol, a pneumologista Margareth Dalcolmo e o urbanista e arquiteto Guilherme Wisnik.

O portal mais uma vez agradece a seus leitores pela audiência e entusiasmo! Também destacamos nessa publicação todas as fotografias mostradas durante o encontro, além de outras que se relacionam com os temas abordados.

 

 

Grupos de imagens: 

 

1 - Avenida Central

2 – Gripe Espanhola, links do arquivo do dr. Moncorvo Filho, do arquivo da Fiocruz

Doutor Maurity Santos examinando paciente com pneumonia durate a epidemia de gripe espanhola de 1918

Dr. Maurity e enfermeiras atendendo enfermo no Morro do Salgueiro

Doutores Moncorvo Filho e Orlando de Goes atendendo pacientes no surto de gripe espanhola de 1918

Moncorvo Filho consultando criança durante a epidemia de gripe espanhola de 1918

Moncorvo Filho consultando um bebê

Moncorvo Filho e auxiliares no Posto de Assistência à Infância durante o surto de gripe espanhola

Prédio que serviu para socorrer vítimas da gripe espanhola em 1918

Socorro a um homem enfermo no Morro da Mangueira

 

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

Vacinação no Brasil, uma história centenária

A história da virologia e da luta dos cientistas para a erradicação de moléstias no Brasil tem uma longa trajetória. No livro A virologia no Estado do Rio de Janeiro: uma visão global – relançado em 2012 e disponibilizado em junho último para download gratuito, os autores Hermann G. Schatzmayr (Fiocruz) e Mauroli C. Cabral (Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ) reuniram textos próprios e de outros cientistas. A obra descreve os primeiros fatos historicamente registrados e a luta dos virologistas contra as moléstias que até hoje nos afligem. Com fotografias produzidas entre 1904 e 1905 e trechos selecionados do livro, a jornalista Cristiane d´Avila, do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz, conta, na Brasiliana Fotográfica, um pouco dessa história, principalmente sobre o combate à febre amarela empreendido por Oswaldo Cruz, no início do século XX.

 

Vacinação no Brasil, uma história centenária

Cristiane d’Avila*

A Campanha Nacional de Vacinação, lançada em 6 de agosto último pelo Ministério da Saúde, pretende imunizar milhões de pessoas contra o sarampo e a poliomielite, entre crianças e adultos. Um dos programas mais bem-sucedidos do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, este ano a campanha será fomentada por um fato novo, porém preocupante: o retorno de doenças consideradas, há muito, extintas.

Especialistas e a sociedade como um todo reconhecem o sucesso do Programa Nacional de Imunização brasileiro que de tão exitoso colocou o país no rol das nações que extinguiram as doenças agora combatidas. Contraditoriamente, o êxito fez com que gerações que não vivenciaram os surtos e efeitos dessas doenças passassem a considerar a vacinação desnecessária. Somou-se a esse fator o movimento antivacinal, com adeptos não só no Brasil, e o resultado mostra-se agora alarmante, com recentes casos de febre amarela, sarampo e poliomielite.

Acessando o link para as fotografias da vacinação no Rio de Janeiro entre 1904 e 1905 disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

A história da virologia e da luta dos cientistas para a erradicação de moléstias no Brasil tem uma longa trajetória. No livro A virologia no Estado do Rio de Janeiro: uma visão global – relançado em 2012 e disponibilizado em junho último para download gratuito, os autores Hermann G. Schatzmayr (Fiocruz) e Mauroli C. Cabral (Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ) reavaliam e ampliam a primeira edição, reunindo textos próprios e de outros cientistas.

A obra apresenta uma visão global da virologia no Rio ao longo de mais de um século, descrevendo os primeiros fatos historicamente registrados e a luta dos virologistas contra as moléstias que até hoje nos afligem. Selecionamos trechos do livro e fotos do acervo do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz para contar um pouco essa história, principalmente sobre o combate à febre amarela empreendido por Oswaldo Cruz, no início do século XX.

Oswaldo Cruz, que havia acompanhado com entusiasmo as notícias então recentes da eliminação da febre amarela em Cuba no início do século XX, com base nas propostas de Juan Carlos Finley, estava seguro da transmissão da doença pelo Aedes aegypti e lançou-se ao trabalho com invulgar determinação, propondo alcançar os mesmos resultados de Cuba em três anos.

O plano para o combate à febre amarela começou em 1903 e incluía, entre outras medidas, a entrada nas casas para eliminar os focos de mosquito. Mesmo com uma decisão do Supremo Tribunal garantindo a inviolabilidade do lar, a metodologia utilizada nas residências para a eliminação de focos de mosquitos e o isolamento dos doentes sob telas de proteção para que não transmitissem a infecção atingiram plenamente os objetivos propostos. A redução do número de óbitos ao longo dos anos seguintes foi por demais convincente para superar as resistências ainda existentes.

 

 

 

Oswaldo Cruz assim descreveu o seu método de exterminação de mosquitos nas habitações: “A casa a expurgar é completamente fechada. A todas as frestas e orifícios são colladas tiras ou pedaços de papel (…). “As communicações com os forros são abertas depois de ser todo o telhado coberto com toldos de lona, fixados por meio de sarrafos às paredes externas do prédio. Após cubagem de todo o imóvel, é o enxofre queimado na proporção de 10 a 20 grammas por metro cúbico (…). O ar aquecido pela combustão e deslocado pelos vapores sulfurosos escapa-se através das malhas do toldo, passando-se por entre as telhas; os mosquitos, porém, não podem acompanhar a sahida do ar ainda não saturado de gaz sulfuroso, por que ficam retidos pela cobertura do telhado. A casa a expurgar permanece fechada durante duas horas no mínimo” (Oswaldo Cruz 1909).

 

 

No primeiro semestre de 1904 foram feitas cerca de 110 mil visitas domiciliares e interditados 626 edifícios e casas. Os pacientes de febre amarela eram internados em hospitais e isolados para impedir que fossem picados pelos artrópodos vetores. As estatísticas de casos de febre amarela, as quais registraram cerca de mil mortes em 1902, baixaram para apenas 48 já em 1904.

 

 

Em 1909 não foi registrada na cidade do Rio de Janeiro mais nenhuma vítima da doença, fato extraordinário e impensável alguns anos antes. Em relação à varíola, em 1904 3.566 pessoas haviam morrido vítimas da doença, caindo o número para nove casos dois anos depois, pela ação da campanha de vacinação introduzida por Oswaldo Cruz. Em 1908, uma nova epidemia elevou os óbitos para cerca de 6.550, como resultado do baixo número de vacinações alcançado.

 

 

 

Uma análise crítica das campanhas contra a varíola e principalmente contra a febre amarela nos mostra uma associação perfeita entre conhecimentos científicos e os trabalhos de campo neles baseados. Em 1908, como reconhecimento pelo seu trabalho, o Presidente Afonso Pena renomeou o Instituto de Manguinhos como Instituto Oswaldo Cruz. (SCHATZMAYR; CABRAL, 2012).

 

*Cristiane d’Avila é  jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz

 

Fontes:

A virologia no Estado do Rio de Janeiro: uma visão global

Publicação retrata impactos da gripe espanhola no Rio de Janeiro

 

A criação de uma vacina para a peste da manqueira, um marco na história da veterinária brasileira e mundial

Cristiane d’Avila, jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz, uma das parceiras da Brasiliana Fotográfica, conta a história da criação da vacina para a peste da manqueira. Foi por iniciativa de Oswaldo Cruz que as pesquisas sobre o assunto começaram a ser feitas no Brasil, no início do século XX, quando ele acumulava a função de diretor do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela da Diretoria Geral de Saúde Pública e também do Instituto Soroterápico Federal, que viria a ser denominado Instituto Oswaldo Cruz, em 1908, e, posteriormente, Fundação Oswaldo Cruz. Ele convocou seus colegas Ezequiel Dias e Henrique Rocha Lima para investigarem a moléstia, mas, após 1905, o cientista Alcides Godoy tornou-se o responsável pelo projeto. A partir de 1908, o Instituto Oswaldo Cruz passou a produzir e fabricar em escala comercial a primeira vacina veterinária brasileira de combate a doenças infectocontagiosas. Um marco na história da veterinária brasileira e mundial.

