Série “1922 – Hoje, há 100 anos” V – A Revolta do Forte de Copacabana

Com uma imagem do acervo da Fundação Biblioteca Nacional, uma das instituições fundadoras da Brasiliana Fotográfica, produzida por um fotógrafo ainda não identificado, o portal publica o quinto artigo da Série 1922 – Hoje, há 100 anos, desta vez sobre o levante tenentista e a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, entre 5 e 6 de julho de 1922, na avenida Atlântica, no Rio de Janeiro. Com o episódio, o tenentismo ganhou impulso e foi um dos principais agentes históricos responsáveis pelo colapso da Primeira República do Brasil (O Paiz, 7 de julho de 1922; Gazeta de Notícias, 5 de julho de 1922Beira-Mar, 3 de julho de 1927 e Beira-Mar, 3 de julho de 1927).

 

 

Mesmo se opondo aos objetivos do levante, o escritor Coelho Neto (1864 – 1934), em seu artigo Arrancada Radiante, que deveria ter sido publicado no Jornal do Brasil de 9 de julho de 1922, mas foi censurado, perguntou:

“Que povo não se orgulharia de possuir na raça tais leões?”

Embora rapidamente reprimida, a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana foi importante historicamente, tendo sido a primeira manifestação do movimento tenentista, que buscava derrubar a República Velha e sua política, que ficou conhecida como Café com Leite, que alternava candidatos das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais.

O tenentismo, movimento que deu origem a outras revoltas como a Coluna Prestes (1924 a 1927), a Comuna de Manaus (1924) e a Revolta Paulista (1924), é considerado o embrião da Revolução de 1930.

Segundo Nelson Werneck Sodré:

“…o Tenentismo foi um episódio intimamente vinculado à mudança operada com a queda da República Velha e a implantação do regime subsequente, que poderia ser denominado de República Nova, embora esse título seja impróprio, de vez que não houve, entre uma e outra, a Velha e a Nova, diferenças essenciais”.

“O extraordinário feito desse pequeno grupo, que se deslocou ao longo da praia de Copacabana, ao encontro das forças legais, tornou-se, com a ressonância que alcançou em todo o país, e com sua glorificação pela imprensa de oposição, uma das motivações fundamentais das ações que se  sucederiam ao longo dos anos”.

A marcha dos 18 do Forte foi realizada provavelmente por cerca de 17 ou 18 militares e um civil – há controvérsias em relação a esse número.

 

 

 

Os praças Altino Gomes da Silva, Hildebrando da Silva Nunes, Manoel Ananias dos Santos, Manoel Antônio dos Reis; os soldados Benedito José do Nascimento, Francisco Ribeiro de Freitas, Heitor Ventura da Silva, João Anastácio Falcão de Melo; e o sargento José Pinto de Oliveira participaram da marcha e sobreviveram. Os tenentes Siqueira Campos (1898 – 1930) e Eduardo Gomes (1896 – 1981), futuro patrono da Força Aérea e candidato à Presidência da República em 1945 e em 1950, participaram e foram feridos. Os que morreram durante o combate foram o praça Hipólito José dos Santos, os tenentes Mario Carpenter, o soldado Pedro Ferreira de Melo, além do civil Otávio Correia. O tenente Newton Sizendando Prado (1897 – 1922) foi gravemente ferido e faleceu dias depois.

 

 

Quando aconteceu a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, o mineiro Artur Bernardes (1875 – 1955), do Partido Republicano Mineiro, havia sido eleito presidente da República poucos meses antes, em março de 1922, fato abordado no terceiro artigo da Série Hoje, há 100 anos. Durante a campanha presidencial houve o episódio das cartas falsas: Bernardes foi acusado de ter escrito cartas ao senador Raul Soares (1877 – 1924), publicadas no jornal Correio da Manhã, atacando seu opositor, o fluminense Nilo Peçanha (1867 – 1924), candidato do Movimento Reação Republicana, chamado de moleque, e o marechal Hermes da Fonseca (1855 – 1923), referido como um sargentão sem compostura, o que acirrou os ânimos dos militares contra sua candidatura. Os jovens militares da Revolta dos 18 do Forte haviam apoiado a Reação Republicana. E antes, em 1919, o presidente Epitácio Pessoa (1865 – 1942) já havia nomeado o civil Pandiá Calógeras (1870 – 1934) para o Ministério da Guerra, causando mal estar entre os militares.

Voltando para 1922: Epitácio interveio na eleição estadual de Pernambuco, ocorrida em 27 de maio, cuja campanha eleitoral entre o candidato ligado a Nilo Peçanha, o vencedor José Henrique Carneiro da Cunha, e o ligado a Artur Bernardes, o coronel Lima Castro, prefeito do Recife; havia sido muito agitada. As tropas federais patrulharam o Recife e apoiavam claramente os bernardistas (Diário de Pernambuco, 27 de maio de 1922). O marechal Hermes da Fonseca (1855 – 1923), então presidente do Clube Militar, reagiu criticando duramente o presidente, tendo enviado, em 29 de junho de 1922,  um telegrama ao coronel Jaime Pessoa, comandante da 7ª Região Militar, sediada no Recife:

“O Clube Militar está contristado pela situação angustiosa em que se encontra o Estado de Pernambuco, narrada por fontes insuspeitas que dão ao nosso glorioso Exército a odiosa posição de algoz do povo pernambucano. Venho fraternalmente lembrar-vos que mediteis nos termos dos arts. 6.º e 14 da Constituição, para isentardes o vosso nome e o da nobre classe a que pertencemos da maldição de nossos patrícios. O apelo que ora dirijo ao ilustre consócio é para satisfazer os instantes pedidos de camaradas nossos daí, no sentido de apoiá-lo nessa crítica emergência, em que se procura desviar a força armada do seu alto destino. Confiando no vosso patriotismo e zelo pela perpetuidade do amor do Exército, ao povo de nossa terra, vos falo nesse grande momento. Não esqueçais que as instituições passam e o Exército fica. – Saudações – M.al Hermes da Fonseca.” (Correio da Manhã, 30 de junho de 1922, terceira coluna).

