Novos acervos: Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC

Com muito entusiasmo a Brasiliana Fotográfica em seu oitavo ano de existência – foi criada em 17 de abril de 2015 pela Fundação Biblioteca Nacional e pelo Instituto Moreira Salles – anuncia a entrada em seu acervo fotográfico de uma nova instituição parceira: a Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC. É mais um passo importante para a preservação da memória da história do Brasil e da fotografia. Com imagens de diversos arquivos pessoais, dentre eles os de Getulio Vargas e de Oswaldo Aranha, o artigo de estreia da Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC foi escrito por sua Equipe de Documentação e é sobre a Revolução de 1930, marco inicial da Segunda República no Brasil. A FGV CPDOC completa hoje 50 anos. Feliz aniversário e parabéns por todas as valiosas realizações! Seja muito bem-vinda à Brasiliana Fotográfica!

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Além das já mencionadas instituições fundadoras e da nova parceira, integram também o portal o Acervo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, o Arquivo Nacional, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, a Fiocruz, a Fundação Joaquim Nabuco, o Leibniz-Institut fuer Laenderkunde, o Museu Aeroespacial, o Museu da República e o Museu Histórico Nacional.

 

CPDOC 50 ANOS integra-se à Brasiliana Fotográfica

Equipe de Documentação da Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC

 

No ano em que comemora 50 anos de criação, o CPDOC se integra à Brasiliana Fotográfica, participando de uma rede de instituições parceiras, relevantes para a preservação da memória histórica brasileira. Ao longo dos anos, o Centro sempre priorizou o tratamento, a preservação e a consulta a seu acervo – textual, visual, sonoro e audiovisual. Participar da Brasiliana potencializa a visualização e o acesso público a seus registros visuais. Para essa primeira postagem, foram eleitas as fotografias que retratam a Revolução de 1930. A escolha desse conjunto de imagens foi definida por corresponder ao recorte histórico do CPDOC – história contemporânea do Brasil.  A Revolução de 1930, comandada por Getulio Vargas, instala a nova república no país. As fotografias que compõem esse dossiê integram os arquivos pessoais de Getulio Vargas (GV), Antunes Maciel (AM), Cordeiro de Farias (CFa), Cristiano Machado (CM), Epitácio Cavalcanti Albuquerque (ECA), Geraldo Rocha (GR), Haroldo Pereira (HP), João Antonio Mesplé (JAM), João Batista Pereira (JBP), Luiz Simões Lopes (LSL), Mena Barreto (MBM), Oswaldo Aranha (OA), e Pedro Ernesto Batista (PEB). 

 

 

Acessando o link para as fotografias acerca da Revolução de 1930 pertencentes à Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá visualizar e magnificar as imagens.

 

A Revolução de 1930

 

Movimento armado, iniciado em 3 de outubro de 1930, com o objetivo imediato de derrubar o governo Washington Luís e impedir a posse de Júlio Prestes, eleito presidente da República em 1º de março de 1930. O movimento tornou-se vitorioso em 24 de outubro e Getulio Vargas assumiu o cargo de presidente provisório no dia 3 de novembro. As mudanças políticas, sociais e econômicas que tiveram lugar na sociedade brasileira no pós-1930 fizeram com que esse movimento revolucionário fosse considerado o marco inicial da Segunda República no Brasil.

 

 

As origens do movimento revolucionário 

 

A oposição dos jovens oficiais do Exército — os “tenentes” — ao sistema político manifestou-se desde a década de 1920. Nas revoltas dos 18 do Forte (1922), de São Paulo e Rio Grande do Sul (1924), e na Coluna Prestes (1925-1927), os “tenentes” defendiam o equilíbrio entre os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário -, pleiteavam um nacionalismo econômico e a modernização da sociedade.

 

A Aliança Liberal

 

Rompendo com a política do Café com leite, segunda a qual Minas Gerais e São Paulo se revezavam no governo da República, a partir de 1928, o presidente Washington Luís passou a apoiar ostensivamente a candidatura de outro paulista – Júlio Prestes – à sua sucessão. Os presidentes dos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul opunham-se à candidatura de Júlio Prestes e lançaram os nomes de Getulio Vargas, presidente do Rio Grande do Sul, e João Pessoa, presidente da Paraíba, respectivamente à presidência e à vice-presidência da República.

