O embaixador Oswaldo Aranha (1894-1960)

O embaixador Oswaldo Aranha (1894-1960) 

Pedro Quinteiro Uberti sob a supervisão de Adelina Novaes e Cruz* 

 

Gaúcho da fronteira, nascido em Alegrete, em 1894, Oswaldo Aranha teve ascendente trajetória na política local até se consolidar como uma das lideranças da Aliança Liberal e do movimento que levou Getulio Vargas ao Catete. Como ministro da Justiça e Assuntos Internos e ministro da Fazenda, contribuiu ativamente na reconfiguração institucional do Estado brasileiro, iniciada com o governo provisório de Vargas.

Notabilizou-se como personagem vinculado à condução da política externa brasileira. A historiografia destaca dois grandes momentos da vida política de Aranha, para além de seu envolvimento com a Revolução de 1930. O primeiro, entre 1938 e 1944, diz respeito ao período em que serviu como chanceler do Estado Novo, sendo apontado como um dos principais responsáveis pelo apoio prestado pelo Brasil ao esforço de guerra dos Aliados. O segundo, entre 1947 e 1948, marca o momento em que Aranha presidiu a Assembleia Geral das Nações Unidas, tendo seu nome vinculado à criação do Estado de Israel e à tradição, segundo a qual, o discurso brasileiro deve ser aquele que inaugura os encontros da Assembleia.

Antes disso, no entanto, Aranha já havia deixado sua marca na diplomacia brasileira. Entre 1934, quando se desvincula do Ministério da Fazenda, e 1937, quando é decretado o Estado Novo, o político gaúcho serviu como embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

 

Acessando o link para as imagens de Oswaldo Cruz do acervo do FGV-CPDOC e disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Primeiras Impressões

 

A missão de Aranha começa a bordo do Augustus, navio que o levou a Gênova. A escala na Europa, antes de seguir viagem aos Estados Unidos, marcou a percepção de Aranha em relação ao futuro das relações internacionais. Em carta escrita a Getulio, em setembro de 1934, aborda criticamente o militarismo de governantes como Benito Mussolini, indicando a iminência de um novo conflito entre as potências europeias. Pondera que:

a Europa está, meu caro, em estado potencial de guerra. Os exércitos e as esquadras não se defrontam, mas ameaçam-se. […] Os instintos estão arrepiados, como o de feras ameaçadas ou agressivas. […] Ninguém sabe como e de onde virá. Mas creio, não há ninguém que não sinta a sua proximidade. […] A Europa está dominada por uma tropilha de grandes loucos que encerram em seus punhos a sorte do mundo” (GV c 1934.09.07).

 

 

É notável o contraste das perspectivas de Aranha em relação à Europa e aos Estados Unidos. Já em solo estadunidense, exulta o progresso material do país. Em outra carta a Vargas, de novembro de 1934, ameniza os efeitos da crise financeira de 1929, apontando que “este país tem mais riquezas do que todo o resto do mundo. O orçamento de uma cidade como Chicago é maior que o da Itália. O de Nova York várias vezes o nosso. O número de automóveis numa cidade média aqui é maior do que o de todo o Brasil!” (GV c 1934.11.02).

 

Primeiras Movimentações

 

As primeiras movimentações diplomáticas de Aranha demonstram a preocupação do novo embaixador em melhorar as relações entre Brasil e Estados Unidos. O pessimismo em relação à Europa e o fascínio em relação à economia estadunidense foram acompanhados por uma calorosa recepção nos círculos políticos de Washington. Aranha percebia uma boa vontade das autoridades de Washington em relação ao Brasil. “Só posso atribuir essa amabilidade ao desejo que notei no presidente Roosevelt, durante a conversa de alguns minutos que se seguiu à apresentação de credenciais, de estreitar sempre as íntimas relações com o Brasil”, relataria Aranha ao Itamaraty após a apresentação de suas credenciais como embaixador a Roosevelt, em outubro de 1934 (ARAÚJO, 1996, p. 113).

