Marc Ferrez e o cinema

No Dia do Cinema Brasileiro, a Brasiliana Fotográfica destaca o grande envolvimento de Marc Ferrez (1843 – 1923) com a indústria do cinema. Além de ter sido um fotógrafo extraordinário, esteve sempre ligado à modernidade e inovações de seu tempo, tendo chefiado, nas primeiras décadas do século XX, associado à Pathé francesa, a mais importante empresa de exibição, distribuição e produção de filmes do Rio de Janeiro.

 

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“Seu sonho foi sempre o cinematógrafo, estudou com afinco a primeira lanterna mágica e as diferentes fontes de luz. Muitos anos antes do Sr. Staffa abrir o Parisiense na Avenida Central, Marc Ferrez , à noite, quando não havia luz elétrica, em companhia do seu amigo, o Dr. Morize, atual diretor do Observatório, em sua casa na rua São José, 88, fazia experiências de luz oxi-etherica, luz oxydrica, de gás incandescente de petróleo com mechas concentradas fazendo também na ocasião as primeiras experiências com cinematógrafo com um aparelho Lumière e fitas de 10 e 20 metros como “A Chegada de Trem”, “O Jardineiro regando”, “Briga de galos”… Fabricava o oxigênio durante o dia e conservava-o em sacos enormes.

Depois, com a luz oxi-etherica e aparelho Gaumont bem primitivos vendia e ensinava a exibidores ambulantes que iam para o interior. O repertório era dos mais primitivos e todas as fitas de Lumière”

A Scena Muda, 25 de janeiro de 1923

 

 

Marc Ferrez foi um brilhante cronista visual das paisagens e dos costumes cariocas da segunda metade do século XIX e do início do século XX. Sua vasta e abrangente obra iconográfica se equipara a dos maiores nomes da fotografia do mundo. Estabeleceu-se como fotógrafo com a firma Marc Ferrez & Cia, em 1867, na rua São José, nº 96, e logo se tornou o mais importante profissional da área no Rio de Janeiro. Cerca de metade da produção fotográfica de Ferrez foi realizada na cidade e em seus arredores, onde registrou, além do patrimônio construído, a exuberância das paisagens naturais.

 

 

Breve histórico da chegada do cinema no Brasil

 

A primeira sessão pública de cinema no Brasil foi realizada, na Rua do Ouvidor, 57, em 8 de julho de 1896, às 14h, no Rio de Janeiro, em uma sala especialmente preparada para as projeções do omniógrafo. O invento foi descrito pelo Jornal do Commércio como um “aparelho que projeta sobre uma tela colocada ao fundo da sala diversos espetáculos e cenas animadas, por meio de uma série enorme de fotografias” (Jornal do Commercio, 9 de julho de 1896).

O Dia do Cinema Brasileiro é comemorado em 19 de junho, quando, em 1898, chegou ao Rio de Janeiro, vindo da Europa, o navio Paquebot Brésil. A bordo, encontrava-se o cinegrafista italiano Affonso Segreto (1875 – 1919), que retornava de uma viagem para comprar equipamentos de filmagens e conhecer novas técnicas cinematográficas em Nova York e em Paris, onde fez um curso na Pathé Films.

 

 

Antes de desembarcar no Rio de Janeiro, Affonso filmou com uma câmara Lumière a entrada da enseada da Baía de Guanabara, as fortalezas e os navios ancorados (Gazeta de Notícias, 20 de junho de 1898, segunda coluna). Teria sido a primeira fita de cinema realizada no Brasil. O acontecimento deu origem ao Dia do Cinema Brasileiro. Mas há uma polêmica em torno do pioneirismo de Segreto. Alguns estudiosos consideram o primeiro filme brasileiro Chegada em Petrópolis devido a uma notícia divulgada pela Gazeta de Petrópolis convidando para uma sessão do filme no dia 1º de maio de 1897, no Theatro Cassino de Petrópolis, organizada pelo napolitano Vittorio di Maio (1852 – 1926). Posteriormente, di Maio vendeu seu projetor e acervo para Paschoal Segreto. Também é de 1897 a vista Ancoradouro de pescadores na Baía de Guanabara, do pernambucano José Roberto Cunha Sales (1840- 1903), porém sua nacionalidade brasileira é contestada por historiadores que acreditam que o cinegrafista recortou o filme de uma vista estrangeira. Ancoradouro de pescadores na Baía de Guanabara está acervado no Arquivo Nacional.

 

 

 

Breve cronologia do envolvimento de Marc Ferrez com o cinema

 

 

c. 1897 – Em torno desse ano, Ferrez realizava experiências no campo da imagem com o engenheiro e astrônomo francês naturalizado brasileiro Henrique Morize (1860 – 1930), que foi diretor do Observatório Nacional entre 1908 e 1929 e o primeiro presidente da Academia Brasileira de Ciências, de 1916 a 1926; e com o capitão Augusto Tasso Fragoso (1869 – 1945), positivista convicto e futuro general (Palcos e Telas, 8 de abril de 1920A Scena Muda, 25 de janeiro de 1923).

1902 – No Clube Militar, Ferrez e Morize realizaram uma projeção por lanterna de fotografias de canhões e projéteis durante uma conferência ministrada pelo capitão Augusto Tasso Fragoso.

 

 

1904 – O filho de Marc, Julio Ferrez (1881 – 1946), era estudante da Academia de Belas Artes. Pai e filho fizeram, durante a conferência de encerramento do curso de História da Arte do Pedagogium, uma projeção de algumas imagens de obras de arte por meio de lanterna. Algumas das obras projetadas foram a Batalha  do Avaí, de Pedro Américo (1843 – 1905), e Primeira missa no Brasil, de Victor Meirelles (1832 – 1903).

1905 – Com seu filho Julio, Marc obteve a representação da firma francesa Pathé Frères no Brasil. A firma era a maior e melhor fábrica de aparelhos e filmes cinematográficos da Europa.

 

 

 

No catálogo ilustrado da Casa Ferrez intitulado Machinas e accessórios para photographia, productos chimicos, etc,  a invenção do cinematógrafo era definida como sendo “a reprodução exata de todos os movimentos e cenas animadas que se desenrolam sob nossas vistas”. Ainda na publicação Ferrez analisou a potencialidade do cinema como negócio: 

“…não há ramo algum de exibição suscetível de dar maiores lucros do que a cinematografia e, mediante pequeno emprego de capital, pode-se montar uma empresa para a exploração das cidades e centros do interior dos nossos estados”.

