Série “1922 – Hoje, há 100 anos” V – A Revolta do Forte de Copacabana

Com uma imagem do acervo da Fundação Biblioteca Nacional, uma das instituições fundadoras da Brasiliana Fotográfica, produzida por um fotógrafo ainda não identificado, o portal publica o quinto artigo da Série 1922 – Hoje, há 100 anos, desta vez sobre o levante tenentista e a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, entre 5 e 6 de julho de 1922, na avenida Atlântica, no Rio de Janeiro. Com o episódio, o tenentismo ganhou impulso e foi um dos principais agentes históricos responsáveis pelo colapso da Primeira República do Brasil (O Paiz, 7 de julho de 1922; Gazeta de Notícias, 5 de julho de 1922Beira-Mar, 3 de julho de 1927 e Beira-Mar, 3 de julho de 1927).

 

 

Mesmo se opondo aos objetivos do levante, o escritor Coelho Neto (1864 – 1934), em seu artigo Arrancada Radiante, que deveria ter sido publicado no Jornal do Brasil de 9 de julho de 1922, mas foi censurado, perguntou:

“Que povo não se orgulharia de possuir na raça tais leões?”

Embora rapidamente reprimida, a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana foi importante historicamente, tendo sido a primeira manifestação do movimento tenentista, que buscava derrubar a República Velha e sua política, que ficou conhecida como Café com Leite, que alternava candidatos das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais.

O tenentismo, movimento que deu origem a outras revoltas como a Coluna Prestes (1924 a 1927), a Comuna de Manaus (1924) e a Revolta Paulista (1924), é considerado o embrião da Revolução de 1930.

Segundo Nelson Werneck Sodré:

“…o Tenentismo foi um episódio intimamente vinculado à mudança operada com a queda da República Velha e a implantação do regime subsequente, que poderia ser denominado de República Nova, embora esse título seja impróprio, de vez que não houve, entre uma e outra, a Velha e a Nova, diferenças essenciais”.

“O extraordinário feito desse pequeno grupo, que se deslocou ao longo da praia de Copacabana, ao encontro das forças legais, tornou-se, com a ressonância que alcançou em todo o país, e com sua glorificação pela imprensa de oposição, uma das motivações fundamentais das ações que se  sucederiam ao longo dos anos”.

A marcha dos 18 do Forte foi realizada provavelmente por cerca de 17 ou 18 militares e um civil – há controvérsias em relação a esse número.

 

 

 

Os praças Altino Gomes da Silva, Hildebrando da Silva Nunes, Manoel Ananias dos Santos, Manoel Antônio dos Reis; os soldados Benedito José do Nascimento, Francisco Ribeiro de Freitas, Heitor Ventura da Silva, João Anastácio Falcão de Melo; e o sargento José Pinto de Oliveira participaram da marcha e sobreviveram. Os tenentes Siqueira Campos (1898 – 1930) e Eduardo Gomes (1896 – 1981), futuro patrono da Força Aérea e candidato à Presidência da República em 1945 e em 1950, participaram e foram feridos. Os que morreram durante o combate foram o praça Hipólito José dos Santos, os tenentes Mario Carpenter, o soldado Pedro Ferreira de Melo, além do civil Otávio Correia. O tenente Newton Sizendando Prado (1897 – 1922) foi gravemente ferido e faleceu dias depois.

 

 

Quando aconteceu a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, o mineiro Artur Bernardes (1875 – 1955), do Partido Republicano Mineiro, havia sido eleito presidente da República poucos meses antes, em março de 1922, fato abordado no terceiro artigo da Série Hoje, há 100 anos. Durante a campanha presidencial houve o episódio das cartas falsas: Bernardes foi acusado de ter escrito cartas ao senador Raul Soares (1877 – 1924), publicadas no jornal Correio da Manhã, atacando seu opositor, o fluminense Nilo Peçanha (1867 – 1924), candidato do Movimento Reação Republicana, chamado de moleque, e o marechal Hermes da Fonseca (1855 – 1923), referido como um sargentão sem compostura, o que acirrou os ânimos dos militares contra sua candidatura. Os jovens militares da Revolta dos 18 do Forte haviam apoiado a Reação Republicana. E antes, em 1919, o presidente Epitácio Pessoa (1865 – 1942) já havia nomeado o civil Pandiá Calógeras (1870 – 1934) para o Ministério da Guerra, causando mal estar entre os militares.

Voltando para 1922: Epitácio interveio na eleição estadual de Pernambuco, ocorrida em 27 de maio, cuja campanha eleitoral entre o candidato ligado a Nilo Peçanha, o vencedor José Henrique Carneiro da Cunha, e o ligado a Artur Bernardes, o coronel Lima Castro, prefeito do Recife; havia sido muito agitada. As tropas federais patrulharam o Recife e apoiavam claramente os bernardistas (Diário de Pernambuco, 27 de maio de 1922). O marechal Hermes da Fonseca (1855 – 1923), então presidente do Clube Militar, reagiu criticando duramente o presidente, tendo enviado, em 29 de junho de 1922,  um telegrama ao coronel Jaime Pessoa, comandante da 7ª Região Militar, sediada no Recife:

“O Clube Militar está contristado pela situação angustiosa em que se encontra o Estado de Pernambuco, narrada por fontes insuspeitas que dão ao nosso glorioso Exército a odiosa posição de algoz do povo pernambucano. Venho fraternalmente lembrar-vos que mediteis nos termos dos arts. 6.º e 14 da Constituição, para isentardes o vosso nome e o da nobre classe a que pertencemos da maldição de nossos patrícios. O apelo que ora dirijo ao ilustre consócio é para satisfazer os instantes pedidos de camaradas nossos daí, no sentido de apoiá-lo nessa crítica emergência, em que se procura desviar a força armada do seu alto destino. Confiando no vosso patriotismo e zelo pela perpetuidade do amor do Exército, ao povo de nossa terra, vos falo nesse grande momento. Não esqueçais que as instituições passam e o Exército fica. – Saudações – M.al Hermes da Fonseca.” (Correio da Manhã, 30 de junho de 1922, terceira coluna).

Epitácio ordenou, em 2 de julho, a prisão do marechal  Hermes – que foi libertado no dia seguinte – e o fechamento do Clube Militar, três dias antes do levante do Forte de Copacabana. O capitão Euclides Hermes (1883 – 1962), filho de Hermes e comandante do Forte de Copacabana, em 4 de julho, conclamou seus comandados. Houve também levantes na Vila Militar e na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, e ainda na guarnição de Mato Grosso. Devido à revolta, foi decretado o estado de sítio no Brasil. O governo federal reprimiu o movimento, prendendo vários oficiais, inclusive, novamente, Hermes da Fonseca, libertado em janeiro de 1923 (O Jornal, 2 de julho,primeira coluna4 de julho, primeira coluna; e 6 de julho de 1922; Gazeta de Notícias, 6 de julho de 1922; O Paiz, 7 de janeiro de 1923; Gazeta de Notícias, 7 de janeiro de 1923).

 

 

“Na madrugada de 5 de julho, a crise culminou com uma série de levantes militares. Na capital federal, levantaram-se o forte de Copacabana, guarnições da Vila Militar, o forte do Vigia, a Escola Militar do Realengo e o 1° Batalhão de Engenharia; em Niterói, membros da Marinha e do Exército; em Mato Grosso, a 1ª Circunscrição Militar, comandada pelo general Clodoaldo da Fonseca, tio do marechal Hermes. No Rio de Janeiro, o movimento foi comandado pelos “tenentes”, uma vez que a maioria da alta oficialidade se recusou a participar do levante.

Os rebeldes do forte de Copacabana dispararam seus canhões contra diversos redutos do Exército, forçando inclusive o comando militar a abandonar o Ministério da Guerra. As forças legais revidaram, e o forte sofreu sério bombardeio. O ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, empreendeu em vão várias tentativas no sentido de obter a rendição dos rebeldes.

Finalmente, no início da tarde do dia 6 de julho, ante a impossibilidade de prosseguir no movimento, os revoltosos que permaneciam firmes na decisão de não se renderem ao governo abandonaram o forte e marcharam pela avenida Atlântica de encontro às forças legalistas. A eles aderiu o civil Otávio Correia, até então mero espectador dos acontecimentos.

Conhecidos como os 18 do Forte – embora haja controvérsias quanto a seu número, pois os depoimentos dos sobreviventes e as notícias da imprensa da época não coincidem -, os participantes da marcha travaram tiroteio com as forças legais. Os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram com graves ferimentos. Entre os mortos, estavam os tenentes Mário Carpenter e Newton Prado.”