Cristiane d’Avila *

“Peste da manqueira”, “mal do ano”, “mal do quarto inchado”, “blackleg” (nos países de língua inglesa). Os nomes populares atribuídos a doenças dizem muito sobre os danos à saúde humana e animal ou mesmo sobre os prejuízos financeiros que podem provocar. Em tais situações, somam-se esforços para que se encontrem respostas, antídotos e tratamentos que debelem as causas e minimizem os efeitos provocados por elas. No caso do carbúnculo sintomático, não foi diferente.

Era início do século XX. Pecuaristas mineiros, atônitos com a moléstia que acometia os bezerros e bovinos jovens, causando imensa mortandade e prejuízos galopantes, buscavam soluções para a situação. A doença, letal, iniciava-se com febre e inchaço da musculatura, especialmente das regiões chamadas “quartos” dos bovinos, atrofiando-as e provocando o andar manco. Não à toa, recebeu denominações que a classificaram popularmente como “peste” e “mal”.

Durante muito tempo confundido com o antraz, o carbúnculo sintomático não abatia apenas os rebanhos brasileiros. Tratava-se de uma doença de impacto mundial, porém mais ativa em países tropicais, que apresentava como vetor o microrganismo anaeróbico Clostridium chauvei. O germe havia sido cultivado e analisado pela primeira vez, em 1887, pelo bacteriologista francês Émile Roux, do Instituto Pasteur de Paris. Antes disso, foi estudado por Arloing, Cornevin e Thomas, que de 1887 a 1894 investigaram exaustivamente a etiologia, a epizootiologia, a manifestação clínica ea  patologia da doença. Em 1887, o trio publicou o livro Le Charbon symptomatique d uboeuf, porém não obteve sucesso na produção de um imunizante para o mal.

Em 1903, Oswaldo Cruz, já interessado em pesquisas sobre o carbúnculo sintomático, convidou o então estudante de medicina Alcides Godoy (1880 – 1950) para ingressar, como auxiliar acadêmico, no Serviço de Profilaxia da Febre Amarela da Diretoria Geral de Saúde Pública, a fim de trabalhar na produção de soros e vacinas. Nesse período, Cruz acumulava a função de diretor deste serviço e também do Instituto Soroterápico Federal (que viria a ser denominado Instituto Oswaldo Cruz, em 1908, e, posteriormente, Fundação Oswaldo Cruz).

 

 

Atento às pesquisas em curso no exterior, Oswaldo Cruz já havia adquirido e consultado a obra de Arloing, Cornevin e Thomas. Incansável na busca por respostas, colocou os colegas do Instituto Ezequiel Dias e Rocha Lima para investigarem a moléstia, mas após 1905 Godoy tornou-se o responsável pelo projeto. Enquanto isso, Henrique da Rocha Lima, pesquisador e “braço direito” de Oswaldo Cruz, usando técnica aprendida durante uma estadia na Alemanha, obteve colônias anaeróbicas do germe, cedendo-as a Godoy para investigação científica.

 

Voltado totalmente à pesquisa, Godoy (na foto ao lado) foi original: empregou um meio de cultura especial para bactérias anaeróbicas, com uso de glicose, a fim de obter uma “raça” diferenciada de bactérias de virulência atenuada, criando uma vacina com o clostridiumchauvoei vivo. Logo que foram confirmadas, em laboratório, as propriedades vacinantes de suas culturas, Godoy viajou, em 1906, para Juiz de Fora, Minas Gerais, em companhia dos pesquisadores do Instituto Rocha Lima e de Carlos Chagas, para executar os testes finais. A primeira demonstração pública da vacina, entretanto, não obteve o resultado esperado e alguns animais faleceram.

De volta a Manguinhos, Godoy descobriu a causa do insucesso: uma maior virulência do lote da vacina preparada para o teste. Corrigida a falha, novas inoculações foram feitas, desta feita com absoluto sucesso. A descoberta fez o então Instituto Oswaldo Cruz produzir e fabricar em escala comercial, a partir de 1908, a primeira vacina veterinária brasileira de combate a doenças infectocontagiosas. Um marco na história da veterinária brasileira e mundial.

 

 

Acima, a foto emblemática do fotógrafo J. Pinto (1884 – 1951) registra o trabalho de embalagem dos frascos e acondicionamento das vacinas em caixas, no IOC. Para o fotógrafo Roberto Jesus Oscar, do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz, onde a foto original de J. Pinto está depositada, essa imagem, gerada a partir de negativo de vidro, esbanja composição, enquadramento e equilíbrio de contrastes, enchendo a imagem de luz, volume e textura. Aos olhos de hoje a imagem pode causar estranheza, mas trata-se de uma ótima representação da história de Manguinhos, um ícone do acervo da Instituição.

É importante ressaltar que após a obtenção do registro da patente da vacina, Godoy efetuou uma escritura de cessão que transferia sua descoberta para o IOC, com o propósito de incentivar as atividades de exploração industrial do imunizante. A verba obtida com a venda da vacina auxiliou a instituição a cobrir gastos com o ensino, a pesquisa e a produção, sem submeter-se à burocracia governamental vigente, ao mesmo tempo em que representou um estímulo aos pesquisadores para o desenvolvimento de produtos biológicos a serem patenteados e vendidos (CHAMAS, 2006). Até 1917, ano da morte de Oswaldo Cruz, Godoy recebeu 5% da renda obtida com a venda das vacinas. A partir dessa data, esse percentual passou para 8% do total das vendas da vacina.

De acordo com um quadro elaborado por Oscar Meira, e apresentando por Benchimol, no período de 1906 a 1918 o Instituto produziu 7.111.698 doses da vacina contra a peste da manqueira. No mesmo período, a vacina foi o produto biológico mais produzido, perdendo apenas, em 1918, para a maleína, uma substância empregada no teste (prova de maleína) para diagnóstico do mormo, uma doença infectocontagiosa que acomete cavalos. (MORAES, 2008)

 

 

A princípio, a distribuição da vacina ficava a cargo do Ministério da Agricultura e de alguns órgãos públicos da esfera estadual e municipal. Cioso da importância da tarefa e obcecado com a eficiência deste processo, em 1913, Oswaldo Cruz (de chapéu branco, ao centro) cria a Seção de Propaganda da Vacina contra a Peste da Manqueira, assumindo totalmente a distribuição. Godoy está de pé, na ponta direita da foto.

A pesquisadora Alice Ferry de Moraes destaca o depoimento de Delfim Moreira, deputado estadual por Minas Gerais de 1894 a 1902, Secretário do Interior de Minas Gerais de 1914 a 1918 e, mais tarde, presidente do Brasil no período de 1918 a 1919, sobre o impacto da vacina (MORAES, 2008):

Se nós somos um país exportador de carne devêmo-lo (sic) a Manguinhos. Desse infalível produto, tirou Oswaldo Cruz, na época da pobreza daquele grande Instituto, o necessário para sua biblioteca, para as pesquisas, para o contrato de funcionários técnicos, enfim, todos os meios de progredir e realizar. (MAGALHÃES apud MORAES, 2008)

As vacinas foram produzidas pelo IOC até 1939. Em razão da promulgação de uma lei que proibia os cientistas lotados em instituições públicas de receberem dinheiro por suas patentes, Godoy fundou a Produtos Veterinários Manguinhos Ltda., juntamente com o pesquisador Astrogildo Machado, com quem criou outra vacina também importante – a vacina contra o Carbúnculo Hemático ou Verdadeiro, conhecido como Antraz, patenteada sob o n.º 9.981, em 1918 (CHAMAS, 2006).

