Nos 70 anos da morte de Getúlio Vargas, o Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República divulga as fotos de seu velório no Palácio do Catete, sede da Presidência da República naquele período, e de seu enterro em São Borja, no Rio Grande do Sul, sua cidade natal.
As fotos do velório de Getúlio Vargas pertencem à coleção Enê Garcez, militar que, em 1951, ocupou o cargo de Chefe de Pessoal da Presidência da República no segundo governo Vargas (1951-1954).
Por sua vez, as fotos do enterro fazem parte da coleção Getúlio Vargas, formada a partir da reunião de transferências de documentos do Museu Histórico Nacional para o Museu da República e de doações avulsas diversas. Há relatos de que, entre os documentos vindos do MHN, estariam itens doados diretamente por Getúlio àquela instituição, enquanto exercia a Presidência da República.
O suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, foi o ápice de uma grave crise política que o país atravessava. Com um tiro no coração, Getúlio interrompeu o processo turbulento provocado pelos opositores que visavam à sua deposição.
O segundo governo Vargas foi alvo de constantes acusações de corrupção, levando Getúlio a declarar que estava em um “mar de lama”. Esse clima de instabilidade foi alimentado por políticos rivais, militares e imprensa até que o atentado da rua Tonelero, em 5 de agosto de 1954, desencadeou uma grande pressão para a renúncia de Getúlio. Nessa ação foram disparados tiros que mataram o major Rubens Florentino Vaz e que feriram Carlos Lacerda, principal opositor de Getúlio. Dois anos depois, o chefe da guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas, Gregório Fortunato, foi condenado como mandante da tentativa de assassinato de Lacerda.
Na madrugada de 24 de agosto, Getúlio reuniu seu ministério que o aconselhou a se licenciar ou renunciar à presidência. Sem garantia de apoio para resistir, Getúlio cometeu seu último ato político, o suicídio, na manhã desse mesmo dia.
O quarto que ocupava no Palácio do Catete foi palco desse trágico evento, deixando de ser um espaço íntimo para se tornar o lugar de sua memória. Contudo, não só o quarto, mas o próprio Palácio do Catete, atual Museu da República, segue como um espaço marcado pela imagem de Getúlio, considerando que ali ele viveu grande parte de sua trajetória política, durante os 19 anos em que presidiu o país.
O corpo de Getúlio foi velado em outro ambiente do Palácio do Catete, o Salão Ministerial. Os registros desse momento demonstram a comoção da população diante do impacto de sua morte, com imagens de pessoas debruçadas sobre o caixão ou amparadas pelos guardas. Em São Borja, as fotografias expõem o cortejo fúnebre até o cemitério e em meio à multidão destaca-se a presença de João Goulart, herdeiro político de Vargas.
As intensas homenagens prestadas após sua morte, bem como os intensos protestos do povo revoltado com o desfecho de Getúlio demonstram que o líder controverso não poderia jamais ser esquecido.
*Maria de Fátima Morado é Historiadora do Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República
Pedro Quinteiro Uberti sob a supervisão de Adelina Novaes e Cruz*
Gaúcho da fronteira, nascido em Alegrete, em 1894, Oswaldo Aranha teve ascendente trajetória na política local até se consolidar como uma das lideranças da Aliança Liberal e do movimento que levou Getulio Vargas ao Catete. Como ministro da Justiça e Assuntos Internos e ministro da Fazenda, contribuiu ativamente na reconfiguração institucional do Estado brasileiro, iniciada com o governo provisório de Vargas.
Notabilizou-se como personagem vinculado à condução da política externa brasileira. A historiografia destaca dois grandes momentos da vida política de Aranha, para além de seu envolvimento com a Revolução de 1930. O primeiro, entre 1938 e 1944, diz respeito ao período em que serviu como chanceler do Estado Novo, sendo apontado como um dos principais responsáveis pelo apoio prestado pelo Brasil ao esforço de guerra dos Aliados. O segundo, entre 1947 e 1948, marca o momento em que Aranha presidiu a Assembleia Geral das Nações Unidas, tendo seu nome vinculado à criação do Estado de Israel e à tradição, segundo a qual, o discurso brasileiro deve ser aquele que inaugura os encontros da Assembleia.