Site do CPDOC

 

Segundo o historiador Hélio Silva:

“Silenciado o último fuzil; mal pensadas as feridas sangrentas; jogada a pá de cal aos esquifes baixados às sepulturas, começaram as devassas. (…) (Instautou-se) um estado de sítio de quatro anos, sob um regime de prisões políticas, não só dos réus, mas também dos advogados e jornalistas, que os defendiam e, ainda, a ameaça de prisão para juízes e paralemntares, com a censura à imprensa e alguns jornais suspensos… O interrogatório dos indiciados faz surgir nos cabeçalhos dos diários os nomes que mais tarde iriam chefiar revoluções, dirigir ministérios, comandar exércitos: Eduardo Gomes, Juarez Távora, Ciro Cardoso, Odílio Denys.”

 

forte7Beira-Mar, 3 de julho de 1927

Da esquerda para direita, tenentes Eduardo Gomes, Siqueira Campos, Nílton Prado e Otávio Correia/

Beira-Mar, 3 de julho de 1927

 

A icônica foto do episódio dos 18 do Forte, mostrada acima, não está creditada mas é de autoria do fotógrafo Zenóbio Rodrigues do Couto (1875 – 1931). Houve inclusive uma polêmica em torno da veracidade e da autoria da imagem, considerada pelo O Cruzeiro, em 1931, um dos dois registros mais importantes da reportagem fotográfica brasileira até então. O outro seria o da saída do presidente Washington Luis (1869 – 1957) do Palácio da Guanabara, em 24 de outubro de 1930, produzida por Joaquim Vieira, da Revista da Semana (O Cruzeiro, 26 de setembro de 1931, terceira colunaO Cruzeiro, 3 de julho de 1974).

Além da icônica imagem de Zenóbio, conhecida como Marcha da Morte, ele teria produzido duas outras do episódio: uma do tenente Newton Campos de pé sobre uns colchões em frente ao Forte de Copacabana e outra do cabo Manoel Antônio Reis, corneteiro do Forte. Teriam sido publicadas na edição de 15 de julho de 1922 da revista O Malho, que foi apreendida, motivo pelo qual não há um exemplar dessa edição na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Porém, em O Jornal, de 18 de julho de 1922, há a transcrição de um artigo publicado na referida edição de O Malho sobre a revolta, a favor do presidente (O Jornal, 18 de julho de 1922, quarta colunaCorreio da Manhã, 3 de julho de 1963; História de Alagoas). Zenóbio e sua mulher suicidaram-se, em 1931 (O Malho, 12 de setembro de 1931).

 

 

Link para fotografias do movimento revolucionário publicadas na Revista da Semana de 15 de julho de 1922: páginas 18, 19 e 20.

 

Homenagem aos 18 do Forte

 

Em 5 de dezembro de 1930, por decisão do interventor do Distrito Federal, Adolpho Bergamini (1886 – 1945), em homenagem aos 18 do Forte, a rua Barroso, em frente a qual se realizaram os combates na praia, foi batizada de rua Siqueira Campos. E a antiga rua Hermezilda passou a chamar-se 5 de julho, em 1931 (Beira-Mar, 11 de julho de 1931).

 

 

Na edição da Beira-Mar, de 29 de junho de 1940, foi publicado um interessante relato de um repórter que presenciou a Revolta dos 18 do Forte.

Foi inaugurado, em 5 de julho de 1974, com a presença do brigadeiro Eduardo Gomes, único sobrevivente do levante, o monumento Tenente Siqueira Campos – Ao Levante dos 18 do Forte, na avenida Atlântica, em frente à rua Siqueira Campos. A estátua em bronze representa Siqueira Campos no momento que foi atingido por um tiro (Jornal do Brasil, 5 de julho, última coluna; e 6 de julho, terceira coluna, de 1974).

 

 

Outra efeméride de 1922 – A fundação do Centro Dom Vital

 

Também em 1922, em maio, cerca de dois meses antes do episódio dos 18 do Forte, foi fundado o Centro Dom Vital, criado pelo escritor Jackson de Figueiredo (1891 – 1928), convertido ao catolicismo, em 1918, influenciado por dom Sebastião Leme (1882 – 1942), arcebispo do Rio de Janeiro. A associação combatia os ideais dos tenentes, atacava o socialismo e um de seus objetivos mais importantes era formar uma “nova geração de intelectuais católicos”. Jackson usava a revista A Ordem, fundada por ele, em 1921, para repercutir os ideais do Centro Dom Vital, do qual fizeram parte como presidentes o escritor Alceu Amoroso Lima (1893 – 1983) e o jurista Heráclito Sobral Pinto (1893 – 1991), dentre outros.

 

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

CARVALHO, Claunisio Amorim. O insigne pavilhão: nação e nacionalismo na obra do escritor Coelho Neto. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social – Mestrado Acadêmico da Universidade Federal do Maranhão, 2012.

DÓRIA, Pedro. Tenentes: A guerra civil brasileira. Rio de Janeiro : Record, 2016.

FORJAZ, Maria Cecilia Spina. A crise da república oligárquica no Brasil: as primeiras manifestações tenentistas. Dezembro de 1976.

GERSON, Brasil. História das Ruas do Rio. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2013.

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Nosso Século 1910 – 1930. Rio de Janeiro : Editora Abril, 1980.

Site Centro Dom Vital

Site CPDOC – 18 do ForteCentro Dom Vital

Site História de Alagoas

Site Inventário dos Monumentos RJ

SILVA, Hélio. Sangue na areia de Copacabana. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1971.

SODRÉ, Nelson Werneck. O Tenentismo. Porto Alegre : Editora Mercado Aberto, 1985.

TORRES, Sergio Rubens de Araújo. A Revolução de 1922 – Os 18 do Forte

 

Links para os artigos já publicados da Série 1922 – Hoje, há 100 anos

Série 1922 – Hoje, há 100 anos I – Os Batutas embarcam para Paris, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 29 de janeiro de 2022

Série 1922 – Hoje, há 100 anos II- A Semana de Arte Moderna, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 13 de fevereiro de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos III – A eleição de Artur Bernardes e a derrota de Nilo Peçanha, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 1º de março de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IV – A primeira travessia aérea do Atlântico Sul, realizada pelos aeronautas portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicada em 17 de junho de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VI e série Feministas, graças a Deus XI – A fundação da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 9 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VII – A morte de Gastão de Orleáns, o conde d´Eu (Neuilly-sur-Seine, 28/04/1842 – Oceano Atlântico 28/08/1922), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 28 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VIII – A abertura da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil e o centenário da primeira grande transmissão pública de rádio no país, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 7 de setembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IX – O centenário do Museu Histórico Nacional, de autoria de Maria Isabel Lenzi, historiadora do Musseu Histórico Nacional, publicado em 12 de outubro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos X –  A morte do escritor Lima Barreto (1881 – 1922), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 1º denovembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos XI e série Feministas, graças a Deus XII 1ª Conferência pelo Progresso Feminino e o “bom” feminismo, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, antropóloga do Arquivo Nacional, publicado em 19 de dezembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

E a primeira-dama Nair de Teffé leva a música de Chiquinha Gonzaga para o Palácio do Catete, em 1914

Nair de Teffé e Chiquinha Gonzaga: duas mulheres à frente de seu tempo e a história do Corta-jaca no Palácio do Catete, em 1914

 

 

Em uma recepção oferecida no Palácio do Catete pelo presidente da República, o gaúcho Hermes da Fonseca (1855 – 1923), e pela primeira-dama, Nair de Teffé (1886 – 1981), em 26 de outubro de 1914, foi executado dentro da programação musical da elegante soirée o tango Gaúcho, mais conhecido como Corta-jaca, da revolucionária, transgressora e prodigiosa maestrina, a carioca e afrodescendente Chiquinha Gonzaga (1847 – 1935), cuja mãe era filha de uma escravizada alforriada e, o pai, um militar de família tradicional. Pela primeira vez esse estilo de música era apresentado nos salões chiques da capital da República, tendo como convidados o corpo diplomático e a elite carioca. A própria Nair de Teffé, uma mulher à frente de seu tempo, culta, talentosa, boêmia e festeira tocou a composição ao violão, instrumento ainda marginalizado na época.

 

 

De origem aristocrática, filha dos barões de Teffé, Nair foi uma pioneira. É considerada uma das primeiras mulheres caricaturistas do mundo, conhecida pelo pseudônimo Rian, e colaborava com publicações como Fon-Fon, Gazeta de Notícias e o Malho. Foi educada na França e falava seis idiomas. Era atriz e criou a Troupe Rian, que encenava peças teatrais para angariar fundos para a construção da Catedral de Petrópolis e também para beneficiar obras sociais. Casou-se com Hermes da Fonseca, em 8 de dezembro de 1913, após ele ficar viúvo, em novembro de 1912, de sua primeira esposa, Orsina da Fonseca (1858 – 1912) (Fon-Fon, 31 de julho de 1909Jornal do Brasil, 1º de dezembro de 1912; Jornal do Brasil, 9 de dezembro de 1913; O Malho, 13 de dezembro de 1913).