Epitácio ordenou, em 2 de julho, a prisão do marechal  Hermes – que foi libertado no dia seguinte – e o fechamento do Clube Militar, três dias antes do levante do Forte de Copacabana. O capitão Euclides Hermes (1883 – 1962), filho de Hermes e comandante do Forte de Copacabana, em 4 de julho, conclamou seus comandados. Houve também levantes na Vila Militar e na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, e ainda na guarnição de Mato Grosso. Devido à revolta, foi decretado o estado de sítio no Brasil. O governo federal reprimiu o movimento, prendendo vários oficiais, inclusive, novamente, Hermes da Fonseca, libertado em janeiro de 1923 (O Jornal, 2 de julho,primeira coluna4 de julho, primeira coluna; e 6 de julho de 1922; Gazeta de Notícias, 6 de julho de 1922; O Paiz, 7 de janeiro de 1923; Gazeta de Notícias, 7 de janeiro de 1923).

 

 

“Na madrugada de 5 de julho, a crise culminou com uma série de levantes militares. Na capital federal, levantaram-se o forte de Copacabana, guarnições da Vila Militar, o forte do Vigia, a Escola Militar do Realengo e o 1° Batalhão de Engenharia; em Niterói, membros da Marinha e do Exército; em Mato Grosso, a 1ª Circunscrição Militar, comandada pelo general Clodoaldo da Fonseca, tio do marechal Hermes. No Rio de Janeiro, o movimento foi comandado pelos “tenentes”, uma vez que a maioria da alta oficialidade se recusou a participar do levante.

Os rebeldes do forte de Copacabana dispararam seus canhões contra diversos redutos do Exército, forçando inclusive o comando militar a abandonar o Ministério da Guerra. As forças legais revidaram, e o forte sofreu sério bombardeio. O ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, empreendeu em vão várias tentativas no sentido de obter a rendição dos rebeldes.

Finalmente, no início da tarde do dia 6 de julho, ante a impossibilidade de prosseguir no movimento, os revoltosos que permaneciam firmes na decisão de não se renderem ao governo abandonaram o forte e marcharam pela avenida Atlântica de encontro às forças legalistas. A eles aderiu o civil Otávio Correia, até então mero espectador dos acontecimentos.

Conhecidos como os 18 do Forte – embora haja controvérsias quanto a seu número, pois os depoimentos dos sobreviventes e as notícias da imprensa da época não coincidem -, os participantes da marcha travaram tiroteio com as forças legais. Os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram com graves ferimentos. Entre os mortos, estavam os tenentes Mário Carpenter e Newton Prado.”

Site do CPDOC

 

Segundo o historiador Hélio Silva:

“Silenciado o último fuzil; mal pensadas as feridas sangrentas; jogada a pá de cal aos esquifes baixados às sepulturas, começaram as devassas. (…) (Instautou-se) um estado de sítio de quatro anos, sob um regime de prisões políticas, não só dos réus, mas também dos advogados e jornalistas, que os defendiam e, ainda, a ameaça de prisão para juízes e paralemntares, com a censura à imprensa e alguns jornais suspensos… O interrogatório dos indiciados faz surgir nos cabeçalhos dos diários os nomes que mais tarde iriam chefiar revoluções, dirigir ministérios, comandar exércitos: Eduardo Gomes, Juarez Távora, Ciro Cardoso, Odílio Denys.”

 

forte7Beira-Mar, 3 de julho de 1927

Da esquerda para direita, tenentes Eduardo Gomes, Siqueira Campos, Nílton Prado e Otávio Correia/

Beira-Mar, 3 de julho de 1927

 

A icônica foto do episódio dos 18 do Forte, mostrada acima, não está creditada mas é de autoria do fotógrafo Zenóbio Rodrigues do Couto (1875 – 1931). Houve inclusive uma polêmica em torno da veracidade e da autoria da imagem, considerada pelo O Cruzeiro, em 1931, um dos dois registros mais importantes da reportagem fotográfica brasileira até então. O outro seria o da saída do presidente Washington Luis (1869 – 1957) do Palácio da Guanabara, em 24 de outubro de 1930, produzida por Joaquim Vieira, da Revista da Semana (O Cruzeiro, 26 de setembro de 1931, terceira colunaO Cruzeiro, 3 de julho de 1974).

