Série “O Rio de Janeiro desaparecido XXVII e Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” V – O Jockey Club e o Derby Club, na Avenida Rio Branco e o arquiteto Heitor de Mello (1875 – 1920)

A Brasiliana Fotográfica publica hoje o 27º artigo da série O Rio de Janeiro desaparecido, sobre os prédios do Jockey Club e do Derby Club, na Avenida Rio Branco, demolidos na década de 1970; e o 5º da série Os arquitetos do Rio de Janeiro, sobre Heitor de Mello (1875 – 1920), autor do projeto dos dois edifícios. Com um registro de autoria de um fotógrafo ainda não identificado e duas estereoscopias de Guilherme Santos (1871 – 1966), o portal vai contar um pouco da história destas construções e de seu arquiteto, além de traçar um pequeno histórico dos dois clubes e do início do turfe no Brasil.

 

 

O fotógrafo amador Guilherme Santos (1871 – 1896) foi um entusiasta da fotografia estereoscópica, tendo sido um dos pioneiros dessa técnica no Brasil, ao adquirir, em 1905, na França, o Verascope, um sistema de integração entre câmera e visor, que permitia ver imagens em 3D, produzidas a partir de duas fotos quase iguais, porém tiradas de ângulos um pouco diferentes. Eram impressas em uma placa de vidro e reproduziam a sensação de profundidade de maneira bem próxima da visão real. Antes dele, entre os anos de 1855 e 1862, o “Photographo da Casa Imperial”, Revert Henrique Klumb (1826 – c. 1886), favorito da imperatriz Teresa Christina (1822 – 1889) e professor de fotografia da princesa Isabel (1846 – 1921), havia produzido vários registros utilizando a técnica da estereoscopia. A Casa Leuzinger também produziu fotografias estereoscópicas.

 

Acessando o link para as fotografias do edifício do Jockey Club e do Derby Club, na Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas

 

As sedes do Jockey Club e do Derby Club

 

 

O Jockey Club foi fundado, em 16 de julho de 1868, nos salões da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional com o fim de dar corridas de cavallo no Prado Fluminense. Seu primeiro presidente foi o comendador Mariano Procopio Ferreira Lage (1821 – 1872), empresário mineiro e diretor da Companhia União e Indústria.

 

 

 

Em 1911, foi iniciada a construção de seu edifício-sede, na Avenida Rio Branco, nº 193,  inaugurado em 1913. A festa dos 45 anos do Jockey Club foi realizada, em 16 de julho de 1913, já na nova sede. Seu projeto foi do arquiteto Heitor de Mello (1875 – 1920). Como construtores, destacaram-se os engenheiros João Pradatzky e Francisco Peixoto. Foi durante décadas o ponto de encontro do mundanismo elegante e sofisticado da cidade.

O Derby Club, clube de turfe, esportes equestres e atividades sociais, foi fundado, em 6 de março de 1885, sob a organização do engenheiro Paulo de Frontin (1860 – 1933).

 

 

 

Seu hipódromo era o Prado do Itamaraty, onde hoje encontra-se o Estádio do Maracanã

 

jockey6

Localização dos antigos prados do Derby Club e do Jockey Club

 

 

Em 6 de março de 1916, foi dada uma bênção ao segundo edifício-sede do Derby Club, também na Avenida Rio Branco e também projeto de Heitor de Mello. Ficava ao lado do prédio do Jockey Club (O Paiz, 7 de março de 1916, penúltima coluna).

 

A fusão do Jockey e do Derby originando o Jockey Club Brasileiro

jockey21

 

Em 1932, os dois principais clubes turfísticos da cidade do Rio de Janeiro, o Jockey e o Derby, fundiram-se, constituindo o Jockey Club Brasileiro. O conjunto dos dois imóveis na Avenida Rio Branco transformou-se na sede da nova entidade (Jornal dos Sports, 6 de fevereiro de 1932, sexta coluna).

 

 

 

No ano seguinte, o Hipódromo da Gávea, que havia sido inaugurado pelo Jockey Club, em 11 de julho de 1926, uma réplica do antigo Hipódromo de Longchamps no Bois de Boulogne e o palco mais tradicional do turfe brasileiro, sediou pela primeira vez a maior corrida de cavalo nacional, o GP Brasil, sacramentando a união das duas instituições. Foi disputado no primeiro domingo de agosto de 1933, no dia 6, e vencido pelo cavalo brasileiro Mossoró, montado por Justiniano Mesquita (Fon-Fon, 12 de agosto de 1933).

 

 

A atual sede social do Jockey Club Brasileiro ocupa um quarteirão formado pela Avenida Amtônio Carlos, Nilo Peçanha, Almirante Barroso e Rua Debret, no Centro da cidade, e foi inaugurada em 16 de julho de 1974. Seu projeto foi justamente do arquiteto Lúcio Costa (1902 – 1998), um dos principais defensores da demolição dos antigos prédios do Jockey e do Derby na Avenida Rio Branco (Manchete, edição especial, 1974; Diário de Notícias, 16 de julho de 1974).

 

 

Pequeno histórico da demolição

 

Em julho de 1972, o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) propôs ao Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN) o tombamento do conjunto arquitetônico remanescente da antiga Avenida Central, atual Rio Branco, composto pelo Obelisco, pelo Tribunal de Justiça, pela Biblioteca Nacional, pela Escola Nacional de Belas Artes, pelo Derby Clube, pelo Jockey Club, pelo Clube Naval, pelo Teatro Municipal, pelo Palácio Monroe e pela Assembleia. O parecer do relator do processo, o arquiteto Paulo Santos (1904 – 1988), foi favorável à preservação. Cerca de dois meses depois, o arquiteto e urbanista Lúcio Costa, que havia sido estagiário de Heitor de Mello, apresentou ao IPHAN, de onde era aposentado, o texto Problema Mal Posto, rebatendo o parecer de Paulo Santos, por não reconhecer mérito artístico nestes prédios. Em fevereiro de 1973,  o conselho superior do IPHAN realizou a sessão final sobre o processo de tombamento, quando a proposta de Lúcio Costa de avaliar, em separado, os prédios foi aprovada. Não entraram no livro de tombamento o Jockey Club, o Derby Club e o Palácio Monroe, todos demolidos ao longo da década de 1970. No lugar dos prédios do Jockey e do Derby foi erguido um edifício de 40 pavimentos. No lugar do Palácio Monroe, existe hoje o maior chafariz do Rio de Janeiro – com 10 metros de altura -, comprado na Áustria pelo governo imperial brasileiro, em 1878.  Em homenagem ao palácio, é chamado de Chafariz do Monroe. No estilo Napoleão III,  é uma obra de Mathurin Moreau, que foi executada na fundição francesa Societé Anonyme des Hauts-Fourneaux & Fonderies du Val d’Osne.

Curiosamente, Lúcio Costa, no artigo Muita construção, alguma arquitetura e um milagre, de 1951, declarou a respeito da arquitetura brasileira do período entre final do novecentos e início do século XX (Correio da Manhã, de 15 de junho de 1951, segunda coluna):

 

 

 

Breve perfil do arquiteto Heitor de Mello (1875 – 1920)

 

“Não podemos deixar, neste primeiro número da revista “Architectura no Brasil”, de rendermos a nossa homenagem à memória desse ilustre e inolvidável cultor da architectura pátria. A ele devemos sem dúvida os primeiros passos para o embelezamento de nossa cidade, que estão sendo brilhantemente continuados pela pleiade de artistas que ele preparou”. Assim começava o artigo, publicado em outubro de 1921,  que lembrava o primeiro ano de morte do arquiteto Heitor de Mello (1875 – 1920).

 

 

Heitor de Mello foi um destacado arquiteto da segunda fase do ecletismo carioca, influenciado predominantemente pela École des Beaux Arts de Paris, via Escola de Belas Artes do Rio do Janeiro. Segundo Maria Lúcia Pinheiro Ramalho: Heitor de Mello especializou-se no emprego dos estilos classicizantes da renascença francesa, utilizando-os de acordo com a função do edifício, numa forma bastante personalista do ecletismo tipológico. 

 

 

Nasceu no Rio de Janeiro, em 12 de setembro de 1875, filho do almirante Custódio de Mello (1840 – 1902), um dos líderes da Revolta da Armada e, posteriormente, ministro da Marinha, da Guerra, e ministro interino das Relações Exteriores do governo do presidente Floriano Peixoto (1839 – 1895); e de Edelvira Pereira Pinto de Mello. Casou-se com Silvia Peixoto de Mello e tiveram duas filhas: Maria Cecília Mello Freeman e Maria Luiza Mello Sertório.

Segundo o crítico de arte José Mariano Carneiro da Cunha Filho (1881 – 1946): não era um caçador de amigos, voluntarioso, áspero, incisivo, não poupava os medíocres, nem se apiedava dos incapazes. Combatido não deu trégua aos invejosos. Os inimigos temiam-lhe os epigramas, os invejosos a elegância de maneiras, as boas roupas talhadas nos alfaiates de Londres.

 

 

Iniciou seus estudos no Rio de Janeiro e passou um período na Europa. Heitor formou-se em Arquitetura pela Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), onde estudou entre 1895 e 1900, sob a direção do escultor Rodolfo Bernadelli (1851-1931). Foi aluno de Adolfo Morales de Los Rios (1858 – 1928) e de Ernesto da Cunha de Araújo Vianna (1852-1920) e contemporâneo dos pintores Lucilio de Albuquerque (1877 – 1939), Theodoro Braga (1872 – 1953) e João Timotheo da Costa (1878 – 1932), do escultor José Otávio Correa Lima (1878 – 1974) e do arquiteto Aluisio Stahlembrecher (18? – 19?), dentre outros (Gazeta de Notícias, 23 de junho de 1899, penúltima coluna; O Paiz, 18 de janeiro de 1900, última coluna).

 

 

Em 1900, participou da exposição da Escola Nacional de Belas Artes (O Paiz, 2 de setembro de 1900, penúltima coluna). Mais tarde, em 1913, Heitor tornou-se professor da instituição e lecionava Composições de Arquitetura, seu Desenho e Orçamentos. Em 1918, passou a professor catedrático.

 

 

A importância da ENBA e de Heitor de Mello na formação de arquitetos foi ressaltada no artigo O renascimento da Architectura no Brasil (Architectura no Brasil, outubro de 1921):

“Inaugurada a nova Escola Nacional de Bellas Artes. Formaram-se os primeiros arquitetos brasileiros tendo à frente Heitor de Mello. Daí para cá, todos os anos, têm-se sucedido novas turmas de jovens artistas, os pugnadores do ressurgimento arquitetonico do Brasil. Até hoje, todavia, eles não puderam ainda ser compreendidos, ou talvez não tivessem ainda número suficiente para vencer a onda invasora dos deturpadores da estética das nossas cidades. Heitor de Mello, entretanto impôs-se, nesse meio árido, pelo seu talento, sua cultura artística e sua coragem. Os que o acompanharam, os que souberam aproveitar as suas lições, tornaram-se grandes arquitectos, e, assim, possui, hoje o Rio de Janeiro, um grupo já numeroso, que assombrosamente vem se impondo á admiração do governo e do povo”.

Em 1º de julho de 1901, Heitor foi admitido como sócio do Club de Engenharia. Ainda na década de 1910, recebeu o Grande Prêmio de Arquitetura da Exposição Nacional de 1908, da qual foi responsável pela perspectiva.

 

 

Segundo o historiador da arquitetura Yves Bruand (1926 – 2011), o Escritório Técnico Heitor de Mello, fundado em 1898, foi a primeira organização comercial de arquitetura no Brasil dedicada ao desenvolvimento de projetos, acompanhamento e fiscalização de obras.

Em 1905, a autoria de um de seus projetos, uma construção na Avenida Central, estava sendo atribuida a outro arquiteto. Heitor de Mello prontamente reagiu. A abertura da avenida foi uma das principais marcas da reforma urbana realizada por Francisco Pereira Passos (1836 – 1913), o bota-abaixo, entre 1902 e 1906, período em que foi prefeito do Rio de Janeiro. Essas transformações foram definidas por Alberto Figueiredo Pimentel (1869-1914), autor da seção “Binóculo”, da Gazeta de Notícias, com a máxima “O Rio civiliza-se”, que se tornou o slogan da reforma urbana carioca. Sob um temporal, a avenida foi aberta oficialmente, em 15 de novembro de 1905 (O Paiz, 16 de novembro de 1905, na quinta coluna, sob o título “15 de Novembro”).

 

 

Em 1906, o edifício do Club de Engenharia, projeto de Raphael Rebecchi (1844 – 1922), que estava em construção na Avenida Central, sob a responsabilidade de Heitor de Mello, desabou causando a morte de dois operários, mas ele foi impronunciado pela Justiça (O Paiz, 15 de fevereiro de 1906; O Paiz, 7 de junho de 1908, quarta coluna). Cerca de um ano depois, participou da Exposição da Escola Nacional de Belas Artes com a exibição do projeto dele e de Francisco de Oliveira Passos (1878 – 1958), filho do ex-prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Pereira Passos (1836 – 1913), para o novo prédio do Congresso Nacional (O Paiz, 31 de agosto de 1907, primeira coluna).

Em 1908, casou-se com Sylvia Rodrigues Peixoto (O Paiz, 25 de junho de 1908, última coluna).

Quando Heitor de Mello faleceu, em 15 de agosto de 1920, aos 44 anos, de uma nevrite cardíaca (Gazeta de Notícias, 16 de agosto de 1920, quarta coluna), Archimedes Memória (1893 – 1960), um de seus discípulos, que já trabalhava com ele desde 1918, passou a ser sócio do escritório com o franco-suíço Francisque Couchet (18? – 19?). Memória também, em 1920, sucedeu Heitor como professor de desenho de ornatos e elementos de arquitetura e composição de arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes. Em um artigo publicado em 1924, Memória e Cuchet referiram-se a Heitor de Mello como …Genuíno gênio nacional que foi o arquiteto Heitor de Mello cuja atividade e proficiência dotaram o Rio de Janeiro de belos e grandiosos edifícios como o Jockey Club, Derby Club...(Correio da Manhã, 13 de janeiro de 1924, quarta coluna).