 

 

Acessando o link para as fotografias de Nair de Teffé e de Hermes da Fonseca disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

Voltando ao sarau…Ocorreu, como já mencionado, em 26 de outubro de 1914, menos de um mês antes da transmissão do cargo de presidente de Hermes da Fonseca para Venceslau Brás (1868 – 1966), em dia 15 de novembro de 1914. Grandes pianistas se apresentaram, dentre eles Arthur Napoleão (1843 – 1925), interpretando Les étincelles, de sua autoria; e Leopoldo Duque-Estrada (18? – 19?) com a Grande fantasia triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro, de Gottschalk (1829 – 1869). Mas foi a execução do Corta-jaca pela primeira-dama que marcou o evento. Finalmente uma música eminentemente popular era apresentada na sede do governo! (A Rua, 6 de novembro de 1914, primeira coluna).

 

 

 

Foi um escândalo e provocou reações na sociedade. O senador Rui Barbosa (1849 – 1923), que havia perdido a eleição presidencial para Hermes da Fonseca, em 1910, foi um dos que se manifestou contra o episódio, que ficou para a história como uma espécie de alforria da música popular brasileira.

 

 

A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o corta-jaca é executado com todas as honras de música de Wagner, e não se quer que a consciência deste país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria!

Trecho do discurso proferido no Senado por Rui Barbosa

sobre o Corta-jaca no Catete, em 7 de novembro de 1914

 

 

Acessando o link para as fotografias de Chiquinha Gonzaga disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas. 

 

Gaúcho é um dos maiores sucessos de Chiquinha e integra a opereta burlesca Zizinha Maxixe, que estreou em 20 de agosto de 1895, no Teatro Éden Lavradio, no Rio de Janeiro, sob a direção da atriz Pepa Ruiz (1859 – 1923) (Gazeta de Notícias, 21 de agosto de 1895, terceira coluna).

 

 

Em um dos  manuscritos de Chiquinha, sob a guarda do Instituto Moreira Salles, pode-se ver o momento exato em que sua famosa música, segundo a escritora e biógrafa da maestrina, Edinha Diniz, camuflada de cateretê, dançada como maxixe e publicada como tango, nasceu. Ao final da partitura, a maestrina escreveu: “Arre!! São 3 e um quarto da manhã! Estou cansada, vou dormir… Felizmente acabei – os galos cantam”. Caiu nas graças do público, popularizando-se com o nome de Corta-jaca, intitulando, a partir daí, um gênero musical e apelidando, posteriormente, o governo do presidente Hermes da Fonseca (1910 a 1914).

 

 

A opereta não fez sucesso e só foi encenada três vezes (Jornal Illustrado, 31 de agosto de 1895, terceira coluna). Porém O Gaúcho foi editado em abril de 1899 sob o selo da Casa Vieira Machado, importante estabelecimento de publicação de partituras musicais, no Rio de Janeiro.

 

 

A música foi incluída na revista Cá e lá, de 1904 (O Paiz, 23 de junho de 1904, quarta coluna), e cantada pela população carioca em “chopps berrantes” por toda a cidade.

 

 

Devido ao sucesso, o tcheco Frederico (Fred) Figner (1866 – 1947), fundador da primeira empresa fonográfica do Brasil, a Casa Edison, e primeiro produtor fonográfico do país, gravou duas versões da canção em seu estúdio, na efervescente rua do Ouvidor, no centro da cidade.

 

 

O Corta-jaca tornou-se um clássico do grande repertório da música instrumental brasileira, merecendo gravações, entre outros, de Abel Ferreira, Altamiro Carrilho, Antonio Adolfo, Artur Moreira Lima, Clara Sverner, Conjunto Regional do Donga, Eudóxia de Barros, Guio de Morais, Itamar Assieré, Leandro Braga, Marcus Viana, Maria Teresa Madeira, Marcelo Verzoni, Paulo Moura, Radamés Gnatalli, Rosária Gatti, Talitha Peres, Turíbio Santos, inúmeras bandas e algumas versões cantadas (Site Chiquinha Gonzaga).

 

 

Ouça aqui o Gaúcho, composição de Chiquinha Gonzaga, conhecido como Corta-jaca, executado pela pianista Fernanda Canaud e pelo violonista Marco de Pinna, em 2014

 

 

Para saber mais sobre a vida e a obra da maestrina Chiquinha Gonzaga, acesse: https://ims.com.br/por-dentro-acervos/resgate-de-chiquinha-gonzaga/

 

Transcrição do artigo Chiquinha Gonzaga, de autoria do importante historiador da cultura brasileira, Mário de Andrade, publicado em O Estado de São Paulo, em 19 de fevereiro de 1940

CHIQUINHA GONZAGA 

Mario de Andrade

Na evolução da música popular urbana do Brasil teve grande importância o trabalho de uma mulher, já muito esquecida em nossos dias, Francisca Gonzaga. Esse esquecimento, aliás, é mais ou menos justificável, porque nada existe de mais transitório, em música, que esta espécie de composição. Compôr música de dansa, compôr música para revistas de anno e coisas assim é uma espécie de arte de consumo, tão necessária e tão consumível como o leite, os legumes, perfume e sapatos. O sapato gasta-se, o perfume se evola, o alimento é digerido. E o samba, o maxixe, a rumba, depois de cumprido o seu rápido destino de provocar várias e metaphoricas… calorias, é esquecido e substituído por outro. E como o artista só vive na função da obra que elle mesmo criou, o compositor de dansa, de canções de rádio, de revistas de anno, também é usado, gastado, e em seguida esquecido e substituído por outro.

Francisca Gonzaga, a Chiquinha Gonzaga de todos os cariocas do fim da Monarquia, também foi algum tempo um daqueles “pianeiros” a que me referi num artigo anterior, tocadores de música de dansa nos assustados ou nas já desapparecidas salas-de-espera dos cinemas. Mas só o foi por pouco tempo, levada pelas suas necessidades econômicas. Logo reagiu e subiu, chegando mesmo a dirigir orchestra de theatro de operetas. Em 1885 no Theatro Lyrico, numa festa em sua homenagem, ella regeu a opereta “A filha do Guedes”, um dos seus maiores sucessos, de que ninguém se lembra mais. Foi a primeira regente mulher que já tivemos, prophetisadora, por muito tempo não seguida, das Dinorah de Carvalho e Joanidia Sodré dos nossos dias.

Mas esta foi apenas uma aventura a mais na vida desta mulher ativa, de existência fortemente movimentada. Nascida de família de militares, trazendo a têmpera dos Lima e Silva, aos treze annos Chiquinha Gonzaga casava-se com o marido que lhe impunham. Mas, como no verso de Alberto de Oliveira: “Não gostava de música o marido”. Depois de uma curta vida de casada, Chiquinha se revoltou, fugiu, foi viver independente no seu canto, repudiada por todos, parentes e amigos, que não podiam se conformar com aquella ofensa à moral pública. E a sua vida foi difficil, ella pobre, com filhos a criar, uma honestidade a defender sozinha na fatal obrigação de frequentar ambientes bohemios e moralmente flacidos. Foi professora de piano, constituiu um chôro para execução de dansas em casas de família, em que se fazia acompanhar do filhinho mais velho, tocador de cavaquinho, com dez anos de edade.

Conta Mariza Lyra, que recentemente evocou a vida de Chiquinha Gonzaga num livro muito útil, que naquelles tempos cariocas do Segundo Império, um processo commum de se vender música de dansa era mandar negros e escravos offerecer de porta em porta a mercadoria. Foi também assim que Chiquinha Gonzaga principiou a vender suas composições.

O seu primeiro grande sucesso foi a polka “Attrahente”, hoje uma preciosidade bibliographica raríssima; publicada pelo editor de música Narciso, já então associado, em sua casa commercial, a Arthur Napoleão e Leopoldo Miguez. A capa trazia o retrato de Chiquinha Gonzaga, desenhada por Bordalo Pinheiro. Peça brilhante, ainda pouco nacionalmente característica, não representa a verdadeira Chiquinha Gonzaga, que só oito anos mais tarde, em 1885, com a opereta “A corte na Roça”, se apresentava bem mais brasileira em sua invenção melódica.