Antes disso, no entanto, Aranha já havia deixado sua marca na diplomacia brasileira. Entre 1934, quando se desvincula do Ministério da Fazenda, e 1937, quando é decretado o Estado Novo, o político gaúcho serviu como embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
A missão de Aranha começa a bordo do Augustus, navio que o levou a Gênova. A escala na Europa, antes de seguir viagem aos Estados Unidos, marcou a percepção de Aranha em relação ao futuro das relações internacionais. Em carta escrita a Getulio, em setembro de 1934, aborda criticamente o militarismo de governantes como Benito Mussolini, indicando a iminência de um novo conflito entre as potências europeias. Pondera que:
“a Europa está, meu caro, em estado potencial de guerra. Os exércitos e as esquadras não se defrontam, mas ameaçam-se. […] Os instintos estão arrepiados, como o de feras ameaçadas ou agressivas. […] Ninguém sabe como e de onde virá. Mas creio, não há ninguém que não sinta a sua proximidade. […] A Europa está dominada por uma tropilha de grandes loucos que encerram em seus punhos a sorte do mundo” (GV c 1934.09.07).
É notável o contraste das perspectivas de Aranha em relação à Europa e aos Estados Unidos. Já em solo estadunidense, exulta o progresso material do país. Em outra carta a Vargas, de novembro de 1934, ameniza os efeitos da crise financeira de 1929, apontando que “este país tem mais riquezas do que todo o resto do mundo. O orçamento de uma cidade como Chicago é maior que o da Itália. O de Nova York várias vezes o nosso. O número de automóveis numa cidade média aqui é maior do que o de todo o Brasil!” (GV c 1934.11.02).
Primeiras Movimentações
As primeiras movimentações diplomáticas de Aranha demonstram a preocupação do novo embaixador em melhorar as relações entre Brasil e Estados Unidos. O pessimismo em relação à Europa e o fascínio em relação à economia estadunidense foram acompanhados por uma calorosa recepção nos círculos políticos de Washington. Aranha percebia uma boa vontade das autoridades de Washington em relação ao Brasil. “Só posso atribuir essa amabilidade ao desejo que notei no presidente Roosevelt, durante a conversa de alguns minutos que se seguiu à apresentação de credenciais, de estreitar sempre as íntimas relações com o Brasil”, relataria Aranha ao Itamaraty após a apresentação de suas credenciais como embaixador a Roosevelt, em outubro de 1934 (ARAÚJO, 1996, p. 113).
O andamento da missão seria, portanto, facilitada, na visão de Aranha, pela situação internacional. Com a Europa na iminência de um conflito e com o recrudescimento das disputas imperialistas entre as potências, incluindo a expansão japonesa no sudeste asiático e no Pacífico, os Estados Unidos, segundo Aranha, se voltariam cada vez mais para a América Latina, em especial para o Brasil. Deveria o governo Vargas, portanto, aproveitar essa oportunidade para atingir os objetivos da política externa brasileira.
Condição necessária ao estreitamento de relações entre os dois países era, no entanto, a restruturação da representação brasileira nos Estados Unidos. Isso significou o envolvimento de Aranha na instalação da embaixada em uma mansão comprada, em agosto de 1934, por Ciro Freitas-Valle, seu primo e diplomata, a mando do Itamaraty. Segundo o embaixador “encontramos, aqui, no país onde está metade do nosso comércio, todos os funcionários amontoados em três salinhas, sem mobiliário, sem nada. Vamos ficar, hoje, com uma instalação perfeita e capaz de atender às nossas fatais necessidades futuras” (GV c 1935.03.25).