 

 

Por iniciativa do já mencionado José Mariano Carneiro da Cunha Filho foi instituído, em 1921, o Prêmio Heitor de Mello, que seria anual, conferido em concurso público e julgado pelo Instituto Brasileiro de Arquitetos (Architectura Brasileira, outubro de 1921, segunda coluna).

Em 18 de dezembro, foi aberta na Escola Nacional de Belas Artes uma exposição com os trabalhos realizados por Heitor de Mello (Correio da Manhã, 16 de dezembro de 1920, penúltima coluna).

 

 

No artigo Um archictecto, de Adalberto Mattos, publicado, em março de 1921, na Illustração Brasileira, várias imagens de projetos de Heitor de Mello foram publicadas.

 

heitor9heitor10

heitor11

 

Lista dos principais trabalhos realizados por Heitor de Mello ao longo de 22 anos de vida profissional:

 

heitor1

heitor2

heitor3

heitor4

heitor5

 

Errata da listagem publicada no número seguinte da revista: o projeto do prédio de Antônio Maria da Costa, à Avenida Rio Branco, é de Morales de los Rios. A execução foi de Heitor de Mello (Illustração Brasileira, março de 1921Archictectura no Brasil, novembro de 1921, segunda coluna).

A Brasiliana Fotográfica já publicou dois artigos sobre projetos de Heitor de Mello:

Série “O Rio de Janeiro desaparecido” XXIV – O luxuoso Palace Hotel, na Avenida Rio Branco, uma referência da vanguarda artística no Rio de Janeiro, de autoria da pesquisadora e editora do portal, Andrea C. T. Wanderley, publicado em 4 de julho de 2023

O centenário do Palácio Pedro Ernesto, de autoria da pesquisadora e editora do portal, Andrea C. T. Wanderley, publicado em 21 de julho de 2023

 

O início do turfe do Brasil e pequeno histórico do Jockey Club e do Derby Club

Início do turfe no Brasil 

Cavalo de corrida jokey. desenho de tinta preto e branco | Foto Premium

 

O mais antigo registro da realização de corridas de cavalo no Rio de Janeiro é de 25 de maio de 1814 e foi publicado na Gazeta do Rio de Janeiro. As carreiras aconteciam na Praia de Botafogo e eram organizadas por um grupo de comerciantes ingleses estabelecidos na cidade.

 

 

Há o registro das presenças de dom Pedro I (1798 – 1934) e de dona Leopoldina (1797 – 1924) em uma dessas corridas, realizada no dia 31 de julho de 1825, na Praia de Botafogo (Diário Fluminense, 2 de agosto de 1925, primeira coluna).

 

 

No dia 6 de março de 1847, foi publicado no Jornal do Commercio, um tipo de convocação para a instituição mais regular das atividades turfísticas no Brasil, origem da fundação do Club de Corridas, uma sociedade anônima. Os subscritores da iniciativa foram convidados para uma reunião no dia 15 de julho do mesmo ano, em uma sala da assembleia do Cassino, defronte do Passeio Público, quando foi instalada a associação, discutido seus estatutos e eleita sua diretoria (Jornal do Commercio, 6 de março de 1847, segunda coluna; e 14 de julho de 1847, segunda coluna). O grupo do Club de Corridas era formado por Luis Alves de Lima e Silva (1803 – 1880), futuro Duque de Caxias, o coronel Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão (1802 – 1879), o cirurgião Antonio da Costa, o corretor de fundos Henry Harper, o agricultor e capitalista comendador Teles, o major João Guilherme Suckow, Alexander Reed e o Barão do Rio Bonito. O secretário da nova sociedade, João Pereira Darrigue Faro (1803 – 1856), segundo barão e primeiro visconde  do Rio Bonitoem nome de seu primeiro presidente, Luís Alves de Lima e Silva (1803 – 1880)futuro Duque de Caxias, convocou os diretores do Club de Corridas à uma reunião, no dia 6 de dezembro, para tratar-se da comprar de um terreno (Jornal do Commercio, 5 de dezembro de 1847, primeira coluna).

 

 

 

Reuniram-se em maio de 1848 para discutir seus estatutos e deliberar mais uma vez sobre a compra de um terreno (Correio Mercantil, 26 de maio de 1848, última coluna).

Em  janeiro de 1849, foi eleita uma nova diretoria para o Club de Corridas, sob a presidência do Barão do Rio Bonito. O secretário era Marianno Procópio Ferreira Lage (1821 – 1872), que veio a ser, como já mencionado, o primeiro presidente do Jockey Club. Tomaram posse em 5 de fevereiro  de 1849 (Jornal do Commercio, 10 de junho de 1849, primeira coluna).

 

 

Começaram a construir  um prado em São Francisco Xavier, o Prado Fluminense, que ficava na área onde hoje se encontra a UERJ. Em 1º de novembro de 1850, foi realizada a única corrida no Prado Fluminense patrocinada pelo Club de Corridas. Curiosamente, um dos regulamentos da prova era: matar-se-ha qualquer cachorro que ali apparecer. O primeiro páreo disputado foi vencido pelo cavalo Malacarinha, propriedade de Manoel Rocha Maia, montado pelo jóckei D. Thomaz (Jornal do Commercio, 21 de outubro de 1850, última coluna1º de novembro de 1850, penúltima coluna).

 

 

Ainda em 1850,  uma nova reunião foi convocada pelo Club de Corridas para que fosse realizada a revisão dos estatutos e a tomada de decisão sobre a melhor forma de levantar-se recursos para a conclusão das obras do Prado Fluminense. Decidiu-se pelo arrendamento (Correio Mercantil, 19 de novembro de 1950, terceira coluna; 29 de novembro de 1950, quarta coluna).

 

 

Em 3 de fevereiro de 1851, o major alemão João Guilherme Suckow (1797 – 1869) e David Stevenson foram formalizados como os  arrendatários do prado (Correio Mercantil, 1º de abril de 1951, primeira coluna).

 

 

O Prado Fluminense tinha 1.056 metros e tinha o formato de uma ferradura. Ao seu lado foi construída uma arquibancada para 800 pessoas e um pavilhão destinado à família imperial. Em 13 de junho de 1851, foi inaugurado (Jornal do Commercio, 13 de junho de 1851, última coluna; 14 de março de 1851, quarta coluna). Foi um evento de sucesso com o comparecimento de cerca de quatro mil pessoas, dentre eles dom Pedro II e dona Teresa Cristina, que foram recebidos com a execução do Hino Nacional. Os páreos foram vencidos pelos cavalos OrestesNeptunoMalacarinhaSultão, LoteriaKaleb (Jornal do Comercio, 15 de junho de 1851, terceira coluna; A Marmota na Corte, 17 de junho de 1851)

 

 

A segunda corrida aconteceu em 14 de setembro do mesmo ano e também contou com a presença de Pedro II (A Marmota na Corte, 16 de setembro de 1851, segunda colunaO Liberal, 24 de setembro de 1851, primeira coluna).

As corridas prosseguiram sem interrupção até 1854, ano em que um dos empregados de Suckow ateou fogo à arquibancada, destruindo-a. Este fato somado ao prejuízo causado pela última corrida realizada no prado levou à liquidação do Jockey Club Fluminense e à decretação de venda em hasta pública de todos do seus bens móveis e imóveis, só concluída em 1865.

 

 

Como Suckov não podia mais arcar sozinho com os custos do Prado Fluminense, em 9 de junho de  1854, foi fundado o Jockey Club Fluminense, segunda entidade dedicada ao turfe no Rio de Janeiro, sob a presidência do general Polydoro da Fonseca Quintanilha Jordão (1802 – 1879), futuro Visconde de Santa Thereza.  Entre 1854 e 1865, Suckow tornou-se um dos três acionistas do Jockey Club Fluminense e em 7 de setembro de 1865 tornou-se o dono de toda a propriedade. Mudou o traçado do Prado Fluminense, construiu uma nova arquibancada e começaram a se realizar corridas de cavalos, principalmente, de amadores (Gazeta de Notícias, 17 de julho de 1904).

 

 

 

Polydoro da Fonseca Quintanilha Jordão havia sido um dos fundadores do Club de Corridas e esteve, em 1868, presente à assembleia de inauguração do Jockey Club. Foi condecorado por mérito e bravura por sua participação na Guerra do Paraguai. Foi ministro da Guerra, em 1862. A primeira corrida promovida pela nova associação, no Prado Fluminense, aconteceu em 17 de setembro de 1854 com a presença de dom Pedro II (1825 – 1891) e cerca de 1500 pessoas. As corridas foram vencidas pelos cavalos Bonjardim e Hummel. O evento foi um dos temas do Folhetim do Jornal do Commercio e também da crônica Ao correr da Penna, da Gazeta Mercantil (Jornal do Commercio31 de agosto de 1854, última coluna; 18 de setembro de 1854, penúltima coluna24 de setembro de 1854; Correio Mercantil, 24 de setembro de 1854, primeira coluna).

 

 

Os prejuízos acumulados e a queda do interesse do público levaram à extinção do Jockey Club Fluminense após ter sido realizado esse único evento (Correio Mercantil, 18 de fevereiro de 1855, última colunaDiário do Rio de Janeiro, 2 de junho de 1856, última coluna).

Em 23 de agosto de 1957, foram realizadas as primeiras corridas de cavalos promovidas pelo Jockey Club de Petrópolis, no Prado do Fragoso, construído com 500 braças de extensão, no fim da Estrada de Ferro de Mauá. Não foram muito concorridas. Os cavalos ganhadores foram Tebiriça, de José Basílio Teixeira Pires; Crioulo, de Luiz Pinheiro de Siqueira;  Malcreado, de Guilherme de Suckov; Locomotiva, do Barão de Mauá; Fulminante, de Antônio Fernando da Piedade; e Relâmpago, montado por seu proprietário, Manuel da Silva Torres (Correio Mercantil, 23 de julho de 1857, terceiro colunaDiário do Rio de Janeiro, 6 de agosto de 1857, quinta coluna; 16 e 17 de agosto de 1857, penúltima coluna; 24 de agosto de 1857, segunda coluna; 30 de agosto de 1857, primeira coluna; e A Pátria, 6 de agosto de 1857, terceira coluna).

Em Pernambuco, no Hotel Inglez, no Recife, em 12 de novembro, foi instalada uma sociedade denominada Jockey Club (Correio Mercantil, 26 de novembro de 1859, quarta coluna).

Em 27 de maio de 1866, foi fundado, no Rio de Janeiro, o Club Jacome, no picadeiro da rua do Areal. O nome foi uma homenagem ao mestre de equitação Luiz Jacome de Abreu Souza (1828 – 1903). Ele havia promovido, com grande sucesso, no ano anterior, em 26 de novembro de 1865, a primeira corrida de Stepple-Chase – cavalos com obstáculos -, realizada no Brasil. Aconteceu no Campo de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Foram incumbidos pela organização dos estatutos do Club Jacome, além do próprio Jacome, Francisco da Costa Ferraz, Joaquim José da França Junior, Pedro Dias Gordilles Paes Leme e Manoel da Motta Teixeira. Os estatutos foram aprovados pelo governo em 28 de janeiro de 1867 e o Decreto 3.794, de 30 de janeiro de 1867, autorizou a organização da nova entidade (Diário das Leis). Este foi o primeiro ato público relativo a corridas de cavalos no Brasil.

O Clube Jacome chegou a comemorar um ano de existência com a realização de um segundo Stepple-Chase, mas logo desapareceu devido a divergências em relação à localização de seu prado (Novo e Completo Índice Chronologico da História do Brasil, 1854 e 1866; Correio Mercantil, 28 de maio de 1866, primeira colunaBazar Volante, 11 de novembro de 1867; Gazeta de Notícias, 17 de julho de 1904A Noite, 21 de julho de 1951). Foi o tema da comédia teatral escrita por França Júnior, Entrei para o Clube Jacome, que estreou em 12 de janeiro de 1867, no Theatro Gymnasio (Diário do Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 1867, última coluna). Luiz Jacome escreveu cinco livros sobre hipologia, tornou-se sócio honorário do Jockey Club, em 1875, e foi o idealizador do que hoje conhecemos como photochart.

 

 

 

Em 15 de julho de 1861, no Rio de Janeiro, uma sociedade denominada Jockey Club promoveu suas primeiras corridas de cavalos na Praia Vermelha (Correio Mercantil, 17 de julho de 1861, terceira coluna).

 

Pequeno histórico do Jockey Club

jockey24

 

 

 

O novo Jockey Club foi fundado em 16 de julho de 1868, nos salões da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional com o fim de dar corridas de cavallo no Prado Fluminense, sob a presidência do comendador Mariano Procopio Ferreira Lage (1821 – 1872), empresário mineiro e diretor da Companhia União e Indústria.

 

 

A decisão de fundação da nova entidade foi tomada em duas reuniões.

 

Modelo dos primeiros títulos de sócio emitidos pelo Jockey Club

Modelo dos primeiros títulos de sócio emitidos pelo Jockey Club

 

A primeira foi realizada, em 7 de junho de 1868, na casa do Conde de Herzberg (1822 – 1899), sita no Prado Fluminense. Ele era um capitão reformado do exército prussiano e marido de Leopoldine, filha do major Suckow. Compareceram a esse encontro aqueles que são considerados os dez sócios fundadores do Jockey Club: além do anfitrião, estavam presentes Felisberto Paes Leme (1794 -1887), João Guilherme Suckow (1797 – 1869), Joaquim José Teixeira (1811 – 1885), Henrique Germarck Possolo (18?-1903), Henrique José Teixeira (? -?), Henrique Lambert (?-?), Henrique Moller  (?-?), Luiz de Suckow (1845 – 1878) e Fernando Francisco da Costa Ferraz  (1838 – 1907). À segunda, realizada em 20 de junho, na rua do Conde, nº 37, na casa de Costa Ferraz, médico mineiro, antigo secretário do Club Jacome, que tornou-se um dos diretores do Jockey Club e foi seu presidente entre 1899 e 1903, compareceram 17 pessoas (Revista da Sociedade Jockey Club, 1870).