 

 

No início de agosto de 1929, formou-se a Aliança Liberal. Em 12 de setembro, uma convenção dos partidos dominantes de 17 estados, liderados por São Paulo, homologou as candidaturas de Júlio Prestes e Vital Soares à presidência e vice-presidência da República. Pouco depois, em 20 de setembro, a Aliança Liberal aprovou a chapa Vargas-João Pessoa.

 

 

 

Ainda em 1929, a corrente mais radical da Aliança Liberal passou a admitir a hipótese de um movimento armado em caso de derrota nas urnas. Buscou a colaboração dos “tenentes” pelo passado revolucionário, a experiência militar e o prestígio no interior do Exército. Entretanto, os “tenentes” não tinham uma posição homogênea. Juarez Távora, João Alberto Lins de Barros e Antônio de Siqueira Campos aderiram à ideia de colaborar com a Aliança Liberal, enquanto Luís Carlos Prestes mostrava reservas quanto ao movimento.

 

 

Com a campanha eleitoral em andamento, Getulio Vargas, pouco seguro da vitória, estabeleceu um acordo com o presidente Washington Luís estabelecendo, entre outros entendimentos, que, caso derrotado nas eleições, acataria o resultado e passaria a apoiar o governo constituído. Em contrapartida, Washington Luís e Júlio Prestes se comprometiam a não apoiar elementos divergentes da situação no Rio Grande do Sul. Vargas munia-se assim de um instrumento que lhe permitiria uma saída, qualquer que fosse o resultado eleitoral. Em 2 de janeiro de 1930, ao lado de João Pessoa, Vargas lançou sua plataforma de governo, para uma grande multidão concentrada na Esplanada do Castelo, no Rio de Janeiro.

 

 

 

 

O resultado das eleições em 1º de março de 1930 deu a vitória a Júlio Prestes e Vital Soares, eleitos com 57,7% dos votos, e foi contestado por suspeita de fraude.

 

O movimento eclode

 

Em 19 de março de 1930, o gaúcho Borges de Medeiros, em entrevista publicada no jornal A Noite, reconheceu enfaticamente a vitória de Júlio Prestes. A entrevista provocou forte reação e as articulações para um movimento revolucionário foram retomadas.

 

 

O movimento deveria contar com o apoio de três estados – Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba – e eclodir simultaneamente em todo o Brasil. Em fins de maio, o Congresso aprovou os resultados das eleições, declarando Júlio Prestes presidente eleito. Três momentos impulsionaram o ânimo revolucionário – ainda em maio, a morte em acidente aéreo do ‘tenente’ Siqueira Campos; em junho, o manifesto de Vargas pelos jornais condenando as fraudes eleitorais e as violências pelo governo federal e pelos governos estaduais contra os aliancistas, e o assassinato de João Pessoa em Recife por João Dantas, apoiador do governo federal. Os preparativos militares se aceleraram e a pressão sobre os chefes do movimento.

 

 

 

 

A posição de Vargas, de aparente alheamento ao movimento e muitas vezes contrária à sua deflagração, pode ser interpretada como uma tentativa de não despertar a desconfiança do governo federal. Foi isso exatamente o que ocorreu. O Rio Grande teve condições de preparar o movimento com a quase ignorância do governo federal. Em 25 de setembro, Vargas e Oswaldo Aranha decidiram desencadear a revolução no dia 3 de outubro. Segundo o plano adotado, o movimento deveria irromper simultaneamente no Rio Grande do Sul, Minas e estados do Nordeste. A ação deveria ter início, por escolha de Osvaldo Aranha, às 17h30, no fim do expediente nos quartéis, o que facilitaria a ação militar e a prisão dos oficiais em suas casas.

 

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Bilhete marcando dia e hora da eclosão do movimento revolucionário, assinado por Lindolfo Collor e Oswaldo Aranha. Porto Alegre (RS), 25 de setembro de 1930 / Acervo FGV CPDOC

 

Efetivamente, a revolução eclodiu nesse horário no Rio Grande do Sul com ataque a posições militares de Porto Alegre e avançando pelos demais estados do Sul.

 

 

Em Belo Horizonte, a revolução eclodiu, no mesmo dia e na mesma hora, e boa parte de sua população aderiu aos batalhões de voluntários que logo se formaram em diversas cidades mineiras. O Norte e o Nordeste do país tiveram a Paraíba como sede do movimento revolucionário, mas o movimento eclodiu na madrugada do dia 4 e se alastrou, pelos outros estados, madrugada adentro.