É possível encontrar no triênio em que Aranha serviu como embaixador, uma série de episódios que demonstra uma atuação diplomática multifacetada, conduzida por um diplomata muito bem conectado com diferentes setores da sociedade estadunidense. Logo nos primeiros meses de missão, Aranha conduziria em Washington as negociações em torno do tratado comercial que estava sendo costurado entre Brasil e Estados Unidos enquanto, constantemente, protestava a Vargas contra o estreitamento dos laços comerciais entre Brasil e Alemanha sob a modalidade que ficou conhecida como comércio compensado. Aranha acompanharia o ministro da Fazenda, Artur de Sousa Costa, na assinatura do tratado junto a Roosevelt, firmado em 2 de fevereiro de 1935.
Aranha ainda receberia outro ministro brasileiro em Washington. João Marques dos Reis, ministro da Viação e Obras Públicas havia sido designado por Getulio para participar da 3ª Conferência Mundial de Energia, entre setembro e outubro de 1936. Segundo o embaixador, a visita do ministro seria facilitada pela boa vontade do governo estadunidense em procurar “favorecer negócios no Brasil” (GV c 1936.10.21).
O estabelecimento de boas relações com autoridades do governo estadunidense foi um dos maiores sucessos da missão de Aranha. Não à toa, durante o triênio em que serviu em Washington, Aranha foi o embaixador estrangeiro mais recebido por Roosevelt (OLIVEIRA, in LIMA; ALMEIDA; FARIAS, 2017, p. 103). Antes mesmo de Aranha embarcar para os Estados Unidos, Roosevelt já havia sido informado que Aranha era “o iniciador do atual movimento do Brasil de se afastar um pouco da Europa e se aliar com os Estados Unidos” (HILTON, 1994, p. 202). Destaca-se, ainda, a figura de Sumner Welles, referência no Departamento de Estado em assuntos relacionados à América Latina, com quem Aranha estabeleceu íntimas relações.
Para além dos círculos oficiais de poder, Aranha empreendeu esforços no sentido de fazer o Brasil ser ouvido por distintas camadas da sociedade estadunidense. Seja viajando pelo país, como na ocasião da Feira Mundial de Chicago, em outubro de 1935, seja em contato constante com jornalistas e empresários, Aranha defendia a ideia de que “devemos procurar ser conhecidos do povo para melhor contarmos com o governo dos Estados Unidos” (GV c 1937.09.09).
Essa aproximação, advogada por Aranha, não se restringia apenas ao âmbito bilateral. Logo no início da missão, alertou Vargas sobre a ascensão da Política da Boa Vizinhança. Segundo o embaixador, a busca dos Estados Unidos em melhorar suas relações com os demais países americanos poderia colocar em xeque o tratamento especial que era dispensado ao Brasil. Nesse sentido, as conferências e encontros multilaterais deveriam servir de palco para o Brasil reafirmar sua posição como parceiro estratégico dos Estados Unidos no continente.
Foi exatamente o que o embaixador buscou alcançar na Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz, realizada em Buenos Aires, em 1936. Desde o momento em que Roosevelt veiculou a ideia da realização da Conferência, Aranha buscou costurar a posição entre Brasil e Estados Unidos a partir da coordenação de demandas entre a Casa Branca e o Catete, mesmo que isso significasse o desgaste na relação com Macedo Soares, seu superior na hierarquia institucional do Itamaraty. Sua atuação na Conferência lhe rendeu editoriais dos mais favoráveis na imprensa estadunidense, ao buscar o consenso entre as partes a despeito da oposição argentina aos termos do Projeto de Convenção Sobre Manutenção, Garantia e Restabelecimento da Paz.
Aranha buscava nutrir nos Estados Unidos a simpatia pelo Brasil, mas suas constantes súplicas não convenceram Getulio de visitar o país norte-americano. Conseguiu, entretanto, influenciar na visita de dois de seus filhos, Getulio e Alzira, e sua esposa, Darcy. Alzira permaneceu mais de um semestre com a família Aranha nos Estados Unidos, entre o final de 1935 e meados de 1936, período durante o qual realizou longas viagens na companhia de Luiza Zilda Aranha (Zazi) e Delminda Gudolle Aranha (Dedei) – filhas do embaixador – e Delminda Gudolle Aranha (Vindinha) – esposa do embaixador. Getulinho, como era chamado por Aranha, e Darcy encontraram Alzira e família Aranha em março de 1936. Após insistência de Aranha, Getulinho permaneceu nos Estados Unidos pelo resto do ano desenvolvendo seus estudos de inglês e química. O périplo da família Vargas nos Estados Unidos, na companhia de Aranha, serviu como ferramenta diplomática, na medida em que foram organizados encontros com empresários e jornalistas estadunidenses, além de uma conferência com Roosevelt e a primeira-dama, Eleanor.