Na época, o Prado Fluminense pertencia ao major Suckow, um dos fundadores do extinto Jockey Club Fluminense. Foi arrendado pela diretoria do Jockey Club que, em 16 de junho de 1873, sob a presidência de Felisberto Caldeira Brant Potes, o Visconde de Barbacena, adquiriu dos herdeiros de Suckow a propriedade do terreno e das benfeitorias (Diário do Rio de Janeiro, 17 de julho de 1868, segunda coluna).

 

 

Imagens de alguns dos fundadores do Jockey Club

 

 

 

 

 

Houve uma tentativa de fusão entre o Club Jacome e o novo Jockey Club , porém houve divergências. Na ocasião, o presidente honorário do Club Jacome era o conde d´Eu (1842 – 1922), marido da princesa Isabel (1846 – 1921). Na ata da 2ª sessão da Assembleia do Jockey Club, realizada em 30 de janeiro de 1869, foram relatados os procedimentos da tentativa de fusão do Club Jacome, extinto nos primeiros anos da década de 1870 e refundado em novembro de 1909. Nesta mesma assembleia, o Conde d´Eu tornou-se o primeiro agraciado com o título de sócio honorário do Jockey Club (Jornal do Commercio, 27 de setembro de 1868, penúltima coluna; A Vida Fluminense, 3 de outubro de 1868Jornal do Commercio, 31 de outubro de 1868, penúltima colunaSemana Illustrada, 8 de novembro de 1868, segunda coluna; Revista da Sociedade do Jockey Club, 1870; Correio da Manhã, 24 de novembro de 1909, terceira coluna).

 

 

 

No ano seguinte, em 19 de janeiro de 1869, foi outorgado o Decreto nº 4.323, autorizando a incorporação do Jockey Club e aprovando os estatutos. Em 16 de maio de 1869, foi realizada, com a presença de  d. Pedro II (1825 – 1891) e dona Teresa Cristina (1822 – 1889), a primeira corrida do Jockey Club, no Prado Fluminense (Novo e Completo Índice Chronologico da História do Brasil, 1869). A presença constante da família imperial nas corridas foi fundamental para atrair a sociedade chique e elegante para os páreos.

 

 

Programa das corridas do dia 16 de maio de 1869

Programa das corridas do dia 16 de maio de 1869

 

Em 20 de maio de 1911, foi lançada a pedra fundamental do edifício-sede do Jockey Club, foi inaugurado em 1913,  projeto do arquiteto Heitor de Mello. Ficava na esquina das avenidas Rio Branco e Almirante Barroso e foi um dos centros político e mundano do Rio de Janeiro por mais de 60 anos.

 

 

Pequeno histórico do Derby Club

jockey17

 

Thumbnail

Guilherme Santos. Alberto I, rei da Bélgica, durante o Grande Prêmio no Derby Club, 26 de setembro 1920. Rio de Janeiro, RJ / Acervo IMS Com a presença de Epitácio Pessoa e do casal real, realização no Derby Club de um páreo com o nome de Alberto I (O Paiz, 27 de setembro de 1920).

 

A origem do Derby Club é o Club de Corridas Villa Isabel, cujo hipódromo, o segundo do Rio de Janeiro, foi erguido por moradores do bairro de Vila Isabel em terrenos cedidos pela Cia. Architectônica, do Barão de Drummond (1825-1897), que havia sido presidente do Jockey Club, em 1874.

 

 

A corrida inaugural aconteceu em 22 de maio de 1884 (Gazeta da Tarde, 23 de maio de 1884, terceira coluna). Em 17 de outubro do mesmo ano, o Club de Corridas Villa Isabel passou a se denominar Derby Fluminense (Gazeta da Tarde, 24 de outubro de 1884, quinta coluna). Sob a presidência do engenheiro Paulo de Frontin  (1860 – 1933) e, sob esta nova razão social, a entidade patrocinou apenas quatro reuniões, entre novembro e dezembro de 1884.

 

 

 

O Derby Fluminense foi liquidado e seu acervo foi rateado. Os 242 membros que acompanharam o presidente na fundação do Derby Club utilizaram o valor de 56 mil réis, que coube a cada membro do extinto Derby Fluminense, e a isso acrescentaram uma jóia de 100 mil réis para a subscrição de suas respectivas cotas na nova sociedade (Gazeta de Notícias, 2 de março de 1885, terceira coluna; 15 de março de 1885, última coluna).

Surgia, assim, o Derby Clube, clube de turfe, esportes equestres e atividades sociais da cidade do Rio de Janeiro, foi, como já mencionado, fundado em 6 de março de 1885,  sob a organização de Paulo de Frontin (O Paiz, 7 de março de 1885, primeira coluna).

 

Placa comemorativa da inauguração do Derby Club, que ficava no pavilhão central do Prado do Itamaraty / Jockey Club Brasileiro 130 anos

Placa comemorativa da inauguração do Derby Club, que ficava no pavilhão central do Prado do Itamaraty / Jockey Club Brasileiro 130 anos

 

 

jockey19jockey20

Annuarios das Estações Sportivas de 1885 a 1890: Derby Club

 

Sua corrida inaugural aconteceu em 2 de agosto de 1885, com 82 animais inscritos em nove páreos. Foi o grande acontecimento social do ano e a ele estiveram presentes Suas Majestades Imperiais, dom Pedro II e dona Thereza Christina e mais 10.000 pessoas, aproximadamente. O cavalo Aymoré, de propriedade da Coudelaria Aliança e montado por Arthur Oliveira foi o vencedor da primeira prova disputada no Derby Club. Os outros páreos foram vencidos pelos cavalos Cosmos, Progresso, Excelsior, Rio de Janeiro, Seis de Março, Derby Club, Lemgruber e 26 de Julho. Inovador e à frente do seu tempo, logo em sua primeira corrida fez funcionar um cronógrafo elétrico, destinado a marcar com precisão o tempo de cada páreo (Diário do Rio de Janeiro, 3 de agosto de 1885, quarta coluna; 4 de agosto de 1885, segunda coluna).

 

 

Seu hipódromo era o Prado Itamaraty, onde fica atualmente o Estádio do Maracanã (Annuario das estações Sportivas, 1885 – 1890).

 

 

Sua primeira sede foi inaugurada em junho de 1889, na Praça da Constituição, atual Praça Tiradentes.  Em 6 de março de 1916, foi inaugurado seu segundo edifício-sede, na avenida Rio Branco.

 

 

Andrea C. T. Wanderley

Pesquisadora e editora da Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

Facebook

FERNANDES, Neusa; COELHO,Olino Gomes P. Efemérides Cariocas. Rio de Janeiro, 2016.

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

MATTOS, Adalberto. Um archicteto. Ilustração Brasileira, março 1921.

MELO, Victor Andrade. “Temos apaixonados para o mar e para a terra”: representações do esporte nos folhetins (Rio de Janeiro; 1851-1855).  Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2013, Out-Dez.

Portal Clube de Engenharia

Portal Domínio Público

RAMALHO, Maria Lúcia Pinheiro. Da beaux-arts ao bungalow: uma amostragem da arquitetura eclética no Rio de Janeiro e em São Paulo, 1989. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo.

Site Academia Nacional de Medicina

Site Arch Daily

Site Estilos arquitetônicos

TERRA, Alcione. HEITOR DE MELLO: Trajetória e Contribuição Profissional na cidade do Rio de Janeiro no período da Primeira República. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2004.

WANDERLEY, Andrea C. T. O fotógrafo amador Guilherme Santos (1871 – 1965) in Brasiliana Fotográfica, de 28 de julho de 2016.

 

Outros artigos da série Os arquitetos do Rio de Janeiro

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” I – Porto D´Ave e a moderna arquitetura hospitalar, de autoria de Cristiane d´Avila – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, publicado em 14 de janeiro de 2021.

Série “Os arquitetos do Rio” II – No Dia Nacional da Saúde, o Desinfetório de Botafogo e um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior, responsável pelo projeto, de autoria de Cristiane d´Avila, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, em parceria com Andrea C. T. Wanderley, publicado em 5 de agosto de 2023

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” III – O centenário do Copacabana Palace, quintessência do “glamour” carioca, e seu criador, o arquiteto francês Joseph Gire, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado em 13 de agosto de 2023

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” IV – Archimedes Memória (1893 – 1960), o último dos ecléticos, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 1º de dezembro de 2023

 

 

Links para os outros artigos da Série O Rio de Janeiro desaparecido

 

Série O Rio de Janeiro desaparecido I Salas de cinema do Rio de Janeiro do início do século XXde autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 26 de fevereiro de 2016.

Série O Rio de Janeiro desaparecido II – A Exposição Nacional de 1908 na Coleção Família Passos, de autoria de Carla Costa, historiadora do Museu da República, publicado na Brasiliana Fotográfica, em 5 de abril de 2018.

Série O Rio de Janeiro desaparecido III – O Palácio Monroe, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica, em 9 de novembro de 2016.

Série O Rio de Janeiro desaparecido IV - A via elevada da Perimetral, de autoria da historiadora Beatriz Kushnir, publicado na Brasiliana Fotográfica em 23 de junho de 2017.

Série O Rio de Janeiro desaparecido V – O quiosque Chopp Berrante no Passeio Público, Ferrez, Malta e Charles Dunlopde autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portalpublicado na Brasiliana Fotográfica em 20 de julho de 2018.

Série O Rio de Janeiro desaparecido VI – O primeiro Palácio da Prefeitura Municipal do Rio de Janeirode autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de setembro de 2018.

Série O Rio de Janeiro desaparecido VII – O Morro de Santo Antônio na Casa de Oswaldo Cruzde autoria de historiador Ricardo Augusto dos Santos da Casa de Oswaldo Cruzpublicado na Brasiliana Fotográfica em 5 de fevereiro de 2019.

Série O Rio de Janeiro desaparecido VIII – A demolição do Morro do Castelode autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portalpublicado na Brasiliana Fotográfica em 30 de abril de 2019.

Série O Rio de Janeiro desaparecido IX – Estrada de Ferro Central do Brasil: estação e trilhosde autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de novembro de 2019.

Série O Rio de Janeiro desaparecido X – No Dia dos Namorados, um pouco da história do Pavilhão Mourisco em Botafogode autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de junho de 2020.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XI – A Estrada de Ferro do Corcovado e o mirante Chapéu de Sol, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 22 de julho de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XII – o Teatro Lírico (Theatro Lyrico), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 15 de setembro de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XIII – O Convento da Ajuda, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de outubro de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XIV – O Conselho Municipal, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 19 de novembro de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XV – A Praia de Santa Luzia no primeiro dia do verão, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 21 de dezembro de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XVI – O prédio da Academia Imperial de Belas Artes, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado na Brasiliana Fotográfica em 13 de janeiro de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XVII – Igreja São Pedro dos Clérigos, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 18 de março de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XVIII – A Praça Onze, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 20 de abril de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XIX – A Igrejinha de Copacabana, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 23 de junho de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XX – O Pavilhão dos Estados, futuro prédio do Ministério da Agricultura, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 26 de julho de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXI – O Chafariz do Largo da Carioca, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 19 de setembro de 2022. 

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXII – A Cadeia Velha que deu lugar ao Palácio Tiradentes, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 11 de abril de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXIII e Avenidas e ruas do Brasil XVII A Praia e a Rua do Russel, na Glória, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 15 de maio de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXIV – O luxuoso Palace Hotel, na Avenida Rio Branco, uma referência da vanguarda artística no Rio de Janeiro, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 4 de julho de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXV – O Theatro Phenix, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 5 de setembro de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXVI – Conclusão do arrasamento do Morro do Castelo por Augusto Malta, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 14 de dezembro de 2023

 

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” IV – Archimedes Memória (1893 – 1960), o último dos ecléticos

O cearense Archimedes Memória (1893 – 1960), considerado o último dos ecléticos e um dos maiores expoentes da arquitetura brasileira, e suas construções no Rio de Janeiro são o tema do quarto artigo da série Os arquitetos do Rio de Janeiro. Já foram publicados na Brasiliana Fotográfica artigos sobre algumas de suas mais importantes realizações: a Esplanada no Castelo e alguns dos pavilhões contruídos para a Exposição Internacional do Centenário da Independência; o Hipódromo da Gávea, o Palácio Pedro Ernesto e o Palácio Tiradentes. Nessas publicações, que destacaremos aqui, há fotografias produzidas por diversos fotógrafos, dentre eles Augusto Malta (1864 – 1957), Theodor Preising (1883 – 1962) e fotógrafos ainda não identificados. Há ainda uma fotografia de autoria de Marc Ferrez (1843 – 1923), do acervo do Instituto Moreira Salles, uma das instituições fundadoras da Brasiliana Fotográfica, recém acrescentada no acervo do portal.

 

 

 

 

Seguem os links dos artigos já publicados na Brasiliana Fotográfica sobre construções de Archimedes Memória:

 

Série “1922 – Hoje, há 100 anos” VIII – A abertura da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil e o centenário da primeira grande transmissão pública de rádio no país, publicado em 7 de setembro de 1922

 

 

Série “O Rio de Janeiro desaparecido” XXII – A Cadeia Velha, que deu lugar ao Palácio Tiradentes publicado em 11 de abril de 2023

 

 

O Hipódromo da Gávea, no Rio de Janeiro, publicado em 11 de julho de 2023

 

O centenário do Palácio Pedro Ernesto, publicado em 21 de julho de 2023

 

 

 

Breve perfil do arquiteto cearense Archimedes Memória (1893 – 1960)

 

 

Nascido em 7 de março de 1893, no sítio Gameleira, próximo da atual Várzea do Jiló, em Ipu, o cearense Archimedes Memória chegou ao Rio de Janeiro por volta de 1910 para estudar desenho na Escola Nacional de Belas Artes (Enba). Logo entrou para o Botafogo Clube de Regatas, onde se tornou campeão de remo. Transferiu-se para o curso de Arquitetura, formando-se em 1917. Como estudante, morava com outros companheiros no Largo da Lapa  (Correio da Manhã, 27 de setembro de 1960, antepenúltima coluna).