Aliás, para se impôr como compositora de theatro, Chiquinha Gonzaga teve muito que lutar. Era mulher, e embora já celebrada nas suas peças de dansa, ninguém a imaginava com o folcgo sufficiente para uma peça theatral. Conseguiu arrancar um libreto de Arthur Azevedo, mas a sua partitura foi rejeitada. Compôs em seguida, sobre texto de sua própria autoria, uma “Festa de S. João”, que também não conseguiu ver executada. Só a terceira tentativa vingou – essa “Corte na Roça” que a Companhia Souza Bastos representou em janeiro de 1885.

Foi o sucesso, a celebridade mais alargada, e Francisca Gonzaga fixou-se como compositora de theatro leve, em que havia de continuar, por toda a sua vida activa. Ninguém está esquecido, imagino, de uma peça deliciosa que ainda hoje pode se sustentar, sem graves symptomas de velhice, a “Jurity”, com texto de Viriato Corrêa. Será talvez o que mais perdurável compoz Chiquinha Gonzaga. Aliás a combinação Chiquinha Gonzaga-Viriato Corrêa foi das mais felizes do nosso theatro popular.  Além da “Jurity”, “Maria e a Sertaneja” são das obras mais finas, no seu gênero, entre nós.

A invenção Chiquinha Gonzaga é discreta e raramente banal. Ella pertence a um tempo em que mesmo a composição popularesca, mesmo a música de dansa e das revistas de anno ainda não se degradaram cynicamente, procurando favorecer apenas os instinctos e sensualidades mais reles do público urbano, como hoje. Basta comparar uma canção, uma modinha, uma polka de Francisca Gonzaga corn a infinita maioria das canções dc rádio, os sambas, as marchinhas de Carnaval deste século, para reconhecer o que affirmo. Não se trata apenas de differenças condicionadas pelo tempo, conservando na differenciação o mesmo nível desavergonhadarnente baixo. Trata-se de um verdadeiro rebaixamento de nível, num interesse degradado em servir o público com o que lhe for mais fácil, mais immediatamente gostoso, para vencer mais rápido numa concorrência mais numerosa e brutal.

O interesse maior de Chiquinha Gonzaga está nisso: a sua música, assim como ela soube resvalar pela boemia carioca sem se tisnar, é agradavel, é simples sem attingir o banal, é fácil sem atingir a boçalidade. Os seus maiores succesos públicos, a “Lua Branca”, que ainda hoje cantam por ahi como modinha anonyma, a “Casa de Caboclo”, o lundu “P’ra Cera do Santissimo”, o famoso “Oh Abre Alas!” carnavalesco, e especialmente o “Corta-Jaca”, guardam na sua felicidade de invenção uma espécie de pudor, um recato melódico que não se presta nunca aos desmandos da sensualidade musical.

No livro de Mariza Lira, tão cheio de indicações históricas interessantes, vem aliás uma pequena inexactidão que convem rectificar. Foi costume entre nós, imprimir musicas de sentido político em lenços grandes, se não me engano trazidos ao pescoço. Informa Mariza Lira que “P’ra Cera do Santissimo” andou impressa em lenços de seda, tal a popularidade do lundu’. E adianta mais que um destes lenços esteve exposto na exposição de inconographia musical brasileira, realizada pelo Departamento de Cultura durante o Congresso da Língua Nacional Cantada. A inexactidão é que o lenço exposto, nessa occasião, não reproduzia a peça de Chiquinha Gonzaga, mas sim o “Chô Arauna”, e vinha provavelmente das últimas lutas ou primeiras celebrações do Treze de Maio.

Num outro passo do seu livro ainda, Mariza Lira dá como de acceitação definitiva a versão sobre a origem da palavra “maxixe”, para designar a nossa dansa urbana que antecedeu o samba carioca actual. Conta-se que essa designação derivou de um indivíduo que numa sociedade carnavalesca do Rio, chamada os Estudantes de Heidelberg, dansou de maneira tão especial e convidativa que todos começaram a imital-o. Esse indivíduo tinha o appelido de Maxixe; e como todos principiassem  a “dansar como o Maxixe”, em breve o nome do homem passou a designar a própria dansa. Ora, quem deu esta versão fui eu, que a ouvi do compositor Villa Lobos que por sua vez a teria ouvido de um velho, carnavalesco em seu tempo de mocidade, frequentador dos Estaudantes de Heldelberg e testemunha do facto. A versão é muito plausível, nada tem de extraordinária. Mas eu a dei com as devidas reservas, pois me parece que a coisa carece de maior confirmação. 

O que eu apenas fixei é que o maxixe, como dansa carioca, appareceu na década que vae de 1870 a 1880, e isso coincide de facto com a existência dos Estudantes de Heldelberg. Não conheço texto algum de 1870 em que a palavra apareça. Em 1880 ella ja principia frequentando regularmente as revistas e jornaes do Rio. Mas as minhas pesquisas pararam nisto, eu levado por outros interesses mais profundos.

O livro de Mariza Lira nos conta pela primeira vez vários passos interessantes da vida de Francisca Gonzaga. A autora do “Corta-Jaca” foi realmente uma mulher enérgica, cheia de iniciativas. Republicana apaixonada, tomou parte nas lutas de 1893, publicando músicas de sentido político. Chegou a ter ordem de prisão, por isso, as copias de sua cançoneta “Aperte o Botão” foram apprehendidas e inutilisadas. 

De outra feita, lhe doendo a sepultura miserável que guardava restos mortaes do autor do Hino Nacional, apesar de já nos seus 75 anos de idade, Chiquinha Gonzaga tomou a peito dar a Francisco Manuel morada mais digna. Serviu-se da Sociedade Brasileira de Autores Theatrais; lutou e conseguiu o seu intento. Na mocidade, discutindo com a pobreza, inventava as suas próprias vestes, em que havia sempre alguma originalidade lhe realçando a bonita carinha. Na cabeça, não podendo comprar os chapéus da moda, inventou trazer um toucado feito com um simples lenço de seda. Tão encantadora ficava assim e era tão diffícil de comprehender como arranjava o lenço, que uma vez, em plena rua do Ouvidor, uma senhora não se conteve, arrancou-lhe o lenço da cabeça, para descobrir o truque. Chiquinha indignada voltou-se e insultou a invejosa, chamando-lhe “Feia!”.

Francisca Gonzaga compôs 77 obras theatrais e tunas duas mil peças avulsas. Quem quizer conhecer a evolução das nossas dansas urbanas terá sempre que estudar muito attentamente as obras della. Vivendo no Segundo Império e nos primeiros decennios da República, Francisca Gonzaga teve contra si a phase musical muito ingrata em que compoz; phase de transicção, com suas habaneras, polkas, quadrilhas, tangos e maxixes, em que as características raciaes ainda lutam muito com os elementos de importação. E, ainda mais que Ernesto Nazaré, ella representa essa fase. A gente surprehende nas suas obras os elementos dessa luta como em nenhum outro compositor nacional. Parece que a sua fragilidade feminina captou com maior acceitação e também maior agudeza o sentido dos muitos caminhos em que se extraviava a nossa música de então.

 

 

A Brasililiana Fotográfica agradece a colaboração de Bia Paes Leme, coordenadora de Música do Instituto Moreira Salles, e a de Euler Gouvêa, músico e assistente da Coordenadoria de Música do Instituto Moreira Salles, para a publicação desse artigo.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga, uma história de vida. São Paulo : Companhia das Letras, 2009.

FRANCESCHI, Humberto. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002.

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

NASCIMENTO, Rafael. Catete em ré menor: tensões da música na Primeira RepúblicaUniversidade Estadual de Campinas : Revista do Instituto de Estudos Brasileirosnúm. 672017. Instituto de Estudos Brasileiros.

PASCHOALOTTO, Ivanete; SIMILI, Ivana. Nair de Teffé: Uma narrativa biográfica para as mulheres dos séculos XIX e XX. Diálogos & Saberes, Mandaguari, 2011.

SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro, 1917-1933. Rio de Janeiro ;  Jorge Zahar Editor, 2001.

Site Instituto Moreira Salles

Site Multirio

Site Musica Brasilis

As doenças do Rio de Janeiro no início do século XX e a Revolta da Vacina em 1904

No início do século XX, no Rio de Janeiro, providências em torno do combate de diversas doenças já provocavam grandes polêmicas. A campanha de combate à varíola resultou, em novembro de 1904, em uma revolta popular e militar, a Revolta da Vacina ou Quebra-Lampiões – um protesto contra a lei que tornava obrigatória a vacinação em massa contra a doença, instituída pelo prefeito Pereira Passos e colocada em prática pelo então Diretor Geral de Saúde Pública, Oswaldo Cruz, contratado para o cargo para combater a varíola, assim como a peste bubônica e a febre amarela, que grassavam na cidade. Vamos contar um pouco dessa história.