Além da icônica imagem de Zenóbio, conhecida como Marcha da Morte, ele teria produzido duas outras do episódio: uma do tenente Newton Campos de pé sobre uns colchões em frente ao Forte de Copacabana e outra do cabo Manoel Antônio Reis, corneteiro do Forte. Teriam sido publicadas na edição de 15 de julho de 1922 da revista O Malho, que foi apreendida, motivo pelo qual não há um exemplar dessa edição na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Porém, em O Jornal, de 18 de julho de 1922, há a transcrição de um artigo publicado na referida edição de O Malho sobre a revolta, a favor do presidente (O Jornal, 18 de julho de 1922, quarta colunaCorreio da Manhã, 3 de julho de 1963; História de Alagoas). Zenóbio e sua mulher suicidaram-se, em 1931 (O Malho, 12 de setembro de 1931).

 

 

Link para fotografias do movimento revolucionário publicadas na Revista da Semana de 15 de julho de 1922: páginas 18, 19 e 20.

 

Homenagem aos 18 do Forte

 

Em 5 de dezembro de 1930, por decisão do interventor do Distrito Federal, Adolpho Bergamini (1886 – 1945), em homenagem aos 18 do Forte, a rua Barroso, em frente a qual se realizaram os combates na praia, foi batizada de rua Siqueira Campos. E a antiga rua Hermezilda passou a chamar-se 5 de julho, em 1931 (Beira-Mar, 11 de julho de 1931).

 

 

Na edição da Beira-Mar, de 29 de junho de 1940, foi publicado um interessante relato de um repórter que presenciou a Revolta dos 18 do Forte.

Foi inaugurado, em 5 de julho de 1974, com a presença do brigadeiro Eduardo Gomes, único sobrevivente do levante, o monumento Tenente Siqueira Campos – Ao Levante dos 18 do Forte, na avenida Atlântica, em frente à rua Siqueira Campos. A estátua em bronze representa Siqueira Campos no momento que foi atingido por um tiro (Jornal do Brasil, 5 de julho, última coluna; e 6 de julho, terceira coluna, de 1974).

 

 

Outra efeméride de 1922 – A fundação do Centro Dom Vital

 

Também em 1922, em maio, cerca de dois meses antes do episódio dos 18 do Forte, foi fundado o Centro Dom Vital, criado pelo escritor Jackson de Figueiredo (1891 – 1928), convertido ao catolicismo, em 1918, influenciado por dom Sebastião Leme (1882 – 1942), arcebispo do Rio de Janeiro. A associação combatia os ideais dos tenentes, atacava o socialismo e um de seus objetivos mais importantes era formar uma “nova geração de intelectuais católicos”. Jackson usava a revista A Ordem, fundada por ele, em 1921, para repercutir os ideais do Centro Dom Vital, do qual fizeram parte como presidentes o escritor Alceu Amoroso Lima (1893 – 1983) e o jurista Heráclito Sobral Pinto (1893 – 1991), dentre outros.

 

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

CARVALHO, Claunisio Amorim. O insigne pavilhão: nação e nacionalismo na obra do escritor Coelho Neto. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social – Mestrado Acadêmico da Universidade Federal do Maranhão, 2012.

DÓRIA, Pedro. Tenentes: A guerra civil brasileira. Rio de Janeiro : Record, 2016.

FORJAZ, Maria Cecilia Spina. A crise da república oligárquica no Brasil: as primeiras manifestações tenentistas. Dezembro de 1976.

GERSON, Brasil. História das Ruas do Rio. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2013.

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Nosso Século 1910 – 1930. Rio de Janeiro : Editora Abril, 1980.

Site Centro Dom Vital

Site CPDOC – 18 do ForteCentro Dom Vital

Site História de Alagoas

Site Inventário dos Monumentos RJ

SILVA, Hélio. Sangue na areia de Copacabana. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1971.

SODRÉ, Nelson Werneck. O Tenentismo. Porto Alegre : Editora Mercado Aberto, 1985.

TORRES, Sergio Rubens de Araújo. A Revolução de 1922 – Os 18 do Forte

 

Links para os artigos já publicados da Série 1922 – Hoje, há 100 anos

Série 1922 – Hoje, há 100 anos I – Os Batutas embarcam para Paris, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 29 de janeiro de 2022

Série 1922 – Hoje, há 100 anos II- A Semana de Arte Moderna, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 13 de fevereiro de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos III – A eleição de Artur Bernardes e a derrota de Nilo Peçanha, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 1º de março de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IV – A primeira travessia aérea do Atlântico Sul, realizada pelos aeronautas portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicada em 17 de junho de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VI e série Feministas, graças a Deus XI – A fundação da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 9 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VII – A morte de Gastão de Orleáns, o conde d´Eu (Neuilly-sur-Seine, 28/04/1842 – Oceano Atlântico 28/08/1922), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 28 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VIII – A abertura da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil e o centenário da primeira grande transmissão pública de rádio no país, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 7 de setembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IX – O centenário do Museu Histórico Nacional, de autoria de Maria Isabel Lenzi, historiadora do Musseu Histórico Nacional, publicado em 12 de outubro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos X –  A morte do escritor Lima Barreto (1881 – 1922), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 1º denovembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos XI e série Feministas, graças a Deus XII 1ª Conferência pelo Progresso Feminino e o “bom” feminismo, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, antropóloga do Arquivo Nacional, publicado em 19 de dezembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

A Reação Republicana

O artigo de hoje foi escrito pela historiadora Silvia Pinho, do Museu da República, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica. É sobre a Reação Republicana, uma campanha política em torno da sucessão presidencial que mobilizou o Brasil, entre 1921 e 1922, cuja chapa oposicionista se opunha ao domínio de São Paulo e Minas Gerais na política nacional. Reuniu estados importantes – Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul, mais o Distrito Federal – que queriam construir um eixo alternativo de poder.  Os candidatos à presidência e à vice-presidência da Reação eram o fluminense Nilo Peçanha (1867 – 1924) e o baiano J.J. Seabra (1855 – 1942). Nas eleições de 1º de março de 1922, foram derrotados pelo mineiro Artur Bernardes (1875 – 1955) e pelo maranhense Urbano Santos (1859 – 1922), que morreu antes de tomar posse. As fotografias são da Coleção Nilo Peçanha.