Decretado o Estado Novo em novembro de 1937, Oswaldo Aranha abdica do cargo de embaixador, alegando ter perdido sua credibilidade junto ao governo estadunidense por ter sido pego de surpresa pelo golpe. Permaneceria nos Estados Unidos até dezembro, num esforço de amenizar as críticas da imprensa sobre a ruptura institucional em curso no Brasil. Seus relatórios a Vargas demonstram como o governo estadunidense não alterou sua posição em relação à parceria que vinha sido construída entre os dois países. Em dezembro de 1937, o navio Western Prince atracaria em águas brasileiras trazendo o embaixador e sua família, pondo fim à experiência diplomática inaugural daquele que viria ser chanceler em um dos períodos mais conturbados da política externa brasileira.
*Pedro Quinteiro Uberti é aluno do Mestrado Acadêmico em História, Política e Bens Culturais FGV/CPDOC e Adelina Novaes e Cruz é Pesquisadora do FGV CPDOC.
CAMARGO, Aspásia; ARAÚJO, João Hermes Pereira de; SIMONSEN, Mário Henrique. Oswaldo Aranha: a estrela da revolução. São Paulo: Mandarim, 1996.
HILTON, Stanley. Oswaldo Aranha: uma biografia. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1994.
LIMA, Sérgio Eduardo Moreira; ALMEIDA, Paulo Roberto de; FARIAS, Rogério de Souza (org.). Oswaldo Aranha: um estadista brasileiro. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2017. 2 v. (Coleção Política Externa Brasileira).
Com duas imagens produzidas por Juan Gutierrez de Padilla (c. 1860 – 1897), na década de 1890, quando ainda estava em construção; e com outra de autoria de Augusto Malta (1864 – 1957), de 1927, a Brasiliana Fotográfica conta um pouco da história do Túnel Real Grandeza. Há ainda uma fotografia de autoria de Rodrigues & C°. Editores e Proprietários mostrando a abertura do Túnel do Leme, ou Túnel Novo.
O Túnel Real Grandeza foi rebatizado de Túnel Alaor Prata, em 1927, em homenagem a Alaor Prata Leme Soares (1882 – 1964), que foi prefeito do Rio de Janeiro entre 1922 e 1926. Foi inaugurado em 6 de julho de 1892 e ligou a Rua Real Grandeza, em Botafogo, à Rua do Matoso, atual Rua Siqueira Campos, em Copacabana. Sua construção foi realizada pelo engenheiro José de Cupertino Coelho Cintra (1843 – 1939), gerente da Companhia Ferro-Carril Jardim Botânico. Com essa ligação, o bairro de Copacabana começou a se integrar ao resto da cidade. Com a presença do presidente da República, marechal Floriano Peixoto (1839 – 1895), quando foi inaugurado, foi lavrada uma ata que marcou, oficialmente, o nascimento de Copacabana (O Paiz, 7 de julho de 1892, na sexta coluna). Antes disso, Copacabana não era um local de fácil acesso, viviam ali alguns pescadores, havia algumas chácaras e sítios, além da Igrejinha de Copacabana e do Forte Reduto do Leme.
Abaixo, uma imagem realizada por Gutierrez na década de 1890: em primeiro plano, no centro, a estação de bondes instalada na Praça Malvino Reis (atual Serzedelo Corrêa). Essa estação foi colocada em uso no ano de 1893, quando os trilhos chegaram até o bairro, e depois de demolida, deu lugar ao Centro Comercial de Copacabana. No fundo, à direita, o Morro do Cantagalo; à esquerda, a ponta do Arpoador.