Em junho, Ferrez realizou uma projeção cinematográfica nas festas em homenagem a São Luiz Gonzaga, no Colégio Diocesano São José.

No final do ano , a Casa Marc Ferrez & Filhos passou a ser a fornecedora exclusiva do cinematógrafo ao ar livre Passeio Público, que existiu entre em 28 de outubro de 1905 e 2 de novembro de 1906, e pertencia ao português Arnaldo Gomes de Souza e ao italiano Vittorio di Maio (1852 – 1926). Passou também a distribuir filmes para outros cinematógrafos ambulantes do Rio de Janeiro.

 

 

1906 - Foi publicado um anúncio da Photographia Cinematographica, de Marc Ferrez, anunciando “um imenso sortimento de material para profissionais e amadores a “preços vantajosos”. Também anunciava a “remessa de catálogos” (Jornal do Recife, 29 de março de 1906, na última coluna).

1907 – Julio Ferrez firmou um contrato com a Maison Pathé-Frères, de Paris, para o fornecimento de filmes e de equipamentos para montagem de salas de cinema (Jornal do Brasil, 15 de agosto de 1907, na terceira coluna).

 

 

Ferrez, que havia conhecido em Paris as fotografias animadas dos irmãos Lumière, decidiu investir na novidade. Apoiado pelos filhos, inaugurou , em 18 de setembro 1907, o Cinematographo Pathé, na então novíssima Avenida Central, nos prédios de número 147 e 149, que arrendou em sociedade com Arnaldo Gomes de Souza.Em sua propaganda de estreia, anunciava “projeções animadas perfeitas, interessantes e maravilhosas” (Jornal do Brasil, 18 de setembro de 1907, no pé da página; Gazeta de Notícias, 18 de setembro de 1907, nas sexta e sétima colunas).

 

 

 

Foi o terceiro cinema do Rio de Janeiro. O primeiro cinema carioca foi o Chic, inaugurado em 1º de agosto de 1907, na Avenida Central, 173 – funcionou até 1908. Em 9 de agosto, foi aberto o segundo, o Cinematographo Central Pariziensede Jacomo Rosario Staffa (c. 1867 – 1927), na Avenida Central nº 179, e funcionou durante 47 anos, até 7 de fevereiro de 1954.

A firma de Arnaldo e Ferrez chamava-se Arnaldo & Cia, omitindo a participação de Ferrez, porque Charles Pathé (1863 – 1957), um dos proprietários da Pathé Frères, proibia que seus distribuidores e representantes possuíssem cinematógrafos. A sociedade foi desfeita em 1911.

 

 

 

 

Os filmes nas primeiras décadas do cinema eram curtos e um dos artifícios usados para atrair o público para as salas de cinema era a exibição de uma programação complementar. A projeção em lanterna de imagens fotográficas, acompanhadas de cartelas com avisos era um deles.

 

 

Em primeiro de outubro de 1907, foi criada a firma Marc Ferrez & Filhos. Ferrez era dono de 60% das ações, cabendo a Luciano e a Julio 20% do negócio. A empresa Marc Ferrez & C não deixou de existir. Em seu nome eram feitas as importações de material fotográfico enquanto a nova empresa era responsável pelas importações de material para cinema.

 

 

1908 – Ferrez embarcou para a Europa no navio Chili. Estavam também a bordo os artistas premiados da Academia de Belas Artes Timotheo da Costa (1882 – 1922) e Carlos Chambelland (1884 – 1950) (Jornal do Brasil, 9 de janeiro de 1908, segunda coluna), tendo visitado a fábrica da Pathé e negociado a forma de distribuição exclusiva da empresa no Brasil. Retornou em 30 de março a bordo do paquete francês Cordillere (Jornal do Brasil, 31 de março de 1908, na sexta coluna).

Em abril, foi assinado um contrato entre Marc Ferrez & Filhos e a Associação Geral de Auxílios Mútuos da Estrada de Ferro Central do Brasil. Eram fornecidas fitas para o cinematógrafo beneficente da Associação, cujos programas diários consistiam da apresentação de música ao vivo, dirigida pelo maestro Mussuringo, com a exibição de fitas como Da Barra a Juiz de Fora e Margem do Rio das Velhas, produzidas por Ferrez (Correio da Manhã, 8 de abril de 1908, quinta coluna).

Também em abril, foi assinado um contrato de fornecimento de filmes a Paschoal Segreto (1868 – 1920), o ministro das diversões, pela firma Marc Ferrez & Filhos. Segreto receberia as mesmas fitas do cinema Pathé e poderia exibi-las em todos os seus estabelecimentos, exceto no Pavilhão Internacional, vizinho ao Cinema Pathé, na Avenida Central. Porém, Ferrez começou a distribuir filmes para outros cinematógrafos e Segreto entrou na Justiça alegando quebra de contrato.

Ferrez e Arnaldo Gomes de Souza produziram o filme, Nhô Anastácio chegou de viagem, dirigido por Julio Ferrez, lançado em junho. É considerada a primeira comédia cinematográfica brasileira e foi estrelada por Antônio Cataldi, José Gonçalves Leonardo e Ismênia Matteo. Ferrez produziu o curta-metragem A mala sinistra, lançado em outubro de 1908, também dirigido por seu filho Julio, sobre o assassinato do empresário Elias Farhar, ocorrido em São Paulo, cerca de um mês antes, que ficou conhecido como o Crime da Mala. O sócio de Farhar, Michel Trad , o matou e escondeu o corpo em uma mala.

 

 

A sociedade de Ferrez com Arnaldo Gomes de Souza foi denunciada pelo concorrente de Ferrez, o calabrês Jácomo Rosário Staffa (c. 1867 – 1927), proprietário do Grande Cinematographo Pariziense. Lembramos aqui que Charles Pathé (1863 – 1957), um dos proprietários da Pathé Frères, proibia que seus distribuidores e representantes possuíssem cinematógrafos e Ferrez era um de seus representantes. Staffa também denunciou os altos preços das fitas. Em carta datada de 29 de agosto, Charles Pathé exigia explicações. Com habilidade, Pathé superou as divergências tendo mantido a representação da Pathé Frères e o fornecimento de filmes para Staffa.