 

 

O andamento da missão seria, portanto, facilitada, na visão de Aranha, pela situação internacional. Com a Europa na iminência de um conflito e com o recrudescimento das disputas imperialistas entre as potências, incluindo a expansão japonesa no sudeste asiático e no Pacífico, os Estados Unidos, segundo Aranha, se voltariam cada vez mais para a América Latina, em especial para o Brasil. Deveria o governo Vargas, portanto, aproveitar essa oportunidade para atingir os objetivos da política externa brasileira.

Condição necessária ao estreitamento de relações entre os dois países era, no entanto, a restruturação da representação brasileira nos Estados Unidos. Isso significou o envolvimento de Aranha na instalação da embaixada em uma mansão comprada, em agosto de 1934, por Ciro Freitas-Valle, seu primo e diplomata, a mando do Itamaraty. Segundo o embaixador “encontramos, aqui, no país onde está metade do nosso comércio, todos os funcionários amontoados em três salinhas, sem mobiliário, sem nada. Vamos ficar, hoje, com uma instalação perfeita e capaz de atender às nossas fatais necessidades futuras” (GV c 1935.03.25).

 

 

 

Uma Atuação Multifacetada 

 

É possível encontrar no triênio em que Aranha serviu como embaixador, uma série de episódios que demonstra uma atuação diplomática multifacetada, conduzida por um diplomata muito bem conectado com diferentes setores da sociedade estadunidense. Logo nos primeiros meses de missão, Aranha conduziria em Washington as negociações em torno do tratado comercial que estava sendo costurado entre Brasil e Estados Unidos enquanto, constantemente, protestava a Vargas contra o estreitamento dos laços comerciais entre Brasil e Alemanha sob a modalidade que ficou conhecida como comércio compensado. Aranha acompanharia o ministro da Fazenda, Artur de Sousa Costa, na assinatura do tratado junto a Roosevelt, firmado em 2 de fevereiro de 1935.

 

 

 

 

 

Aranha ainda receberia outro ministro brasileiro em Washington. João Marques dos Reis, ministro da Viação e Obras Públicas havia sido designado por Getulio para participar da 3ª  Conferência Mundial de Energia, entre setembro e outubro de 1936. Segundo o embaixador, a visita do ministro seria facilitada pela boa vontade do governo estadunidense em procurar “favorecer negócios no Brasil” (GV c 1936.10.21).

 

 

O estabelecimento de boas relações com autoridades do governo estadunidense foi um dos maiores sucessos da missão de Aranha. Não à toa, durante o triênio em que serviu em Washington, Aranha foi o embaixador estrangeiro mais recebido por Roosevelt (OLIVEIRA, in LIMA; ALMEIDA; FARIAS, 2017, p. 103). Antes mesmo de Aranha embarcar para os Estados Unidos, Roosevelt já havia sido informado que Aranha era “o iniciador do atual movimento do Brasil de se afastar um pouco da Europa e se aliar com os Estados Unidos” (HILTON, 1994, p. 202). Destaca-se, ainda, a figura de Sumner Welles, referência no Departamento de Estado em assuntos relacionados à América Latina, com quem Aranha estabeleceu íntimas relações.

 

 

 

 

Para além dos círculos oficiais de poder, Aranha empreendeu esforços no sentido de fazer o Brasil ser ouvido por distintas camadas da sociedade estadunidense. Seja viajando pelo país, como na ocasião da Feira Mundial de Chicago, em outubro de 1935, seja em contato constante com jornalistas e empresários, Aranha defendia a ideia de que “devemos procurar ser conhecidos do povo para melhor contarmos com o governo dos Estados Unidos” (GV c 1937.09.09).

 

 

 

 

 

 

 

Essa aproximação, advogada por Aranha, não se restringia apenas ao âmbito bilateral. Logo no início da missão, alertou Vargas sobre a ascensão da Política da Boa Vizinhança. Segundo o embaixador, a busca dos Estados Unidos em melhorar suas relações com os demais países americanos poderia colocar em xeque o tratamento especial que era dispensado ao Brasil. Nesse sentido, as conferências e encontros multilaterais deveriam servir de palco para o Brasil reafirmar sua posição como parceiro estratégico dos Estados Unidos no continente.