Da data de sua inauguração até 1901, quando foi entregue ao livre trânsito público, só podiam passar pelo Túnel Velho bondes da Companhia Jardim Botânico.
Ficou mais conhecido como Túnel Velho porque, em 4 de março de 1906, foi inaugurado pela companhia Jardim Botânico sua nova linha elétrica pelo Túnel do Leme, indo o ramal até o ponto terminal da praça do Vigia, onde foi construída a estação de bonds (O Paiz, 4 de março de 1906, quarta coluna; A Notícia, 6 e 7 de março de 1906, quinta coluna). O Túnel do Leme, inaugurado com a denominação de Túnel Carioca, teve seu nome mudado para Túnel Coelho Cintra, em 1937. Mas ficou conhecido como Túnel Novo.
Juan Gutierrez de Padilla foi um dos mais importantes fotógrafos paisagistas dos oitocentos, no Brasil. Foi, ao lado de Marc Ferrez (1843 – 1923) e George Leuzinger (1813 – 1892), ambos do século XIX, e de Augusto Malta (1864 – 1957), já no século XX, um dos maiores cronistas visuais do Rio de Janeiro. Foi um dos fotógrafos principais da transição da cidade imperial para a cidade republicana. Gutierrez registrou a Revolta da Armada ( 1893 – 1894), tornando-se um dos pioneiros da fotografia dos conflitos armados no Brasil. Em 1896, eclodiu o conflito de Canudos e foi por seu entusiamo republicano que, após a derrota da expedição comandada pelo coronel Moreira César (1850 – 1897), decidiu incorporar-se como ajudante de ordens do general João da Silva Barbosa. Foi ferido mortalmente, em 28 de junho de 1897. Sua trágica morte o tornou, talvez, o primeiro repórter fotográfico morto durante um trabalho de campo, no Brasil, apesar de, até hoje, não se conhecer nenhum registro fotográfico que ele tenha feito do conflito. Nasceu, provavelmente, nas Antilhas, na época, uma colônia espanhola. Porém, outras fontes afirmam que ele teria nascido em Cuba ou na África.
Augusto Malta (1864 – 1957)
Anônimo. Augusto Malta. Rio de Janeiro. Acervo Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.
O alagoano Augusto Malta foi o mais importante cronista fotográfico do Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XX. Em 1903, foi contratado pela Prefeitura do Rio de Janeiro como fotógrafo oficial, cargo criado para ele. Passou a documentar a radical mudança urbanística promovida pelo então prefeito da cidade, Francisco Pereira Passos (1836-1913), período que ficou conhecido como o “bota-abaixo”. Augusto Malta trabalhou na Prefeitura até 1936, quando se aposentou. Além de ter documentado as transformações urbanas e os grandes eventos da cidade como a Exposição Nacional de 1908, a construção do Teatro Municipal, em 1909; a Revolta da Chibata, em 1910; e a inauguração do Cristo Redentor, em 1931; fotografou personalidades políticas, intelectuais e artísticas; paisagens, monumentos, lojas, o casario decadente e as ressacas. Registrou também aspectos da vida carioca como, por exemplo, o carnaval de rua, o movimento dos quiosques, os eventos sociais, os moradores de cortiços, os vendedores ambulantes, as prostitutas, os marinheiros e cenas de praia. Faleceu em Em 30 de junho de 1957, no Hospital da Ordem Terceira da Penitência, devido a uma insuficiência cardíaca. Foi sepultado no dia seguinte, no Cemitério do Caju (Correio da Manhã, 2 de julho de 1957, na seção “Prefeitura”).
Para contar a história do Jardim Zoológico de Vila Isabel, publicamos o 28º artigo da série O Rio de Janeiro desaparecido, destacando três imagens – uma estereoscopia realizada pelo fotógrafo amador Guilherme Santos (1871 – 1966), em maio de 1913; uma fotografia realizada por Augusto Malta (1864-1957), em torno de 1920; e um registro feito, por volta de 1915, por um fotógrafo ainda não identificado.