 

Abaixo o texto de Oswaldo Godoy, filho de Alcides Godoy, publicado na Agência Fiocruz de Notícias em 15 de agosto de 2008, ano do centenário da primeira patente registrada pelo IOC:

 

‘A vacina contra a manqueira começou a ser distribuída e vendida já em 1906. Ela imunizava o gado com uma só aplicação. Na exposição de demografia e higiene realizada de Berlim, em junho de 1907, na qual o Instituto obteve a medalha de ouro, a vacina da manqueira foi um dos destaques selecionados, dentre os produtos fabricados para representar as atividades do IOC.

A premiação em Berlim foi determinante para que o Ministério da Justiça e Negócios Interiores aprovasse um novo regulamento, proposto por Oswaldo Cruz, visando expandir de modo expressivo as atribuições do Instituto, que passaria a gozar de considerável autonomia administrativa e financeira, sendo esta última garantida, principalmente, pela renda advinda da venda da vacina na manqueira. Tais recursos, que permitiam ao Instituto não depender apenas do orçamento governamental, foram fundamentais para contratar novos pesquisadores e, assim, ampliar o quadro de pessoal da instituição.

O próprio Oswaldo Cruz, em função da repercussão e da originalidade do processo desenvolvido por Godoy, aconselhou-o a patentear em seu nome a invenção. A carta patente nº 5.566 foi obtida em 24 de novembro de 1908. A publicação no Diário Oficial se deu em 6 de dezembro daquele ano. Ainda em 1908, cedeu, por escritura pública, ao Instituto Oswaldo Cruz, representado por seu diretor Oswaldo Cruz, os direitos de exploração comercial do seu privilégio de invenção (a vacina contra a manqueira).

No mesmo ano de 1908, Godoy publicou, com a colaboração de Gomes de Faria (que havia sido recentemente contratado pelo IOC), um trabalho analisando as variáveis no meio de cultura que poderiam ter causado a maior virulência da vacina responsável pelos problemas em Juiz de Fora, confirmando-se que a concentração da glicose havia sido a responsável pela redução da virulência da vacina (aspecto que havia sido identificado e solucionado por Godoy naquela ocasião, em 1906).

Além de dedicar-se ao tema da manqueira, como sua atividade principal, Godoy desenvolvia outras atividades – como era de praxe entre todos os pesquisadores de Manguinhos –, como a produção dos soros antidiftérico e antitetânico, e na dosagem do soro antipestoso. Com Astrogildo Machado, desenvolveu, em 1918, outra importante vacina produzida e comercializada pelo IOC, contra o carbúnculo hemático.

Outra frente importante de trabalho de Godoy em Manguinhos foi a criação de diversos dispositivos e aparelhos para facilitar e aperfeiçoar os procedimentos de produção, como o “frasco Dr. Godoy”, desenvolvido por ele para facilitar a coleta de mosquitos pelos “mata-mosquitos” que atuavam nas campanhas sanitárias.

Numa época em que as atividades de produção, ensino e pesquisa eram realizadas de modo bastante conjugado pelos pesquisadores, Godoy foi também professor do curso de aplicação do Instituto, criado em 1908 para oferecer treinamento experimental nas áreas de microbiologia e zoologia médica.

Godoy fez três viagens de estudo à Europa. Em 1912, foi enviado aos Laboratórios de Leipzig, na Alemanha, a fim de acompanhar pesquisas concernentes a questões de físico-química aplicada à ciência médica. Em 1919, permaneceu quatro meses na Europa; foi designado para esta viagem a partir da solicitação, feita a Manguinhos pela representação diplomática inglesa, para que algum médico embarcasse num navio inglês aportado no Rio cujo médico de bordo havia adoecido. Esta foi, conforme relatou certa ocasião, a única vez que exerceu a clínica médica. Finalmente, em 1925, esteve na Itália acompanhando Carlos Chagas no 1º Congresso de Malariologia, realizado em Roma, e para estudar os modernos processos de profilaxia da malária empregados naquele país.

Integrante do chamado “jardim da infância da ciência”, como Oswaldo Cruz carinhosamente chamava o grupo inicial de pesquisadores de Manguinhos, Godoy sempre gozou da confiança e apreço tanto de Cruz quanto de seu sucessor, Carlos Chagas, substituindo-os, várias vezes, em suas ausências, na direção do instituto.

Em 1923, Carlos Chagas solicitou ao Ministério da Justiça a renovação da patente da vacina da manqueira por mais 15 anos. Foi o segundo produto que obteve no Brasil a renovação da Patente, fato só obtido anteriormente pela Fornicída Matarazzo. Em 1937, como conseqüência da reforma implementada por Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde (criado em 1930, no âmbito da Revolução de 1930), foi vedada ao IOC a fabricação e comercialização desse e outros produtos veterinários.

Em 26 de junho de 1938, Godoy e Machado pediram o registro da marca genérica para produtos veterinários Manguinhos. Suas famílias fundaram em 25 de janeiro de 1939, uma firma que se chamou Produtos Veterinários Manguinhos Ltda, para fabricar e comercializar a vacina da manqueira, do carbúnculo hemático, e posteriomente a vacina contra a pneumoenterite dos porcos. O primeiro lugar em que estabeleceram o laboratório foi em prédio nos fundos do Hospital Gaffrée Guinle, na Rua Silva Ramos 20. Tiveram por muitos anos escritório na Rua Uruguaiana 33. Na década de 40 construíram um laboratório na Rua Licinio Cardoso 91 (hoje Rua Francisco Manuel), em Benfica.

Godoy casou-se com Dulce Leite de Castro em 5 setembro de 1923 e tiveram dois filhos: Oswaldo Tarcisio, que veio a se formar em Química Industrial e Engenharia Química e Margarida Maria, que estudou música, tocava piano e estudou na Europa. Faleceu em 30 de janeiro de 1950, aos 70 anos. Na década de 60 a família Godoy saiu da sociedade, que ficou com a família de Machado. A firma, que continua a fabricar a vacina da manqueira, foi vendida recentemente pelos seus descendentes e pertence hoje à empresa Bravet’.

 

* Cristiane d’Avila é jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz

 

Fontes:

BENCHIMOL, Jaime L. Manguinhos do sonho à vida: a ciência na belle époque. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz; Fiocruz, 1990.

CHAMAS, Claudia Inês. A Propriedade Intelectual e a Vacina contra a Peste da ManqueiraRevista Brasileira de Inovação, [S.l.], v. 5, n. 1 jan/jun, p. 203-218, junho 2006. ISSN 2178-2822.

GODOY, Alcides. Primeira vacina veterinária desenvolvida e fabricada no Brasil completa 100 anos. Agência Fiocruz de Notícias.

MAGALHÃES, Octávio de. Alcides Godoy. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, t. 49, mar. 1951. p. 1-6.

MORAES, Alice Ferry de. A inovação e a vacina da peste da manqueira. Inf. &Soc.:Est., João Pessoa, v.18, n.3, p. 97-103, set./dez. 2008. ISSN 1809-4783

 

 

100 anos do Castelo da Fiocruz: criador e criatura

No terceiro e último texto publicado na Brasiliana Fotográfica sobre o centenário do Castelo da Fiocruz, o pesquisador Renato da Gama-Rosa, da Fiocruz, uma das instituições parceiras do portal, aborda detalhes sobre a construção do edifício e sobre seu projeto arquitetônico. O Castelo da Fiocruz é o local de trabalho de pesquisadores e técnicos que pesquisam, ensinam ciência e saúde pública; e que também fabricam medicamentos essenciais para a população. Projetado pelo arquiteto Luiz Moraes Junior (1872 – 1955), o edifício começou a ser erguido em 1905 e foi concluído em 1918. Os textos anteriores sobre o tema, publicados pela Brasiliana Fotográfica, foram 100 anos do Castelo da Fiocruz: a ocupação da Fazenda de Manguinhos, da jornalista Cristiane d´Avila, e Os pedreiros do Castelo da avenida Brasil, do pesquisador Ricardo Augusto dos Santos.