Foi um dos discípulos prediletos de Heitor de Mello (1875 – 1920), seu mestre, para quem começou a trabalhar, no Escritório Técnico Heitor de Mello, em 1918. Segundo o historiador da arquitetura Yves Bruand (1926 – 2011), este escritório foi a primeira organização comercial de arquitetura no Brasil dedicada ao desenvolvimento de projetos, acompanhamento e fiscalização de obras. Quando Heitor de Mello faleceu, em 1920, Archimedes passou a ser sócio do escritório com o franco-suíço Francisque Couchet (18? – 19?). Também, em 1920, sucedeu Heitor como professor de desenho de ornatos e elementos de arquitetura e composição de arquitetura da Enba. Em 1931, passou a dirigir a escola, sucedendo Lúcio Costa (1902 – 1998), que havia feito uma reforma no ensino da instituição, que desagradou a maioria dos professores. Archimedes ficou no cargo até 1934, tendo sido reconduzido em 1938.

 

Augusto Malta, Sentados, da esquerda para a direita: Nestor de Figueiredo, Adollpho Morales de los Rios (pai) e Francisco Cuchet. Em pé, na mesma ordem: Arquimedes Memoria, Adolpho Morales de los /rios (filho), Celestino Severo de Juan e Edgar Vianna, de 7 de setembro de 1922. Rio de Janeiro, RJ / Rio antigo, por Charles Dunlop.

Augusto Malta. Sentados, da esquerda para a direita: Nestor de Figueiredo, Adolpho Morales de los Rios (pai) e Francisque Cuchet. Em pé, na mesma ordem: Archimedes Memoria, Adolpho Morales de los Rios (filho), Celestino Severo de Juan e Edgar Viana, 7 de setembro de 1922. Rio de Janeiro, RJ / Rio Antigo, por Charles Dunlop.

 

Ele e Francisque Couchet foram sócios até 1929 e responsáveis pelos projetos do Palácio das Festas e do Palácio das Grandes Indústrias, na Exposição Internacional do Centenário da Independência (1922), um dos maiores eventos internacionais já realizados no Brasil, inaugurada no Rio de Janeiro em 7 de setembro de 1922 e encerrada em 24 de julho do ano seguinte; além dos edifícios do Palácio Pedro Ernesto (1923), cujo projeto foi desenvolvido por eles, já que seu autor, Heitor Mello (1875 – 1920), faleceu em 1920; do Hotel Balneário da Urca (1925), futuro Cassino da Urca e sede da TV Tupi carioca; do Hipódromo da Gávea (1926), do Palácio do Comércio (1927) e do Botafogo Futebol e Regatas (1928). Na década de 1930, o arquiteto se aproximou do art déco. Projetou a agência dos Correios & Telégrafos, em Belém, e a Capela Santa Terezinha (1935), na saída do Túnel Novo, no Rio de Janeiro, em 1935. Foi também o responsável, entre 1927 e 1928, pela remodelação do altar-mor da Igreja da Candelária, inspirado no altar da igreja de Saint Gervais, em Paris.

 

 

 

 

Palácio do Comércio e Agência dos Correios em Belém /

Palácio do Comércio e Agência dos Correios em Belém / Archimedes memória: “o futuro ancorado no passado”

 

Linha do tempo de Archimedes Memória

Linha do tempo de Archimedes Memória / Archimedes memória: “o futuro ancorado no passado”

 

Memória permaneceu na direção do escritório até 1935, mesmo ano em que protagonizou um dos acontecimentos mais importantes na história da disputa do domínio da cena arquitetônica na década de 1930, no Brasil. Venceu o concurso nacional de anteprojetos para o Ministério da Educação e Saúde, cujo titular era Gustavo Capanema (1900 – 1985). Foi premiado mas seu projeto foi preterido.

 

Pojeto Pax, de ARchimedes Memória, para a sede do Ministériro da Educação e Saúde, no rio de Janeiro

Projeto Pax, de Archimedes Memória, para a sede do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro / Archimedes memória: “o futuro ancorado no passado”

 

O projeto vencedor, de Memória, é marcado pela simetria, composição em planos escalonados, contraste entre linhas horizontais e verticais, com ênfase nestas últimas, predominância de cheios sobre vazios e a utilização de elementos decorativos inspirados nos motivos geométricos da cerâmica indígena da Ilha de Marajó. O projeto, entretanto, realizado num concurso cujo objetivo é dar forma à ação civilizadora daquele ministério não entusiasma alguns membros do júri, entre eles Batalha e Palladini, que o consideram inadequado para o programa a que se destina. Capanema, por sua vez, decepcionado com o resultado encomenda pareceres sobre o projeto ao ministro Maurício Nabuco (1881 – 1979), ao engenheiro Fernando Saturnino de Brito (1914 – 196-) e ao inspetor de engenharia sanitária do MES, Domingos da Silva Cunha, que também o desaprovam. Fundamentado nesses pareceres, Capanema paga a premiação a Memória e solicita uma autorização ao presidente Getúlio Vargas (1882 – 1954) para contratar Lucio Costa para o desenvolvimento de um novo projeto, que é realizado por Carlos Leão, Reidy, Jorge Moreira, Ernani Vasconcellos (1909 – 1988) e Oscar Niemeyer (1907 – 2012), com a colaboração de Le Corbusier (1887 – 1965). Diante dessa reviravolta, Memória escreve, em vão, uma carta ao presidente Vargas, acusando de comunistas esse arquitetos, que afinal conseguem vincular suas propostas ao governo, naquele que é o principal responsável por traçar as novas diretrizes culturais da nação, o Ministério da Educação e Saúde (Enciclopédia Itáu Cultural)

A carta escrita por Memória está transcrita no artigo O ministro que desprezou a rotina, do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987), publicado na Revista Módulo, setembro de 1975Sobre o episódio, escreveu: Pagando a seu autor o prêmio devido, e obtendo do presidente da República a anulação do concurso que aprovara tal projeto, Capanema partiu corajosamente para a solução revolucionária: encomendou a jovens arquitetos, imbuídos de idéias novas, o projeto que viria a concretizar-se na obra hoje reverenciada pelos mestres da arquitetura universal.

 

 

O projeto do prédio do Ministério da Educação, o Palácio Capanema, encomendado aos já citados jovens arquitetos, substituindo o projeto de Archimedes, tornou-se um marco da arquitetura mundial. Contou com uma fachada envidraçada (curtain wall), das lâminas horizontais móveis (brise-soleil), criadas por Le Corbusier, do térreo com pilotis e da criação dos terraços-jardins, além do paisagismo de Roberto Burle Marx (1909 – 1994), dos afrescos de Cândido Portinari (1903 – 1962) e das esculturas de Adriana Janacópulos (1897 – 1978), Bruno Giorgi (1905 – 1993) e Celso Antônio de Menezes (1896 – 1984).

 

Marcel Gautherot: Edifício Gustavo Capanema, sede do Ministério da Educação e Saúde, c.1955. Rio de Janeiro, RJ (Acervo IMS)

Marcel Gautherot. Edifício Gustavo Capanema, sede do Ministério da Educação e Saúde, c.1955. Rio de Janeiro, RJ / Acervo IMS

 

Archimedes Memória faleceu em 20 de setembro de 1960, aos 67 anos, de repente. Estava fazendo ginástica em casa, quando passou mal e faleceu, apesar de ser um homem de hábitos saudáveis: Era um homem de compleição sólida, esportista habitual, grande resistência física, saúde perfeita, não fumava, não bebia, não jogava. Na ocasião era Decano da Faculdade Nacional de Arquitetura, aonde existe um pavilhão com o seu nome. Foi o último representante da geração de arquitetos que foi sucedida por modernos como Affonso Eduardo Reidey (1909 – 1964), Lúcio Costa (1902 – 1998), Oscar Niemeyer (1907 – 2021) e Sérgio Bernardes (1919 – 2002) (Correio da Manhã, 22 de setembro de 1960, antepenúltima coluna; Correio da Manhã, 27 de setembro de 1960, antepenúltima coluna; Diário de Notícias, 2 de outubro de 1960, terceira coluna).

 

 

Foi postumamente homenageado com a medalha do Mérito da Engenharia e da Arquitetura, concedida pelo Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura; e na comemoração do 18º ano da Faculdade Nacional de Arquitetura, foi inaugurado o medalhão de Archimedes Memória, de autoria de Carlos del Negro (Correio da Manhã, 14 de dezembro de 1960, última coluna; e Correio da Manhã, 25 de agosto de 1963, quinta coluna). Foi membro da Sociedade Pan-Americana de Arquitetos, sócio-fundador da Sociedade Central de Arquitetos e do Instituto de Arquitetos do Brasil e participou ativamente do movimento integralista com o cargo de Coordenador de Artes Plásticas na Câmara dos Quarenta, órgão máximo do Partido Integralista. De acordo com Aurélia Tâmisa Silvestre de Alencar, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro:

Mesmo com uma envergadura profissional inquestionável, suas inclinações políticas de caráter reacionário e fascista lhe afastaram da maré que se consagraria e lhe custaram o ônus do esquecimento. Foi o que pudemos constatar durante a pesquisa bibliografia com a superficialidade e até mesmo escassez de informações a respeito do arquiteto.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

ALENCAR, Aurélia Tâmisa Silvestre de. Archimedes memória: “o futuro ancorado no passado”. 9º Seminário Docomomo Brasil Interdisciplinaridade e Experiências em Documentação e Preservação do Patrimônio Recente. Brasília, junho de 2011

Enciclopédia Itáu Cultural

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

LISSOVSKY, Mauricio; SÁ, Paulo Sergio Moraes de. Colunas da educação. A construção do Ministério de Educação e Saúde (1935-1945). Rio de Janeiro: Edições do Patrimônio, IPHAN, Ministério da Cultura, Fundação Getúlio Vargas, 1996.

MEMÓRIA FILHO, Péricles. Archimedes Memória: o último dos ecléticos. Rio de Janeiro: Interage, 2008.

MOURÃO, Sebastião Valdemir et al (Org.). Livro dos Patronos da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes. Fortaleza: Premius, 2010.

ROCHA-PEIXOTO, Gustavo. O ecletismo e seus contemporâneos na arquitetura do Rio de Janeiro. In: CZAJKOWSKI, Jorge (org.). Guia da arquitetura eclética no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro de Arquitetura e Urbanismo, 2000

Site Rio Memórias

 

Outros artigos da série Os arquitetos do Rio de Janeiro

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” I – Porto D´Ave e a moderna arquitetura hospitalar, 14/01/2021 – Cristiane d´Avila – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz

Série “Os arquitetos do Rio” II – No Dia Nacional da Saúde, o Desinfetório de Botafogo e um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior, responsável pelo projeto, 05/08/2023 – Cristiane d´Avila, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz em parceria com Andrea C. T. Wanderley

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” III – O centenário do Copacabana Palace, quintessência do “glamour” carioca, e seu criador, o arquiteto francês Joseph Gire, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 13 de agosto de 2023

Série “O Rio de Janeiro desaparecido XXVII e “Os arquitetos do Rio” V – O Jockey Club e o Derby Club, na Avenida Rio Branco e o arquiteto Heitor de Mello (1875 – 1920), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 15 de janeiro de 2024

 

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” III – O centenário do Copacabana Palace, quintessência do “glamour” carioca, e seu criador, o arquiteto francês Joseph Gire

A Brasiliana Fotográfica publica o terceiro artigo da série Os arquitetos do Rio de Janeiro com um texto sobre o centenário do Copacabana Palace e também sobre seu arquiteto, o francês Joseph Gire (1872 – 1933).

 

 

O Copacabana Palace, símbolo do glamour carioca e um ícone da arquitetura do Rio de Janeiro, completa hoje 100 anos e volta a ser tema da Brasiliana Fotográfica. Era, na época de sua inauguração, o maior hotel da América Latina e representava a modernidade da cidade, ocupando um lugar importante em sua memória. O Copa, apelido pelo qual ficou conhecido, foi criado pelo arquiteto francês Joseph Gire (1872 – 1933) e teve seu batismo oficial realizado, em 13 de agosto de 1923, com a visita do então presidente da República, Artur Bernardes (1875 – 1955), em companhia de outras autoridades, dentre elas o prefeito do Rio de Janeiro, Alaor Prata (1882 – 1964). Foram recebidos por Octávio Guinle (1886 – 1968). No dia seguinte, o hotel começou a receber hóspedes, distintos turistas e brasileiros da melhor sociedade (Gazeta de Notícias, 8 de agosto de 1923O Paiz, 14 de agosto de 1923, segunda coluna; e Beira-Mar, 19 de agosto de 1923).

 

Destacamos registros do hotel produzidos por Augusto Malta (1864 – 1957) que, entre 1903 e 1936, foi o fotógrafo oficial da Prefeitura do então Distrito Federal, por Thiele (? – 19?) e imagens realizadas por um fotógrafo ainda não identificado.