 

 

Em 30 de dezembro de 1902, por decreto, Francisco Pereira Passos (1836 – 1913) foi nomeado prefeito do então Distrito Federal, o Rio de Janeiro, pelo presidente Rodrigues Alves (1848 – 1919), que prometia marcar seu governo pela modernização e pelo saneamento. Assumiu no mesmo dia (Gazeta de Notícias, 31 de dezembro de 1902, na sexta coluna), sucedendo Carlos Leite Ribeiro (1858 – 1945). Ocupou o cargo até 16 de novembro de 1906, quando foi sucedido por Francisco Marcelino de Sousa Aguiar (1855 – 1935) (O Paiz, 17 de novembro de 1906, na sexta coluna). Durante seu mandato, o prefeito Pereira Passos realizou uma significativa reforma urbana na cidade.

Para saneá-la e modernizá-la realizou diversas demolições, conhecidas popularmente como a política do “bota-abaixo”, que contribuiu fortemente para o surgimento do Rio de Janeiro da Belle Époque, sendo a abertura da Avenida Central dos seus maiores símbolos, festejada em uma crônica de Olavo Bilac (1865 – 1918) (Kosmos, março de 1904) . Essas transformações foram definidas por Alberto Figueiredo Pimentel (1869-1914), autor da seção “Binóculo”, da Gazeta de Notícias, com a máxima “O Rio civiliza-se”, que se tornou o slogan da reforma urbana carioca. Foi também Pereira Passos que contratou, em 1903, o primeiro fotógrafo oficial da prefeitura, Augusto Malta (1864 – 1957), justamente para documentar todas essas inúmeras e radicais mudanças na cidade.

 

 

Mas as reformas urbanas não eram o bastante para mudar o perfil do Rio de Janeiro, na época uma cidade bastante insalubre, assolada por doenças e sem saneamento básico, certamente obstáculos para o estabelecimento de uma sociedade moderna e cosmopolita nos moldes das capitais europeias. Lembramos do caso do cruzador italiano Lombardia que aportou na cidade, em novembro de 1895, e teve grande parte de sua tripulação infectada pela febre amarela. O capitão-de-fragata e comandante do navio, Olivari, e outros tripulantes, faleceram da doença (O Paiz, 28 de novembro de 1895, quinta coluna; O Paiz, 15 de fevereiro de 1896, quarta coluna; O Paiz, 17 de fevereiro de 1896, quinta coluna; O Paiz, 25 de fevereiro, sexta coluna; O Paiz, 29 de fevereiro de 1896, sexta colunaO Paiz, 1º de março de 1896, penúltima coluna; O Paiz, 9 de março de 1896, quarta colunaO Paiz, 10 de abril de 1896, penúltima coluna).

O Rio de Janeiro era inclusive conhecido internacionalmente como “túmulo dos estrangeiros”, possivelmente devido a versos sobre o verão carioca atribuídos ao escritor suíço Ludwig Ferdinand Schmid (1823-1888), que havia sido cônsul no Rio de Janeiro na década de 1860:

Oh! sombra, sobre a imagem encantada / Cores escuras pousam sobre os campos e florestas / O mal da natureza paira, poderoso / Sobre a florida superfície tropical /O poder supremo/ Deste Império não é de nenhum Herodes / No entanto é a terra da morte diária / Túmulo insaciável do estrangeiro”.

Pereira Passos assumiu a prefeitura de uma cidade que no fim do Império tinha uma população de cerca de 500 mil habitantes e que atingira cerca de 700 mil pessoas em 1904. Ele aliou a reforma urbanística e arquitetônica da cidade – que incluiria a construção de um novo porto, de novas avenidas, o aterramento de praias, o desmonte de morros, a derrubada de casas e cortiços e o embelezamento de praças e jardins, que não deixou de ter seu lado excludente e criticado, deslocando parte da população do centro para o subúrbio e também contribuindo para o surgimento das favelas – a uma nova política higienista. Para implementar medidas sanitárias arrojadas foi nomeado pelo presidente Rodrigues Alves para a direção geral de Saúde Pública o jovem médico Oswaldo Cruz (1872 – 1917), que tomou posse em 23 de março de 1903. Ficou no cargo até 1909.

 

Oswaldo Cruz havia estudado microbiologia, soroterapia e imunologia no Instituto Pasteur, e medicina legal no Instituto de Toxicologia, na França, entre 1897 e 1898. Quando voltou ao Brasil, tomou posse, em 24 de agosto de 1899, na Academia Nacional de Medicina, e, em 1900, assumiu a direção técnica do Instituto Soroterápico Federal, o qual passou a dirigir em 1902.

 

 

Os principais problemas que Oswaldo Cruz teve que enfrentar como Diretor Geral de Saúde Pública foram a febre amarela, a peste bubônica e a varíola. Um de seus colaboradores foi o sanitarista Belisário Penna (1868 – 1939).

 

 

A febre amarela

 

 

Em 1902, a febre amarela havia sido responsável pela morte de cerca de mil pessoas no Rio de Janeiro. Oswaldo Cruz era adepto da teoria do médico cubano Carlos Finlay (1833 – 1915) sobre a transmissão da febre amarela pelos mosquitos Stegomyia fasciata. Para exterminá-los, em abril de 1903, iniciou a campanha de combate à doença. Em 15 de abril, foi criado o Serviço de Profilaxia Específica da Febre Amarela (O Paiz, 18 de abril de 1903, sexta coluna; 22 de abril de 1903, quarta coluna; 25 de abril, quinta coluna; e 29 de abril, quarta coluna).

 

 

 

A execução dessa profilaxia foi regulamentada pelas “Instruções para o Serviço de Profilaxia Específica de Febre-Amarela” nos primeiros dias de maio de 1903, do ministro da Justiça e Negócios Interiores, J.J. Seabra (1855 – 1942) (O Paiz, 7 de maio de 1903, penúltima coluna).

 

 

Foram criadas as brigadas sanitárias, que “eram constituídas por 1 inspetor do serviço, responsável por toda a execução das atividades e nomeado por decreto; 10 médicos que o auxiliam, destacados dentre os inspetores sanitários pelo diretor geral de saúde pública, mediante indicação do inspetor do serviço; 70 auxiliares acadêmicos e 9 chefes de turma, nomeados pelo diretor geral de saúde pública; 1 administrador do serviço, 1 almoxarife e 1 escrituario-arquivista, nomeados por portaria do Ministro; 200 capatazes, 18 guardas de saúde de primeira classe e 18 de segunda classe, 18 carpinteiros e pedreiros, bombeiros, cocheiros, nomeados pelo inspetor do serviço; e quantos mais trabalhadores fossem necessários” (BRASIL, 1905).

 

 

Guardas “mata-mosquitos” visitavam casas nas diversas regiões da cidade, muitas vezes acompanhados por soldados da polícia. A cidade foi dividida em distritos sanitários, sob jurisdição das delegacias de Saúde, que recebiam notificações dos enfermos, aplicavam multas e intimavam os donos de imóveis considerados insalubres a reformá-los ou até mesmo a demoli-los. Providenciava-se a remoção de pessoas infectadas para hospitais, o isolamento domiciliar dos enfermos assim como a desinfecção dos ambientes. Ao mesmo tempo, Oswaldo Cruz fazia circular na imprensa os folhetos Conselhos ao Povo, de divulgação das medidas adotadas.

 

 

A doença foi perdendo a força e, em 1907, Oswaldo Cruz escreveu ao presidente Afonso Pena (1847 – 1909): “graças à firmeza e vontade do governo, a febre amarela já não mais devasta sob a forma epidêmica a capital da República”. Nesse mesmo ano, a delegação brasileira de cientistas de Maguinhos, liderada por Oswaldo Cruz, recebeu a medalha de ouro no XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim.

 

 

Acessando o link para as fotografias relativas à febre amarela disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

Aline Lopes de Lacerda, historiadora e chefe do Departamento de Arquivo e Documentação da COC/Fiocruz,  escreveu o artigo Febre amarela: imagens da produção da vacina no início do século XX, publicado na Brasiliana Fotográfica, em 25 de março de 2018. Cristiane d’Avila, jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz, escreveu Vacinação no Brasil, uma história centenária, publicado em 17 de agosto de 2018. Ricardo Augusto dos Santos, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz, escreveu o artigo O sanitarista Belisário Penna (1868-1939), um dos protagonistas da história da saúde pública no Brasil, também publicado no portal, em 28 de setembro de 2018. A Fiocruz é uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica.