 

Os 100 anos do Castelo da Fiocruz: criador e criatura

Renato da Gama-Rosa Costa*

Em novembro de 1918 eram concluídos os últimos trabalhos no edifício-sede do então Instituto Oswaldo Cruz, atual Fundação Oswaldo Cruz. Celebra-se em 2018, portanto, os 100 anos de conclusão do que viria ser um dos mais simbólicos e emblemáticos edifícios da paisagem carioca. Seu projeto e sua construção, entretanto, se iniciaram bem antes. Este texto, apoiado por fotografias e desenhos de época, pretende contar o desenrolar dessa história.

 

 

 

O que é hoje a Fundação Oswaldo Cruz se constituiu a partir do ofício nº 490, de 25 de maio de 1900. Segundo Alberto Taveira (1941), arquivista do Instituto Oswaldo Cruz, em fins do ano anterior, o barão de Pedro Affonso (1845 – 1920), diretor do Instituto Vacínico Municipal, que funcionava na região do Catete, havia proposto ao então prefeito do Rio de Janeiro, Cesário Alvim (1939 – 1903), a instalação de um laboratório soroterápico na Fazenda Municipal de Manguinhos, com o objetivo de preparar soro antipestoso em grande escala. Em dezembro daquele mesmo ano, o barão seguia para Europa para adquirir o material necessário à empreitada. O barão retornou de sua viagem em fevereiro de 1900. Com tal ofício, ficavam autorizadas as obras de conclusão do instituto e também a transferência das instalações, então adaptadas pelo barão na Fazenda de Manguinhos, da alçada municipal para a responsabilidade federal. Nascia, assim, o Instituto Soroterápico Federal. Este tornou-se, em 12 de dezembro de 1907, o Instituto de Patologia Experimental; posteriormente, em 19 de março de 1909, em Instituto Oswaldo Cruz. Sessenta anos depois, tornou-se a Fundação Recursos Humanos para a Saúde e, logo em seguida, pelo decreto 66.624, de 22 de maio de 1970, transformou-se na Fundação Instituto Oswaldo Cruz – Fiocruz -, ou, simplesmente, Fundação Oswaldo Cruz, nome que ostenta até os dias de hoje. É uma das maiores instituições de saúde pública do mundo.

Acessando o link para as fotografias do Castelo da Fiocruz e da Fazenda de Manguinhos apresentadas nesse post e disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas. 

O Instituto de Manguinhos, como também é conhecido, aproveitou as antigas instalações da fazenda de mesmo nome para abrigar os primeiros laboratórios. Esses foram oficialmente inaugurados em 23 de julho de 1900, utilizando salas adaptadas das antigas casas da fazenda, ou seja, espaços acanhados e de funcionalidade limitada. Recém-chegado de Paris, onde havia aprimorado sua formação no Instituto Pasteur, o médico Oswaldo Cruz (1872 – 1917) seria um dos primeiros a trabalhar no instituto comandado pelo barão. Com a exoneração a pedidos do próprio Pedro Affonso, em dezembro de 1902, Oswaldo Cruz assumiria a direção do instituto com a missão de prosseguir com a fabricação de soros e vacinas e atacar as epidemias de peste, febre amarela e varíola que ameaçavam a então Capital Federal. Com sua nomeação, em 23 de março de 1903, para Diretor Geral de Saúde Pública – função equivalente à época ao de ministro da saúde de hoje -, cargo em que ficou até fins de 1909, Oswaldo Cruz conseguiria as verbas necessárias para erguer melhores instalações para seus laboratórios em Manguinhos.

 

 

 

Admirador de uma boa arquitetura, Oswaldo Cruz veria no engenheiro português Luiz Moraes Junior (1872 – 1955), o construtor ideal de seu instituto. Moraes trabalhava nas obras de reforma da Igreja da Penha por convite feito pelo vigário-geral daquela paróquia, o Padre Ricardo, tendo chegado ao Brasil, vindo da cidade de Faro, sul de Portugal, no ano de 1899. As obras duraram de 1900 a 1902, justamente nos primeiros anos de funcionamento das instalações adaptadas das primitivas casas da Fazenda de Manguinhos. Oswaldo Cruz certamente acompanhou com admiração o serviço elaborado por Moraes na Igreja da Penha, durante a convivência de ambos no trajeto do trem no ramal da Leopoldina, que pegavam para se deslocarem para seus respectivos trabalhos. O cientista teria feito o convite para que Luiz Moraes projetasse os novos laboratórios, talvez por estar descontente com os recursos que eram oferecidos pelo barão de Pedro Affonso. Oswaldo Cruz, com a saída do barão, pôde, finalmente, convidar oficialmente Moraes para projetar as novas instalações dos laboratórios, com o desejo de os tornar os mais avançados à época. O que de fato foi feito.

Moraes trabalhou ao longo de 1903 no desenho das novas e modernas instalações do instituto comandado agora por Oswaldo Cruz. O projeto previa a construção do edifício principal; de biotérios para grandes e pequenos animais; de estrebarias; de um pavilhão para estudo da peste e um pavilhão para desinfecção, incineração e garagem, outro para mictórios, e casas de guarda. Desses, apenas os últimos não foram edificados.No lugar de alguns dos pavilhões não construídos seria erguido o pavilhão dos Medicamentos Oficiais, conhecido como Quinino, anos depois.

As verbas chegariam em finais de 1903, permitindo a construção dos pavilhões da estrebaria – a Cavalariça e o da peste – ou Pavilhão do Relógio. Em 1905, começaram as obras de escavação das bases do que seria o edifício principal do instituto, o Castelo de Manguinhos, o Pavilhão Mourisco. Muitos se perguntam até hoje do porquê da escolha dessa linguagem para a sede principal do instituto de Manguinhos.

A linguagem árabe usada por Moraes em Manguinhos seguiu o fenômeno que atingiu a Europa, a partir da década de 1840, principalmente a Espanha e a Inglaterra, como reação ao classicismo vigente, na tentativa de recuperar a memória artística de épocas de um notável esplendor construtivo (Domingo, 1998: 115).  A burguesia europeia do século XIX adotaria, portanto, a linguagem neoárabe com “(…) conotações de evasão, evocação e singularidade social muito importantes, adotando os palácios de Alhambra como principal modelo referencial que suscitara – sempre por meio da decoração – um amplo repertório emocional” (ibidem).

 

 

Imaginando como seria a sede de seu novo instituto, Oswaldo Cruz fez um croqui para Moraes, onde teria desenhado, segundo Henrique Aragão, em estilo bizantino. Depois, segundo ainda Aragão, “ao tratar do assunto com Luiz Moraes, suas preferências encaminharam-se para o estilo mourisco, mais grandioso e mais fortemente evocador de mistérios como convinha à sede de uma instituição destinada a simbolizar a grandeza da ciência e a perscrutar os segredos da vida” (Aragão, 1950: 34).

O livro sobre Alhambra, editado em 1906, por Albert F. Calvert (1872 – 1946), traz desenhos certamente adotados por Moraes em Manguinhos. Esse transcreve os estudos do arquiteto galês Owen Jones (1809 – 1874) sobre as experiências decorativas mouras de Granada, primeiramente publicadas em 1837, em Londres, sobre o título Plans, elevations, sections and details ofthe Alhambra, de Jules Gpoury e Owen Jones, oriundo da biblioteca particular de Oswaldo Cruz e hoje pertencente ao acervo da Biblioteca de Obras Raras da Fiocruz. Além de Alhambra, acreditamos que houve outras duas grandes influências na construção do Castelo da Fiocruz: o Palácio de Montsouris e a sinagoga de Berlim (COSTA, 2014). Acompanhar a evolução dos projetos realizados para o Castelo de Manguinhos pode revelar a influência que Montsouris, Alhambra e Berlim tiveram na configuração do palácio das ciências.