O primeiro aniversário do Cinema Pathé foi comemorado com uma reforma, uma programação “divertida” e uma ceia (Fon-Fon26 de setembro de 1908).

Ao longo de 1908, foi publicado várias vezes um anúncio da venda de cinematógrafos na sucursal da firma Marc Ferrez & Filhos em São Paulo, o Bijou-Theatre, do empresário espanhol Francisco Serrador (1872-1941) (O Commercio de São Paulo, 15 de fevereiro de 1908, na primeira coluna).

 

 

1910 –  A Pathé Frères anuncia em propaganda da Marc Ferrez & Filhos a cinematografia do invisível e também se aponta como a única fábrica que apresenta vista em cores de modo constante.

 

 

 

 

Às terças-feiras, “dia da moda” nos cinematógrafos, o Cinema Pathé era frequentado pelas senhoras da sociedade carioca (Gazeta de Notícias, 19 de fevereiro de 1910).

José Ignácio Guedes Pereira Filho comunicou que havia firmado um contrato com a firma Marc Ferrez & Filhos para fornecimento durante um ano de fitas cinematográficas da Pathé Frères (A Província, 27 de março de 1910, na primeira coluna).

A firma Marc Ferrez & Filhos negou que a empresa do Iris Cinema recebia diretamente da Pathé Frères de Paris material cinematográfico para venda, já que os Ferrez eram seus representantes exclusivos e que em São Paulo sua sucursal era o Bijou-Theatre, do empresário Francisco Serrador (Correio Paulistano, 2 de maio de 1910, na segunda coluna, sob o título “Secção Livre”).

Para celebrar os três anos do Cinema Pathé, toda a renda do estabelecimento do dia do aniversário foi oferecida para a construção do couraçado Riachuelo e a festa foi dedicada ao almirante Alexandrino (1848 – 1926) (ABC, 17 de setembro de 1910). Lembramos aqui que desde 1870, nos versos dos cartões de montagem e fotografias de Ferrez estava inscrito “Marc Ferrez. Fotógrafo da Marinha Imperial e das construções navais do Rio de Janeiro”. Provavelmente a nomeação de Ferrez como fotógrafo oficial da Marinha relacionava-se com o lançamento do Plano para a Organização da Força Naval do Império que previa a renovação da frota com embarcações de diversos tipos, o que aconteceu nas décadas de 1870 e 1880.

 

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Interior do Cinema Pathé

 

1911 - Em junho, Ferrez e seus filhos se associam a Amadeu Peixoto de Macedo, Antônio Guimarães, Hamilton de Souza, Joaquim de Mello Franco e Oscar Pragana, e criam a firma Julio, Pragana & Cia, que passa a administrar o cinema Chantecler, no Rio de Janeiro. A sociedade tem curta duração.

Os proprietários de cinemas, liderados por Marc Ferrez, seu sócio, Arnaldo Gomes de Souza; e Zambelli, dono do Odeon, criam uma comissão para defender os interesses da classe diante do estabelecimento de novos impostos para as salas de cinema do Distrito Federal.

Foi sancionado, em 30 de dezembro, pelo presidente da República, Hermes da Fonseca (1855 – 1923), o aumento dos impostos para a importação de filmes proposto pelo Congresso Nacional. O aumento inviabilizou os acordos entre Ferrez e a Pathé.

1912 – Ferrez partiu para a França para renegociar com a Pathé e um novo acordo foi assinado em 20 de fevereiro.

Em julho, a Marc Ferrez & Filhos subscreveu o maior lote de ações lançado pela Companhia Cinematográfica Brasileira (CCB), de Francisco Serrador, fundada em 1911. Os Ferrez passaram a ser a sucursal da CCB no Rio de Janeiro. Além disso, venderam seu estoque de filmes à empresa e passaram a ser seus únicos fornecedores de filmes.

Ferrez introduziu no Brasil os autocromos, processo fotográfico colorido desenvolvido pelos irmãos Lumière.

 

 

A Casa Marc Ferrez & Filhos passou a funcionar na rua São José 112 e o Cinema Pathé transferiu-se para o número 116 da avenida Central.

 

 

1913 – Na Europa, como representante do CCB assina um contrato de distribuição de filmes com a Gaumont.

1915 – A guerra afetou o fornecimento de filmes europeu para o Brasil. Os Ferrez se desentenderam com Francisco Serrador e deixaram a Companhia Cinematográfica Brasileira. Eles também perderam a representação da Gaumont.

A Casa Marc Ferrez & Filhos mudou-se para a Rua da Quitanda, 67 (Almanak Laemmert , 1916).

1916 – Anúncio da “Casa Marc Ferrez & Filhos – Emilio Brondi & C., importadores de máquinas cinematográficas”, além de outros produtos (A Noite, 13 de janeiro de 1916, na penúltima coluna).

Em fevereiro, Julio e Luciano Ferrez encerraram a disputa com Francisco Serrador, assinando a escritura de rescisão de contrato com a Companhia Cinematográfica Brasileira.

Em uma reportagem sobre a falência dos cinemas no Rio de Janeiro, o Cinema Pathé, de Marc Ferrez, foi mencionado como deficitário “(A Notícia, 29 de fevereiro de 1916, sob o título “A falência dos cinemas”). A Casa Marc Ferrez & Filhos negou a crise dos cinemas (A Província, 27 de março de 1916).

Os Ferrez defendem o cinema europeu acreditando que os filmes norte-americanos não fariam sucesso no Brasil, ponto de vista que vai, com o tempo, se provar errado.

O negócio do cinema foi fortemente impactado pela Primeira Guerra Mundial

Marc Ferrez segue na França trabalhando como representante da empresa familiar. As decisões sobre os negócios são de seus filhos. Ele atua como conselheiro. “Meu papel é passivo. Ver os filmes, fazer as encomendas, executar suas ordens de filmes suplementares e me ocupar dos pagamentos” (Carta de Ferrez a seus filhos, enviadas de Paris, 11 de dezembro de 1916).