 

 

Acessando o link para as fotografias do Movimento Reação Republicana disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

A Reação Republicana

Silvia Pinho*

 

 

A eleição é um dos principais episódios da vida política de um país. Além de peça chave do sistema representativo, os momentos que a antecedem são marcados por debates que levantam questões de importância nacional. A forma como é realizada revela muito da organização social e política de uma sociedade. Nos anos de 1921 e 1922, uma campanha política em torno da sucessão presidencial mobilizou o país. Era a Reação Republicana, chapa oposicionista formada em reação ao domínio de São Paulo e Minas, reunindo estados importantes – Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul, mais o Distrito Federal – que queriam maior participação na política do país, com o objetivo de construir um eixo alternativo de poder. A plataforma da Reação propunha mudanças na organização política e econômica do país, defendendo maior equilíbrio federativo, solução da crise financeira, diversificação agrícola, expansão da educação pública, incentivo ao desenvolvimento econômico e regeneração dos costumes políticos.

 

 

A Reação Republicana lançava como candidato à Presidência da República o político fluminense Nilo Peçanha, e como candidato a vice o governador da Bahia, J. J. Seabra. O então presidente Epitácio Pessoa apoiava a chapa oficial, formada pelo mineiro Artur Bernardes e pelo maranhense Urbano Santos. A disputa representava, sobretudo, uma fissura no pacto oligárquico que caracterizou a Primeira República, baseado na Política dos Governadores – o governo central apoiava os grupos dominantes nos estados, e estes, em troca, apoiavam a política do presidente da República – e na Política do Café com Leite, segundo a qual São Paulo e Minas Gerais decidiam quem seria o candidato oficial à Presidência da República (quase sempre vencedor) e traçavam o rumo das políticas nacionais.

 

 

A grande novidade da Reação Republicana foi sua campanha. Foi a primeira vez que se realizou uma campanha política para a Presidência da República de amplo alcance, sobretudo geográfico, com formação de comitês eleitorais nas mais diversas cidades do país. A bordo do Íris – navio fretado especialmente para esse fim –, Nilo Peçanha visitou vários estados brasileiros, fazendo comícios em praças e teatros, percorrendo as ruas, articulando alianças e conversando com as pessoas em busca de apoio.

 

 

Nilo Peçanha e J. J. Seabra sabiam que estavam em desvantagem em relação à chapa oficial, que dominava o jogo político na maior parte do país. Além disso, nessa época, o voto não era secreto e as fraudes eram prática comum. Porém, os membros da Reação pensavam ser possível reverter a diferença, assim como inibir as fraudes, mediante o convencimento da sociedade, trazendo-a para sua causa.

 

 

A campanha da Reação começou em 24 de junho de 1921 e, enquanto J. J. Seabra visitava estados do Sul, Nilo Peçanha partiu em excursão pelo Norte e Nordeste. À bordo do Íris, ele visitou o Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo e Distrito Federal. Em São Paulo, foi impedido pelo governo local de realizar seu comício, redigindo então um “Manifesto ao Povo Paulista”, no qual afirmava que a Reação era o “ideal renovador do Brasil e que varre a tutela usurpadora dos nossos direitos soberanos!”.

 

 

Embora fosse um movimento das elites políticas, a Reação atraiu a simpatia e conquistou a adesão de vários segmentos sociais insatisfeitos com o governo. Um dos mais importantes foi o grupo dos militares, cujo apoio foi fundamental para a força e a amplitude geográfica da campanha. A Reação Republicana também conquistou o apoio da maçonaria, de grupos feministas e de setores médios urbanos, além da participação efetiva da imprensa na promoção da campanha.

Em 1º de março de 1922, sob forte tensão, ocorreu a eleição. O pleito foi marcado por denúncias de fraude generalizada e a vitória coube ao candidato oficial, Artur Bernardes. Nilo Peçanha e J.J. Seabra, contudo, não reconheceram o resultado e passaram a reivindicar a criação de um Tribunal de Honra, que arbitrasse o processo eleitoral. Como a posse de Bernardes só se daria em 15 de novembro, os membros da Reação continuaram engajados nos meses que se seguiram, tentando mobilizar a opinião pública e encontrar uma solução política que revertesse a situação. Nesse entremeio, no dia 5 de julho, jovens militares – grupo que apoiou a Reação, mas que tinha força, ideologia e demandas próprias – se rebelaram no Forte de Copacabana, em um levante que, embora reprimido, seria o marco inicial do movimento tenentista.

 

 

Os esforços dos candidatos da Reação foram ineficazes e Artur Bernardes tomou posse no Palácio do Catete. Nilo Peçanha morreria pouco depois, em 1924. Em 1930, uma nova crise política, mais forte e ampla, irrompeu e reuniu novamente as oligarquias estaduais dissidentes, militares e setores urbanos, além de outros grupos insatisfeitos com o regime. Era a Revolução de 1930, que pôs fim àquele sistema político.