Foi exatamente o que o embaixador buscou alcançar na Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz, realizada em Buenos Aires, em 1936. Desde o momento em que Roosevelt veiculou a ideia da realização da Conferência, Aranha buscou costurar a posição entre Brasil e Estados Unidos a partir da coordenação de demandas entre a Casa Branca e o Catete, mesmo que isso significasse o desgaste na relação com Macedo Soares, seu superior na hierarquia institucional do Itamaraty. Sua atuação na Conferência lhe rendeu editoriais dos mais favoráveis na imprensa estadunidense, ao buscar o consenso entre as partes a despeito da oposição argentina aos termos do Projeto de Convenção Sobre Manutenção, Garantia e Restabelecimento da Paz.

 

 

 

 

 

 

Aranha buscava nutrir nos Estados Unidos a simpatia pelo Brasil, mas suas constantes súplicas não convenceram Getulio de visitar o país norte-americano. Conseguiu, entretanto, influenciar na visita de dois de seus filhos, Getulio e Alzira, e sua esposa, Darcy. Alzira permaneceu mais de um semestre com a família Aranha nos Estados Unidos, entre o final de 1935 e meados de 1936, período durante o qual realizou longas viagens na companhia de Luiza Zilda Aranha (Zazi) e Delminda Gudolle Aranha (Dedei) – filhas do embaixador – e Delminda Gudolle Aranha (Vindinha) – esposa do embaixador. Getulinho, como era chamado por Aranha, e Darcy encontraram Alzira e família Aranha em março de 1936. Após insistência de Aranha, Getulinho permaneceu nos Estados Unidos pelo resto do ano desenvolvendo seus estudos de inglês e química. O périplo da família Vargas nos Estados Unidos, na companhia de Aranha, serviu como ferramenta diplomática, na medida em que foram organizados encontros com empresários e jornalistas estadunidenses, além de uma conferência com Roosevelt e a primeira-dama, Eleanor.

 

 

 

 

 

 

O Fim da Missão

 

Decretado o Estado Novo em novembro de 1937, Oswaldo Aranha abdica do cargo de embaixador, alegando ter perdido sua credibilidade junto ao governo estadunidense por ter sido pego de surpresa pelo golpe. Permaneceria nos Estados Unidos até dezembro, num esforço de amenizar as críticas da imprensa sobre a ruptura institucional em curso no Brasil. Seus relatórios a Vargas demonstram como o governo estadunidense não alterou sua posição em relação à parceria que vinha sido construída entre os dois países. Em dezembro de 1937, o navio Western Prince atracaria em águas brasileiras trazendo o embaixador e sua família, pondo fim à experiência diplomática inaugural daquele que viria ser chanceler em um dos períodos mais conturbados da política externa brasileira.

 

 

 

*Pedro Quinteiro Uberti é aluno do Mestrado Acadêmico em História, Política e Bens Culturais FGV/CPDOC e Adelina Novaes e Cruz é Pesquisadora do FGV CPDOC.

 

FONTES:

Arquivo Pessoal de Alzira Vargas do Amaral Peixoto (FGV CPDOC). Disponível em: <https://www18.fgv.br/CPDOC/acervo/arquivo-pessoal?fun=AVAP&tud=AVI&tit=&ftit=2&de=1934&ate=1937&assun=&fassun=0&aut=&faut=0&ser=&loc=&tav=8+9+10&itens=30>.

Arquivo Pessoal de Getulio Vargas (FGV CPDOC). Disponível em: <https://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=CorrespGV2>.

Arquivo Pessoal de Oswaldo Aranha (FGV CPDOC). Disponível em: <https://www18.fgv.br/CPDOC/acervo/arquivo-pessoal?fun=OA&tud=AVI&tit=&ftit=2&de=1934&ate=1937&assun=&fassun=0&aut=&faut=0&ser=&loc=&tav=8+9+10&itens=30>.

CAMARGO, Aspásia; ARAÚJO, João Hermes Pereira de; SIMONSEN, Mário Henrique. Oswaldo Aranha: a estrela da revolução. São Paulo: Mandarim, 1996.

HILTON, Stanley. Oswaldo Aranha: uma biografia. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1994.

LIMA, Sérgio Eduardo Moreira; ALMEIDA, Paulo Roberto de; FARIAS, Rogério de Souza (org.). Oswaldo Aranha: um estadista brasileiro. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2017. 2 v. (Coleção Política Externa Brasileira).