Vamos também contar um pouco da história de seu criador, o empresário e abolicionista mineiro João Batista Viana Drummond (1825 – 1897), primeiro e único Barão de Drummond, nascido em 1º de maio de 1825, em Itabira. Era primo do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987), que escreveu uma crônica a seu respeito, publicada no Jornal do Brasil, de 1º de maio de 1975, transcrita ao final deste artigo.
O Barão de Drummond foi para o Rio de Janeiro com cerca de 20 anos e foi o administrador da Estrada de Ferro Dom Pedro II . Em 29 de julho de 1855, quando a princesa Isabel (1846 – 1921) completava 9 anos, foi realizada na quinta de dona Januária (1822 – 1901), irmã de dom Pedro II, a cerimônia de lançamento da pedra fundamental da Estrada de Ferro Pedro II com a presença do imperador (Diário do Rio de Janeiro, 30 de julho de 1855, primeira coluna). Foi a terceira ferrovia brasileira – as anteriores foram a Estrada de Ferro Mauá (1854) e a Estrada de Ferro do Recife ao Cabo (1858) – e sua construção está ligada às famílias Teixeira Leite e Ottoni, grandes produtoras de café da região de Vassouras, no estado do Rio. Foi da Estação da Estrada de Ferro Central do Brasilque saíram as três locomotivas que inauguraram a primeira sessão da Estrada de Ferro Pedro II, em 29 de março de 1858, pela manhã, quando a locomotiva Imperador levou dom Pedro II (1825 – 1891), sua corte e ministério até Pouso dos Queimados. As outras chamavam-se Brazil e Imperatriz (Correio Mercantil, 24 de março de 1858, terceira coluna; Correio Mercantil, 30 de março de 1858, segunda coluna; e Diário do Rio de Janeiro, 30 de março de 1858, segunda coluna). Antes das partidas das locomotivas, houve as bênçãos do bispo, a saudação de Christiano Benedicto Ottoni (1811 – 1896), diretor da Companhia da Estrada de Ferro Dom Pedro II, e uma resposta do imperador (Diário do Rio de Janeiro, 30 de março de 1858).
Drummond tornou-se amigo de dom Pedro II (1825 – 1891) e adquiriu, por 120 contos de réis, as terras da Imperial Quinta do Macaco, vale adjacente ao Morro dos Macacos, da Princesa Isabel. Em uma viagem a Paris, impressionou-se com a arquitetura da cidade e decidiu urbanizar a área, tendo inclusive aberto um boulevard. Fundou o bairro de Vila Isabel, em 3 de janeiro de 1872. Criou também o serviço de bonde que ligava a região de Vila Isabel à Praça da Constituição, atual Praça Tiradentes. Em 1874, foi presidente do Jockey Club.
Foi organizada uma sociedade anônima para criar e manter o jardim zoológico semelhante aos que possuem todas as grandes capitais que solicitou ao governo ajuda no sentido de que os delegados nas províncias enviassem exemplares de nossa fauna, uma das mais ricas do mundo (Jornal do Commercio,17 de setembro de 1887, terceira coluna;Cidade do Rio, 18 de novembro de 1887).
No dia de sua abertura, o zoológico recebeu a visita de “809 pessoas a pé e 15 a cavalo”, um sucesso, tanto que a Companhia Ferro Carril Vila Isabel em vista da grande concurrência para o jardim passou a ter carros extraordinários todos os domingos (Gazeta de Notícias,7 de janeiro de 1888, segunda coluna; 14 de janeiro de 1888, última coluna). Em 29 de janeiro, foi anunciado que estaria aberto todos os dias das 6 horas da manhã às 7 da tarde (Gazeta de Notícias, 29 de janeiro de 1888, quinta coluna). Dentre as atrações apresentadas, estavam duas seriemas doadas por Rui Barbosa (1849 – 1923) e uma lhama doada pela princesa Isabel (1846 – 1921), além de elefantes, girafas, tigres e outros animais. Havia também, no zoológico, muitas apresentações de bandas de música. Os filhos da princesa Isabel fizeram uma visita ao zoológico acompanhados de seu preceptor, Ramiz Galvão (1846 – 1938), em 8 de julho de 1888 (Gazeta de Notícias, 9 de julho de 1888, quarta coluna).
