Retratos

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Marc Ferrez. Menino Índio, c. 1880 Mato Grosso / Acervo IMS

O retrato (ou portrait) é o mais popular dentre todos os gêneros de fotografia, desde os primórdios desta invenção – a tal ponto que a expressão “tirar um retrato” é, ainda hoje, confundida com a expressão “tirar uma fotografia”, de designação bem mais genérica.

Explorado por seus inventores e experimentado em todos os processos e formatos, foi o retrato que celebrizou alguns dos mais importantes nomes da história da fotografia, que dele se valeram para documentar, encenar, idealizar, conhecer e dar a conhecer, provocar e refletir, através das mais diversas estratégias.

Das cartes de visite e dos álbuns de família do século 19 até aos atuais álbuns virtuais da internet, passando pelas suas inúmeras apropriações (nas artes, nas ciências médicas e sociais, no sistema judiciário etc.), há um longo e complexo trajeto a ser passado em revista.

A propensão da câmera fotográfica de combinar verossimilhança com metáfora sempre favoreceu o uso da fotografia no jogo de aparências que define o universo do retrato.

Como indica Gisele Freund em seu livro Fotografia e Sociedade, (Lisboa, Dom Quixote, 1986), se por um lado o advento da fotografia permitiu a democratização do retrato, em função de seus custos reduzidos em relação aos tradicionais retratos de pintura a óleo, muitas camadas da sociedade buscaram também no retrato fotográfico a emulação de um estamento social privilegiado ao qual não pertenciam, através dos trajes, cenários e aparatos de estúdio que constroem a linguagem do retrato naquele período.

Pode-se contra-argumentar, entretanto, que nos retratos fotográficos de estúdio do século XIX, o olhar e a pose do retratado também apresentam, constroem e defendem sua identidade perante o fotógrafo. Ainda não havia ocorrido naquele momento a larga difusão dos processos fotomecânicos que ganharia força na virada do século XIX para o século XX, trazendo a avassaladora presença das revistas ilustradas como principal veículo de comunicação visual de massa, na sociedade do espetáculo que se estruturaria ao longo do século XX. Naquele contexto, a “pose”, – tomada no sentido contemporâneo do processo de construção de uma persona artificial que despista e dissimula a identidade do retratado –, ainda não é a regra nos retratos do século XIX e início do século XX, o que, portanto, permite uma leitura mais direta do olhar e da expressão dos retratados.

Entremeiam-se, assim, poses solenes com olhares espontâneos e diretos. Esses retratos podem, portanto, ser entendidos como registros que lidam simultaneamente com as aparências relacionadas à liturgia dos códigos do retrato de estúdio da época e também com o olhar, expressão e pose que estabelecem a identidade dos indivíduos diante do fotógrafo e do mundo.

Fotógrafos com Joaquim Insley Pacheco, Alberto Henschel, Justiniano José de Barros, entre outros, constituiram o grande grupo de fotógrafos de estúdio na capital do Império que realizaram o registro das primeiras poses dos moradores da cidade. Na passagem do século XIX para o XX, o retrato começaria a ser modificado pela fotografia amadora e seus registros espontâneos de indivíduos e grupos.

Assim, o que propomos aqui é um breve passeio pela nossa “Galeria Virtual de Retratos”, que mescla alguns dos mais apreciados retratos fotográficos de nossa história com outros, nem tão conhecidos mas igualmente significativos para historiar os usos deste gênero, em nosso país.

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Curadoria de Sergio Burgi/IMS e Joaquim Marçal Ferreira de Andrade/FBN

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Cenas de rua: da paisagem arquitetônica à paisagem social e humana

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Marc Ferrez. Centro do Rio de Janeiro. c. 1890 / Acervo IMS

No século XIX, fotógrafos como Marc Ferrez registram a paisagem urbana em grandes panoramas. Ferrez documentou sistematicamente o Rio de Janeiro, cidade onde viveu e produziu a maior parte de seu trabalho fotográfico, fortemente influenciado em seu processo criativo pela deslumbrante paisagem da cidade e de seu entorno. Suas imagens da arquitetura da cidade e das grandes vistas urbanas, feitas em negativos de vidro de grande formato, permitem hoje o exame de detalhes das imagens que incluem os elementos registrados no nível das ruas, nas calçadas, revelando importantes informações de um tempo onde ainda a fotografia de caráter mais jornalístico não era comumente praticada, em função de restrições técnicas do processo fotográfico.