 

Acessando o link para as fotografias do Hotel Copacabana Palace disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

Um pouco da história do Copacabana Palace

 

“Contar a história do hotel é contar a história da cidade e do país”

O jornalista Ricardo Boechat (1952 – 2019)

sobre o Copacabana Palace

Inspirado nos hotéis Negresco, em Nice, e no Carlton, em Cannes – ambos na França – e situado na Avenida Atlântica 1.702, o Copacabana Palace é um marco na ocupação e na paisagem de Copacabana e contribuiu para a projeção internacional do Rio de Janeiro. Seu arquiteto foi, como já mencionado, o francês Joseph Gire (1872 – 1933). O engenheiro responsável pela obra do Copa foi Cesar de Mello e Cunha (1898 – 1991). O hotel  foi construído com cimento alemão, mármore de Carrara, e adornado com vidros e lustres da Tchecoslováquia, móveis franceses, tapetes ingleses e cristais da Boêmia. Suas porcelanas eram Limoges. Surgia então um monumento à elegância.

 

Edifício Gire, no Rio

COPACABANA PALACE – FACHADA PRINCIPAL No HOTEL sobre a AVENIDA ATLÂNTICA / Joseph Gire architeto – Escala 100

 

A construção de um hotel de luxo na avenida Atlântica, recém duplicada e iluminada pelo prefeito Paulo de Frontin (1860 – 1933), em Copacabana, bairro que concentrava a aristocracia moderna do Rio de Janeiro, fazia parte dos preparativos  para a celebração do centenário da independência do Brasil, em 1922. Determinado a propagar as belezas do Brasil no exterior, o presidente Epitácio Pessoa (1865 – 1942) submeteu o projeto ao empresário Octávio Guinle (1886 – 1968), membro de uma das mais ricas e tradicionais famílias do Brasil e dono do Palace Hotel, no Rio de Janeiro, e do Hotel Esplanada, em São Paulo. Ele aceitou o desafio. Porém o Copacabana Palace só ficou pronto, em 1923, quando a Exposição Internacional do Centenário da Independência, aberta em 7 de setembro de 1922, já havia sido encerrada, em 24 de julho de 1923.

 

 

Sobre a localização do novo hotel, Epitácio fazia questão que fosse construído na Praia de Copacabana, uma descoberta recente dos cariocas. Segundo o jornalista Maneco Müller (1923 – 2005), cujo pseudônimo era Jacinto de Thormes, A cidade dava as costas para o mar, a paisagem. A maneira de ser do carioca só nasceu quando fizeram o túnel em direção ao areal. 

Ao longo de sua existência o hotel foi visitado ou hospedou artistas, atletas, cientistas, intelectuais, nobres e políticos como Albert Einstein(1879 – 1955), Ava Gardner (1922 – 1990), Emerson Fittipaldi (1946 -), Janis Joplin (1943 – 1970), Hebe Camargo (1929 – 2012), Lady Di (1961 – 1997) e Príncipe Charles (1948 – )Mick Jagger (1943 – ), Nelson Mandela (1918 – 2013), Orson Welles (1915 – 1985), Paul McCartney (1942 – ), Pelé (1940 – 2022),  Roberto Carlos (1941 -), Santos Dumont (1873 – 1932), Tom Jobim (1927 – 1994), Walt Disney (1901 – 1966), Washington Luís (1869 – 1957) e os futuros reis Edward VIII (1894 – 1972) e George VI (1895 – 1952). Uma curiosidade: na ocasião de sua visita ao Brasil, Edward, então Príncipe de Gales, teve um tórrido romance com a uruguaia Negra Bernardez, cujo um dos filhos era o já mencionado Maneco Muller. Segundo Ricardo Boechat, autor do livro Copacabana Palace – Um Hotel e Sua História, foi a história mais bonita do Copa. Tem renúncia, tristeza, amor e glamour.

 

 

 

 

O Copa, apelido pelo qual ficou conhecido, teve seu batismo oficial realizado em 13 de agosto de 1923 com a visita do presidente da República, Artur Bernardes (1875 – 1955), em companhia de outras autoridades, dentre elas o prefeito do Rio de Janeiro, Alaor Prata (1882 – 1964). Foram recebidos por Octávio Guinle. No dia seguinte o hotel começou a receber hóspedes, distintos turistas e brasileiros da melhor sociedade (Gazeta de Notícias, 8 de agosto de 1923O Paiz, 14 de agosto de 1923, segunda coluna; e Beira-Mar, 19 de agosto de 1923).

Em sua abertura, só seis apartamentos estavam ocupados, mas sua equipe já contava com cerca de mil funcionários. As diárias custavam menos de 10 dólares e davam direito a pensão completa e transporte para o Centro da cidade. Desde o início sua marca era o requinte, a sofisticação e em um artigo publicado no mês seguinte a sua inauguração, a iniciativa foi muito elogiada (O Paiz, 9 de agosto de 1923).

 

 

Para o comando gastronômico do Copacabana Palace, foi contratado por Octávio o chef Auguste Escoffier, trazido do Hotel Savoy, de Londres. Em 1930, com a contratação do chef tcheco Fery Wunsch como maitre sênior a cozinha do hotel se consagrou.

Rigoroso em relação a protocolos e etiquetas, Octávio criou o Código de Empregados da Companhia Copacabana Palace onde detalhava, em 18 itens, a conduta de seus funcionários. Para supervisionar o hotel, possuía, em seu quarto, a suíte B, um sistema de escuta que possibilitava que ele soubesse de tudo o que se passava no Copa.

 

 

A principal atração de seu baile de inauguração, que contou com figuras importantes da República, era a dançarina francesa Mistinguett (1875 – 1956), mas o show foi cancelado na véspera por seus empresários. Mesmo assim o evento foi um sucesso (Gazeta de Notícias, 1º de setembro de 1923, quarta coluna; e O Paiz, 31 de agosto de 1923, primeira coluna; O Paiz, 1º de setembro de 1923, primeira coluna).

 

 

 

Foi ambientado no Copa o filme Voando para o Rio (1933), estrelado por Fred Astaire (1899 – 1987) e Ginger Rogers (1911 – 1995) – no qual pela primeira vez apareceram dançando juntos -, Dolores del Rio (1904 – 1983) e Gene Raymond (1908 – 1998).

 

CARTAZ

Cartaz do filme Voando para o Rio

 

De 1924 a 1946, o Copa abrigou o Cassino Copacabana – nesse período ficou um tempo fechado e foi reaberto em maio de 1933 (Fon-Fon, 26 de janeiro de 1924Beira-Mar, 13 de maio de 1933, primeira coluna).

 

 

Abaixo, uma imagem aérea de autoria do fotógrafo e aviador britânico S.H. Holland (1883 – 1936) da chegada das misses ao Copacabana Palace para a eleição de Miss Universo feita exclusivamente para a revista O Cruzeiro. O concurso foi conquistado pela gaúcha Yolanda Maria Sabage Pereira (1910 – 2001).

 

 

Diversos artistas nacionais e internacionais apresentaram-se em seu lendário Golden Room, inaugurado em 26 de dezembro de 1940 (Diário Carioca, 28 de dezembro de 1940), dentre eles Carmen Miranda (1909 – 1955), Charles Aznavour (1924 – 2018), Edith Piaf(1915 – 1963), Ella Fitzgerald (1917 – 1996), Josephine Baker (1906 – 1975), Marlene Dietrich (1901 – 1992), Maurice Chevalier (1888 – 1972), Nat King Cole (1919 – 1965), Ray Charles (1930 – 2004) e Yves Montand (1921 – 1991). No Golden Room também eram realizados bailes (Careta21 de julho de 1951).

 

 

O antigo restaurante do hotel, o Bife de Ouro, e sua piscina eram muito frequentados pelos granfinos e foram pontos de encontro da sociedade carioca e de políticos de todo o Brasil (Beira-Mar, 20 de fevereiro de 1943O Cruzeiro, 10 de dezembro de 1949Careta, 26 de maio de 1951) ). Foi no Bife de Ouro  que, em março de 1954, ocorreu uma briga entre o jornalista Carlos Lacerda (1914 – 1977) e Euclides Aranha, filho do então ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha (1894 – 1960), noticiada no jornal O Globo, de 24 de março de 1954:

Lacerda e filho de Aranha trocam socos

Principiando por uma altercação seguida de luta corporal entre o Sr. Euclides Aranha e o jornalista Carlos Lacerda, um incidente que se prolongaria até a meia-noite, resultando, inclusive, em congestionamento do tráfego da Avenida Atlântica e interdição do local por autoridades policiais, perturbou na noite de ontem o jantar no Bife de Ouro, o restaurante do Copacabana palace Hotel. Achavam-se reunidos na mesma mesa o ministro João Cleophas, o deputado Edilberto Ribeiro, o Sr. Manuel Ferreira e Carlos Lacerda, diretor da “Tribuna da Imprensa”, num jantar promovido pelo deputado. De outra mesa, o Sr. Euclides Aranha, filho do ministro Oswaldo Aranha, jantava com a esposa, levantou-se, fisionomia transtornada, dirigiu-se à mesa onde se encontrava o referido grupo, deteve-se junto à cadeira do jornalista e interpelou-o sobre ataques dirigidos a seu pai na “Tribuna da Imprensa”. À interpelação seguiu-se áspera troca de palavras, tendo o jornalista se levantado, entrando em luta com o filho do ministro da Fazenda. Segundo as testemunhas, os dois trocaram socos por algum tempo, até que amigos comuns se interpuseram e os separaram. Às 23h, o próprio ministro Oswaldo Aranha compareceu ao restaurante para ver o que ocorrera. Pouco depois, simultâneamente, por portas diferentes, os Srs. Euclides Aranha e Carlos Lacerda abandonaram o Bife de Ouro.

Existe no Copacabana Palace o Teatro Copacabana, remodelado e reinaugurado em 9 de setembro de 1949, com a peça A Mulher do Próximo, de Abilio Pereira de Almeida, apresentada pelo Grupo de Teatro Experimental de São Paulo. Foi fechado em 1994 e reaberto em 2021, com a encenação de Copacabana Palace – O Musical, com texto de Ana Velloso e Vera Novello e direção de Gustavo Wabner e Sergio Módena (O Jornal, 9 de setembro de 1949; A Scena Muda, 20 de setembro de 1949A Cigarra (SP), novembro de 1949Diário do Rio, 21 de dezembro de 2021). Foi lá que a atriz Fernanda Montenegro fez sua estreia profissional nos palcos, na peça Alegres Canções na Montanha, em 1950.

 

 

Os salões do hotel eram palcos de chás elegantes e de desfiles, bailes, concursos de beleza, exposições de arte e homenagens (Careta5 de agosto de 1950, 9 de junho de 195128 de julho de 1951;27 de outubro de 195118 de outubro de 19521º de agosto de 195329 de maio de 1954). Também eram muito concorridos seus bailes de carnaval (O Cruzeiro, 11 de março de 195016 de março de 1957).

Houve um incêndio no hotel, em 10 de agosto de 1953, que atingiu o teatro, o Golden Room e parte da Boate Meia Noite (Correio da Manhã, 11 de agosto de 1953).

Em 1989, a família Guinle vendeu o Copacabana Palace para o grupo Orient-Express, posteriormente, Belmond, que foi vendido para o grupo francês LVMH, em dezembro de 2018. O hotel, patrimônio histórico, é tombado em nível federal, estadual e municipal.

 

gire5

 

Devido à pandemia do coronavírus, pela primeira vez desde sua inauguração o hotel foi fechado, em 10 de abril de 2020. Andrea Natal, na época diretora geral do Grupo Belmond do Brasil, que administra o estabelecimento, e o cantor e compositor Jorge Ben Jor (1945 -), que vive lá desde 2018, foram os únicos que continuaram no hotel. Foi reaberto em 20 de agosto de 2020.

 

 

Pequeno perfil do arquiteto francês Joseph Gire

 

Joseph Gire no lobby do Palace Hotel, 1922 / Acervo familiar

Joseph Gire no lobby do Palace Hotel, 1922 / Acervo da família, publicada no livro Joseph Gire: a construção do Rio de Janeiro moderno

 

Gire nasceu, em 12 de janeiro de 1872, em Yssingeaux, na região do Velay, na França.  Estudou no liceu de Puy e acompanhava as aulas de desenho ministradas por seu pai, Jules Gire (1850 -?) na escola municipal chamada de “Belas-Artes e da Indústria”. Em 1896, ganhou um concurso para um monumento em homenagem à Charles Crozatier, escultor da cidade de Puy-en-Velay. Estudou na École des Beaux Arts de Paris, à qual teve sua candidatura de admissão apresentada pelo arquiteto Georges Debrie (1856 – 1910).

Em 1900, casou-se com Pauline Duparchy (18? -19?), com quem teve as filhas Renée e Antoinette; foi nomeado arquiteto-inspetor da Exposição Universal de Paris e passou a trabalhar no prestigioso escritório dos arquitetos Lucien e Henri Grandpierre, quando projetou o palácio Singer-Polignac. Quando os Grandpierre se aposentaram, em 1906, Gire e seu colega, Jamin, assumiram a direção da firma. Entre 1908 e 1909, estabeleceu-se em Buenos Aires, capital da Argentina, na rua Paraná, 1261.

 

gire7

 

Na ocasião, associou-se ao engenheiro Juan Molina Civit. Também possuiu um escritorio em Montevidéu, no Uruguai, na rua Zabala, 1441.

 

Joseph Gire e sua mulher, a produtora cultural Pauline Deparchy, no Palace Hotel, em 1924

Joseph Gire e sua mulher, Pauline Deparchy, no Palace Hotel, em 1924 / Acervo da família publicada em O Globo de 25 de abril de 2010

 

Em 1916, desembarcou no Rio de Janeiro, no auge da Belle Époque carioca, a convite da abastada e influente família Guinle, cuja origem da riqueza foi a sociedade que o patriarca Eduardo Eduardo Palassin Guinle (1846 – 1912) manteve por toda a vida com Cândido Gaffrée (1856 – 1919), com quem fundou a Companhia Docas de Santos e a Companhia Brasileira de Energia Elétrica. Em 1918, Gire voltou à cidade, desta vez a convite da companhia dos hotéis Carlton Ritz (O Paiz, 1º de outubro de 1918, primeira coluna).