A Reação Republicana demonstra a complexidade do jogo político na Primeira República, visto muitas vezes de forma simplista e unívoca. O que se desvela, entretanto, é uma trama política dinâmica e múltipla, repleta de conflitos, nuances e atores variados, de um período rico e diverso de nossa história republicana.

 

 

A Coleção Nilo Peçanha, pertencente ao Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República, é formada por cerca de 20 mil documentos, sobretudo textuais, sendo em sua maioria correspondências. O acervo foi formado, principalmente, através das doações feitas pela viúva Anita Peçanha em 1948 e por Armênia Peçanha, irmã do titular, em 1960. Constam da coleção também 547 fotografias, nas quais se destaca o conjunto de imagens que retrata a campanha Reação Republicana.

 

*Silvia Pinho é historiadora do Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República

Série “1922 – Hoje, há 100 anos” III – A eleição de Artur Bernardes e a derrota de Nilo Peçanha

No 3º artigo da Série 1922 – Hoje, há 100 anos, A eleição de Artur Bernardes e a derrota de Nilo Peçanha, a Brasiliana Fotográfica traz três fotografias de Artur Bernardes (1875 – 1955), da Coleção Presidentes da República, e oito de Nilo Peçanha (1867 – 1924), todas do acervo do Museu da República, uma das instituições parceiras do portal. Uma das imagens de Bernardes foi produzida pela Annunciato Photo e as outras duas são de autoria de fotógrafos ainda não identificados. Um dos registros de Nilo Peçanha, o candidato derrotado, é de autoria de Juan Gutierrez (c. 1860 -1897). Há também a imagem do verso de um estojo de madeira que protege o álbum fotográfico da Escola de Aprendizes e Artífices do Estado de Alagoas, que já foi tema de um artigo do portal, onde Nilo aparece desenhado entre as bandeiras do Brasil e de Alagoas.

 

O candidato vitorioso, Artur Bernardes (1875 – 1955)

 

 

Acessando o link para as fotografias de Artur Bernardes disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Mineiro de Viçosa, Artur Bernardes foi eleito pelo Partido Republicano Mineiro, em 1º de março de 1922, quando derrotou Nilo Peçanha, candidato do Movimento Reação Republicana, tornando-se o 12º presidente do Brasil (O Jornal, 2 de março de 1922).

No mesmo mês de março, foi fundado o Partido Comunista do Brasil, por iniciativa do Grupo Comunista de Porto Alegre, que realizou, no Rio e em Niterói, nos dias 25, 26 e 27 de março, um congresso. Abílio de Nequete (1888 – 1960) foi eleito secretário geral.

 

 De pé, da esquerda para a direita: Manuel Cendon, Joaquim Barbosa, Astrogildo Pereira, João da Costa Pimenta, Luís Peres e José Elias da Silva; sentados, da esquerda para a direita: Hermogênio Silva, Abílio de Nequete e Cristiano Cordeiro / Nosso Século

De pé, da esquerda para a direita: Manuel Cendon, Joaquim Barbosa, Astrogildo Pereira, João da Costa Pimenta, Luís Peres e José Elias da Silva; sentados, da esquerda para a direita: Hermogênio Silva, Abílio de Nequete e Cristiano Cordeiro / Nosso Século

 

Voltando às eleições: foram 466.877 votos contra 317.714 e o pleito dividiu o país: Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul deram apoio a Nilo Peçanha enquanto Minas Gerais e São Paulo apoiaram a candidatura de Bernardes, que tomou posse em 15 de novembro de 1922 e ficou no cargo até 15 de novembro de 1926. Governou grande parte de seu mandato sob estado de sítio, decretado por ele.

 

 

Formado em Direito, Bernardes foi vereador, deputado, secretário das Finanças e governador de Minas Gerais antes de chegar à presidência da República. Sua eleição para o governo de Minas representou a ascensão de uma nova geração de políticos no estado e durante seu mandato fez grande oposição às atividades do proprietário da Itabira Iron Ore Company, o empresário norte-americano Percival Farquhar (1865–1953).

Era o representante da política que ficou conhecida como Café com Leite, que alternava candidatos das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais. Durante a campanha presidencial houve o episódio das cartas falsas: ele foi acusado de ter escrito cartas ao senador Raul Soares (1877 – 1924), publicadas no jornal Correio da Manhã, atacando seu opositor, Nilo Peçanha, chamado de moleque, e o marechal Hermes da Fonseca (1855 – 1923) referido como um sargentão sem compostura, o que acirrou os ânimos dos militares contra sua candidatura. Bernardes chegou ao Rio de Janeiro, em 15 de outubro de 1921, para apresentar sua plataforma de governo e foi recebido por uma multidão raivosa na avenida Rio Branco. Houve um quebra-quebra na cidade e seus retratos foram arrancados das vitrines das lojas e queimados (Correio da Manhã, 9 de outubro, última coluna13 de outubro16 de outubro de 1921).

 

 

Os reponsáveis pelas cartas foram Jacinto Cardoso de Oliveira Guimarães, Oldemar Lacerda e Pedro Burlamaqui e, ainda durante a campanha, foi provado que haviam sido forjadas, mas a contestação a Bernardes nos meios militares já era irreversível. Apesar da importante crise política, Artur Bernardes se elegeu, mas, durante seu governo, enfrentou o movimento tenentista, que deu início a um processo de ruptura política que teria como consequência a Revolução de 1930. Seu governo foi fortemente marcado pela dura repressão a seus oposiocionistas e pela censura à imprensa.