 

A peste bubônica

 

 

A peste bubônica, doença transmitida pela picada de pulgas infectadas por ratos contaminados pela bactéria Yersinia pestis, o bacilo descoberto pelo suíço Alexandre Yersin (1863 – 1943) e pelo japonês Shibasaburo Sato (1852 – 1931), em 1894, chegou ao Brasil, pelo porto de Santos, em 1900. Foi combatida por Oswaldo Cruz e as medidas contra a peste bubônica não encontraram resistência da população. Foi intensificada a limpeza urbana e a notificação dos doentes era compulsória, o que ajudava no isolamento e no tratamento dos mesmos com o soro fabricado no Instituto Soroterápico Federal. Foi também promovida a vacinação de pessoas residentes nas áreas mais atingidas e uma abrangente campanha de desratização foi realizada: os funcionários destacados para a função tinham que recolher 150 ratos por mês, pelos quais recebiam 60 mil-réis.

A Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP) passou a comprar ratos: para cada animal morto apresentado, pagava-se a quantia de duzentos réis, o que ocasionou o surgimento da profissão de “ratoeiro” – compravam ratos a baixo preço ou até mesmo os criavam em casa e os revendiam para a DGSP. A “guerra aos ratos” virou motivo de piada, de críticas (Revista da Semana, 21 de agosto de 1904Kosmos, outubro 1904) e até uma música sobre o tema, a polca Rato, rato, composta por Casemiro da Rocha (1880 – 1912), integrante da banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, com letra de Claudino Costa, foi um grande sucesso no carnaval de 1904. Foi gravada na Casa Edison.

 

 

O fato é que as mortes por peste bubônica que, em 1903, atingiram o índice de 48,74 mortes para cada 100 mil habitantes, caíram vertiginosamente e quando Oswaldo Cruz deixou a Diretoria Geral de Saúde Pública, em 1909, esse índice chegou ao seu mais baixo patamar: 1,73.

 

A varíola e a Guerra da Vacina

 

 

Até meados de 1904, as internações causadas pela varíola já chegavam a 1800 no Hospital São Sebastião. Oswaldo Cruz pretendeu controlar a doença com a vacinação em massa da população. Pediu que fosse enviado ao Congresso Nacional um projeto de lei para resgatar a obrigatoriedade da vacinação e revacinação antivariólica. A vacinação já estava contemplada em uma lei em vigor desde 1837, mas que nunca havia sido cumprida.

 

 

 

A medida enfrentou a oposição liderada pelo senador paraense Lauro Sodré (1858 – 1944), líder do Partido Republicano Federal, e pelos deputados pernambucano Barbosa Lima (1862 – 1931) e gaúcho Alfredo Varela (1864 – 1943), todos contra o governo do presidente Rodrigues Alves, do Partido Conservador. O Apostolado Positivista do Brasil, liderado por Raimundo Teixeira Mendes (1855 – 1927), também se opôs à lei.

 

 

 

 

Jornais e políticos lançaram uma campanha contra a medida, incitando a desobediência à lei, que eles classificavam como despótica e ameaçadora, já que estranhos tocariam nas pessoas no caso da vacinação, além de entrarem nas casas para desinfecção. Além disso, a vacina, que consistia no líquido de pústulas de vacas doentes, era rejeitada pelas camadas populares – havia um boato de que os vacinados adquiriam feições bovinas…

 

 

 

Finalmente, foi promulgada, em 31 de outubro de 1904, uma lei que tornou a vacinação e a revacinação contra a varíola obrigatória.

 

Lei n° 1.261, de 31 de outubro de 1904

 

Torna obrigatorias, em toda a Republica, a vaccinação e a revaccinação contra a variola.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil:
Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sancciono a lei seguinte:

     Art. 1º A vaccinação e revaccinação contra a variola são obrigatorias em toda a Republica.

     Art. 2º Fica o Governo autorizado a regulamental-a sob as seguintes bases:

     a) A vaccinação será praticada até o sexto mez de idade, excepto nos casos provados de molestia, em que poderá ser feita mais tarde;

     b) A revaccinação terá logar sete annos após a vaccinação e será repetida por septennios;

     c) As pessoas que tiverem mais de seis mezes de idade serão vaccinadas, excepto si provarem de modo cabal terem soffrido esta operação com proveito dentro dos ultimos seis annos;

     d) Todos os officiaes e soldados das classes armadas da Republica deverão ser vaccinados e revaccinados, ficando os commandantes responsaveis pelo cumprimento desta;

     e) O Governo lançara mão, afim de que sejam fielmente cumpridas as disposições desta lei, da medida estabelecida na primeira parte da lettra f do § 3º do art. 1º do decreto n. 1151, de 5 de janeiro de 1904;

     f) Todos os serviços que se relacionem com a presente lei serão postos em pratica no Districto Federal e fiscalizados pelo Ministerio da Justiça e Negocios Interiores, por intermedio da Directoria Geral de Saude Publica.

     Art. 3º Revogam-se as disposições em contrario.

Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1904, 16º da Republica.

FRANCISCO DE PAULA RODRIGUES ALVES.
J. J. Seabra.

 

 

 

 

Em um encontro presidido pelo senador Lauro Sodré, no Centro das Classes Operárias, em 5 de novembro de 1904, foi fundada a Liga Contra a Vacina Obrigatória (O Paiz, 6 de novembro de 1904, penúltima coluna). O descontentamento popular se agravou quando, no dia 9 de novembro de 1904, o governo divulgou seu plano de regulamentação da aplicação da vacina obrigatória contra a varíola (Gazeta de Notícias, 10 de novembro de 1904, quinta coluna). Nos dias 10 e 11, no Largo de São Francisco, estudantes contrários à lei se reuniram e, no dia 13 de novembro, acirrou-se a rebelião popular, que ficou conhecida como , da Vacina, marcada por diversos distúrbios urbanos em várias regiões da cidade, embates com a polícia e prisões. Mais de 20 bondes da Companhia Carris Urbanos e muitos lampiões da iluminação pública foram destruídos, daí o apelido Quebra Lampiões atribuído ao movimento (Gazeta de Notícias, 14 de novembro de 1904; e Jornal do Brasil, 14 de novembro de 1904).

 

 

 

Paralelamente à revolta popular, aconteceu um movimento militar orquestrado pelos generais Silvestre Travassos (? – 1904) e Olímpio da Silveira (1887 – 1935), Lauro Sodré, Barbosa Lima, o major Gomes de Castro e o capitão Augusto Mendes de Moraes, que se reuniram no dia 14 de novembro de 1904, no Clube Militar. Tinham por objetivo derrubar o governo de Rodrigues Alves, que foi aconselhado a ir para um navio de guerra, onde teria mais segurança – ele recusou.

Houve no mesmo dia uma tentativa fracassada de levante na Escola de Tática do Realengo, sufocada pelo então diretor da instituição, general Hermes da Fonseca (1855 – 1923), futuro presidente do Brasil. O comandante da Escola Militar de Realengo, o general Alípio Costallat (c. 1853 – 1933), foi deposto pelo general Travassos que liderou, durante a noite, a marcha dos alunos em direção ao Palácio do Catete. Os revoltosos trocaram tiros com uma brigada de ataque enviada pelo govenro, na rua da Passagem, em Botafogo. O tiroteio, de cerca de meia hora, matou um aluno da Escola Militar, Silvestre Cavalcanti, e um sargento da tropa legalista, chamado Camargo. O general Travassos ficou gravemente ferido e faleceu oito dias depois. A Escola Militar, bombardeada durante a noite por navios de guerra posicionados na baía de Guanabara, foi ocupada pelo ministro da Guerra, o marechal Francisco de Paula Argollo (1847 – 1930) e pelo ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, Lauro Müller (1863 – 1926). Seus alunos foram presos, expulsos da Escola e levados para portos na região Sul do país. Obviamente, o desfile comemorativo dos 15 anos da Proclamação da República foi cancelado (Gazeta de Notícias, 15 de novembro de 1904Jornal do Brasil, 15 de novembro de 1904; Gazeta de Notícias, 16 de novembro de 1904; Jornal do Brasil, 16 de novembro de 1904).

No dia 16 de novembro, foi decretado o estado de sítio e revogada a obrigatoriedade da vacinação. Com isso, o movimento popular arrefeceu, os serviços voltaram a funcionar e a cidade se apazigou. Saldo do movimento: 945 prisões, 461 deportações, 110 feridos e 30 mortos (Gazeta de Notícias, 17 de novembro de 1904 e 18 de novembro de 1904).

 

 

Segundo o historiador Jaime Larry Benchimol: Todos saíram perdendo. Os revoltosos foram castigados pelo governo e pela varíola. A vacinação vinha crescendo e despencou, depois da tentativa de torná-la obrigatória. A ação do governo foi desastrada e desastrosa, porque interrompeu um movimento ascendente de adesão à vacina”.

Apenas nove pessoas morreram por varíola em 1906 no Rio de Janeiro. Porém, dois anos depois, em 1908, uma violenta epidemia da doença ocorreu na cidade, causando mais de 6.500 casos.