Neste mesmo ano, 1888, em 19 de agosto, Drummond recebeu o título de Barão.
“Ao comprar o ingresso de entrada para o Jardim Zoológico, o visitante passaria a receber um ticket. No bilhete estaria impressa a figura de um animal. Pendurada num poste a cerca de três metros de altura, próxima ao portão de entrada do parque, havia uma caixa de madeira. Dentro desta ficava escondida a gravura de um animal, escolhida pelo barão em uma lista de 25 bichos que ia de avestruz a vaca, passando por borboleta e jacaré. Nesse domingo, às cinco horas da tarde, a caixa seria aberta pela primeira vez, e o público presente poderia, afinal, descobrir o animal encaixotado e saber se teria direito ao prometido prêmio de 20$000, 20 vezes o valor gasto com a entrada para o zoo. Na hora marcada, o barão dirigiu-se até o poste, revelou a avestruz e fez a alegria de 23 sortudos visitantes”.
A maior parte das versões sobre a motivação do Barão de Drummond para criar o jogo do bicho se refere ao corte da subvenção anual de dez contos de réis que o Governo Imperial fazia ao Jardim Zoológico. A República havia sido proclamada em 1889. Segundo Felipe Magalhães, a partir de uma pesquisa em documentos do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro:
“Numa petição enviada à Intendência Municipal da Capital Federal em 18 de setembro de 1890, o Barão de Drummond tinha a pretensão de transformar o Jardim zoológico em “Jardim de Aclimação não só de animais como de plantas exóticas e indígenas”… o Barão, argumentava que:
“Esta empresa (…) tem sido julgada por homens do país, eminentes na ciência como necessidade agradável e útil à Capital Federal, já pela concorrência à distração dos seus habitantes, como fonte indispensável de estudos para a mocidade; e que em outros países é largamente subvencionada pelos respectivos governos ou por eles criada e mantida, é apenas entre nós auxiliada com a diminuta soma de dez contos de réis anual.26 Apelando para o espírito público da Intendência Municipal, Drummond afirmava que o valor da subvenção anual não era suficiente para fazer face às despesas do zoológico. Afirmava ainda a incapacidade dos acionistas do empreendimento em reaver seus investimentos, pois o dinheiro percebido com as entradas somado aos dez contos de réis, não seria suficiente para sustentar os animais. Deste modo se dirigia mais uma vez aos representantes do povo no sentido de pedir um auxílio, não em forma de mais dinheiro público, mas na forma da exploração de jogos lícitos dentro do Jardim. Na parte final da petição, tem-se que: para consecução de tamanhos benefícios públicos a diretoria [do Jardim zoológico] recorre à ilustre Intendência Municipal da capital federal e pede:
I – Direito de estabelecer, pelo prazo de seu privilégio, jogos públicos, mediante módica contribuição, a fim de poder manter-se a empresa e grandemente desenvolver o estabelecimento Jardim Zoológico tornando-o um dos melhores do mundo.
II – Estes divertimentos, como existem em outros países, sob a imediata fiscalização da polícia, tornar-se-ão atrativos para o público.
III – Auxiliará o público o desenvolvimento de tão útil instituição, tendo como recreio jogos que, bem fiscalizados e moralizados resultaram em proveito da comunidade sem os incovenientes tão nefastos que acarretam, por exemplo, as loterias, os jogos de corridas, onde ele é tão defraudado, e a multiplicidade de casas de tavolagem que empestam esta cidade. […] Em um país novo como o nosso faz-se preciso que empresas como esta encontrem na pública administração a coragem para que possam vingar. Nestes termos a peticionária pede benévolo deferimento.