 

 

Curiosidades: Freire Júnior (1881 – 1956) e Luiz Nunes Sampaio (1886 – 1953) compuseram a marcha carnavalesca conhecida como “Ai, Seu Mé”, em 1922. Seu Mé era um apelido dado pela oposição a Bernardes. Versos como O queijo de Minas está bichado, seu Zé Não seu porquê é, não sei porquê é Aí, seu Mé! Aí Mé, Mé Lá no Palácio das Águias, Olé Não hás de pôr o pé ironizavam o candidato. Apesar de nas gravações da música não aparecer o nome dis compositores e sim o nome do conjunto A Canalha das Ruas, com a eleição de Bernardes, eles foram presos. Ouça aqui a músicas.

O compositor José Barbosa da Silva, conhecido pelo pseudônimo Sinhô (1888 – 1930), também compôs uma música alfinetando Artur Bernardes. Foi a marcha carnavalesca Fala baixo, cujo título denunciava a censura policial da época. Nos versos, as invocações de uma “rolinha”, que era o apelido injurioso dado a Artur Bernardes pelos jornais do Rio, complicaram a vida do artista que foi perseguido e teve que sumir por uns tempos.

 

 Fala baixo (1919-1921)
Quero te ouvir cantar 
Vem cá, rolinha, vem cá 
Vem para nos salvar 
Vem cá, rolinha, vem cá 
Não é assim 
Não é assim 
Não é assim 
Que se maltrata uma mulher 
És a minha paixão 
Vem cá, rolinha, vem cá 
És o meu coração 
Vem cá, rolinha, vem cá 
Não é assim…

 

Um pouco sobre o candidato derrotado, Nilo Peçanha (1867 – 1924) 

 

 

O candidato derrotado nas eleições presidenciais de 1922, Nilo Peçanha, era fluminense, de Campos de Goytacazes. Sua candidatura iniciou o movimento chamado de Reação Republicana que protestava contra as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais. Inaugurava-se, então, o nilismo – uma nova forma de fazer política.

 

 

 

Acessando o link para as fotografias de Nilo Peçanha disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Já havia sido presidente, o primeiro com um perfil popular, entre junho de 1909 e novembro de 1910, quando Afonso Pena (1847 – 1909) faleceu no exercício do cargo (Gazeta de Notícias, 15 de junho de 1909, sétima coluna). Quando assumiu a presidência, Peçanha declarou que as bases de seu governo seriam a paz e o amorEra formado em Direito e antes de chegar à presidência participou das campanhas abolicionista e republicana e havia sido deputado, governador do Rio de Janeiro e vice-presidente da República. Depois foi ministro das Relações Exteriores e senador. Era um excelente orador, fazia frequentemente discursos em praças do Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Gostava de andar pelas ruas da cidade, parando em bares e lojas para conversar.

Foi, muitas vezes, vítima de racismo. Segundo o diplomata e membro da Academia Brasileira de Letras, Alberto Costa e Silva:

“Nilo Peçanha era mulato escuro, assim como diversos outros presidentes da república, a começar por Rodrigues Alves, que era mulato, e também Washington Luís. A questão é que nenhum desses políticos brasileiros era considerado mulato ou negro. Eles eram tidos como brancos, por terem uma posição social elevada. Faziam parte do “mundo dos brancos”, e não de uma minoria. A população dita “branca” no Brasil na realidade era composta por muitos mestiços”.

Revista Época, 22 de novembro de 2008

 

 

Conforme já abordado pelo artigo publicado na Brasiliana Fotográfica, em 26 de março de 2020, Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas, 1910, de Paulo Celso Corrêa, cientista político do Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República, as Escolas de Aprendizes e Artífices foram criadas durante o governo do presidente Nilo Peçanha, em 1909. Sob a responsabilidade do recém-criado Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, elas ofereciam ensino primário e profissional para menores de idade pobres, com a finalidade de formá-los em operários e contramestres para a indústria. Com o texto, estão disponibilizadas as 14 fotos de um álbum da Coleção Nilo Peçanha referentes ao tema. São cenas dos cinco primeiros meses de funcionamento da escola, com as crianças tendo aulas e participando de oficinas de marcenaria, funilaria, sapataria, entre outras. Em 1937, as Escolas de Aprendizes e Artífices foram transformadas em Liceus de Artes e Ofícios. Estas instituições de ensino técnico e profissionalizante deram origem às posteriores Escolas Técnicas, Centros Federais de Educação Tecnológica e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

 

 

Também criou o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), precursor da Funai, em 1910. O primeiro diretor do órgão foi o marechal Cândido Rondon (1865 – 1958).

 

 

Andrea C.T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

Atlas Histórico do Brasil

BARTZ, Frederico Duarte. Abílio de Nequete (1888-1960): os múltiplos caminhs de uma militância operária. Dossiês Mundo do Trabalho, 14 de janeiro de 2011 in História Social, uma publicação semestral dos alunos do Programa de Pós-Graduação em História da Unicamp.