 

 

 

A 11 de outubro, acompanhados de todo o estado-maior civil e militar da revolução, Getulio Vargas e Góis Monteiro seguiram de trem com destino ao norte do Paraná, prevendo choques violentos com as tropas legalistas. O comboio revolucionário estacionou em Ponta Grossa. Vargas e sua comitiva permaneceram em um dos vagões da composição ferroviária.

 

 

Góis montou seu quartel-general numa das dependências do grupo escolar da cidade, planejou o ataque a ser desfechado sobre São Paulo e foi informado sobre as ações exigindo a renúncia do presidente Washington Luís. Ante a negativa deste, no dia 24 de outubro, os militares determinaram o cerco ao Palácio Guanabara e sua prisão.

 

 

Movimento vitorioso

 

Deposto Washington Luis, assume o governo uma Junta Governativa Provisória composta pelos generais Tasso Fragoso e João de Deus Mena Barreto, e pelo almirante Isaías de Noronha. Com a situação na capital sob controle, a Junta enviou telegramas a Vargas propondo a suspensão total das hostilidades em todo o país. Em 28 de outubro, em proclamação ao país, a Junta Governativa comunicou a decisão de transmitir o poder a Vargas.

 

 

Em 31 de outubro, precedido por três mil soldados gaúchos, Vargas desembarcou no Rio de Janeiro (Distrito Federal), sendo recebido por uma manifestação apoteótica de apoio.

 

 

Finalmente, em 3 de novembro de 1930, Vargas tomou posse como chefe do Governo Provisório e governou o país por 15 anos até ser deposto em 1945.

 

 

 

 

(1) Nota da Editora: Esta mesma foto foi publicada no Correio da Manhã, em 1º de novembro de 1930.

 

 

Acesse aqui o vídeo da Sessão Solene em homenagem aos 50 anos do CPDOC, realizada em 21 de junho de 202, no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica

A Reação Republicana

O artigo de hoje foi escrito pela historiadora Silvia Pinho, do Museu da República, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica. É sobre a Reação Republicana, uma campanha política em torno da sucessão presidencial que mobilizou o Brasil, entre 1921 e 1922, cuja chapa oposicionista se opunha ao domínio de São Paulo e Minas Gerais na política nacional. Reuniu estados importantes – Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul, mais o Distrito Federal – que queriam construir um eixo alternativo de poder.  Os candidatos à presidência e à vice-presidência da Reação eram o fluminense Nilo Peçanha (1867 – 1924) e o baiano J.J. Seabra (1855 – 1942). Nas eleições de 1º de março de 1922, foram derrotados pelo mineiro Artur Bernardes (1875 – 1955) e pelo maranhense Urbano Santos (1859 – 1922), que morreu antes de tomar posse. As fotografias são da Coleção Nilo Peçanha.

 

 

Acessando o link para as fotografias do Movimento Reação Republicana disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

A Reação Republicana

Silvia Pinho*

 

 

A eleição é um dos principais episódios da vida política de um país. Além de peça chave do sistema representativo, os momentos que a antecedem são marcados por debates que levantam questões de importância nacional. A forma como é realizada revela muito da organização social e política de uma sociedade. Nos anos de 1921 e 1922, uma campanha política em torno da sucessão presidencial mobilizou o país. Era a Reação Republicana, chapa oposicionista formada em reação ao domínio de São Paulo e Minas, reunindo estados importantes – Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul, mais o Distrito Federal – que queriam maior participação na política do país, com o objetivo de construir um eixo alternativo de poder. A plataforma da Reação propunha mudanças na organização política e econômica do país, defendendo maior equilíbrio federativo, solução da crise financeira, diversificação agrícola, expansão da educação pública, incentivo ao desenvolvimento econômico e regeneração dos costumes políticos.

 

 

A Reação Republicana lançava como candidato à Presidência da República o político fluminense Nilo Peçanha, e como candidato a vice o governador da Bahia, J. J. Seabra. O então presidente Epitácio Pessoa apoiava a chapa oficial, formada pelo mineiro Artur Bernardes e pelo maranhense Urbano Santos. A disputa representava, sobretudo, uma fissura no pacto oligárquico que caracterizou a Primeira República, baseado na Política dos Governadores – o governo central apoiava os grupos dominantes nos estados, e estes, em troca, apoiavam a política do presidente da República – e na Política do Café com Leite, segundo a qual São Paulo e Minas Gerais decidiam quem seria o candidato oficial à Presidência da República (quase sempre vencedor) e traçavam o rumo das políticas nacionais.