1917 – A fábrica da Pathé, instalada em Vincennes, passa a abrigar também os escritórios da empresa, para onde Marc viaja todas as quartas-feiras para ver os filmes.

Devido ao ingresso dos Estados Unidos na guerra, o tráfego pelo Oceano Atlântico torna-se perigoso e os navios não anunciam suas datas de partida, prejudicando o envio dos filmes e de materiais para o Brasil.

Seus filhos, Julio e Luciano, fundaram a Companhia Cinematográfica Brasileira, mais tarde denominada Casa Marc Ferrez Cinemas e Eletricidade Ltda.

 

 

1919 – Julio Ferrez foi um dos fundadores da União dos Importadores Cinematográficos no Brasil (O Imparcial, 8 de dezembro de 1919, na segunda coluna). Foi o primeiro tesoureiro da associação, cujo primeiro presidente foi o empresário Francisco Serrador.

 

 

Os Ferrez tornaram-se sócios da Pathé Exchange, de Nova York.

Em 15 de dezembro de 1919 , Marc Ferrez participou da cerimônia de recepção, na recém criada categoria Aplicação das ciências à indústria da Academia Francesa de Ciências, de seu amigo Louis Lumière (1864 – 1948) que, com o irmão Auguste Lumière (1862 – 1954), havia inventado o cinematógrafo, em 1895 (Academia Francesa de Ciências e Palcos e Telas, 8 de abril de 1920).

Na edição de 8 de abril de 1920 da revista Palcos e Telas Marc, Julio e Luciano Ferrez foram biografados na seção “Grandes figuras da cinematografia”.  Nessa matéria, o envenenamento por um escravo foi apontado como a causa de morte dos pais de Marc Ferrez.

 

 

1920 - Participou, em fevereiro, no Palais d´Orsay, em Paris, do banquete oferecido pelas câmaras sindicais e associações de fotógrafos e cinematografistas a Louis Lumière. A homenagem teve cerca de 500 convidados, dentre eles Andre Honnorat (1868 – 1950), ministro da Instrução Pública e das Belas Artes; e de representantes do governo francês. Celebrava, além do ingresso de Lumière na categoria Aplicação das ciências à indústria da Academia Francesa de Ciências – criada no ano anterior -, os 25 anos do invento do cinema. Um dos oradores da noite foi Romain Coolus, presidente da Sociedade dos Autores Dramáticos, que em seu discurso afirmou que a invenção de Lumière trouxe para os humildes uma alegria inédita (Ciné pour tous, 28 de fevereiro de 1920, pág. 2; O Jornal, 28 de março de 1920, penúltima coluna).

 

 

 

Ferrez voltou para o Brasil.

Anunciam-se como representantes da Pathé Exchange Inc. de Nova York. Comercializam filmes Kodak.

1921 - De volta a Paris, Marc continua assistindo e indicando os filmes que considera com mais potencial comercial para o Brasil.

Foram publicados dados estatísticos da indústria cinematográfica no Brasil no primeiro semestre de 1921. Em número de filmes, a firma Marc Ferrez  & Filhos representava 3,9% (Para Todos, 13 de agosto de 1921). Na mesma revista, em 8 de julho de 1922, foram publicados os dados estatísticos do primeiro semestre de 1922.

Em outubro, inauguração da sede própria da empresa Marc Ferrez & Filhos na Rua da Quitanda, 21. Os filmes são armazenados no pátio, em um depósito de cimento armado, à prova de incêndios.

 

A empresa dos Ferrez continua produzindo filmes de atualidades que são exibidos em seus cinemas e também vendidos a distribuidores estrangeiros. Estes filmes são encomendados ao cineasta Alberto Botelho (1885-1973), parceiro e amigo de Julio Ferrez.

 

1922 – Em março, Marc recebeu, em Paris, a visita de seu amigo, o cientista Henrique Morize, em viagem para Europa em missão oficial do Observatório Nacional.

Em matéria publicada em O Malho, 27 de maio de 1922 sobre a indústria cinematográfica, Marc Ferrez & Filhos foram citados como uma firma que fez fortuna atuando no setor.

A Casa Marc Ferrez firmou contratos com importantes empresas cinematográficas dos Estados Unidos (O Jornal, 17 de junho de 1922, na quarta coluna).

Marc Ferrez embarcou no navio Lutetia, em Bordeaux, de volta ao Brasil, em 31 de julho, e chegou ao Rio de Janeiro, em 14 de agosto. O navio fez escala em Boulogne-sur-mer, Vigo e Lisboa. Também viajaram no Lutecia o inventor Alberto Santos Dumont (1873 – 1932), o presidente do Jockey Clube, Linneu de Paula Machado (1880 – 1942); Arnaldo Guinle (1884 – 1963), presidente do Fluminense S.C.; o médico Paulo de Figueiredo Parreiras Horta (1884 – 1961) e os Oito Batutas, grupo musical formado, entre outros, por Pixinguinha (1897 – 1973) e Donga (1890 – 1974) (O Paiz, 15 de agosto de 1922, página 3 e página 4).

1923 - Marc Ferrez faleceu em 12 de janeiro de 1923, no Rio de Janeiro. No periódico A Scena Muda, 25 de janeiro de 1923, foi publicado um perfil de Ferrez, no qual sua morte foi atribuída a uma enfermidade que ele havia contraído devido ao uso do colódio. Na mesma matéria, foram mencionadas as experiências que fazia com seu amigo, o engenheiro e astrônomo Dr. Henrique Morize, em sua casa na rua São José, 88, com “luz oxi-etherica, luz oxydrica, de gás incandescente de petróleo com mechas concentradas fazendo também na ocasião as primeiras experiências com cinematógrafo com um aparelho Lumière e fitas de 10 e 20 metros…”. Na matéria da Para Todos de janeiro de 1923, o caráter de Ferrez foi exaltado: “A perfeita correção do velho comerciante, sua intransigente  honradez, a lisura dos seus processos o tornaram sempre uma figura de destaque nos meios cinematográficos”.

1928 – Após a morte do fotógrafo, a Casa Marc Ferrez inaugurou, na Cinelândia, o Pathé Palace, em de abril de 1928, com a exibição de uma extensa programação, que incluía o filme Paga para amar (O Paizde 18 de março, na primeira colunade 23 de março, na terceira coluna; e de 9 e 10 de abril de 1928).

 

Acesse aqui a Agenda Pathé Frères, um dos Cadernos de Marc Ferrez.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

Cadernos de Marc Ferrez – Site do Instituto Moreira Salles

CERON, Ileana Pradilla Ceron. Marc Ferrez – uma cronologia da vida e da obra. São Paulo : Instituto Moreira Salles, 2018.

FERREZ, Gilberto. O Rio Antigo do fotógrafo Marc Ferrez: paisagens e tipos humanos do Rio de Janeiro, 1865-1918. Rio de Janeiro: João Fortes Engenharia/Editora Ex-Libris, 1984.

FERREZ, Gilberto. Os irmãos Ferrez da Missão Artística Francesa. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1968.

GONZAGA, Alice. Palácios e Poeiras: 100 anos de cinema no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Record, 1996.

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

KOSSOY, Boris. Dicionário histórico-fotográfico brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002. 408 p., il. p&b.

Rio / Marc Ferrez – São Paulo : IMS; Göttingen: Steidl, 2015

Site Filmow

Site IMDB

SOUZA, José Inácio de Melo. Imagens do Passado: São Paulo e Rio de Janeiro nos primórdios do cinema. São Paulo. Senac, 2004

TURAZZI, Maria Inez. Cronologia. In O Brasil de Marc Ferrez – São Paulo : Instituto Moreira Salles, 2005.

TURAZZI, Maria Inez. Literatura fotográfica e estudos biográficos: algumas reflexões em torno da obra do fotógrafo Marc Ferrez. In: Boletim do Centro de Pesquisa de Arte e Fotografia da Escola de Comunicação e Artes da USP. São Paulo, n°2, 2007.

WANDERLEY, Andrea C. T. O brilhante cronista visual Marc Ferrez (RJ, 07/12/1843 – RJ, 12/01/1923) in Brasiliana Fotográfica, 7 de dezembro de 2016.

No Dia dos Namorados, fotos de casais produzidas por Chichico Alkmim (1886 – 1978)

Para celebrar o Dia dos Namorados, a Brasiliana Fotográfica destaca duas imagens produzidas, na década de 1920, pelo mineiro Chichico Alkmim (1886 – 1978),  o cronista visual de Diamantina. Uma delas é do próprio fotógrafo ao lado de sua mulher, Miquita, com quem casou-se em 14 de junho de 1913. É muito raro um sinal de enamoramento explícito em fotos de casais nesta época. Os pares estão quase sempre muito sérios e compenetrados. O que as imagens revelam, em maior ou menor grau, é afeto, cumplicidade e companheirismo.

 

 

As duas fotografias em destaque neste artigo foram realizadas no ateliê definitivo de Chichico, no beco João Pinto, 86, na parte alta da cidade, para onde se transferiu, em 9 de outubro de 1919 – seu primeiro ateliê havia sido inaugurado em 1912.

 

 

Seu laboratório fotográfico ficava no nível da rua e o segundo andar abrigava seu estúdio. Possuía uma ampla janela envidraçada em uma das paredes e claraboia; sobre ambas, um cortinado leve, deslizante graças a um sistema de cordas, compondo um mecanismo de controle da luz natural; na parede ao fundo, uma viga de madeira serve como suporte para os painéis pintados com paisagens viçosas e motivos arquitetônicos de gosto classicizante; algum mobiliário – cadeiras, pequenas mesas, apoios para jarros, tapetes, cortina – ajuda a compor os cenários (Eucanaã Ferraz).

Chichico Alkmim, nascido em 28 de março de 1886, na fazenda do Sítio, município de Bocaiuva, foi autodidata e pioneiro da fotografia de estúdio em Diamantina. Atuou na profissão, que adotou em 1907, até 1955.  Com um perfeito domínio técnico da fotografia, os registros de Chichico traduzem um olhar sensível e atento ao mundo em que viveu. Sua obra, que compreende imagens da arquitetura diamantinense, sua religiosidade, costumes, ritos e retratos de seus habitantes, é uma das principais referências da memória visual de Minas Gerais. Retratou a burguesia e também os trabalhadores ligados ao pequeno garimpo, ao comércio e à indústria. Produziu imagens de casamentos, batizados, funerais, festas populares e religiosas, paisagens e cenas de rua. De 1955, quando parou de fotografar, até 22 de agosto de 1978, quando faleceu, continuou cuidando de seu acervo, que guardava no porão de sua casa. Em 2015, o acervo de Chichiko Alkmim passou, em regime de comodato, a integrar o acervo de fotografias do Instituto Moreira Salles, uma das instituições fundadoras da Brasiliana Fotográfica. Em 2015, o acervo de Chichiko Alkmim passou, em regime de comodato, a integrar o acervo de fotografias do Instituto Moreira Salles, uma das instituições fundadoras da Brasiliana Fotográfica.

 

Acessando o link para as imagens produzidas por Chichico Alkmim disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Acesse aqui a Cronologia de Chichico Alkmim (1886 – 1978)

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Outros artigos publicados na Brasiliana Fotográfica no Dia dos Namorados

Fotografia e namoro, publicado em 12 de junho de 2018, escrito por Élvia Bezerra, então Coordenadora de Literatura do Insituto Moreira Salles

Série “O Rio de Janeiro desaparecido” X – No Dia dos Namorados, um pouco da história do Pavilhão Mourisco em Botafogo, publicado em 12 de junho de 2020, escrito por Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica.

No Dia dos Namorados, o álbum “Vistas de Petrópolis” e o fotógrafo alemão Pedro Hees (1841-1880), publicado em 12 de junho de 2023, escrito por Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica.

Série “Feministas, graças a Deus!” XVIII – Júlia Lopes de Almeida (1862 – 1934), a “escritora da Belle Époque tropical”

A escritora, jornalista, iluminista, abolicionista, defensora da educação e das ideias feministas, Júlia Lopes de Almeida (1862 – 1934), é o destaque da 18ª publicação da série Feministas, graças a Deus!. Carioca, nasceu em 24 de setembro de 1862, na Rua do Lavradio, 53, filha do médico Valentim José da Silveira Lopes, mais tarde Visconde de São Valentim, e de Adelina Pereira Lopes, imigrantes portugueses que haviam exercido o magistério em Portugal. Foi autora de inúmeros  romances e contos, tendo também escrito para teatro e colaborado em diversas publicações. Foi aclamada pelo público e pela crítica literária, considerada uma figura excepcional em nossas letras. Na virada do século XIX para o século XX, era considerada a escritora mais importante do Brasil, e foi apontada como a maior romancista da geração de escritores que sucedeu a Machado de Assis e precedeu a eclosão do movimento modernista. Com sua produção literária e em suas ações concretas, Júlia realizou o feminismo possível dentro das limitações de sua época e do meio social em que viveu. Condenava a supremacia masculina, defendia o direito ao voto para as mulheres e combatia a exploração no trabalho, a escravidão e as violências sexuais contras mulheres. Faleceu em maio de 1934.

 

 

Segundo Vanina Eisenhart, em Primeira-Dama Tropical: a cidade e o corpo feminino na ficção de Júlia Lopes de Almeida:

” Júlia Lopes de Almeida …, utilizando os modelos convencionais masculinos, apresenta uma ficção feminina que reúne os movimentos literários e ideologias sociais e científicas de sua época adaptando-as a um feminismo que não é confrontante com os padrões vigentes, mas também certamente não se enquadra nos ‘bastidores’ do patriarcado brasileiro”

 

 

 

“Por que não o hei de enganar do mesmo modo? Em consciência, não há homens nem mulheres: há seres com iguais direitos naturais, mesmas fraquezas e iguais responsabilidades…Mas não há meio dos homens admitirem semelhantes verdades. Eles teceram a sociedade com malhas de dois tamanhos – grandes para eles, para que seus pecados e faltas saiam e entrem sem deixar sinais; e extremamente miudinhas para nós.”

Júlia Lopes de Almeida, em Eles e elas. 2ª ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1922, p. 137.

 

A família de Júlia veio para o Brasil na década de 1850. Seus pais estabeleceram um pequeno colégio em Macaé. Em 1860, o casal e seus filhos foram para o Rio de Janeiro fundando o Colégio de Humanidades, transferindo-o poucos anos depois para Nova Friburgo, onde Júlia passou os primeiros cinco, seis anos de sua vida. O pai de Júlia, Valentim, foi fazer o curso de Medicina na Alemanha, deixando o colégio sob a responsabilidade da esposa, que era formada em canto, composição e piano. Valentim retornou ao Brasil em 1867 e por cerca de três anos exerceu o cargo de médico substituto do Hospital da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro. Entre 1869 e 1885, Júlia viveu com sua família em Campinas, onde seu pai inaugurou a Casa de Saúde do Senhor Bom Jesus, da qual era proprietário. A casa da família agregava a intelectualidade da cidade. Em 1875, Júlia foi pela primeira vez a Portugal.

Em 7 de dezembro de 1881, seu primeiro artigo, Gemma Cuniberti, sobre a atriz italiana que dá nome ao texto, foi publicado na Gazeta de Campinas.

“A elegância desse texto inaugural estampado na primeira página da Gazeta de 8 de dezembro de 1881, realçada pela utilização de um vocabulário desusadamente simples e direto, foram suficientes para abrirlhe o caminho para colaborações regulares naquelejornal. Seguem-se, ao longo de 1882 e 1883, três dúzias de artigos, liberados à média de dois por mês, que bastaram para consagrá-la como prosadora. O ano de 1884 marca uma inovação importante: aqueles primeiros textos, leves e concisos, dão lugar a uma série de artigos mensais, numerados seqüencialmente de 1 a VI, que aparecem sob a epígrafe ‘Leitura Popula?’, com o subtítulo “As Nossas Casas”. Neles é abordada a problemática cotidiana da dona-de-casa, da conservação da roupa branca aos cuidados específicos para a realização de bordados”. 

Leonora de Luca (1997)

 

Em 1884, estreou como cronista do jornal O Paiz, um dos mais importantes do Rio de Janeiro e durante cerca de 30 anos sua coluna abordou diversos assuntos, entre os quais se destacaram os relacionados à defesa da mulher.

Publicou seu primeiro livro, Contos Infantis, em 1886. Escrito em parceria com sua irmã, Adelina Lopes Vieira (1850 – 1923), reunia 33 textos em verso e 27 em prosa destinados às crianças. Em 1891, por decisão da Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária da Capital Federal, este livro foi adotado para uso nas escolas primárias do Rio de Janeiro e depois para as de todo o Brasil durante mais de 20 anos.

Em 1887, em Portugal, publicou Traços e Iluminuras, seu primeiro livro de contos, e se casou, em Lisboa, em 28 de novembro de 1887, com o escritor português Filinto de Almeida (1857 – 1945). Na época, Filinto era diretor da revista A Semana. O casal teve os filhos Afonso (1888-), Adriano, Valentina, Albano (1894-), Margarida (1896-) e Lúcia (1897-). Júlia passou a colaborar em diversos jornais e almanaques, tanto do Brasil como em Portugal. No ano seguinte, o casal voltou para o Brasil, fixando residência no Rio de Janeiro. Em 1889 , transferiram-se para São Paulo, onde Filinto foi dirigir o jornal A Província de São Paulo. Voltaram para o Rio de Janeiro, em 1895, após a morte dos filhos Adriano e Valentina. Foram morar em Santa Teresa.

Júlia participou das primeiras reuniões para a fundação da Academia Brasileira de Letras (ABL) e seu nome constava da primeira lista extraoficial dos 40 “imortais”, elaborada por Lúcio de Mendonça (1854 – 1909), conforme publicado no jornal O Estado de São Paulo, de 12 de dezembro de 1896.

 

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                                                                  O Estado de São Paulo, 12 de dezembro de 1896

 

Apesar de sua importância na literatura, chamada muitas vezes de “Rainha das escritoras”, Júlia não pode integrar os quadros da entidade, fundada em 20 de julho de 1897, uma vez que, seguindo o modelo da Academia Francesa, a ABL optou por ser exclusivamente masculina. Júlia foi substituída por seu marido, Filinto de Almeida, fundador da cadeira nº 3, que chegou a ser considerado “acadêmico consorte”.