Blog do Luis Nassif

Casa do Choro

CPDOC – Artur BernardesNilo Peçanha, PCB e Raul Soares

FRANZINI, Fábio. No campo das ideias – Gilberto Freyre e a invenção da brasilidade futebolística. Departamento de História da Unesp

Folha de São Paulo, 18 de outubro de 2019

GGN – O jornal de todos os Brasis

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional 

Nosso Século

 

Links para os artigos já publicados da Série 1922 – Hoje, há 100 anos

Série 1922 – Hoje, há 100 anos I – Os Batutas embarcam para Paris, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 29 de janeiro de 2022

Série 1922 – Hoje, há 100 anos II- A Semana de Arte Moderna, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 13 de fevereiro de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IV – A primeira travessia aérea do Atlântico Sul, realizada pelos aeronautas portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicada em 17 de junho de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos V – A Revolta do Forte de Copacabana, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicada em 5 de julho de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VI e série Feministas, graças a Deus XI – A fundação da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 9 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VII – A morte de Gastão de Orleáns, o conde d´Eu (Neuilly-sur-Seine, 28/04/1842 – Oceano Atlântico 28/08/1922), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 28 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VIII – A abertura da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil e o centenário da primeira grande transmissão pública de rádio no país, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 7 de setembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IX – O centenário do Museu Histórico Nacional, de autoria de Maria Isabel Lenzi, historiadora do Musseu Histórico Nacional, publicado em 12 de outubro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos X –  A morte do escritor Lima Barreto (1881 – 1922), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 1º denovembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos XI e série Feministas, graças a Deus XII 1ª Conferência pelo Progresso Feminino e o “bom” feminismo, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, antropóloga do Arquivo Nacional, publicado em 19 de dezembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas, registros de 1910

A Brasiliana Fotográfica traz hoje para seus leitores o artigo “Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas, 1910″, do historiador Paulo Celso Corrêa, do Museu da República, uma das instituições parceiras do portal. As Escolas de Aprendizes e Artífices foram criadas durante o governo do presidente Nilo Peçanha, em 1909. Sob a responsabilidade do recém-criado Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, elas ofereciam ensino primário e profissional para menores de idade pobres, com a finalidade de formá-los em operários e contramestres para a indústria. Com o texto, estão disponibilizadas as 14 fotos de um álbum da Coleção Nilo Peçanha referentes ao tema. São cenas dos cinco primeiros meses de funcionamento da escola, com as crianças tendo aulas e participando de oficinas de marcenaria, funilaria, sapataria, entre outras. Em 1937, as Escolas de Aprendizes e Artífices foram transformadas em Liceus de Artes e Ofícios. Estas instituições de ensino técnico e profissionalizante deram origem às posteriores Escolas Técnicas, Centros Federais de Educação Tecnológica e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

 

Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas, 1910

Paulo Celso Corrêa*

 

As Escolas de Aprendizes e Artífices foram criadas durante o governo do presidente Nilo Peçanha, pelo decreto nº. 7.566 de 23 de setembro de 1909. Funcionando sob responsabilidade do recém-criado Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, elas ofereciam ensino primário e profissional para menores de idade pobres, com a finalidade de formá-los em operários e contramestres para a indústria. As escolas deveriam ser instaladas na capital de cada estado, a não ser que já houvesse ali instituição de ensino com o mesmo propósito. Em Maceió, capital de Alagoas, a Escola de Aprendizes e Artífices foi inaugurada em 21 de janeiro de 1910. O conjunto de fotos abaixo retrata cenas cotidianas dos cinco primeiros meses de funcionamento da instituição, reunidas em um álbum oferecido a Nilo Peçanha e que atualmente faz parte do acervo do ex-presidente no Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República.

 

 

Atribuí-se a Nilo Peçanha a frase “O Brasil futuro sairá das escolas profissionais”. O empenho de seu curto governo pela criação das Escolas de Aprendizes e Artífices representou uma ação direta do estado republicano no sentido de formar mão-de-obra qualificada e disciplinar, pelo trabalho, os filhos da camadas mais pobres da população urbana. É o que afirma a justificativa oficial para o decreto de 1909: “o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela existência; que para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime; que é um dos primeiros deveres do Governo da República formar cidadãos úteis à Nação”.

 

 

Não foi, porém, a primeira iniciativa do tipo, visto que instituições públicas ou privadas de ensino profissional já existiam desde o século anterior, como as Escolas de Aprendizes dos Arsenais de Guerra e Marinha e o Asilo de Meninos Desvalidos, no Rio de Janeiro. Destas predecessoras, as novas escolas herdaram algumas formas de organização e o caráter profissionalizante e correcional. Após a Revolução de Outubro de 1930, as Escolas de Aprendizes e Artífices passaram a integrar o novo Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1937, foram transformadas em Liceus de Artes e Ofícios. Estas instituições de ensino técnico e profissionalizante deram origem às posteriores Escolas Técnicas, Centros Federais de Educação Tecnológica e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

 

Acessando o link para as fotografias da Escolas de Aprendizes e Artífices de Alagoas disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

A Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas funcionou na Rua Boa Vista, no centro de Maceió e seu primeiro diretor foi o engenheiro Miguel Guedes Nogueira. Na primeira página do álbum há uma descrição datilografada das atividades realizadas e da freqüência dos alunos, naqueles cinco primeiros meses de funcionamento. Havia 81 alunos matriculados, sendo a frequência média diária de 69 alunos. Registrava-se também a cor da pele dos alunos. Eram 21 negros, 36 “trigueiros” (mestiços) e 24 brancos. Além dos cursos primário e de desenho, funcionavam as oficinas de marcenaria, carpintaria, serralheria, sapataria e funilaria. A descrição ainda assegurava que a escola “está situada no centro mais populoso da capital e conta com os principais elementos de higiene e asseio”. O regime era de externato, isto é, os alunos não residiam na escola.