 

 

Segundo o museólogo Luiz Fernando Ribeiro, na justificativa de tombamento do “conjunto arquitetural de Manguinhos” o primeiro esboço, feito pelo próprio cientista imaginou uma “construção de corpo horizontal, com dois bastiões laterais, um central, dezessete janelas e uma grande porta com escada de acesso ao segundo andar”. “Apresentada a ideia ao arquiteto”, prossegue Luiz Fernando, “este executa um trabalho semelhante ao de Oswaldo Cruz, sem as torres laterais, mas já em estilo mourisco. Segue-se a esse projeto um outro, no qual foram inseridas as duas torres” (RIBEIRO, 1980: B), muito semelhante a Montsouris. Erguido como representante da Tunísia na Exposição Universal de 1867, em Paris, o observatório parisiense teria sido visitado algumas vezes por Oswaldo Cruz, durante sua estada no Instituto Pasteur. A configuração final do projeto, de 1908, com cinco pavimentos, teria sido apresentada após, acreditamos, viagens do cientista e do arquiteto à Alemanha. Oswaldo Cruz esteve por duas vezes nesse país na companhia de Moraes para participar das Exposições Internacionais de Higiene: em 1907, em Berlim, ocasião em que o instituto receberia a Medalha de Ouro; e em 1911, em Dresden. “Na maquete exibida na Exposição de Higiene de Berlim, em 1907, o edifício já se apresentava com as duas torres. Mas só em 1908, com a construção em estágio bem adiantado, Moraes confeccionou o projeto definitivo em cinco pavimentos” (Benchimol, 1990: 110).  Certamente na primeira viagem, ambos teriam tido contato com a Sinagoga de Berlim e se inspirado a concluir o projeto do edifício principal.

 

 

Montsouris

Postal do Observatório de Montsouris (antigo Palácio de Bardo) / Acervo particular

 

 

 

 

Em novembro de 1909, o então ministro do Interior, o médico J.J. Seabra (1855 – 1942), autorizou a liberação de recursos para a finalização das obras para Manguinhos. Essas permitiram que o edifício abrisse seus primeiros laboratórios no ano seguinte. Um desses laboratórios, o situado no segundo pavimento, e onde hoje se encontra uma sala expositiva em memória a Oswaldo Cruz, foi ocupado pelo cientista até sua ida, em 1916, para Petrópolis, para tratar sua insuficiência renal, e onde viria a falecer, em 11 de fevereiro de 1917. Entre agosto de 1916 e fevereiro de 1917, Oswaldo Cruz foi prefeito de Petrópolis.

Entre os anos de 1911 e 1913, outro montante de recursos foi liberado para o prosseguimento das obras, segundo Jaime Benchimol. Entretanto, depois de 1914 e até o ano de 1918, a verba para a finalização das obras do Castelo seria custeada com renda própria do Instituto, proveniente da vacina contra a peste da Manqueira (1990: 107). Prossegue Benchimol: “Em 1918 contratavam-se os últimos serviços para o acabamento do edifício” (IDEM: 119), como os vitrais da biblioteca, instalados em novembro. Portanto, podemos concluir que não existe uma data de inauguração do Castelo. Ele foi sendo finalizado conforme as verbas iam chegando. O próprio Oswaldo Cruz usufruiu de uma sala no edifício sem que ele estivesse totalmente concluído. Uma inscrição calcada na pedra em uma das laterais do Castelo indica o nome de seu autor (Luiz Moraes Jr.) e a data de 1908, ocasião em que eram lançadas as bases do projeto final.

 

 

 

 

 

 

A Fundação Oswaldo Cruz, ao longo de 2018, prepara uma série de homenagens para marcar o centenário de finalização do seu edifício-sede.  Os textos apresentados aqui na Brasiliana Fotográfica sobre a efeméride são parte importante desta celebração.

 

*Renato da Gama-Rosa Costa é pesquisador e professor da Casa de Oswaldo Cruz

 

Fontes

ARAGÃO, Henrique. Notícia histórica sobre a fundação do Instituto Oswaldo Cruz. Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro, 1950.

BENCHIMOL, Jaime (org.) Manguinhos do Sonho à Vida: a Ciência na Belle Époque. Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 1990.

COSTA, Renato da Gama-Rosa (org.) Caminhos da Arquitetura em Manguinhos. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2003.

COSTA, Renato Gama-Rosa. Monumentos à Ciência: arquitetura neomourisca, eclética e modernista. In: Iglesias, Fabio; Santos, Paulo Roberto Elian; Martins, Ruth B. (Org.). Vida, Engenho e Arte. 1ed. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2014.

DOMINGO, José Manuel Rodriguez. La Alhambra de Oriente: larestauraciondel patrimônio monumental hispanomusulmán y el medievalismo islámico. Coloquio Internacional de Historiadel Arte. Universidad Nacional Autónoma de México. México, 1998.

RIBEIRO, Luiz Fernando Fernandes. “Conjunto Arquitetural de Manguinhos”. IN BRASIL. Proc. Nº 1.037-T-80. Pedido de tombamento: Instituto Oswaldo Cruz (Manguinhos). Rio de Janeiro. RJ. 1980.

TAVEIRA, Alberto. Resumo histórico da fundação do Instituto Soroterápico Federal, hoje Instituto Oswaldo Cruz. Manguinhos, 1941.

 

Outros textos sobre o assunto publicados na Brasiliana Fotográfica

100 anos do Castelo da Fiocruz: a ocupação da fazenda de Manguinhos por Cristiane d´Avila

100 anos do Castelo da Fiocruz: os pedreiros do Castelo da Avenida Brasil por Ricardo Augusto dos Santos

100 anos do Castelo da Fiocruz: os pedreiros do Castelo da Avenida Brasil

No segundo texto publicado na Brasiliana Fotográfica sobre o centenário do Castelo da Fiocruz, o pesquisador Ricardo Augusto dos Santos, da Fiocruz, uma das instituições parceiras do portal, aborda a construção do castelo mas, dessa vez, o foco são os pedreiros que trabalharam na obra. Inaugurado em 28 de fevereiro de 1918, o Castelo da Fiocruz é o local de trabalho de pesquisadores e técnicos que pesquisam, ensinam ciência e saúde pública; e que também fabricam medicamentos essenciais para a população. Projetado pelo arquiteto Luiz Moraes Junior (1872 – 1955), o edifício começou a ser erguido em 1905 e foi concluído em 1918. O próximo e último texto sobre o centenário do edifício será escrito pelo também pesquisador da Fiocruz, Renato da Gama-Rosa Costa, com detalhes sobre sua construção e sobre seu projeto arquitetônico. O primeiro texto, 100 anos do Castelo da Fiocruz: a ocupação de Manguinhos, é de autoria de Cristiane d´Avila, jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz.

 

Os pedreiros do castelo da avenida Brasil

Ricardo Augusto dos Santos*

 

Quem construiu as pirâmides? Quem carregou as pedras? Quais os nomes dos desconhecidos trabalhadores? Em memorável poema, o dramaturgo Bertold Brecht (1898-1956) indagava: no dia em que ficou pronta a Muralha da China, para onde foram os seus pedreiros? Perto do bairro de Bonsucesso, existe um castelo. Centenas de milhares de pessoas passam na Avenida Brasil, entrando ou saindo do Rio de Janeiro, ou vindo dos subúrbios para o centro da cidade e perguntam: que castelo é esse? O prédio é parte do monumental conjunto que compõe a Fundação Oswaldo Cruz.