Com o aumento da sensibilidade à luz dos materiais fotográficos, tanto o fotojornalismo, como a fotografia amadora, expandem-se significativamente na virada do século XIX para o XX. A imagem fotográfica passa a frequentar o cotidiano das pessoas através das revistas ilustradas e das fotografias realizadas no âmbito das próprias famílias, aumentando o repertório imagético e a intensidade da comunicação visual na sociedade.

A fotografia instantânea, capturando cenas em frações de segundo, como mostra o trabalho de Eadweard Muybridge sobre o movimento de homens e animais, foi precursora do registro cinematográfico. O cinema, tal como o conhecemos hoje, é resultado destes desenvolvimentos tecnológicos no campo da fotografia, ocorridos nas três últimas décadas do século XIX. A introdução das emulsões de gelatina e brometo de prata, com alta sensibilidade à luz, e a introdução de bases flexíveis que permitiram a produção de filmes em rolo para filmagem e projeção, revolucionaram também o campo da própria fotografia.

No Rio de Janeiro, fotógrafos como Augusto Malta, Lopes, Thiele Kholien, Bippus e outros produziram uma intensa e variada documentação fotográfica da cidade. Incluem-se aqui as primeiras fotografias aéreas, registrando suas transformações e seus grandes eventos, com a as exposições de 1908 e 1922, a remoção do Morro do Castelo, as obras da Avenida Beira-mar e da área portuária, entre outras. Guilherme Santos (1871-1966) produziu uma vasta documentação em estereoscopia da cidade e do país, que disponibilizou na forma de coleções temáticas com forte viés documental e jornalístico. Fotógrafo amador dedicado à fotografia de efeito tridimensional, registrou os hábitos e cotidiano dos cariocas, os eventos sociais e políticos e a paisagem da cidade. A empresa Rodrigues & Co. produziu igualmente coleções significativas sobre o Rio de Janeiro e Marc Ferrez, juntamente com seus filhos Júlio e Luciano, deixou também um legado muito rico em imagens estereoscópicas preto e branco e coloridas.

Em outras regiões do país, fotógrafos como Militão Augusto de Azevedo em São Paulo, Francisco du Bocage em Recife, e também registros anônimos em Belém, compõem um amplo registro da vida nas cidades, que evolui dos primeiros registros em longos tempos de exposição, onde as pessoas aparecem muitas vezes sem definição por estarem se deslocando durante a realização da fotografia, até os registros instantâneos, em frações de segundo, realizados já a partir dos anos 1910 e 1920.

É, portanto, muito significativa para os estudos da paisagem humana e social do Brasil do século XIX e início do século XX a possibilidade hoje de exame destas imagens em uma plataforma como esta Brasiliana Fotográfica, que dispõe de recursos de magnificação que permitem uma navegação sobre detalhes das imagens que revelam conteúdos e informações relevantes para a pesquisa da vida do país. As imagens aqui selecionadas e reunidas na galeria de vistas urbanas de diversas cidades brasileiras permitem um olhar sobre a vida nas ruas e nas calçadas, que informam sobre muitos aspectos da dinâmica social daquele período.

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Curadoria de Sergio Burgi/IMS

 

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Para uma história social da reprodução fotomecânica

A. Ribeiro. Urca e Pão d’Assucar. c. 1905. Rio de Janeiro / Acervo FBN

No início do século 19, antes mesmo do anúncio das primeiras variantes do processo fotográfico – que empregaram a camera obscura para a obtenção das imagens – diversos de seus pioneiros estiveram envolvidos em esforços para multiplicar ‘fotograficamente’ as estampas (ou gravuras) que ofereciam, até então, a melhor possibilidade de disseminação/circulação de imagens, reproduzidas a partir de matrizes cuja confecção demandava muito trabalho, habilidades específicas e uma série de cuidados.