 

 

Para se candidatarem às vagas, os menores deveriam ser preferencialmente pobres (“desfavorecidos da fortuna”), terem entre 10 e 13 anos de idade (o limite foi posteriormente elevado a 16 anos) e não possuírem doença infecto-contagiosa nem “defeitos” (físicos, mentais) que impedissem o aprendizado do ofício. Os cuidados com a saúde e higiene dos futuros operários continuariam dentro da escola, com aulas de ginástica sueca, para corrigir a postura e evitar doenças, e ginástica militar, com uniformes e réplicas de armas, para acostumar os meninos à vida de soldado que, na ideologia republicana oficial, era a outra forma de os cidadãos pobres serem “úteis” à Nação. O ensino também visava à formação moral dos alunos, que receberiam noções de bons costumes e conversação e orientação contra os vícios do álcool e do fumo.

 

 

 

Para a formação básica dos alunos, a instituição oferecia um curso primário, dividido em elementar (para os analfabetos) e complementar, cada um com dois anos de duração; e um curso de desenho, com duração de quatro anos. As disciplinas do curso primário incluíam leitura, escrita, educação moral e cívica, ciências físicas e naturais, caligrafia e aritmética. Já o curso de desenho consistia no ensino de geometria prática, agrimensura e arquitetura. Segundo o relatório de 1910 do diretor da escola alagoana, a maioria dos alunos matriculados naquele ano necessitaram do curso elementar.

 

 

 

No início de seu funcionamento, a escola de Alagoas ofereceu cursos de marcenaria, carpintaria, funilaria, serralheria e sapataria, considerados os mais adequados às necessidades da indústria local. No entanto, o próprio diretor reconheceu o caráter experimental do funcionamento das oficinas em seu primeiro ano, seja pela sua pouca familiaridade com os assuntos, seja pelas necessidades práticas de organização da escola. De modo a permitir que os alunos aprendessem com segurança e tomassem gosto pela arte, foram improvisadas matérias-primas baratas como ferros velhos, latas vazias, restos de madeira de obras e caixões.

A renda obtida pela venda dos artefatos produzidos nas oficinas custearia as despesas da escola. O saldo remanescente da atividade de cada oficina deveria ser aplicado na Caixa Econômica ou Coletoria Federal para que fosse repartida em 15 quotas iguais, sendo uma para o diretor, quatro para o mestre e 10 para os aprendizes – estas últimas distribuídas em prêmios que variavam de acordo com a aptidão e nível de cada um. Os alunos também receberiam prêmios de acordo com o desempenho de suas oficinas em exposição anual, cuja avaliação caberia ao júri formado pelo diretor, pelo mestre e pelo inspetor agrícola do distrito.

 

 

 

 

 

 

A julgar pelo relatório do seu primeiro diretor, a Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas padeceu, em sua fase inicial de funcionamento, dos mesmos problemas de organização enfrentados por suas congêneres das outras capitais. Os imóveis e instalações eram precários, faltava preparo aos diretores, professores e mestres para o ensino profissional, não havia planejamento curricular. Outro problema comum era a evasão escolar que, na opinião do diretor alagoano, era culpa da ignorância dos pais e de sua inconsciência da responsabilidade moral sobre a educação dos filhos, que ficavam largados a sua “vontade infantil”. Por outro lado, o que os alunos ganhavam na escola como fruto de seu trabalho não era suficiente para contribuir na luta diária pela sobrevivência de suas famílias, razão pela qual muitas crianças abandonavam os estudos profissionais cedo, ou tão logo dominassem conhecimentos práticos que os permitissem trabalhar noutros lugares.

 

* Paulo Celso Liberato Corrêa é cientista político do Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República.

 

Fontes:

Presidência da República do Brasil. Decreto nº 7566, de 23 de setembro de 1909.

CARVALHO, Marcelo Augusto Monteiro de. Nilo Peçanha e a criação das Escolas de Aprendizes e Artífices no contexto da Primeira República (EAAs): 1910-1914. In: Anais da 7ª Conferência Internacional de História de Empresas e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica. Ribeirão Preto: USP/ABPHE, 2019.

LIMA, Marcondes dos Santos. Entre os rastros e pistas da memória da Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas (1910-1913). In Novas epistemes e narrativas contemporâneas – Anais do V Congresso Internacional de História [suporte digital] / Antonio Ricardo Calori de Lion; Robson Pereira da Silva, Sandra Nara da Silva Novais. Jataí: Gráfica UFG, 2016. http://www.congresso2016.congressohistoriajatai.org/conteudo/view?ID_CONTEUDO=319

NOGUEIRA. Miguel Guedes. Relatório apresentado ao Ex. Sr. Dr. Pedro de Toledo, ministro da Agricultura, Indústria e Comércio pelo Diretor da Escola de Aprendizes e Artífices do Estado de Alagoas. Maceió: Livraria Fonseca, 1910.

SOARES, Manoel de Jesus A. As Escolas de Aprendizes e Artífices – estrutura e evolução. In Revista Fórum Educacional v. 6, n. 2. Rio de Janeiro, 1982. pp 58-92.