Já havia, entre 1909 e 1914, realizado com Armando Silva Telles a residência de Eduardo Guinle (1878 – 1941) que, em 1946, foi comprada pelo governo federal durante a presidência do General Eurico Gaspar Dutra (1883 – 1974) – o Palácio das Laranjeiras, desde 1975 o endereço oficial dos governadores do estado do Rio de Janeiro; e o Palacete Guinle (1913), que foi residência de Carlos Guinle (1883 – 1969) e, posteriormente, sediou a Embaixada da Argentina. Eduardo e Carlos eram filhos do casal Eduardo Palassin Guinle e Guilhermina Coutinho Guinle (1854-1925).

Gire fundou um escritório na cidade e teve forte influência na transformação de sua paisagem arquitetônica e urbana, na verticalização da Praia de Copacabana, da Praia do Flamengo e da Glória. Morou com sua família, no Palace Hotel, localizado na avenida Rio Branco, 185; na Rua Voluntários da Pátria, 104; e na Rua das Laranjeiras, 452 (Correio da Manhã, 17 de abril de 1920, quarta coluna; O Paiz, 2 de abril de 1924, segunda colunaJornal do Brasil, 25 de janeiro de 1925, quarta coluna).

Também realizou, durante a década de 1920, dentre vários outros projetos, o do Hotel Glória, inaugurado em 15 de agosto de 1922, com uma bênção realizada pelo arcebispo D. Sebastião Leme (O Paiz, 16 de agosto de 1922). Foi o primeiro cinco estrelas do Brasil e também o primeiro prédio em concreto armado da América do Sul. Sua construção, motivada pelas festas do primeiro centenário da Independência do Brasil, foi uma iniciativa da firma Rocha Miranda & Filhos.

 

 

Também projetou o Esplanada Hotel, em São Paulo (O Paiz, 28 de junho de 1921, penúltima coluna), que ficava próximo ao Teatro Municipal de São Paulo e foi inaugurado em março de 1923. Um de seus frequentadores foi o escritor Oswald de Andrade (1890 – 1954), um dos maiores representantes do Modernismo no Brasil que, em seu poema, Balada do Esplanada, publicado, em 1927, no Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade, homenageou o hotel. Em 1987, musicada pelo cantor Cazuza (1958 – 1990), o poema foi uma das faixas do LP Só se for a dois.

 

Balada do Esplanada

Ontem de noite eu resolvi
Ver se aprendia como é que se fazia
Uma balada, antes de ir pro meu hotel
É que esse coração
Já se cansou de viver só
E quer então
Morar contigo no Esplanada
Contigo no Esplanada
Pra respirar
Abro a janela
Como um jornal
Eu vou fazer a balada
Fazer a balada
Do Esplanada e ficar sendo o menestral
E fico sendo
O menestrel do meu hotel
Do meu hotel
Mas não há poesia num hotel
Nem mesmo sendo
O Esplanada um grande hotel
Há poesia na dor, na flor, no beija-flor
Na dor, na flor, no beija-flor
Na dor, na flor, no beija-flor, no elevador
No elevador

 

Outros projetos de sua autoria foram o do Edifício Praia do Flamengo (1925) (Diário do  Rio, 22 de agosto de 2021), conhecido como Palacete de Areia, primeiro prédio de apartamentos no Flamengo; a da antiga sede da Sul América, no Centro, em parceria com o arquiteto escocês Robert Russell Prentice (1883 – 1960); o Edifício Touring, na Praça Mauá; e a do Edifício Joseph Gire (1929), em estilo art déco, primeiro arranha-céu do Rio de Janeiro, que ficou conhecido como Edifício A Noite, na época o mais alto da América do Sul (Jornal das Moças, 12 de setembro de 1929). Gire era um entusiasta dos arranha-céus (O Paiz, 24 de junho de 1928). É do início da década de 1930, seu projeto do palácio da Ilha de Brocoió, para outro filho de Eduardo Guinle, Octávio (1886 – 1968). É atualmente o palácio de férias do governador do Estado do Rio de Janeiro. Ainda na mesma década, projetou os edifícios Paraopeba e São João Marcos.

 

 

Foi o responsável pela reforma do prédio do Automóvel Club (Automóvel Club – RJ, dezembro de 1925) e do Palácio do Itamaraty (Relatório do Ministério das Relações Exteriores, 1929), além de ter contribuido como consultor em inúmeras obras como a da construção do Hipódromo da Gávea. Foi também membro do conselho de embelezamento da cidade de São Paulo e da Comissão Executiva do Centenário da Independência, em 1922.

Ficou fora do Brasil entre 1930 e 1932 (Correio da Manhã, 21 de agosto de 1932, sétima coluna). Faleceu em 5 de outubro de 1933, em Arberáts, no País Basco francês (Correio da Manhã, 7 de novembro de 1933, sexta coluna; 10 de novembro de 1933, última coluna).

 

 

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Em 29 de outubro de 2023, o título deste artigo foi alterado para Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” III – O centenário do Copacabana Palace, quintessência do “glamour” carioca, e seu criador, o arquiteto francês Joseph Gire.

 

Fontes:

A Casa Senhorial

BOECHAT, Ricardo. Copacabana Palace: um hotel e sua história. São Paulo: DBA, 1998.

CABOT, Roberto. Joseph Gire: a construção do Rio de Janeiro moderno/RobertoCabot, – 1. ed – Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014.

CABRAL, Maria Cristina. Arquitetos franceses no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX. III Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo arquitetura, cidade e projeto: uma construção coletiva São Paulo, 2014

Casa Cor

G1

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

IstoÉ, 17 de dezembro de 2018

O’DONNELL, Julia. A invenção de Copacabana: culturas urbanas e estilos de vida no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

O Globo, 13 de agosto de 2008

O Globo, 25 de abril de 2010

Portal Iphan

Revista Época, 13 de dezembro de 2010

Site Arquivo Arq

Site  Bafafá

Site I-Patrimônio – Edifício Praia do Flamengo 

Site I-Patrimônio – Tombamento

Site Rio Memórias

UOL Notícias, 30 de outubro de 2008

Uol Notícias, 2 de julho de 2020

 

Outros artigos da série Os arquitetos do Rio de Janeiro

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” I – Porto D´Ave e a moderna arquitetura hospitalar, de autoria de Cristiane d´Avila – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, publicado em 14 de janeiro de 2021.

Série “Os arquitetos do Rio” II – No Dia Nacional da Saúde, o Desinfetório de Botafogo e um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior, responsável pelo projeto, de autoria de Cristiane d´Avila, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, em parceria com Andrea C. T. Wanderley, publicado em 5 de agosto de 2023

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” IV – Archimedes Memória (1893 – 1960), o último dos ecléticos, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 1º de dezembro de 2023

Série “O Rio de Janeiro desaparecido XXVII e “Os arquitetos do Rio” V – O Jockey Club e o Derby Club, na Avenida Rio Branco e o arquiteto Heitor de Mello (1875 – 1920), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 15 de janeiro de 2024

 

Outros artigos publicados na Brasiliana Fotográfica sobre hotéis

Hotéis do século XIX e do início do século XX no Brasil, publicado em 5 de novembro de 2015 , de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica.

O Hotel Glória – antes e depois, publicado em 21 de dezembro de 2017, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica.

Copacabana Palace, símbolo do glamour carioca, publicado em 13 de agosto de 2020, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica.

O Hotel Pharoux por Revert Henrique Klumb, publicado em 15 de junho de 2022, publicado em 13 de agosto de 2023, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXIV – O luxuoso Palace Hotel, na Avenida Rio Branco, uma referência da vanguarda artística no Rio de Janeiro, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 4 de julho de 2023.

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” II – No Dia Nacional da Saúde, o Desinfetório de Botafogo e um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior, responsável pelo projeto

Hoje é celebrado o Dia Nacional da Saúde, uma homenagem à data de nascimento do médico sanitarista Oswaldo Cruz, em 5 de agosto de 1872. Com uma fotografia produzida por Joaquim Pinto da Silva (1884 – 1951), conhecido como J. Pinto, responsável pela produção de milhares de imagens do acervo da Casa de Oswaldo Cruz, instituição parceira da Brasiliana Fotográfica, a jornalista Cristiane d´Avila conta um pouco da história da era das desinfecções e do Desinfetório de Botafogo, baseada no livro Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e a revolução pasteuriana no Brasil (1999), do historiador Jaime Larry Benchimol. Na obra, ele descreve a atuação dos bacteriologistas que precederam Oswaldo Cruz e sua geração, detalhando as estratégias empregadas pelos cientistas e médicos para debelar as epidemias de cólera e febre amarela, ocorridas no Brasil no final do século XIX e início do XX. É o segundo artigo da série Os arquitetos do Rio de Janeiro.

 

 

Ao final do artigo, os leitores poderão ler um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior (1868 – 1955), responsável pelo projeto do Desinfetório de Botafogo, de autoria da pesquisadora e editoral do portal, Andrea C. T. Wanderley.

 

 

 

O desinfetório de Botafogo

Cristiane d´Avila*

 

Na extensa obra Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e a revolução pasteuriana no Brasil, o historiador Jaime Larry Benchimol descreve a atuação dos bacteriologistas que precederam Oswaldo Cruz e sua geração e dedica um capítulo à ‘era das desinfecções’. Nele, o pesquisador detalha as estratégias empregadas pelos cientistas e médicos para debelar as epidemias de cólera e febre amarela, flagelos que ceifaram milhares de vidas brasileiras no final do século XIX e início do XX.

“A epidemia de cólera (1894-1895) é um dos episódios que inauguram as lutas protagonizadas por esses bacteriologistas” (1) , explica Benchimol no referido capítulo. A luta a que se refere o historiador representou o que ele classifica como um novo paradigma na saúde pública: à luz da teoria de Pasteur, jovens médicos do Rio de Janeiro passaram a realizar, inicialmente em pequenos laboratórios instalados em suas próprias casas, análises químicas e bacteriológicas de amostras de enfermos, a fim de auxiliar o diagnóstico clínico e reorientar as ações higienistas.

A bacteriologia, incipiente, ainda não havia remodelado os serviços de higiene. Naquele fim de século, a defesa sanitária de cidades, domicílios, vias, veículos de transporte e mesmo indivíduos era realizada pela desinfecção por vapor, calor e, sobretudo, uso de líquidos germicidas. “Os anos 1890 marcam, com certeza, o auge da mania por estes agentes físicos e estas substâncias químicas dotadas do poder de destruir micróbios fora e dentro das pessoas, e, se bobeassem, de intoxicar ou matar os próprios viventes parasitados”(2) , ressalta Benchimol.

As medidas preventivas para o enfrentamento de surtos epidêmicos de doenças infectocontagiosas incluíam, além do emprego de cordões sanitários para isolar vias e cidades atingidas por surtos, a construção de desinfetórios públicos, erguidos segundo normas rígidas de higiene. Tais edificações eram munidas “com estufas a vapor sob pressão, pulverizadores a vapor e de mão e outros itens para o expurgo de passageiros, bagagens e objetos suscetíveis de contaminação pelo germe do cólera” (3) , descreve o pesquisador.

Rastrear a movimentação humana motivada pelo comércio efervescente entre os portos das cidades litorâneas e o interior do país era praticamente impossível. Tal circulação levou ao alastramento do cólera aos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, atingindo a capital da República. Na ânsia de frear o avanço da epidemia, das vias terrestres e estações ferroviárias a inspeção sanitária partiu para os domicílios urbanos.

“Podemos imaginar quão difícil era implementar num cortiço, numa estalagem, num velho sobrado (…) as meticulosas instruções relativas à desinfecção do lugar em que residia o colérico, fosse qual fosse o desfecho do caso” (4) , conta Benchimol. Cartazes com carimbo da diretoria sanitária e o dizer ‘Infeccionado’ eram afixados nas portas das residências, então interditadas até que o local fosse desinfetado. Objetos que podiam ser aproveitados, como colchões, travesseiros e cobertores, eram levados pelos agentes para expurgo, por vapor ou pressão, nos desinfetórios municipais.

Por lei, o médico era multado se não notificasse às autoridades os casos de febre amarela, varíola, sarampão, escarlatina, cólera-morbo, peste e difteria. “Na ausência do médico, cabia ao chefe da família, ao administrador, proprietário ou arrendatário do estabelecimento comercial ou habitação coletiva notificar o serviço municipal de saúde, que enclausurava o doente no sistema de vigilância domiciliar ou pública” (5) , detalha o historiador. Entre as recomendações médicas, “as pessoas deviam evitar bebidas alcoólicas, frutas verdes e alimentos crus (…) beber limonadas ácidas, conservar o asseio do corpo e das roupas e lavar as mãos com soluções desinfetantes de ácido fênico, ácido bórico ou sulfato de cobre” (6) .

Segundo Benchimol, a Inspetoria do Serviço de Isolamento e Desinfecção, vinculada à Diretoria de Higiene e Assistência Pública Municipal, inaugurou na cidade do Rio de Janeiro, em 1890, o Desinfetório Central, próximo à Praça Quinze de Novembro. No ano seguinte, foram construídos dois outros – um no Engenho Velho, atual Praça da Bandeira, e outro na Rua da Relação, distrito de Santo Antônio.

Em 1904, Oswaldo Cruz, então à frente da Direção Geral de Saúde Pública, conseguiu prover a capital da República de mais um desinfetório. Construído na Rua General Severiano, em Botafogo, Zona Sul da cidade, foi projetado por Luiz de Moraes Junior, autor do projeto do Castelo Mourisco, sede da Fiocruz em Manguinhos. Em 8 de agosto de 1905, o jornal carioca A Notícia publicou, em sua primeira página, uma extensa reportagem sobre o novo edifício, incluindo detalhes sobre a arquitetura e os equipamentos de higienização ali instalados. Atualmente, o prédio histórico, anexo ao Hospital Rocha Maia, abriga o Super Centro Carioca de Vacinação da prefeitura do Rio de Janeiro.