 

 

“Em que pese a inexistência de registros oficiais acerca dos bastidores dessa valsa das cadeiras, o episódio nos possibilita inferir que, se, por um lado, a arbitrariedade da decisão não arrefeceu o vigor criativo de Júlia Lopes de Almeida, haja vista a forma regular com que continuou a produzir e a publicar seus escritos, por outro, deixou evidente sua posição em falso no ainda incipiente campo literário brasileiro, uma vez que o considerável prestígio que desfrutava entre seus pares não se mostrara suficiente, a ponto de assegurar sua presença no seleto rol dos imortais. Estávamos, pois, diante não apenas da primeira lacuna institucional feminina na ABL, mas de um acontecimento ilustrativo das forças sociais que, ocultamente, operavam na fabricação do cânon literário, eclipsando o protagonismo das mulheres que tencionavam fazer da pena um ofício”.

Michele Asmar Fanini

 

Somente oito décadas após sua criação uma mulher foi eleita para integrar a Academia Brasileira de Letras: a escritora cearense Rachel de Queiroz  (1910 – 2003), em 4 de novembro de 1977, passou a ocupar a cadeira nº 5 da instituição. Em 1996, a escritora Nélida Piñon (1937 – 2022) foi eleita a primeira mulher presidente da ABL.

 

 

Em 1905, Júlia tornou-se uma das poucas mulheres a participar da série de conferências inauguradas por Coelho Neto (1864 – 1934) e Olavo Bilac (1865 – 1918), motivando polêmicas a respeito do papel da mulher na arcaica sociedade brasileira.

Na casa do casal Filinto e Júlia, em Santa Teresa, segundo João do Rio um “cottage admirável, construído entre as árvores seculares da estrada de Santa Teresa” (Gazeta de Notícias, 25 de março de 1905, primeira coluna) eles eram os anfitriões do Salão Verde, situado no terraço da residência, local frequentado pelos artistas e intelectuais da época, tanto brasileiros quanto estrangeiros, entre os primeiros anos do século XX até 1925, quando se mudaram para Paris. No Salão Verde eram realizados tertúlias e saraus. Como as mulheres escritoras não eram convidadas para as reuniões literárias realizadas em cafés e confeitarias, Júlia encontrou como saída criar um espaço alternativo, fundando um espaço literário, tornando-se anfitriã e, assim, facilitando sua presença no universo da literatura, ainda preponderantemente masculino. Foi considerada, segundo Hilda Machado, a sucessora brasileira da francesa Madame de Staël (1766 – 1817). “Talvez por se tratar de “espaço[s] semipúblico[s], situado[s] entre a casa e a rua”, os salões literários tenham se convertido em um poderoso acicate à emancipação feminina, ou então, em “um dos poucos territórios onde as mulheres tinham um lugar reconhecido e onde efetivamente desenvolveram formas originais de sociabilidade em torno do exercício e do debate literário” (HOLLANDA, 1993, p. 21).

Nesta entrevista a João do Rio, Júlia revelou que escrevia versos escondida e que foi uma de suas irmãs que a surpreendeu escrevendo e mostrou ao pai, que a estimulou  a escrever.

 

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Participou ativamente, com a feminista  Bertha Lutz (1894 – 1976), da criação da Legião da Mulher Brasileira, sociedade instituída em 1919, da qual foi presidenta honorária.

Em 1922, proferiu a conferência intitulada Brasil no Conselho Nacional de Mulheres da Argentina. No mesmo ano, foi a presidente de honra da 1ª Conferência pelo Progresso Feminino que aconteceu, entre 19 e 23 de dezembro de 1922, no Edifício Silogeu, do Instituto dos Advogados, no centro do Rio de Janeiro, e em Petrópolis. A tese geral da conferência foi “a colaboração da Liga pelo Progresso Feminino na educação da mulher no bem social e aperfeiçoamentos humanos” e apresentava como um de seus objetivos “deliberar sobre questões práticas de ensino e instrução feminina”. A feminista Bertha Lutz (1894 – 1976) foi a presidente do evento, no qual participou a líder feminista norte-americana Carrie Chapman Catt (1859 – 1947), fundadora da Associação Nacional do Sufrágio Feminino dos Estados Unidos e presidente da recém-criada Associação Pan-Americana de Mulheres para a qual Bertha Lutz foi indicada vice-presidente.

 

 

Júlia tornou-se patrona da Cadeira nº26 da Academia Carioca de Letras, fundada em 8 de abril de 1926. A cadeira já foi ocupada por Afonso Lopes de Almeida, Nelson Costa, Luiz de Castro Souza e Tânia Zagury. No centenário de seu nascimento, em 1962, Júlia foi homenageada com um Ex-líbris comemorativo.

 

 

Também participou do II Congresso Internacional Feminista do Brasil, organizado pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e inaugurado, em 20 de junho de 1931, no Automóvel Club. Os temas do evento foram educação feminina, proteção às mães e à infância, trabalho feminino, direitos das mulheres e estreitamento das relações pan-americanas e internacionais. Sendo a mulher com o maior prestígio cultural no Brasil, foi uma das oradoras da cerimônia de abertura do congresso. Em seu encerramento, realizado em 30 de junho de 1931, Júlia lançou um apelo aos poderes públicos e mais diretamente ao chefe do governo no sentido de anistiar todos os exilados políticos do Brasil. Foi ovacionada (Correio da Manhã, 5 de março de 1931, primeira colunaJornal do Brasil, 19 de junho de 1931O Jornal, 19 de junho de 1931, primeira coluna; O Jornal, 21 de junho de 1931, quarta coluna, Correio da Manhã, 26 de junho de 1931O Malho, 27 de junho de 1931;  Revista da Semana, 27 de junho de 1931; O Jornal, 1° de julho de 1931, terceira coluna Correio da Manhã, 1º de julho de 1931O Malho, 11 de julho de 1931Vida Doméstica, agosto de 1931).