Rio, 18 de setembro de 1890 Barão de Drummond Diretor do Jardim”
O Jogo do Bicho fez muito sucesso, os bilhetes começaram a ser comercializados fora do zoológico e pessoas de todas as classes sociais participavam da disputa, cujo resultado passou a ser divulgado pelos jornais. O Jogo do Bicho é uma contravenção no Brasil (Decreto-lei 3.688, de 3 de outubro de 1941, artigo 58 da Lei de Contravenções Penais)
“Na íngreme Rua de Santana, de Itabira, onde nasceu em primeiro de maio de 1825, o garoto João Batista, filho. De João Batista e de Maria do Carmo, ficou sendo, para toda gente, o Batistinha. Mas o diminutivo não lhe conviria no decorrer do tempo, e ao morrer no Rio de Janeiro em sete de Agosto de 1897, era Barão.
Entre uma data ou outra, João Batista fez coisas, muitas e determinadas de outras coisas, que influíram na vida de uma cidade, do Rio, e até no país. Não foi à toa que se ligou ao Mauá, em empreendimento como a estrada de ferro hoje chamada Central do Brasil. Seu espírito ávido de criação afastou-o cedo da Rua Santana e do pequeno meio paroquial, levando-o a Capital do Império. Na Corte, João Batista sentiu-se a vontade para planejar, fazer e acontecer.
Fez um bairro inteiro, onde havia o matagal da Fazenda do Macaco e onde hoje se refugiam os últimos traços do espírito genuinamente carioca: Vila Isabel. Abriu nele uma larga avenida, antecipadora das modernas vias de circulação urbana. E para que a vida nesse bairro não fosse uma sucessão escura de bocejos, presenteou-o com um parque de 300 mil metros quadrados, onde plantas e animais nativos e exóticos poderiam ser apreciados e se fariam estudos práticos de zoologia e zootécnica.
A certa altura, o jardim zoológico dava prejuízo. Teve que requer a ilustríssima Câmara Municipal (por que não são mais ilustríssimas é uma pena?) licença para estabelecer lá dentro jogos públicos sob fiscalização policial, a fim de honrar as despesas com a manutenção e desenvolvimento da iniciativa, nasceu ai o jogo do bicho, instituição nacional, trazida por um mexicano um tal Zevada, a principio mero atrativo para a freqüência do Zôo. Mas a coisa era tão bem bolada que acabou se espalhando fora dos portões do estabelecimento, e hoje cobre o país inteiro. João Batista não tem culpa nisso. Talvez seja mais correto dizer: Não tem glória nisso. Pois enfim, o jogo do bicho, rotulado de contravenção penal, é tão querido do povo e tão radicado como habito brasileiro, que o Governo se apresenta para oficializá-lo, sob o título de Zooteca. (Tirando-lhe possivelmente o encanto do jogo espontâneo, livre, baseado na confiança que inspirem banqueiros e bicheiros).
Todos os biógrafos de João Batista fazem questão de lembrar que ele não foi banqueiro de bicho nem inventor desse jogo imaginoso. Certíssimo. Mas se fosse o inventor, que mal haveria nisso? A inteligência criadora não precisa arrepender-se de uma concepção que dá alegria, dinheiro, e esperança a muita gente, e que não é responsável pelos crimes derivados pela sua prática. Vamos amaldiçoar o vinho, vamos proibir a uva porque muitos bêbados se arruinaram e às suas famílias? Crimes e erros cometem-se à margem de qualquer instituição, respeitáveis ou anódinas, e não bastam para condená-las; elas devem ser julgadas em si. O jogo inocente, que conquistou a simpatia de toda população, merece pelo menos indulgência, em vez de ser julgado por um moralismo hipócrita, cuja defesa se associam veladamente à sua exploração.
Mas deixamos de lado os bichos do Barão, hoje espalhados sobre o território pátrio. João foi também partidário da Abolição, e deu exemplo em casa, alforriando os seus escravos.
Desculpem-me a modéstia de lembrar que hoje o meu ilustre primo-longe João Batista Viana Drummond, fundador da Vila Isabel de Noel Rosa e Marque Rabelo, está completando, lá no sem fim, 150 anos de nascimento. Ter um primo Barão cutuca a vaidade do clã. Os velhinhos da Rua de Santana se fossem eternos, esta hora estariam exclamando, embevecidos: