Para contar a história do Jardim Zoológico de Vila Isabel, publicamos o 28º artigo da série O Rio de Janeiro desaparecido, destacando três imagens – uma estereoscopia realizada pelo fotógrafo amador Guilherme Santos (1871 – 1966), em maio de 1913; uma fotografia realizada por Augusto Malta (1864-1957), em torno de 1920; e um registro feito, por volta de 1915, por um fotógrafo ainda não identificado.
Vamos também contar um pouco da história de seu criador, o empresário e abolicionista mineiro João Batista Viana Drummond (1825 – 1897), primeiro e único Barão de Drummond, nascido em 1º de maio de 1825, em Itabira. Era primo do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987), que escreveu uma crônica a seu respeito, publicada no Jornal do Brasil, de 1º de maio de 1975, transcrita ao final deste artigo.
O Barão de Drummond foi para o Rio de Janeiro com cerca de 20 anos e foi o administrador da Estrada de Ferro Dom Pedro II . Em 29 de julho de 1855, quando a princesa Isabel (1846 – 1921) completava 9 anos, foi realizada na quinta de dona Januária (1822 – 1901), irmã de dom Pedro II, a cerimônia de lançamento da pedra fundamental da Estrada de Ferro Pedro II com a presença do imperador (Diário do Rio de Janeiro, 30 de julho de 1855, primeira coluna). Foi a terceira ferrovia brasileira – as anteriores foram a Estrada de Ferro Mauá (1854) e a Estrada de Ferro do Recife ao Cabo (1858) – e sua construção está ligada às famílias Teixeira Leite e Ottoni, grandes produtoras de café da região de Vassouras, no estado do Rio. Foi da Estação da Estrada de Ferro Central do Brasil que saíram as três locomotivas que inauguraram a primeira sessão da Estrada de Ferro Pedro II, em 29 de março de 1858, pela manhã, quando a locomotiva Imperador levou dom Pedro II (1825 – 1891), sua corte e ministério até Pouso dos Queimados. As outras chamavam-se Brazil e Imperatriz (Correio Mercantil, 24 de março de 1858, terceira coluna; Correio Mercantil, 30 de março de 1858, segunda coluna; e Diário do Rio de Janeiro, 30 de março de 1858, segunda coluna). Antes das partidas das locomotivas, houve as bênçãos do bispo, a saudação de Christiano Benedicto Ottoni (1811 – 1896), diretor da Companhia da Estrada de Ferro Dom Pedro II, e uma resposta do imperador (Diário do Rio de Janeiro, 30 de março de 1858).
Drummond tornou-se amigo de dom Pedro II (1825 – 1891) e adquiriu, por 120 contos de réis, as terras da Imperial Quinta do Macaco, vale adjacente ao Morro dos Macacos, da Princesa Isabel. Em uma viagem a Paris, impressionou-se com a arquitetura da cidade e decidiu urbanizar a área, tendo inclusive aberto um boulevard. Fundou o bairro de Vila Isabel, em 3 de janeiro de 1872. Criou também o serviço de bonde que ligava a região de Vila Isabel à Praça da Constituição, atual Praça Tiradentes. Em 1874, foi presidente do Jockey Club.
Ele gostava muito de animais, tinha permissão para importá-los e decidiu criar um zoológico. Ao longo de 1887, foi noticiado o oferecimento de diversos animais para o futuro zoológico: um peixe elétrico do Pará; uma gralha, uma onça sussurana; capivaras, pacas, porquinhos da Índia, cachorros de mata virgem, uma tartaruga, corvos , macaco, cágados da Amazônia, e vários outros bichos (Jornal do Commercio, 25 de janeiro de 1887, penúltima coluna; 13 de fevereiro de 1887, quinta coluna; 17 de fevereiro de 1887, quinta coluna; 1º de março de 1887, sétima coluna; 20 de março de 1887, primeira coluna; 7 de abril, sexta coluna; 17 de abril, segunda coluna; 31 de maio de 1887, quinta coluna).
Foi organizada uma sociedade anônima para criar e manter o jardim zoológico semelhante aos que possuem todas as grandes capitais que solicitou ao governo ajuda no sentido de que os delegados nas províncias enviassem exemplares de nossa fauna, uma das mais ricas do mundo (Jornal do Commercio, 17 de setembro de 1887, terceira coluna; Cidade do Rio, 18 de novembro de 1887).
O Jardim Zoológico de Vila Isabel foi aberto em 6 de janeiro de 1888, mas sua inauguração oficial ocorreu em julho do mesmo ano.
No dia de sua abertura, o zoológico recebeu a visita de “809 pessoas a pé e 15 a cavalo”, um sucesso, tanto que a Companhia Ferro Carril Vila Isabel em vista da grande concurrência para o jardim passou a ter carros extraordinários todos os domingos (Gazeta de Notícias, 7 de janeiro de 1888, segunda coluna; 14 de janeiro de 1888, última coluna). Em 29 de janeiro, foi anunciado que estaria aberto todos os dias das 6 horas da manhã às 7 da tarde (Gazeta de Notícias, 29 de janeiro de 1888, quinta coluna). Dentre as atrações apresentadas, estavam duas seriemas doadas por Rui Barbosa (1849 – 1923) e uma lhama doada pela princesa Isabel (1846 – 1921), além de elefantes, girafas, tigres e outros animais. Havia também, no zoológico, muitas apresentações de bandas de música. Os filhos da princesa Isabel fizeram uma visita ao zoológico acompanhados de seu preceptor, Ramiz Galvão (1846 – 1938), em 8 de julho de 1888 (Gazeta de Notícias, 9 de julho de 1888, quarta coluna).
No dia 1° de julho de 1888, foi inaugurado o restaurante do Zoológico.
Neste mesmo ano, 1888, em 19 de agosto, Drummond recebeu o título de Barão.
“Ao comprar o ingresso de entrada para o Jardim Zoológico, o visitante passaria a receber um ticket. No bilhete estaria impressa a figura de um animal. Pendurada num poste a cerca de três metros de altura, próxima ao portão de entrada do parque, havia uma caixa de madeira. Dentro desta ficava escondida a gravura de um animal, escolhida pelo barão em uma lista de 25 bichos que ia de avestruz a vaca, passando por borboleta e jacaré. Nesse domingo, às cinco horas da tarde, a caixa seria aberta pela primeira vez, e o público presente poderia, afinal, descobrir o animal encaixotado e saber se teria direito ao prometido prêmio de 20$000, 20 vezes o valor gasto com a entrada para o zoo. Na hora marcada, o barão dirigiu-se até o poste, revelou a avestruz e fez a alegria de 23 sortudos visitantes”.
Felipe Magalhães,
A maior parte das versões sobre a motivação do Barão de Drummond para criar o jogo do bicho se refere ao corte da subvenção anual de dez contos de réis que o Governo Imperial fazia ao Jardim Zoológico. A República havia sido proclamada em 1889. Segundo Felipe Magalhães, a partir de uma pesquisa em documentos do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro:
“Numa petição enviada à Intendência Municipal da Capital Federal em 18 de setembro de 1890, o Barão de Drummond tinha a pretensão de transformar o Jardim zoológico em “Jardim de Aclimação não só de animais como de plantas exóticas e indígenas”… o Barão, argumentava que:
“Esta empresa (…) tem sido julgada por homens do país, eminentes na ciência como necessidade agradável e útil à Capital Federal, já pela concorrência à distração dos seus habitantes, como fonte indispensável de estudos para a mocidade; e que em outros países é largamente subvencionada pelos respectivos governos ou por eles criada e mantida, é apenas entre nós auxiliada com a diminuta soma de dez contos de réis anual.26 Apelando para o espírito público da Intendência Municipal, Drummond afirmava que o valor da subvenção anual não era suficiente para fazer face às despesas do zoológico. Afirmava ainda a incapacidade dos acionistas do empreendimento em reaver seus investimentos, pois o dinheiro percebido com as entradas somado aos dez contos de réis, não seria suficiente para sustentar os animais. Deste modo se dirigia mais uma vez aos representantes do povo no sentido de pedir um auxílio, não em forma de mais dinheiro público, mas na forma da exploração de jogos lícitos dentro do Jardim. Na parte final da petição, tem-se que: para consecução de tamanhos benefícios públicos a diretoria [do Jardim zoológico] recorre à ilustre Intendência Municipal da capital federal e pede:
I – Direito de estabelecer, pelo prazo de seu privilégio, jogos públicos, mediante módica contribuição, a fim de poder manter-se a empresa e grandemente desenvolver o estabelecimento Jardim Zoológico tornando-o um dos melhores do mundo.
II – Estes divertimentos, como existem em outros países, sob a imediata fiscalização da polícia, tornar-se-ão atrativos para o público.
III – Auxiliará o público o desenvolvimento de tão útil instituição, tendo como recreio jogos que, bem fiscalizados e moralizados resultaram em proveito da comunidade sem os incovenientes tão nefastos que acarretam, por exemplo, as loterias, os jogos de corridas, onde ele é tão defraudado, e a multiplicidade de casas de tavolagem que empestam esta cidade. […] Em um país novo como o nosso faz-se preciso que empresas como esta encontrem na pública administração a coragem para que possam vingar. Nestes termos a peticionária pede benévolo deferimento.
Rio, 18 de setembro de 1890 Barão de Drummond Diretor do Jardim”
O Jogo do Bicho fez muito sucesso, os bilhetes começaram a ser comercializados fora do zoológico e pessoas de todas as classes sociais participavam da disputa, cujo resultado passou a ser divulgado pelos jornais. O Jogo do Bicho é uma contravenção no Brasil (Decreto-lei 3.688, de 3 de outubro de 1941, artigo 58 da Lei de Contravenções Penais)
Ainda na década de 1890, o empreendimento enfrentou uma nova crise e o Barão de Drummond decidiu passar o negócio adiante. Após sua morte, em 7 de agosto de 1897 (Jornal do Commercio, 9 de agosto de 1897, sétima coluna), o zoológico foi assumido por seu sobrinho, Carlos Drummond Franklin, que investiu em infraestrutura para a realização de torneios atléticos. Em dezembro de 1939, após inúmeras crises, o Zoológico de Vila Isabel foi fechado (A Noite, 20 de dezembro de 1939; 23 de dezembro de 1939; Correio da Manhã, 23 de dezembro de 1939, primeira coluna; Diário de Notícias, 22 de março de 1940, terceira coluna).
Aniversário do Barão
Carlos Drummond de Andrade
“Na íngreme Rua de Santana, de Itabira, onde nasceu em primeiro de maio de 1825, o garoto João Batista, filho. De João Batista e de Maria do Carmo, ficou sendo, para toda gente, o Batistinha. Mas o diminutivo não lhe conviria no decorrer do tempo, e ao morrer no Rio de Janeiro em sete de Agosto de 1897, era Barão.
Entre uma data ou outra, João Batista fez coisas, muitas e determinadas de outras coisas, que influíram na vida de uma cidade, do Rio, e até no país. Não foi à toa que se ligou ao Mauá, em empreendimento como a estrada de ferro hoje chamada Central do Brasil. Seu espírito ávido de criação afastou-o cedo da Rua Santana e do pequeno meio paroquial, levando-o a Capital do Império. Na Corte, João Batista sentiu-se a vontade para planejar, fazer e acontecer.
Fez um bairro inteiro, onde havia o matagal da Fazenda do Macaco e onde hoje se refugiam os últimos traços do espírito genuinamente carioca: Vila Isabel. Abriu nele uma larga avenida, antecipadora das modernas vias de circulação urbana. E para que a vida nesse bairro não fosse uma sucessão escura de bocejos, presenteou-o com um parque de 300 mil metros quadrados, onde plantas e animais nativos e exóticos poderiam ser apreciados e se fariam estudos práticos de zoologia e zootécnica.
A certa altura, o jardim zoológico dava prejuízo. Teve que requer a ilustríssima Câmara Municipal (por que não são mais ilustríssimas é uma pena?) licença para estabelecer lá dentro jogos públicos sob fiscalização policial, a fim de honrar as despesas com a manutenção e desenvolvimento da iniciativa, nasceu ai o jogo do bicho, instituição nacional, trazida por um mexicano um tal Zevada, a principio mero atrativo para a freqüência do Zôo. Mas a coisa era tão bem bolada que acabou se espalhando fora dos portões do estabelecimento, e hoje cobre o país inteiro. João Batista não tem culpa nisso. Talvez seja mais correto dizer: Não tem glória nisso. Pois enfim, o jogo do bicho, rotulado de contravenção penal, é tão querido do povo e tão radicado como habito brasileiro, que o Governo se apresenta para oficializá-lo, sob o título de Zooteca. (Tirando-lhe possivelmente o encanto do jogo espontâneo, livre, baseado na confiança que inspirem banqueiros e bicheiros).
Todos os biógrafos de João Batista fazem questão de lembrar que ele não foi banqueiro de bicho nem inventor desse jogo imaginoso. Certíssimo. Mas se fosse o inventor, que mal haveria nisso? A inteligência criadora não precisa arrepender-se de uma concepção que dá alegria, dinheiro, e esperança a muita gente, e que não é responsável pelos crimes derivados pela sua prática. Vamos amaldiçoar o vinho, vamos proibir a uva porque muitos bêbados se arruinaram e às suas famílias? Crimes e erros cometem-se à margem de qualquer instituição, respeitáveis ou anódinas, e não bastam para condená-las; elas devem ser julgadas em si. O jogo inocente, que conquistou a simpatia de toda população, merece pelo menos indulgência, em vez de ser julgado por um moralismo hipócrita, cuja defesa se associam veladamente à sua exploração.
Mas deixamos de lado os bichos do Barão, hoje espalhados sobre o território pátrio. João foi também partidário da Abolição, e deu exemplo em casa, alforriando os seus escravos.
Desculpem-me a modéstia de lembrar que hoje o meu ilustre primo-longe João Batista Viana Drummond, fundador da Vila Isabel de Noel Rosa e Marque Rabelo, está completando, lá no sem fim, 150 anos de nascimento. Ter um primo Barão cutuca a vaidade do clã. Os velhinhos da Rua de Santana se fossem eternos, esta hora estariam exclamando, embevecidos:
-Sim Senhor Batistinha, hein? Como subiu!”
Jornal do Brasil, 1º de maio de 1975
Andrea C. T. Wanderley
Pesquisadora e editora da Brasiliana Fotográfica
Fontes:
MAGALHÃES, Felipe. E O RIO NÃO CIVILIZA-SE… O JARDIM ZOOLÓGICO E O JOGO DO BICHO NO RIO DE JANEIRO, 2009.
MAGALHÃES, Felipe. Ganhou, leva, o Jogo do Bicho no Rio de Janeiro (1890 – 1960), 2011. Rio de Janeiro : Editora FGV
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
Site Diário do Rio
WANDERLEY, Andrea C. T. Série “O Rio de Janeiro desaparecido” IX – Estrada de Ferro Central do Brasil: estação e trilhos in Brasiliana Fotográfica, 12 de novembro de 2019.
Links para os outros artigos da Série O Rio de Janeiro desaparecido
Série O Rio de Janeiro desaparecido I - Salas de cinema do Rio de Janeiro do início do século XX, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 26 de fevereiro de 2016.
Série O Rio de Janeiro desaparecido II – A Exposição Nacional de 1908 na Coleção Família Passos, de autoria de Carla Costa, historiadora do Museu da República, publicado na Brasiliana Fotográfica, em 5 de abril de 2018.
Série O Rio de Janeiro desaparecido V – O quiosque Chopp Berrante no Passeio Público, Ferrez, Malta e Charles Dunlop, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 20 de julho de 2018.
Série O Rio de Janeiro desaparecido VI – O primeiro Palácio da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de setembro de 2018.
Série O Rio de Janeiro desaparecido VII – O Morro de Santo Antônio na Casa de Oswaldo Cruz, de autoria de historiador Ricardo Augusto dos Santos da Casa de Oswaldo Cruz, publicado na Brasiliana Fotográfica em 5 de fevereiro de 2019.
Série O Rio de Janeiro desaparecido VIII – A demolição do Morro do Castelo, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 30 de abril de 2019.
Série O Rio de Janeiro desaparecido IX – Estrada de Ferro Central do Brasil: estação e trilhos, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de novembro de 2019.
Série O Rio de Janeiro desaparecido X – No Dia dos Namorados, um pouco da história do Pavilhão Mourisco em Botafogo, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de junho de 2020.
Série O Rio de Janeiro desaparecido XI – A Estrada de Ferro do Corcovado e o mirante Chapéu de Sol, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 22 de julho de 2021.
Série O Rio de Janeiro desaparecido XXIII e Avenidas e ruas do Brasil XVII - A Praia e a Rua do Russel, na Glória, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 15 de maio de 2023