 

 

 

Faleceu no Rio de Janeiro, em 30 de maio de 1934, devido a uma doença que contraiu durante uma viagem à África (O Jornal, 31 de maio de 1934, sexta coluna). A ABL promoveu uma sessão especial em sua homenagem, cujas oradoras foram sua filha, Margarida Lopes de Almeida (1896- 1979), e a escritora Maria Eugênia Celso Carneiro de Mendonça (1866 – 1963).

 

 

Um ano após a morte da escritora, Afonso Celso (1860-1938) publicou o artigo intitulado Homenagem à Dona Júlia Lopes de Almeida na Revista da Academia Brasileira de Letras, onde lhe conferiu o título de Mestra da língua (Revista Academia Brasileira de Letras, v.48, abril de 1935, p. 259).

” […] em tudo e por tudo ela o foi, mestra na acepção mais elevada da palavra, o que quer dizer propiciadora de nobres ensinamentos, modelo de raras virtudes, irradiadora de salutar influência. Mestra de língua e mestra de vida, quer pela excelência da sua produção literária, quer pela pureza sem jaça da sua existência”.

 

 

Imagens de Júlia Lopes de Almeida

Na imprensa

 

 

 

 

Com a família

 

 

 

 

 Por pintores

 

 

 

 

 

Capas de livros de Júlia Lopes de Almeida

 

Julia Lopes de Almeida Livro das Noivas Rio de

 

Júlia Lopes de Almeida - a escritora da belle époque tropical | Templo  Cultural Delfos

 

 

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Livro: A Intrusa - Julia Lopes de Almeida | Estante Virtual

 

Literatura & EU: Cruel Amor, de Júlia Lopes de Almeida - RESENHA #42

 

Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin: Era uma vez...

 

Júlia Lopes de Almeida, uma ilustre mortal – Blog da BBM

 

 

Andrea C.T. Wanderley

Editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

DE LUCA, Leonora. O “feminismo possível” de Júlia Lopes de Almeida (1862 – 1934)

DE LUCA, Leonora. Feminismo e iluminismo em Júlia Lopes de Almeida (1862-1934). Ci. & Tróp.. Recife, v. 25, n. 2, p. 213-236,jul/dez., 1997.

FANINI, Michele Asmar. Júlia Lopes de Almeida em cena: notas sobre seu arquivo pessoal e seu teatro inéditoRev. Inst. Estud. Bras. (71) • Sep-Dec 2018.

FANINI, Michele Asmar. A (in)visibilidade de um legado – Seleta de textos dramatúrgicos inéditos de Júlia Lopes de Almeida. São PauloEditora Intermeios, 2017.

ENGEL, Magali Gouveia. Júlia Lopes de Almeida (1862-1934): uma mulher fora de seu tempo?.

ENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção, edição e organização). Júlia Lopes de Almeida – a escritora a belle époque tropical. Templo Cultural Delfos, outubro/2022.

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

HOLLANDA, Heloisa Buarque de. O que querem os dicionários?. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de; ARAÚJO, Lúcia Nascimento. Ensaístas brasileiras. Mulheres que escreveram sobre literatura e artes de 1860 a 1991. Rio de Janeiro: Rocco, 1993

MACHADO, Hilda. Laurinda Santos Lobo: mecenas, artistas e outros marginais em Santa Teresa. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002.

Site Academia Brasileira de Letras

Site Academia Carioca de Letras

 

 

 

 

Acesse aqui os outros artigos da Série “Feministas, graças a Deus!”

Série “Feministas, graças a Deus!” I – Elvira Komel, a feminista mineira que passou como um meteoro, publicado em 25 de julho de 2020, de autoria da historiadora Maria Silvia Pereira Lavieri Gomes, do Instituto Moreira Salles, em parceria com Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” II  – Natércia da Cunha Silveira (1905 – 1993), o jequitibá da floresta, publicado em 20 de agosto de 2020, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” III  – Bertha Lutz e a campanha pelo voto feminino: Rio Grande do Norte, 1928, publicado em 29 de setembro de 2020, de autoria de Maria do Carmo Rainha, doutora em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” IV  – Uma sufragista na metrópole: Maria Prestia (? – 1988), publicado em 29 de outubro de 2020, de autoria de Claudia Heynemann, doutora em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” V – Feminista do Amazonas: Maria de Miranda Leão (1887 – 1976), publicado em 26 de novembro de 2020, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, mestre em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” VI – Júlia Augusta de Medeiros (1896 – 1972) fotografada por Louis Piereck (1880 – 1931), publicado em 9 de dezembro de 2020, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” VII – Almerinda Farias Gama (1899 – 1999), uma das pioneiras do feminismo no Brasil, publicado em 26 de fevereiro de 2021, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” VIII – A engenheira e urbanista Carmen Portinho (1903 – 2001), publicado em 6 de abril de 2021, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” IX – Mariana Coelho (1857 – 1954), a “Beauvoir tupiniquim”, publicado em 15 de junho de 2021, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” X – Maria Luiza Dória Bittencourt (1910 – 2001), a eloquente primeira deputada da Bahia, publicado em 25 de março de 2022, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XI e série “1922 – Hoje, há 100 anos” VI – A fundação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, publicado em 9 de agosto de 2022, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XII e série “1922 – Hoje, há 100 anos” XI – A 1ª Conferência para o Progresso Feminino, publicado em 19 de dezembro de 2022, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, historiadora do Arquivo Nacional

Série “Feministas, graças a Deus!” XIII – E as mulheres conquistam o direito do voto no Brasil!, publicado em 24 de fevereiro de 2023, de autoria de Andrea C T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XIV – No Dia Internacional da Mulher, Alzira Soriano, a primeira prefeita do Brasil e da América Latina, publicado em 8 de março de 2023, de autoria de Andrea C T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XV – No Dia dos Povos Índígenas, Leolinda Daltro,”a precursora do feminismo indígena” e a “nossa Pankhurst, publicado em 19 de abril de 2023, de autoria de Andrea C T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Série “Feministas, graças a Deus!” XVI – O I Salão Feminino de Arte, em 1931, no Rio de Janeiro, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica, publicado em 30 de junho de 2023

Série “Feministas, graças a Deus!” XVII – Anna Amélia Carneiro de Mendonça e o Zeppelin, equipe de Documentação da Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC, em parceira com Andrea C.T. Wanderley, publicado em 5 de janeiro de 2024