 

 

Mas não foi moradia de nobres portugueses? Não. É local de trabalho de pesquisadores e técnicos que pesquisam, ensinam ciência e saúde pública. Também fabricam medicamentos essenciais para a população. No final do século XIX, a fazenda, situada na zona norte do Rio de Janeiro, destinava-se à queima do lixo. Devido às epidemias – febre amarela, varíola e peste – que atacavam a cidade, iniciou-se uma série de ações que visavam a combater estas doenças.

Acessando o link para as imagens de operários da construção do Castelo da Fiocruz disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

O Castelo da Fiocruz, como é mais conhecido o Pavilhão Mourisco, começou a ser construído em 1905, mas sua completa edificação terminaria somente em 1918. O desenho inicial foi feito pelo próprio Oswaldo Cruz (1872-1917) e, a partir da idéia, o arquiteto português Luís de Moraes (1868-1955) chegou ao projeto final. A construção está localizada no alto da colina principal da antiga fazenda, e sua fachada está voltada para o mar, que na primeira década do século XX, chegava próximo do terreno.

Desde 1981, o belo conjunto está tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico. O estilo mourisco foi inspirado no Palácio de Alhambra, em Granada, na Espanha. Os equipamentos elétricos funcionavam a partir de um gerador e o elevador, instalado em 1909, é o mais antigo em operação na cidade. Possuía sistemas de telefonia, refrigeração, relógios e termômetros sofisticados para a época. Ele apresenta tom vermelho nos tijolos das paredes externas. As varandas são revestidas de azulejos portugueses, o piso é coberto de mosaicos que lembram tapetes orientais. Os materiais utilizados na obra – tijolos, azulejos, cimento e mármores – foram importados da Europa. Muitos dos seus operários eram portugueses, espanhóis e italianos. Mas, também havia brasileiros.

 

 

Nas raras fotografias destes homens aparecem os rostos destes trabalhadores. Não eram nem reis nem rainhas. Ajudaram a formar uma história centenária. Neste castelo, a ciência e a saúde pública formaram uma sólida tradição. Na imagem, estes operários estão em frente ao prédio em obras. Seus nomes? Alguns tiveram seus registros nos cantos da história. Após a conclusão dos trabalhos, foram aproveitados em várias funções na própria instituição. Basilio Aor, austríaco, mestre de obras, homem de confiança de Luís de Moraes, continuou trabalhando como arquiteto em outros trabalhos. Faleceu em 1919. Um dos seus sete filhos, Hamlet William Aor (1910-1986), viria a trabalhar no Instituto Oswaldo Cruz.

 

 

Para onde foram os pedreiros do Castelo da Fiocruz? Teriam ido morar nas redondezas. Na área conhecida hoje como Parque Amorim, rua Sizenando Nabuco, situada entre o Campus da Fiocruz e a Linha Amarela.

 

 

*Ricardo Augusto dos Santos é Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz

Acessando o link para as fotografias de aspectos da construção do Castelo da Fiocruz que estão disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Outras publicações sobre o tema na Brasiliana Fotográfica:

100 anos do Castelo da Fiocruz: a ocupação da Fazenda de Manguinhos

 

Febre amarela: imagens da produção da vacina no início do século XX

“Tema pungente nos noticiários, a febre amarela é precedida de uma longa história de estudos e frentes de combate desde o início do século XX”. É essa história, contada por Aline Lopes Lacerda, historiadora e chefe do Departamento de Arquivo e Documentação da COC/Fiocruz, uma das instituições parceiras do portal, que a Brasiliana Fotográfica traz hoje para seus leitores. As fotografias que ilustram esse texto contemplam o arquivo da Fundação Rockefeller e estão sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz. A maioria dessas imagens foram produzidas pelos próprios médicos e cientistas, nas décadas de 1930 e 1940, em diversos estados brasileiros, registrando aspectos variados das atividades voltadas para o estudo e combate da febre amarela e malária, então duas das principais doenças endêmicas no país.

Segundo o último levantamento sobre a febre amarela divulgado pelo Ministério da Saúde antes da publicação desse artigo pela Brasiliana Fotográfica, entre os dias 1º de julho de 2017 e 20 de março de 2018, foram confirmados no Brasil 1.098 casos da doença, sendo que 340 resultaram em morte.

 

Febre amarela: imagens da produção da vacina no início do século XX

Aline Lopes de Lacerda*

Tema pungente nos noticiários, a febre amarela é precedida de uma longa história de estudos e frentes de combate desde o início do século XX, quando as atividades de pesquisa em laboratório seguiam paralelas às empreitadas para controle e combate ao vetor da doença, o mosquito Aedes aegypti. Segundo Benchimol (2001, p. 125), os anos de 1928 a 1932 foram cruciais em termos de transformações ocorridas na forma de abordagem da doença, contribuindo para isso fatores políticos, científicos, sociais, técnicos, epidemiológicos.

 

 

A descoberta da modalidade silvestre da doença – supunha-se que era essencialmente urbana – eliminou a possibilidade de se erradicá-la do país, o que causou uma reviravolta nos estudos epidemiológicos, com novo direcionamento de métodos já empregados e incorporação de novas estratégias para o controle da doença. Do ponto de vista dos trabalhos em laboratório, a infecção do macaco rhesus pelo vírus da febre amarela na África, em 1928, deflagrou um surto de novas pesquisas e novas técnicas aplicáveis a esses trabalhos, inaugurando um novo modelo de combate à moléstia.

Acessando o link para as imagens relativas à fabricação da vacina da febre amarela disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

Para ilustrar em parte essa história, apresentamos algumas imagens fotográficas sobre a produção da vacina antiamarílica que contemplam o arquivo da Fundação Rockefeller, uma coleção com cerca de 15 mil registros visuais sobre os trabalhos desempenhados a partir da colaboração entre aquela instituição e o Serviço Nacional de Febre Amarela no combate à febre amarela, bem como à malária. Este acervo, sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz, é composto majoritariamente por fotografias produzidas pelos próprios médicos e cientistas, nas décadas de 1930 e 1940, em diversos estados brasileiros, registrando aspectos variados das atividades voltadas para o estudo e combate da febre amarela e malária, então duas das principais doenças endêmicas no país.

Embora presente no país desde 1916, com a vinda das primeiras comissões médicas, para tratar com o governo brasileiro do combate às várias endemias presentes no país, a Missão Rockefeller intensificou e institucionalizou suas atividades no país a partir de 1930, atuando lado a lado com organismos governamentais e mobilizando esforços especialmente no combate à febre amarela, período que coincide com o início da produção de registros visuais sobre os trabalhos e seu arquivamento. Já em 1931 a missão estabeleceu contrato com o governo brasileiro e passou a atuar através do Serviço Cooperativo de Febre Amarela, organizando campanhas em grande parte do país.

Em 1932, o Serviço de Profilaxia de Febre Amarela foi regulamentado e reorganizado pelo médico americano Fred Lowe Soper (1893 – 1977), funcionário da Fundação Rockefeller, passando a ser subordinado ao Departamento de Saúde Pública. Datam desse período as principais iniciativas em torno da pesquisa e do combate à doença, com a construção de um laboratório para estudo e fabricação da vacina e a sistematização e maior abrangência das campanhas de erradicação do mosquito e do diagnóstico mais preciso da moléstia.

Em 1940 o Serviço de Profilaxia adquire caráter nacional com a criação do Serviço Nacional de Febre Amarela, sob a responsabilidade exclusiva de sanitaristas brasileiros, passando a ser vinculado ao Departamento Nacional de Saúde do Ministério da Educação e Saúde. A partir dessa época, com laboratório já montado e fabricando a vacina antiamarílica, a Fundação Rockefeller vai aos poucos transferindo o controle dessas atividades, de início para o já estruturado Serviço Nacional de Febre Amarela, em 1946, até que, em 1950, quando se retira formalmente do país, o laboratório de pesquisas e de produção da vacina é incorporado ao Instituto Oswaldo Cruz, provavelmente acompanhado pelo conjunto de imagens produzido e acumulado durante mais de vinte anos de atividades, e que, como tudo indica, permaneceu nas instalações do laboratório mais de trinta anos, até seu recolhimento à Casa de Oswaldo Cruz.