 

 

Link para músicas sobre Oswaldo Cruz e também sobre as campanhas de combate à febre amarela, à peste bubônica e à vacinação obrigatória contra a varíola, publicadas na Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz

 

Retrospectiva das pandemias do século XX e XXI

 

O mundo, ao longo dos séculos XX e XXI, enfrentou cinco pandemias: a Gripe Espanhola, em 1918, tema de uma recente publicação da Brasiliana Fotográfica, E o ex e futuro presidente do Brasil morreu de gripe…a Gripe Espanhola de 1918; a Gripe Asiática, em 1957; a Gripe de Hong Kong, em 1968, a identificação de um novo vírus da influenza do tipo A pandêmico que desencadeou a Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2009; e cerca de 11 anos depois, em 11 de abril de 2020, a OMS declarou uma pandemia do novo coronavírus, chamado de Sars-Cov-2, causador da Covid-19, surgido na cidade de Wuhan, na China, em fins de 2019.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

 

BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann Tropical. A renovação urbana na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, 1992.

BENCHIMOL, Jaime Larry. Reforma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro. In: Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado (org.) O Brasil Republicano. O tempo do liberalismo excludente. Da proclamação da República à Revolução de 1930. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

BIBEL, David J.; CHEN, T.H. Diagnosis of Plague: an Analysis of the Yersin-Kitasato Controversy. American Society for Microbiology, 1976.

Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz

BRASIL. Ministério da Justiça. Relatório 1904 – 1905. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1905.

CARVALHO, José Murilo de: Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo : Companhia das Letras, 1987.

COSTA, Zouraide; ELKHOURY, Ana; FLANNERY, Brendan; ROMANO, Alessandro. Evolução histórica da vigilância epidemiológica e do controle da febre amarela no Brasil, 2011.

CURY, Bruno da Silva Mussa. Combatendo ratos, mosquitos e pessoas: Oswaldo Cruz e a saúde pública na reforma da capital do Brasil (1902-1904). / Bruno da Silva Mussa Curry. – 2012. 160 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em História, Rio de Janeiro, 2012.

Dicionário Cravo Alvim

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Ministério da Saúde

MOURELLE, Thiago. A revolta da vacina. Arquivo Nacional: Que República é essa?, 21 de janeiro de 2020.

Nosso Século. São Paulo : Abril Cultural, 1980.

Portal Fiocruz – A trajetória do médico dedicado à ciência

Portal Fiocruz  – A Revolta da Vacina

Projeto Memória – Fundação Banco do Brasil

ROCHA, Oswaldo; CARVALHO, Lia de Aquino. A era das demolições Habitações Populares. Rio de Janeiro : Biblioteca Carioca, 1986

SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Cosac Naify, 2010.

Site CPDOC

Site Multirio

O “descobrimento” do Forte do Príncipe da Beira: a expedição de 1913 do almirante José Carlos de Carvalho

O Real Forte do Príncipe da Beira é considerado a maior edificação militar portuguesa construída fora da Europa, no Brasil Colonial. É sua história que Carlos André Lopes da Silva, pesquisador da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica, traz para os leitores do portal. Inaugurado em 20 de agosto de 1783, na margem direita do rio Guaporé, perto do atual município de Costa Marques, em Rondônia, o forte foi batizado em homenagem a dom José de Bragança, o Príncipe da Beira, filho da Rainha D. Maria I. Majestosa relíquia da arquitetura militar luso-brasileira, é uma das mais importantes construções do Brasil Colônia. As fotografias reproduzidas nesse artigo são de autoria do fotógrafo Augusto Clímaco de Carvalho (18? – 19?) que participou de uma expedição ao local liderada pelo almirante José Carlos de Carvalho (1847 – 1934) realizada em 1913.

Empreendimento de imenso custo, a construção do Forte do Príncipe da Beira em plena floresta amazônica, representava uma iniciativa da coroa portuguesa e da política do Marquês de Pombal, poderoso e influente ministro do governo de dom José I, rei de Portugal, para proteger as fronteiras do centro-oeste do Brasil nas disputas com a Espanha. Com a proclamação da República, em 1889, ficou durante muito tempo abandonado. Foi tombado em 1950 pelo então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e faz parte do Conjunto de Fortificações candidato a Patrimônio Mundial da UNESCO em 2019. Atualmente, fica sob a guarda do 1° Pelotão Especial de Fonteira (1° PEF), subordinado ao Comando de Fronteira Rondônia/ 6° Batalhão de Infantaria de Selva (C Fron RO/6° BIS), da 17ª Brigada de Infantaria de Selva (17ª Bda Inf Sl)*.

Acessando o link para as fotografias do Forte Príncipe da Beira disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

Pouco se sabe sobre o fotógrafo Alfredo Clímaco de Carvalho. Provavelmente nasceu na segunda metade do século XIX. Em 1910, foi eleito suplente da diretoria da Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas , dois anos depois, fotografou Rodolfo Aranz, Delegado Nacional no Território de Colônias na Bolívia, e seus companheiros em visita ao Amazonas. Foi referido como inteligente amador. Em 1913, diversas guardas da coletoria foram extintas e Alfredo Clímaco de Carvalho (18? – 19?), que seria o responsável por uma delas, foi dispensado. No mesmo ano, em julho, integrou a expedição ao Forte do Príncipe da Beira, liderada pelo contra-almirante honorário José Carlos de Carvalho (1847 – 1934), e produziu diversas imagens da construção e dos integrantes da viagem. Várias dessas fotos foram publicadas na imprensa. Ainda em 1913, em novembro, foi nomeado subdelegado de Porto Velho. Foi empossado, em 24 de janeiro de 1915, um dos suplentes do primeiro Conselho Municipal de Porto Velho. Em 1918 e em 1919, foi listado no Almanak Laemmert como fotógrafo no estado do Amazonas. Há registros de que um homônimo ou ele próprio teria ido para o Rio Grande do Norte.

 

Planta e desenho aproximado do Forte do Príncipe da Beira feita por algum membro da expedição de 1913, provavelmente pelo próprio José Carlos de Carvalho que era engenheiro / Acervo DPHDM

Planta e desenho aproximado do Forte do Príncipe da Beira feita por algum membro da expedição de 1913, provavelmente pelo próprio José Carlos de Carvalho que era engenheiro / Acervo DPHDM

 

O “descobrimento” do Forte do Príncipe da Beira: a expedição de 1913 do contra-almirante José Carlos de Carvalho

Carlos André Lopes da Silva*

 

 

Em 6 de julho de 1913, num ponto altaneiro da margem direita do rio Guaporé, que demarca a divisa entre o Brasil e a República da Bolívia, oito membros destacados do então estado do Mato Grosso se reuniram com um oficial-general da Marinha e um fotógrafo para assinar um documento que alertava para o esquecimento e abandono do que os mesmos identificaram como “monumento histórico”: o Real Forte do Príncipe da Beira. 

No interior das sólidas muralhas de 10 metros de altura, inspecionaram aquele amplo forte setecentista: o intendente da Vila de Santo Antônio do Madeira, a sede municipal mais próxima, dr. Joaquim Augusto Tanajura, médico que atuou como chefe do serviço de saúde da Comissão Rondon; Octávio Costa Marques, delegado fiscal de Mato Grosso; Francisco Paes, um agente fiscal estadual; J. da Silva Campos, um engenheiro da Inspetoria Federal das Estradas; A. W. Wohott, também médico e sub-diretor do Hospital da Candelária de Porto Velho; R. A. Gesteira, um coronel do Exército venezuelano; Rudolph O. Kesselring, engenheiro alemão, representante da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que apenas no ano anterior tinha iniciado sua operação comercial, e diretor da recém instalada Guaporé Rubber, companhia de capital dos Estados Unidos que explorava os seringais e inaugurou a navegação comercial no Guaporé; coronel Paulo Saldanha, gerente da mesma empresa; José Carlos de Carvalho (1847 – 1934), contra-almirante honorário, veterano da Guerra do Paraguai, político, explorador e a maior autoridade federal presente; e Alfredo Clímaco de Carvalho (18? – 19?), o fotógrafo que acompanhava aquela expedição. 

 

 

O documento em forma de ata, na ocasião redigido e assinado por esses homens, foi entregue ao então presidente da República, também um militar como Carvalho, Saldanha e Gesteira, o marechal Hermes da Fonseca (1855 – 1923), destacando os objetivos da expedição: a entrega do Forte à guarda do governo estadual enquanto o federal estudava formas de ocupá-lo e a remoção de vestígios de um passado imponente para salvaguarda do Museu Nacional. A fortaleza, longe de ser um Eldorado perdido por séculos na floresta tropical, se manteve ocupado por guarnição militar desde sua prontificação, em 1783, até início do período republicano.