Mas apenas ao final do século 19, quando aperfeiçoou-se a ‘reprodução fotomecânica’, é que foram viabilizados os primeiros processos de impressão gráfica que possibilitaram a reprodução em massa, com fidelidade e qualidade — através das páginas das revistas, dos livros e depois dos cartões postais — das imagens originalmente obtidas através de processos fotográficos. A fotografia deixa de ser um objeto, um artefato, para tornar-se apenas uma superfície, uma imagem impressa. Foi esta a grande revolução que tornou a imagem fotográfica onipresente — o que foi ainda mais intensificado em tempos recentes, através da revolução digital.

No Brasil, até aqui, avançamos pouco no estudo deste universo específico, tão crucial para que a fotografia viesse a cumprir integralmente o seu papel, em nossa sociedade. Quase nada sabemos sobre os desafios enfrentados pelos empresários e gráficos de então, ao optar por tais processos, seja em seus aspectos tecnológicos, econômicos e de recursos humanos. E tampouco acerca da recepção dos mesmos que, em boa parte, acabaram esquecidos.

Aqui, pretendemos lançar luz sobre um processo que se fez presente no Brasil, com relevo, na virada do século 19 para o 20: a ‘colotipia’ ou ‘fototipia’, um processo de impressão fotomecânica planográfica – na verdade, uma variante da fotolitografia – também baseado na descoberta feita por Poitevin, em 1855, da propriedade que a gelatina bicromatada tem, quando úmida, de absorver mais ou menos tinta de impressão, segundo os graus diversos de endurecimento que adquire, proporcionalmente à quantidade de luz recebida através de um negativo fotográfico. Foi experimentada na pedra, no cobre e consolidou-se quando a matriz de impressão passou a ser produzida sobre uma espessa chapa de vidro.

A colotipia ou fototitpia também foi denominada colografia, gelatinografia ou heliotipia. Ocorrem, ainda, variantes deste processo denominadas por albertipia ou albertotipia, artotipia, aquatone, helioplastia, entre outras.

Importantes empresários e fotógrafos do período (como Henrique Lombaerts, Marc Ferrez e A. Ribeiro) editaram publicações ilustradas, imagens publicitárias e séries de cartões postais fotográficos em colotipia. Este processo proporciona uma impressão de qualidade, com bom contraste, boa gradação tonal e que aparenta tratar-se mesmo de uma imagem fotográfica de tom contínuo, cujo padrão de retícula só pode ser visualizado sob o exame de uma lupa.

Segundo Frederico Porta, em seu indispensável Dicionário de Artes Gráficas, “apesar da perfeição das cópias fototípicas, o processo ficou circunscrito a uns poucos trabalhos especializados, como a impressão de postais, por dois poderosos motivos: tiragem demorada, não ultrapassando da média de umas cinqüenta provas à hora, e precariedade da matriz, que dificilmente suporta mais de mil impressões.”

Nesta galeria, selecionamos alguns exemplos de imagens impressas por este processo, desde o mais antigo exemplo conhecido na imprensa periódica, no Brasil: um fac-símile de manuscrito do escritor Machado de Assis, aparecido em publicação editada por Lombaerts. De Manaus, destaque para o arrojado panorama de George Huebner. De São Paulo, há imagens de Otto Quaas e de Guilherme Gaensly — estas, fazem parte de uma série estupenda, realizada pelo talentoso fotógrafo. Mas a maioria das imagens escolhidas refere-se, mesmo, à cidade do Rio de Janeiro – porque desejamos homenageá-la, nesta passagem dos seus 450 anos. A exuberante arquitetura da loja A Torre Eiffel, cartões postais das séries editadas por A. Ribeiro e alguns dos colótipos produzidos por Marc Ferrez – tudo para nos deixar saudosos de um Rio que passou.

 

Seleção de reproduções fotomecânicas na Brasiliana Fotográfica

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Curadoria de Joaquim Marçal Ferreira de Andrade/FBN