As fotografias neste acervo se apresentam na forma de cópias-contato (cópia-contato é uma imagem não ampliada de um negativo fotográfico)  coladas no verso de fichas catalográficas, que contêm informações resumidas de cada imagem registrada, como o número de registro da imagem provavelmente dentro do arquivo institucional que a gerou , o assunto, o nome do fotógrafo autor do registro, a data em que a foto foi tirada ou recebida no arquivo nesse caso, por quem teria sido encaminhada , o tamanho do filme fotográfico etc.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

* Aline Lopes de Lacerda é historiadora e chefe do Departamento de Arquivo e Documentação da COC/Fiocruz

100 anos do Castelo da Fiocruz: a ocupação da Fazenda de Manguinhos

A Brasiliana Fotográfica abre as comemorações do centenário da conclusão da construção do Castelo da Fiocruz, instituição parceira do portal, com um texto de autoria de Cristiane d’Avila, jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz com fotografias de autoria de Huberti (18? – 19?), J. Pinto (1884 – 1951) e de fotógrafos ainda não conhecidos. Posteriormente, serão publicados textos sobre o centenário do prédio dos pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz, Renato da Gama-Rosa, com detalhes sobre sua construção e sobre seu projeto arquitetônico, e de Ricardo Augusto dos Santos, com o foco nos pedreiros que o ergueram. Aos 30 anos e à frente do então Instituto Soroterápico Federal, na distante fazenda de Manguinhos, Oswaldo Cruz (1872 – 1917) não mediu esforços para materializar um sonho aparentemente irrealizável: construir um monumental castelo para abrigar a nova e incipiente ciência brasileira. Por sua extensão e distância do centro do Rio de Janeiro, a fazenda era um espaço adequado à instalação de laboratórios e à produção de soros antipestosos contra o surto de peste bubônica. Projetado pelo arquiteto Luiz Moraes Junior (1872 – 1955), o edifício começou a ser erguido em 1905 e foi concluído em 1918.

 

100 anos do Castelo da Fiocruz: a ocupação da Fazenda de Manguinhos

Cristiane d’Avila*

A missão, grandiosa, os obstáculos, gigantescos. Mas, já diria Brás Cubas, como escapar de uma ideia fixa, caro leitor? Contemporâneo de Machado de Assis, Oswaldo Cruz pode não ter inspirado o genial autor, mas a obsessão que avassalou o memorável personagem talvez tenha acometido o jovem e brilhante médico brasileiro. Aos 30 anos e à frente do então Instituto Soroterápico Federal, na distante fazenda de Manguinhos, Oswaldo Cruz não mediu esforços para materializar um sonho aparentemente irrealizável: construir um monumental castelo para abrigar a nova e incipiente ciência brasileira.

A tarefa não era fácil. A fazenda de Manguinhos, na freguesia (como eram denominados os bairros) de Inhaúma, havia sido ocupada até o final do século 19 por fornos de incineração do lixo da cidade. A partir de 1900, já destinada pelo governo para o funcionamento do Instituto Soroterápico Federal, após um surto de peste bubônica, a fazenda era de fato um terreno longínquo e extenso, em meio a mangues, com algumas edificações precárias, de difícil acesso. No entanto, por sua extensão e distância do centro da cidade, configurava-se como espaço adequado à instalação de laboratórios e à produção de soros antipestosos contra a doença, até então importados pelo governo federal.

 

Acessando o link para as fotografias de aspectos da construção do Castelo da Fiocruz que estão disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Nessa época, a freguesia de Inhaúma contava com três estações da Cia. Leopoldina Railway – Bonsucesso, Ramos e Olaria. O acesso à fazenda de Manguinhos se dava por terra e também pela Baía de Guanabara, onde uma enseada levava ao pequeno cais, construído para o desembarque dos funcionários do Instituto. O acesso por trem foi possível após a abertura da Estação do Amorim, depois rebatizada de Estação Oswaldo Cruz e, posteriormente, de Manguinhos, como está até hoje.´

 

 

Em resumo histórico sobre a fundação do Instituto, o arquivista Albino Taveira escreveu, no ano de 1941:

“Os trens eram raros. Quem não estivesse na Estação à hora marcada teria que vir a pé pelo leito da via férrea. Durante as marés baixas, surgiam dos esconderijos dos caranguejos grandes quantidades de mosquitos. Na fazenda não havia gás nem eletricidade” (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 1947).

No mesmo relato, Albino destaca as palavras de Henrique Aragão, em conferência realizada por este em São Paulo, em 1940, com o tema “Oswaldo Cruz e a escola de Manguinhos”:

“Na vetusta fazenda abandonada há somente duas pequenas casas baixas, meio arruinadas, sobre colinas, as quais foram adaptadas muito rapidamente para os futuros laboratórios, todos bastante acanhados. Ao soar o meio-dia, suspende-se o labor para o almoço, na estreita varanda da casinha da fazenda. A mesa está posta sobre uma meia porta, que se apoia sobre duas barricas vazias e é coberta parcialmente com uma toalha grosseira, havendo dois longos bancos de madeira de cada lado para os convivas sentarem. Todos se apressam porque a comida não é muito abundante: uma clássica galinha ensopada com batatas, arroz, pão e, para terminar, algumas bananas e café ralo. Quem se atrasar só encontra ossos e traços de arroz (…) uns 20 minutos depois já o trabalho recomeça intenso embora os estômagos não estejam muito satisfeitos” (ARAGÃO apud FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 1947).

À frente da direção do Instituto, em 1900, estava o Barão de Pedro Afonso, diretor do Instituto Vacínico Municipal, que contratou os jovens médicos Oswaldo Cruz, Henrique de Figueiredo Vasconcelos e Ismael da Rocha, e o estudante Antônio Cardoso Fontes, para iniciar os trabalhos. Em 1902, Pedro Afonso é exonerado do cargo e Cruz assume o posto, elevando o Instituto a um novo patamar, que incluía não apenas a fabricação de produtos biológicos, mas também a realização de pesquisas biomédicas e o ensino da microbiologia. O modelo seguido pelo cientista, hábil administrador da ciência, era o Instituto Pasteur de Paris, onde havia cursado, por dois anos, sua especialização em microbiologia, soroterapia e imunologia.

A partir de então, as duas casas já existentes no terreno da fazenda foram reformadas para acolher os laboratórios, e também construídos uma cocheira, um biotério e uma enfermaria para cavalos, além de outra casa para servir como dormitório e depósito de cereais e forragens (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 1990, p. 99). Depois que Oswaldo Cruz assumiu em definitivo o Instituto Soroterápico Federal, e a chefia da Diretoria Geral de Saúde Pública, em 1903, a fazenda se transformou em um imenso canteiro de obras.

 

 

 

As escavações para o alicerce do edifício central sonhado por Cruz, o pavilhão mourisco – ou o memorável “castelo” – foram iniciadas em 1905. O projeto definitivo, maior que o original desenhado por seu construtor, o engenheiro português Luiz Moraes Junior, data de 1908, ano que coincide com a finalização das obras da estrutura do prédio. Em 1910, embora as obras continuassem, o castelo já era ocupado pelos pesquisadores, sendo finalmente concluído em 1918, coroando com êxito o ambicioso projeto de seu idealizador.

Ao todo, o prédio soma 1.517 m2 de área construída, com materiais em grande parte importados da Alemanha, França, Inglaterra e Portugal, e uso de modernas técnicas construtivas. “Com certeza, nenhum outro edifício do Rio de Janeiro – e talvez do país – se igualava a este pavilhão em sofisticação tecnológica”. (Idem, p. 114)

 

O contexto

 

Uma ideia, um projeto, não se realiza de forma isolada. Concorre para o seu desfecho uma série de fatores, que em determinado momento se convergem e associam para concretizar o objetivo inicial de seu idealizador, ou idealizadores. Com o Castelo da Fiocruz, como foi batizado o pavilhão mourisco, não foi diferente.