 

O novo desinfetório**

 

“Entre os estabelecimentos visitados hoje pelos delegados do Congresso Científico Latino-Americano figuram os desinfetórios pertencentes à Diretoria Geral de Saúde Pública.

De acordo com a última reforma feita nos serviços de higiene, foram mandados construir, além do desinfetório central, dois distritais, que atenderão às zonas de Botafogo e do Engenho de Dentro.

O de Botafogo, que já está concluído, não obstante não estar ainda oficialmente inaugurado, recebeu a honrosa visita dos delegados do Congresso.

Fica ele situado na rua General Severiano na parte dos terrenos em que ia ser construída a Universidade, abrangendo uma área de 4.063 metros.

O engenheiro da Diretoria Geral de Saúde Publica, o Sr. Luiz de Moraes Junior, observou nessa esplêndida construção todos os preceitos recomendados pela higiene, e bem assim atendeu a todos os melhoramentos usados nos países estrangeiros, em
estabelecimentos congêneres.

Desse modo, foi observada a parte mais recomendada nos desinfetórios, e que é o evitar-se o absoluto contacto entre as pessoas, os objetos e o material, antes de ser desinfectados com os que já estiveram.

Por esse motivo, todo o lado esquerdo do edifício foi destinado à parte impura e o lado direito à parte pura. 

Pela parte impura entram os doentes, pessoal, objetos pertencentes a casa em que esteve o enfermo e o respectivo material. Ali sofrem rigoroso expurgo, por meio de estufas e câmaras de formol e enxofre. Terminado esse serviço, sem poder haver a menor comunicação entre o pessoal, são transferidos, por pequenas janelas, para o lado puro, todos os objetos já desinfectados.

O mais curioso em todo esse serviço é que desde a entrada do pessoal e material para a parte impura, são dados sinais elétricos consecutivos na sala da administração até ficar completamente feita a desinfecção.

construção de todo o edifício obedeceu a um estilo leve e moderno, tendo a forma retangular, fazendo três corpos, tendo 27 metros e 90 centímetros de comprimento por 16 metros e 40 centímetros de largura.

No centro do edifício existe uma área medindo 6 metros por 3 metros e 80 centímetros, sendo a superfície geral de 567 metros quadrados.

A entrada principal de ingresso para a sala de espera, tendo esta de um lado, o gabinete do inspector e do outro lado a sala de administração.

De um e de outro lado do edifício ficam situados a portaria, gabinete médico, sala de escritório, sala de depósito de desinfetantes e de limpeza de empregados, sala de espera para as pessoas que desejarem tomar banho de desinfecção, sala para recepções de bagagens, roupas e mais objetos sujeitos à desinfecção, sala para recepção das roupas desinfectadas.

Fora desse edifício, no pátio foi construído um outro menor, medindo seis metros por dez. Tem ele duas portas, uma para o lado impuro por onde entram os carros e outra para o lado puro, por onde saem já desinfectados.

Ainda existem, perfeitamente construídos, a casa do guarda, as cocheiras com uma área de 225 metros para comportar 40 animais e finalmente um reservatório para 18.000 litros d’água.

O edifício principal do desinfetório tem os alicerces de concreto, ferro e alvenaria. As paredes externas do edifício são de tijolos polidos franceses e as internas são de tijolos furados.

Os soalhos das três salas da frente são de massaranduba e peroba e o revestimento das paredes e tetos são de estuque fino.

As portas externas são de massaranduba e as das salas de peroba.

Em cada lado do edifício foi colocada uma marquise de ferro forjado suspensa em consolos de ferro, estando as mesmas cobertas com vidros de cores.

O desinfetório está preparado para funcionar desde já, tendo todo o material necessário inclusive estufas Genester-Hereher, câmaras de formol e enxofre, fornos de incineração, aparelhos de lavar roupas, gerador a vapor e um belo aparelho centrífugo com um movimento de 1.200 rotações por segundo para secar roupas e movido a eletricidade. 

Esse desinfetório servirá para todo o serviço central, enquanto não estiver concluído o que vai ser construído na rua do Rezende”. 

A Notícia, 08 de agosto de 1905

 

(1) Benchimol, 1999, p.250.
(2) Idem, p.271.
(3) Idem, p.258.
(4)Idem, p.272.
(5)Idem, p.292.
(6) Idem, p.293.

 

*Cristiane d´Avila é jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

**Grafia atualizada. Fonte: Jornal A Notícia, 08 de agosto de 1905, edição 191. Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/830380/11799
Transcrição disponível em: https://oticsrio.com.br/2023/01/23/do-desinfectorio-de-botafogo-ao-hospital-rocha-maia-118-anos-de-historia/

 

Fontes:

BENCHIMOL, Jaime Larry. Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e revolução pasteuriana no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Editora UFRJ, 1999. E-book.

 

Breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior (1868 – 1955)

 

Andrea C. T. Wanderley***

 

 

O Desinfetório de Botafogo foi projetado pelo arquiteto português Luiz de Moraes Junior, que nasceu em 28 de janeiro de 1868, e passou sua infância e a adolescência, na cidade de Faro, cidade onde nasceu e capital do Algarve. Formado pela Universidade de Lisboa, iniciou sua carreira como engenheiro ferroviário. Casou e teve duas filhas. Em 1900, sem sua família, veio para o Brasil como técnico de uma grande firma alemã. No Rio de Janeiro, fiscalizou os imóveis do Mosteiro de São Bento e das Ordens Religiosas e, a convite do padre Ricardo, vigário-geral da Igreja da Penha, deu início às obras de restauração da fachada desta igreja. Em 1901, residia na Rua General Cãmara , 64 (Almanak Laemmert, 1902, primeira coluna; A Notícia, 31 de julho de 1904, quarta coluna; A Notícia, 5 e 6 de outubro de 1907, terceira coluna).

 

 

Foi durante o trajeto de trem para o trabalho que conheceu Oswaldo Cruz, que fazia o mesmo percurso até Manguinhos. Ficaram amigos e Oswaldo Cruz o convidou para realizar o Castelo Mourisco, sede da Fiocruz em Manguinhos, construído entre 1905 e 1918, e símbolo da instituição (Jornal do Brasil, 14 de agosto de 1905, terceira coluna).

 

 

Também executou os projetos de instalações que, atualmente, formam o Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos (NAHM), composto pelo Pavilhão do Relógio ou da Peste; a Cavalariça; o Quinino ou Pavilhão Figueiredo Vasconcellos; o Pombal ou Biotério para Pequenos Animais; o Hospital Evandro Chagas; e a Casa de Chá.

 

 

 

 

 

 

 

 

Participou de todas as obras sanitárias realizadas por Oswaldo Cruz em combate à febre amarela e à peste organizadas pela Diretoria Geral de Saúde Pública com o objetivo de higienizar o Rio de Janeiro. Em 1910, foi um dos promotores de uma homenagem a Oswaldo Cruz, o ilustre cientista brasileiro a quem o Rio de Janeiro deve a prodigiosa obra do seu saneamento e o Brasil o brilho de uma representação científica das mais gloriosas no estrangeiro, realizada no Palácio Monroe (A Notícia, 31 de agosto e 1º de setembro de 1910, penúltima coluna; Correio da Manhã, 4 de setembro de 1910, primeira coluna).

No campo da arquitetura hospitalar, sanitária e médico-experimental, Moraes Junior desenvolveu diversos outros empreendimentos, dentre eles a sede da Policlínica do Rio de Janeiro, na antiga Avenida Central, atual Rio Branco (Gazeta de Notícias,4 de março de 1909, penúltima coluna); os Dispensários da Fundação Gaffré Guinle; e a reforma do Hospital do Engenho de Dentro e da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro. Foi o realizador prático do projeto de Assepsia Integral do médico Mauricio Gudin (1883 – 1959), construindo na Beneficência Portuguesa e no Hospital-Escola de Niterói os blocos que tornaram realidade o processo concebido por Gudin (O Paiz, 7 de novembro de 1923, segunda coluna). Foi também autor do projeto do edifício da Escola Nacional de Medicina, cuja pedra fundamental foi assentada em 22 de maio de 1916 (Correio da Manhã, 23 de maio de 1916, segunda coluna).

Também atuou em outras áreas da arquitetura, tendo construído a casa da família de Oswaldo Cruz, na Praia de Botafogo, e do túmulo do cientista, no Cemitério São João Batista.

 

 

Em Petrópolis, foi o responsável pelo Grande Hotel e pelo prédio do jornal Tribuna de Petrópolis. Na Alemanha, participou do projeto de construção e decoração do Pavilhão do Brasil na Exposição Internacinal de Higiene de Dresden, realizada em 1911 (Correio da Manhã, 11 de junho de 1917, terceira coluna).

 

 

Foi amigo dos presidente do Brasil, Nilo Peçanha (1867 – 1924) e Rodrigues Alves (1848 – 1919) e de diversos outros políticos e empresários de destaque no Brasil. Foi nomeado Cônsul Geral do Haiti no Rio de Janeiro, em 18 de junho de 1919, cargo que exerceu durante toda sua vida.  Tornou-se Comendador da Ordem Nacional do Haiti Honneur et Merite, em 1933; e da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, do Brasil, em 1937. Foi membro do Instituto de Engenharia (Correio Paulistano, 24 de junho de 1919, quinta colunaAlmanak Laemmert, 1927, última colunaJornal do Brasil, 15 de julho de 1927, primeira coluna; Correio da Manhã, 13 de abril de 1933, segunda coluna; O Jornal, 5 de fevereiro de 1937, quinta coluna; Relatórios do Ministério das Relações Exteriores, 1940).

Desportista, em 1907, foi o tesoureiro da primeira diretoria do Automóvel Club do Brasil, do qual foi um dos fundadores. Durante décadas seguiu fazendo parte da instituição. Em 1928, dirigiu as obras de renovação do interior do prédio, na Rua do Passseio (O Jornal, 8 de julho de 1928, terceira coluna). Em 1939, tornou-se seu sócio benemérito (Jornal do Commercio, 31 de maio de 1939, segunda coluna).

 

 

Ainda em 1907 foi juiz de chegada de uma corrida de automóveis realizada na Avenida Beira-Mar, em Botafogo. Em 1908 e 1909, foi um dos promotores de corridas de automóveis partindo de Niterói e percorrendo diversas cidades fluminenses. Foi admitido como membro do Jockey Club, em 1908 (Gazeta de Notícias, 15 de março de 1907, quinta coluna; A Imprensa, 14 de julho de 1908, última colunaO Fluminense, 25 de setembro de 1908, quarta coluna; O Fluminense, 2 de junho de 1909,quarta coluna).

Na Exposição Nacional de 1908, ganhou a Medalha de Ouro na categoria de Arquitetura (Jornal do Brasil, 21 de novembro de 1908, terceira coluna). No ano seguinte,conquistou outra Medalha de Ouro, desta vez pelo plano e projeto de um hospital moderno, na Exposição Internacional de Higiene do Rio de Janeiro (Correio da Manhã, 24 de outubro de 1909, quarta coluna).

Em 1910, integrou o júri, presidido por Marciano Aguiar Moreira, presidente do Jockey Club, que julgou o projeto da nova sede social da instituição, na então Avenida Central, atual Rio Branco. Os outros jurados foram Domingos Cunha, Francisco de Oliveira Passos (1878 – 1958), engenheiro civil e filho do prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Pereira Passos (1836 – 1913), entre 1902 e 1906; e o professor e escultor Rodolpho Bernardelli (1852 – 1931). Venceu o projeto de Heitor de Mello (1875 – 1920) (O Paiz, 11 de agosto de 1910, terceira coluna; Jornal do Commercio, 2 de setembro de 1913, sexta coluna; Correio da Manhã, 6 de setembro de 1913, sexta coluna). Ainda em 1910, foi premiado na categoria Escola Profissional em um concruso para prédios escolares promovidos pelo Serviço de Inspeção Sanitária Escolar (Correio da Manhã, 28 de novembro de 1910, segunda coluna).

Era zelador da Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Penha no Irajá (O Paiz, 7 de outubro de 1913, penúltima coluna). Em 1920, participou do Congresso Brasileiro de Proteção à Infância (O Paiz, 2 de dezembro de 1919, última coluna). Em 1915, integrava a comissão organizadora de um evento carnavalesco, o Garden Tea Dansant Masque (Correio da Manhã, 14 de fevereiro de 1915, segunda coluna).

Em 1921, aderiu a uma homenagem ao professor Carlos Chagas (1878 – 1934), na sede do Club dos Diários, do qual era tesoureiro (O Paiz, 14 de agosto de 1921, segunda coluna; O Paiz, 30 de abril de 1924, penúltima coluna). Foi um dos supervisores da construção da  estrada Rio-Petrópolis, inaugurada em 1928, da qual foi um dos subscritores (O Paiz, 29 de janeiro de 1923, segunda coluna; Automóvel-Club, maio de 1926; O Jornal, 6 de setembro de 1928, sexta coluna).

 

 

 

Em 1923, recebeu um título honorífico do Real Gabinete Português de Leitura, do qual era sócio (O Brasil, 15 de maio de 1923, terceira coluna).

Em 1925, sofreu um acidente de carro, na Avenida Beira-Mar, perto da Rua do Russel. Ele residia na rua Assunção, nº 65 (Correio a Manhã, 24 de setembro de 1925, terceira coluna). Fez parte da comissão da 1ª Exposição de Automobilismo, Autopropulsão e Estradas de Rodagem (O Paiz, 26 de agosto de 1925, última coluna;  O Paiz, 25 de outubro de 1925, quarta coluna; Automovel-Club, setembro 1925).