 

 

A grande novidade da Reação Republicana foi sua campanha. Foi a primeira vez que se realizou uma campanha política para a Presidência da República de amplo alcance, sobretudo geográfico, com formação de comitês eleitorais nas mais diversas cidades do país. A bordo do Íris – navio fretado especialmente para esse fim –, Nilo Peçanha visitou vários estados brasileiros, fazendo comícios em praças e teatros, percorrendo as ruas, articulando alianças e conversando com as pessoas em busca de apoio.

 

 

Nilo Peçanha e J. J. Seabra sabiam que estavam em desvantagem em relação à chapa oficial, que dominava o jogo político na maior parte do país. Além disso, nessa época, o voto não era secreto e as fraudes eram prática comum. Porém, os membros da Reação pensavam ser possível reverter a diferença, assim como inibir as fraudes, mediante o convencimento da sociedade, trazendo-a para sua causa.

 

 

A campanha da Reação começou em 24 de junho de 1921 e, enquanto J. J. Seabra visitava estados do Sul, Nilo Peçanha partiu em excursão pelo Norte e Nordeste. À bordo do Íris, ele visitou o Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo e Distrito Federal. Em São Paulo, foi impedido pelo governo local de realizar seu comício, redigindo então um “Manifesto ao Povo Paulista”, no qual afirmava que a Reação era o “ideal renovador do Brasil e que varre a tutela usurpadora dos nossos direitos soberanos!”.

 

 

Embora fosse um movimento das elites políticas, a Reação atraiu a simpatia e conquistou a adesão de vários segmentos sociais insatisfeitos com o governo. Um dos mais importantes foi o grupo dos militares, cujo apoio foi fundamental para a força e a amplitude geográfica da campanha. A Reação Republicana também conquistou o apoio da maçonaria, de grupos feministas e de setores médios urbanos, além da participação efetiva da imprensa na promoção da campanha.

Em 1º de março de 1922, sob forte tensão, ocorreu a eleição. O pleito foi marcado por denúncias de fraude generalizada e a vitória coube ao candidato oficial, Artur Bernardes. Nilo Peçanha e J.J. Seabra, contudo, não reconheceram o resultado e passaram a reivindicar a criação de um Tribunal de Honra, que arbitrasse o processo eleitoral. Como a posse de Bernardes só se daria em 15 de novembro, os membros da Reação continuaram engajados nos meses que se seguiram, tentando mobilizar a opinião pública e encontrar uma solução política que revertesse a situação. Nesse entremeio, no dia 5 de julho, jovens militares – grupo que apoiou a Reação, mas que tinha força, ideologia e demandas próprias – se rebelaram no Forte de Copacabana, em um levante que, embora reprimido, seria o marco inicial do movimento tenentista.

 

 

Os esforços dos candidatos da Reação foram ineficazes e Artur Bernardes tomou posse no Palácio do Catete. Nilo Peçanha morreria pouco depois, em 1924. Em 1930, uma nova crise política, mais forte e ampla, irrompeu e reuniu novamente as oligarquias estaduais dissidentes, militares e setores urbanos, além de outros grupos insatisfeitos com o regime. Era a Revolução de 1930, que pôs fim àquele sistema político.

A Reação Republicana demonstra a complexidade do jogo político na Primeira República, visto muitas vezes de forma simplista e unívoca. O que se desvela, entretanto, é uma trama política dinâmica e múltipla, repleta de conflitos, nuances e atores variados, de um período rico e diverso de nossa história republicana.

 

 

A Coleção Nilo Peçanha, pertencente ao Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República, é formada por cerca de 20 mil documentos, sobretudo textuais, sendo em sua maioria correspondências. O acervo foi formado, principalmente, através das doações feitas pela viúva Anita Peçanha em 1948 e por Armênia Peçanha, irmã do titular, em 1960. Constam da coleção também 547 fotografias, nas quais se destaca o conjunto de imagens que retrata a campanha Reação Republicana.

 

*Silvia Pinho é historiadora do Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República