No alvorecer de 1900, o Rio de Janeiro era uma cidade em conflito com a contemporaneidade, na acepção das elites. Se, por um lado, convivia-se com práticas sociais consideradas anacrônicas, típicas de um centro ainda colonial, as reformas – urbana (o “bota-abaixo”) e sanitária (campanhas contra a febre amarela, varíola e peste bubônica) empreendidas por Pereira Passos e Oswaldo Cruz, respectivamente, espelhavam um cotidiano tributário da incipiente modernidade. A grande imprensa saudava a nova fase com a sugestiva alcunha de “Regeneração”. Segundo Nicolau Sevcenko, a expressão era por si só esclarecedora do espírito que presidiu esse movimento de destruição da velha cidade, para complementar a dissolução da velha sociedade imperial, e de montagem da nova estrutura urbana. Pereira Passos [prefeito do Rio, grifo meu] atacou algumas tradições cariocas. Proibiu a venda ambulante de alimentos, o ato de cuspir no chão dos bondes e a exposição de carnes na porta dos açougues, assim como uma série de outros costumes “bárbaros” e “incultos” (SEVCENKO, 1983, pp. 31-57).

No cenário urbano, o combate às epidemias havia reforçado a importância de se estender e aprofundar as pesquisas e o investimento em campanhas sanitárias, alvos prioritários da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), sob a direção do cientista (1903-1906). Consagrado internacionalmente pelo sucesso alcançado no Rio, Oswaldo Cruz converteu-se em herói nacional, o que deu impulso à posterior transformação do Instituto Soroterápico Federal em Instituto de Patologia Experimental (1907) e, finalmente, em Instituto Oswaldo Cruz (1908).

No cenário nacional, Cruz e os médicos de seu grupo (Belisário Penna e Carlos Chagas) iniciaram expedições ao interior do Brasil, incluindo 30 portos marítimos e fluviais de Norte a Sul do país, para estabelecer um código sanitário com regras internacionais, a fim de erradicar doenças que mortificavam milhares de brasileiros, como a malária e a febre amarela. A partir da intensificação das expedições científicas empreendidas, “a saúde pública como base para a construção da nacionalidade permitiu que fosse abandonada a tese da inferioridade racial do brasileiro” (OLIVEIRA, 1990, p. 146).

Naquele momento, ao contrário do que acontecia no cenário econômico, em que o Brasil vivia uma economia agroexportadora dependente da importação de tecnologia e técnicas europeias para a criação de portos e ferrovias, Cruz fez do IOC um centro de pesquisa autossustentável, complexo, capaz de produzir ciência autonomamente. “A institucionalização da medicina experimental requereu a adaptação do modelo (o Instituto Pasteur) à realidade econômica e social do país e, sobretudo, a superação das barreiras políticas e culturais que bloqueavam um projeto de autossuficiência científica”, explica Jaime Benchimol (BENCHIMOL, 1990, p. 13).

A autonomia do IOC foi conquistada, segundo o pesquisador, no calor da euforia que marcou a reforma e o saneamento da capital federal. “Seguindo um curso independente, manteve em nível elevado sua produtividade científica, tornou-se celeiro dos quadros que iriam impulsionar as instituições regionais de medicina e saúde e afirmou-se como o baluarte de um novo projeto sanitarista” (Idem, 1990, pp. 71-72). Com os alicerces fincados, portanto, faltava ao IOC edificar uma sede à altura de sua relevância.

 

O construtor

 

Quatro anos de diferença e um oceano separavam Oswaldo Cruz, nascido em São Luís do Paraitinga, São Paulo, em 1872, e Luiz Moares Junior, nascido em 1868, em Faro, Portugal, antes do encontro fortuito entre ambos, em 1902, no trem da Leopoldina que levava Cruz ao IOC e Moraes à igreja da Penha. Recém chegado de Portugal, o engenheiro havia sido convidado pelo vigário da igreja para realizar obras de reforma e embelezamento externo no prédio e de construção das duas torres hoje existentes. Depois do encontro, a vida profissional deles tomaria um rumo surpreendente.

Com argúcia e imenso talento construtor, Luiz Moraes Junior equacionou duas qualidades essenciais para a construção do complexo arquitetônico de Manguinhos – planos arquitetônicos baseados em extensos e minuciosos cálculos matemáticos. Não à toa, Cruz “abriu-lhe as portas da comunidade médica da capital, possibilitando a Luiz Moraes assinar projetos de grande envergadura, como os da sede da Policlínica, na Avenida Central, e da Faculdade de Medicina, na Praia Vermelha” (Idem, 1990, p. 173).

Durante os sete anos em que Oswaldo Cruz permaneceu à frente da DGSP (1903-1909) e os 15 em que dirigiu o instituto batizado com seu nome (1902-1917), Luiz  Moraes Junior pôde acumular uma experiência notável num campo muito especializado da construção civil: o das edificações laboratoriais, sanitárias e hospitalares (Idem, p. 173).

A primeira geração de prédios projetados e construídos em Manguinhos por Moraes – pavilhão mourisco, cavalariça, pavilhão da peste, aquário e pombal – foram edificados a partir do permanente intercâmbio entre ele e Cruz. O construtor transformava os esboços e intenções do cientista em plantas finais, que calculava e executava com profissionais de sua confiança. Somam-se a essas edificações o Hospital Oswaldo Cruz (atual Instituto Nacional de Infectologia), o quinino e o pavilhão vacinogênico, construídos após a morte de Cruz, em 1918, na gestão de Carlos Chagas (Idem, 1990, p. 105).

 

 

O complexo arquitetônico de Manguinhos, realizado por Moraes, foi exibido na Exposição de Higiene realizada em Berlim, em 1907:

Ao lado dos trabalhos do instituto, dos gráficos e tabelas da Saúde Pública, figuraram na exposição plantas, fotografias e maquetes dos prédios projetados ou já executados por ele, incorporando os mais modernos preceitos arquitetônicos aplicáveis à construção de laboratórios, hospitais e equipamentos sanitários, em consonância com a higiene e a medicina pasteuriana. (Idem, p. 174)

Luiz Moraes Junior viveu os últimos anos de sua vida em Petrópolis, sendo responsável pelo projeto do prédio do jornal Tribuna de Petrópolis e do Grande Hotel, até hoje existentes. Faleceu aos 87 anos, em 15 de julho de 1955, deixando como maior legado o edifício símbolo da Fundação Oswaldo Cruz, o Castelo de Manguinhos, que, em 2018, completa 100 anos de sua conclusão.

 

 * Cristiane d’Avila é jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz

 

Fontes:

BENCHIMOL, Jaime L. (Coord.) Manguinhos do sonho à vida: a ciência na Belle Époque. Rio de Janeiro. Casa de Oswaldo Cruz, 1990.

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. CASA DE OSWALDO CRUZ. Resumo histórico da fundação do Instituto Soroterápico Federal, hoje Instituto Oswaldo Cruz. Coletânea organizada pelo arquivista Albino Taveira. Rio de Janeiro, COC, 1947.

OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 146

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1983.

 

Link para o artigo Pavilhão Mourisco: desafios para sua preservação, de Carla Maria Teixeira Coelho, Elisabete Edelvita Chaves da Silva e Rosana Soares Zouain, publicado na revista História, Ciência, Saúde- Manguinhos vol 27 nº 2 Abril/Junho 2020**

Link para o artigo A Casa da Ciência, publicado na Revista Shell, nº 66, de 1954***

 

**Este link foi acrescentado ao artigo em 14 de setembro de 2020.

***Este link foi acrescentado ao artigo em 5 de fevereiro de 2021.