 

 

Em 1926, a convite da Sociedade Interamericana de Mulheres, as cientistas Marie Curie (1867 – 1934) e Irène Joliot-Curie (1897 – 1956), mãe e filha, em visita ao Brasil, foram a Petrópolis acompanhadas por Bertha Lutz, pela embaixatriz da França e pela sra. Paul Hazard, e por Luiz Moraes Junior e Armando Godoy, ambos da diretoria do Automóvel Clube do Brasil, que forneceu os carros usados no trajeto. Foram recebidas pelo prefeito da cidade, Francisco de Avelar Figueira de Melo (1883 – 1938), e o senador Joaquim Moreira (1853 – 1929) ofereceu um almoço ao grupo (O Paiz, 6 de agosto de 1926, quarta coluna).

Em 1929, participou, como Cônsul do Haiti, do 2º Congresso Pan-americano de Estradas de Rodagem, quando proferiu um discurso (Automóvel-Club, agosto/setembro de 1929).

Integrou a primeira diretoria, como suplente, de uma a associação de turismo, a Rio Turing S.A (O Paiz, 7 de dezembro de 1933, terceira quarta coluna).

Participou, em 1934, de uma inspeção nas obras realizadas no Circuito da Gávea de automobilismo (Jornal do Commercio, 19 de setembro 1934, quarta coluna). Integrava a comissão técnica das corridas internacionais de automóveis (Correio da Manhã, 30 de setembro de 1934, penúltima coluna).

 

 

Durante a gestão do prefeito Pedro Ernesto (1884 – 1942), construiu vários hospitais no Rio de Janeiro. Houve uma polêmica em torno de sua indicação sem a realização de uma concorrência pública (Correio da Manhã, 26 de agosto de 1934; Jornal do Brasil, 29 de agosto de 1934, primeira coluna).

Foi membro da Sociedade Filatélica Brasileira e possuía uma das coleções de selos mais valiosas do Brasil. Participou, em 1934, da Exposição Filatélica Nacional, realizada no Palácio das Festas, na Feira Internacional de Amostras. Em 1938, foi um dos patronos da Exposição Filatélica Internacional, na Escola de Belas Artes. Possuia um par de selos olho de boi dos valores de 30 e 90, unidos – uma raridade (D. Quixote, 20 de maio de 1925, primeira colunaD. Quixote, 1º de julho de 1925, primeira coluna; Jornal do Commercio, 26 de setembro de 1934, terceira coluna; O Carioca, 9 de novembro de 1935, segunda colunaJornal do Commercio, 15 de junho de 1938, segunda coluna; A Noite, 24 de outubro de 1938, segunda coluna; O Cruzeiro, 19 de novembro de 1938).

Uma apólice mineira sorteada com mil contos foi vendida pelo corretor a Luiz Moraes Junior e ao deputado Augusto Cursino (Diário da Noite, 4 de janeiro de 1935).

Em 1942, participou da X Conferência Sanitária Panamericana, no Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro (Gazeta de Notícias, 2 de setembro de 1942).

Em 1953, era o tesoureiro do Petrópolis Country Club (Jornal do Brasil, 22 de fevereiro de 1907, quarta colunaJornal do Brasil, 19 de março de 1953, terceira coluna; Jornal do Brasil, 24 de setembro de 1953, sexta colunaO Jornal, 16 de julho de 1955O Jornal, 22 de setembro de 1957).

Faleceu em 15 de julho de 1955, na Beneficência Portuguesa, de onde era sócio graduado, no Rio de Janeiro. Era casado, em segunda núpcias com Gelmina Fazzioni de Moraes. O casal não teve filhos (Jornal do Brasil, 16 de julho de 1955).

 

 

 

Outras de suas realizações foram o Palacete Seabra, no Flamengo e o Rio Hotel, na Praça Tiradentes, além do Grande Hotel e da sua residência localizada em Petrópolis.

 

***Andrea C. T. Wanderley é pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

Em 29 de outubro de 2023, o título deste artigo foi alterado para Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” II – No Dia Nacional da Saúde, o Desinfetório de Botafogo e um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior, responsável pelo projeto.

Fontes:

Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Portal da Fiocruz

 

Outros artigos da série Os arquitetos do Rio de Janeiro

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” I – Porto D´Ave e a moderna arquitetura hospitalar, de autoria de Cristiane d´Avila – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, publicado em 14 de janeiro de 2021.

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” III – O centenário do Copacabana Palace, quintessência do “glamour” carioca, e seu criador, o arquiteto francês Joseph Gire, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado em 13 de agosto de 2023

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” IV – Archimedes Memória (1893 – 1960), o último dos ecléticos, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 1º de dezembro de 2023

Série “O Rio de Janeiro desaparecido XXVII e “Os arquitetos do Rio” V – O Jockey Club e o Derby Club, na Avenida Rio Branco e o arquiteto Heitor de Mello (1875 – 1920), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 15 de janeiro de 2024

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” I – Porto d’Ave e a moderna arquitetura hospitalar

Em momentos de crises sanitárias como a que vivemos, nunca foi tão importante pensar nos hospitais. Se hoje assistimos à edificação emergencial desses prédios com normas específicas para atender aos casos de Covid-19, há cem anos já se observava os preceitos da bacteriologia ditando a moderna arquitetura hospitalar. Assim Cristiane d´Avila, jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica, inicia seu artigo, no qual conta a história da parceria entre o médico Carlos Chagas, o empresário Guilherme Guinle e o engenheiro e arquiteto Adelstano Soares de Mattos Porto d’Ave para a construção de alguns dos mais importantes hospitais do Rio de Janeiro, o Hospital Gaffrée e Guinle, inaugurado em 1929. É o primeiro artigo da série Os arquitetos do Rio de Janeiro.

Porto d’Ave e a moderna arquitetura hospitalar

Cristiane d´Avila*

Em momentos de crises sanitárias como a que vivemos, nunca foi tão importante pensar nos hospitais. Se hoje assistimos à edificação emergencial desses prédios com normas específicas para atender aos casos de Covid-19, há cem anos já se observava os preceitos da bacteriologia ditando a moderna arquitetura hospitalar. No artigo “O Hospital Gaffrée e Guinle: filantropia, saúde e os ecos do pasteurianismo no Brasil da Primeira República”, a historiadora da Casa de Oswaldo Cruz, Gisele Sanglard, analisa o tema a partir do entrelaçamento de três personagens emblemáticos da história do Rio de Janeiro e da arquitetura em saúde: Carlos Chagas (1878-1934), médico sanitarista, Guilherme Guinle (1882-1960), empresário e mecenas; e Adelstano Soares de Mattos Porto d’Ave (1890-1952), engenheiro-arquiteto.

 

 

 

Acessando o link para as fotografias do Gaffrée e Guinle disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

De acordo com a historiadora, a construção do Hospital Gaffrée e Guinle teve triplo valor simbólico: para a medicina, o coroamento da saúde pública; para a filantropia, uma ação que renderia bons frutos à sociedade; para a arquitetura hospitalar, a adoção de uma estética própria associada ao que de mais moderno havia na época. “Guilherme Guinle investiu seu capital social e político, além de seus recursos financeiros, no apoio à ciência produzida em Manguinhos pela escola de Oswaldo Cruz. Ele era daqueles que acreditavam que a medicina pasteuriana tinha o poder de transformar a sociedade”, explica Sanglard na minuciosa e extensa pesquisa sobre o tema.

 

O início da parceria

 

 

 

A parceria entre Chagas, sucessor de Oswaldo Cruz na direção do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) após o falecimento do cientista, em 1917, e a família Guinle datava do início do século. Em 1905, o médico foi indicado por Oswaldo Cruz para debelar os casos de malária no obra de construção da usina hidrelétrica em Itatinga (SP), que os sócios Eduardo Guinle (1846-1912) e Cândido Gaffré (1845-1919) construíam para o porto de Santos. O sucesso de Chagas na missão aproximou-o da família, já proeminente nos negócios de ferrovias, energia elétrica, portos e responsável por obras filantrópicas no Rio, Santos e Porto Alegre.

Anos depois, em 1919, Chagas promoveu uma ampla reforma na saúde, transformando a então Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP) em Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), tornando-se seu diretor. No ano seguinte (1920), Guilherme Guinle assumiu, após a morte do pai, os negócios da família. “A relação que se estabelecerá entre o médico e o jovem empresário mostra que Carlos Chagas continuou gozando do respeito da família – o que será traduzido nas ações de Guilherme Guinle financiando os projetos da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas do DNSP, dirigida pelo médico Eduardo Rabello, e os projetos de saúde pública de Carlos Chagas”, explica Sanglard.

Os Guinle se notabilizaram pelo mecenato e a filantropia. Porém, as ações beneméritas dos sócios e de seus descendentes não se restringiram às artes e à cultura em geral. O amplo apoio deles às instituições científicas e de saúde pode ser classificado como próprio de um período em que investir na pesquisa médica era investir na tentativa de erradicação da miséria, que assolava a população urbana do Rio de Janeiro, então capital do Brasil.

No caso de Guilherme Guinle, ganha destaque a criação da Fundação Gaffrée e Guinle (1923) – para o controle da sífilis e de doenças venéreas, com a construção de um hospital e ambulatórios – e do Instituto de Pesquisa. O projeto do Hospital Gaffrée e Guinle, inaugurado em 1929, foi assinado pelo escritório do arquiteto brasileiro Porto d’Ave (Porto d’Ave & Haering), sob a fiscalização e orientação dos médicos Eduardo Rabello e Gilberto de Moura Costa. Já o Instituto de Pesquisa, cuja inauguração se deu em 1927, aliava pesquisa e assistência médica, seguindo o modelo do IOC e a ciência desenvolvida em Manguinhos.

 

O arquiteto e o projeto

 

 

Segundo informações do Fundo Porto d’Ave, sob a guarda do Departamento de Arquivo e Documentação da COC/Fiocruz, o engenheiro-arquiteto Adelstano Soares de Mattos Porto d’Ave nasceu em 6 de março de 1890 no Rio de Janeiro e faleceu em janeiro de 1952, na mesma cidade (Correio da Manhã, 22 de janeiro de 1952). Teve como sócio, ao menos no início, o alemão Kurt Haering. O escritório de ambos funcionava na rua Buenos Aires, 54, 2o andar, e Porto d’Ave estava registrado como construtor e Kurt Haering como engenheiro.

Por intermédio da família Guinle, elaborou projetos de três hospitais na cidade: o Gaffrée e Guinle, o Hospital e Instituto do Câncer e o Hospital das Clínicas Arthur Bernardes. A partir de então, consolidou seu nome como arquiteto de hospitais, tendo sido responsável pelo traçado de outros, como o Espanhol, o Regional de Niterói e o do Sanatório Santa Clara, em Campos do Jordão (SP).

 

 

Segundo Sanglard e Renato Gama-Rosa Costa, arquiteto e também pesquisador da COC/Fiocruz, o projeto do hospital, originalmente de Hugo Haering, sofreu adaptações propostas por Porto d’Ave, principalmente na linguagem arquitetônica. O hospital, elaborado para internar 320 pessoas, contava com prédio principal de quatro pavimentos. Nele funcionavam os serviços de Pronto-Socorro, Vias Urinárias, Ginecologia, Obstetrícia, Serviços Auxiliares ao Ambulatório do Hospital (laboratório, fisioterapia e raios X), Sífilis Visceral, Otorrinolaringologia e Oftalmologia, salas de cirurgia e Serviço de Mulheres Contagiantes. No campus foram projetados pavilhões especiais para abrigar o Instituto de Pesquisa, o Biotério, a capela consagrada à Nossa Senhora da Conceição do Brasil, a residência do diretor, as oficinas de conservação, o dormitório dos empregados e a lavanderia.

Do ponto de vista arquitetônico, o projeto do Hospital Gaffrée e Guinle foi considerado como moderno por uma série de características: a disposição das enfermarias, sua implantação no centro urbano, o uso dos elevadores, entre outras características. Porto d’Ave imprimiu à estética contornos neocoloniais, em voga na década de 1920 no Rio.

“A opção pelo estilo neocolonial também pode ser incluída neste rol (projeto moderno), uma vez que remete à valorização do elemento genuinamente nacional, bem como à noção de salvação do homem brasileiro, tão necessária para a construção da nação acalentada pelos intelectuais envolvidos no projeto”, completa Sanglard no artigo.

 

 

*Cristiane d’Avila é jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

Em 29 de outubro de 2023, o título deste artigo foi alterado para Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” I – Porto d’Ave e a moderna arquitetura hospitalar.

Fontes:

SANGLARD, Gisele. “O Hospital Gaffrée e Guinle: filantropia, saúde e os ecos do pasteurianismo no Brasil da Primeira República”. In: A Modernidade na arquitetura hospitalar: contribuições para a historiografia – Volume 1\Ana M. G. Albano Amora e Renato Gama-Rosa Costa (Organizadores). Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Arquitetura – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – PROARQ-FAU-UFRJ, 2019.

SANGLARD, G. e COSTA, R. da Gama-Rosa: “Direções e traçados da assistência hospitalar no Rio de Janeiro (1923-31)”. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, vol. 11(1): 107-41, jan.-abr. 2004.

 

Outros artigos da série Os arquitetos do Rio de Janeiro

 

Série “Os arquitetos do Rio” II – No Dia Nacional da Saúde, o Desinfetório de Botafogo e um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior, responsável pelo projeto, de autoria de Cristiane d´Avila, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, em parceria com Andrea C. T. Wanderley, publicado em 5 de agosto de 2023

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” III – O centenário do Copacabana Palace, quintessência do “glamour” carioca, e seu criador, o arquiteto francês Joseph Gire, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado em 13 de agosto de 2023

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” IV – Archimedes Memória (1893 – 1960), o último dos ecléticos, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 1º de dezembro de 2023

Série “O Rio de Janeiro desaparecido XXVII e “Os arquitetos do Rio” V – O Jockey Club e o Derby Club, na Avenida Rio Branco e o arquiteto Heitor de Mello (1875 – 1920), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 15 de janeiro de 2024