Sua construção, iniciada em 1776, se deu dentro da política do ministro do rei dom José I de Portugal, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699 – 1782), o marquês de Pombal, de garantir a posse e defesa da fronteira Oeste dos domínios portugueses, questionada pelos espanhóis nas deliberações dos diversos tratados firmados ao longo da segunda metade daquele século. A edificação seguia os preceitos mais altos da engenharia de fortificações do período, com formato quadrangular e quatro baluartes no sistema consagrado por Sébastien Le Prestre de Vauban (1633 – 1707), o grande arquiteto militar do reinado de Luís XIV (1638 – 1715). Com 970 metros de perímetro, os baluartes, com quatorze canhoneiras cada, permitiam o cruzamento de fogos para atacar os assediadores das muralhas, uma obra em pedra extraordinária para aquela fronteira inóspita. Iniciada pelo engenheiro militar italiano a serviço do Exército português Domingos Sambucetti (? – 1780) e terminada pelo sargento mór do Real Corpo de Engenheiros Ricardo Franco de Almeida Serra (1748 – 1809), a edificação da fortaleza engajou cerca de 200 trabalhadores especializados e mais de mil em regime de escravidão – negros e indígenas. Muitos desses, como o próprio Sambucetti, pereceram de doenças tropicais, sobretudo a malária, que ainda, em 1913, gerava crises sanitárias na região e a pobre Vila de Santo Antônio do Madeira era de seus epicentros. 

Contudo, o início da operação prática do Real Forte Príncipe da Beira coincidiu com o relaxamento das tensões sobre as fronteiras americanas entre Portugal e Espanha que sobreveio ao Tratado de Santo Ildefonso de 1777. Com a independência dos estados sul-americanos nas primeiras décadas do século XIX, o permanente guarnecimento pelo Exército brasileiro de fronteira não contestada com a Bolívia tornou-se custoso para um aparato militar franzino que se ocupava de conter revoltas regionais e atuar na conflituosa fronteira do rio Prata. As guarnições do Forte da Beira foram minguando até seu completo abandono em 1895. 

Em pouco menos de duas décadas, até a expedição de 1913, muito do material aproveitável foi retirado pela pobre e esparsa população do entorno. Telhas, tijolos, blocos menores de pedra, portas e janelas, madeirame do telhado e até os poucos e valiosos canhões de bronze, se espalharam para ambos os lados da fronteira. A ata encabeçada por José Carlos de Carvalho relatava que as muralhas e muros de pedra do casario interno ainda estavam bem conservados, mas tomados pela vegetação; antigos canhões de ferro fundido, sem valor comercial, tombados nos baluartes e a inscrição de 1776 em placa de pedra ainda encontrava-se fixada no frontão. Cumprindo o objetivo de recolher vestígios daquela marca de ocupação territorial para o Museu Nacional, trabalhadores da Guaporé Rubber transportaram um canhão calibre 24 de provável procedência inglesa, pelas alegadas inscrições “GR” (George Rex) encimada por coroa, encosta abaixo até um dos vapores daquela companhia. Também foram levadas partes da única porta de madeira maciça encontrada no baluarte Sul.

 

 

José Carlos de Carvalho, utilizando sua influência como deputado federal em três legislaturas, solicitou aos dirigentes daquela companhia a derrubada da vegetação que tinha tomado o interior da praça da fortaleza e impingiu ao mais graduado representante do estado do Mato Grosso presente, o delegado fiscal Octávio Costa Marques, a guarda da edificação. Este prometeu transferir para ali o posto fiscal de Lamego, outro povoamento criado no período pombalino para a defesa da calha do Guaporé, o que manteria aquele sítio pelo menos ocupado.

Mas pouco do dito e lavrado em ata, em 1913, foi realizado. Em 1930, o militar e sertanista Cândido Rondon (1865 – 1958) “redescobriu” o Forte tão abandonado como Carvalho o tinha encontrado. Muito por iniciativa do próprio Rondon, que dedicou a maior e melhor parte de sua carreira na exploração, mapeamento e extensão das linhas telegráficas pelos sertões do Mato Grosso e Amazonas, o sítio que se encontra o Forte Príncipe da Beira foi reocupado pelo Estado em 1937 com o estabelecimento do 7º Pelotão de Fronteira em quartel contíguo às muralhas. Em 1950, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tombou a edificação, oficializando sua descoberta como “monumento histórico” requerida por José Carlos de Carvalho quando da expedição de 1913.

 

José Carlos de Carvalho, acompanhado por Gastão de Orléans e pela Princesa Isabel, em visita a usina dedicada à fabricação de armamentos militares, 1886 / Site do Exército

José Carlos de Carvalho, acompanhado por Gastão de Orléans e pela Princesa Isabel, em visita a usina dedicada à fabricação de armamentos militares, 1886 / Site do Exército

 

 

Fontes:

BARCELOS, Giovani da Silva. Forte Príncipe da Beira: conhecimento, valoração e preservação, 2018. 206 fls. Dissertação (Mestrado em Preservação do Patrimônio Cultural) – IPHAN, Rio de Janeiro, 2018. 

BARROSO, Lourismar da Silva. Real Forte Príncipe da Beira: ocupação oeste da Capitania do Mato Grosso e seu processo construtivo (1775-1783), 2015. 102 fls. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2015.

NASCIMENTO. Sílvio Melo do. Real Forte Príncipe da Beira: história e estórias do imaginário popular do Vale do Guaporé. Revista Labirinto, ano XIII, n. 18, jun. 2013, p. 113-124. 

TEIXEIRA. Paulo R. Rodrigues. Forte Príncipe da Beira. Da Cultura, ano III, n. 4, p. 45-52.

Forte “Príncipe da Beira”. A Illustração Brazileira, n. 110, 16 de dezembro de 1913, p. 420,421.

Necrologia – Vice-Almirante José Carlos de Carvalho. Revista Marítima Brasileira, 1934, p. 1253-1257.

Noticiário – Presidência da República. Diário Official, 11 de setembro de 1913, p. 13305, 13306.

 

*Carlos André Lopes da Silva é pesquisador da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha.

 

 Breve cronologia do Real Forte Príncipe da Beira

Andrea C. T. Wanderley**

 

 

1743 – Desde esse ano espanhóis estavam implantando alguns povoados na margem direita do rio Guaporé.

1748 – O português Antônio Rolim de Moura Tavares (1709 – 1782) foi nomeado governador de Mato Grosso e recebeu instruções da metrópole para manter a todo o custo a posse da referida área. Ao longo de seu governo destruiu povoados fundados pelos espanhóis.

1750 – Assinatura, em 13 de janeiro de 1750, do Tratado de Madri, firmado entre os reis João V de Portugal (1689 – 1750) e Fernando VI da Espanha (1713 – 1759) para definir os limites entre as respectivas colônias sul-americanas. Seu objetivo foi substituir o Tratado Tordesilhas, que na prática não era respeitado. As duas partes reconheceram ter violado o antigo tratado e utilizaram rios e montanhas para a demarcação dos novos limites, que se sobreporiam aos anteriores. As negociação foram baseadas no Mapa das Cortes.

c. 1760 - Foi erguido o Fortim Nossa Senhora da Conceição na margem direita do rio Guaporé.

1761 – O Tratado de El Pardo, de 12 de fevereiro de 1781, anulou todas as disposições e feitos decorrentes do Tratado de Madri, de 1750, que havia falhado em promover a paz nas colônias espanhola e portuguesa “de sorte que todas as coisas pertencentes aos limites da América e Ásia se restituem aos termos dos tratados, pactos e convenções que haviam sido celebrados entre as duas Corôas contratantes, antes do referido ano de 1750, ficam daqui em diante em sua fôrça e vigor..”

1767 /1769 – O então já denominado Forte Nossa Senhora da Conceição, que havia sido arruinado, teve sua estrutura reconstruída a partir de 26 de setembro de 1767 e foi rebatizado, em 1769, pelo então governador do Mato Grosso, o português Luís Pinto de Sousa Coutinho (1735 – 1804) como Forte de Bragança.

1772 – Em 13 de dezembro de 1772, tomou posse como governador da capitania do Mato Grosso, Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres (1739 – 1797), que futuramente tomaria a iniciativa de construir o Forte do Príncipe a Beira. Ocupou o cargo até novembro de 1789 (O Comércio (MT), 28 de junho de 1911, penúltima coluna).

c. 1775 - O Forte de Bragança estava em ruínas devido às enchentes regulares na região e foi iniciada a elaboração do Plano do Forte Príncipe da Beira, que o substituiria, no estilo do francês Sébastien Le Prestre de Vauban (1633 – 1707), o grande arquiteto militar do reinado de Luís XIV (1638 – 1715). As obras foram iniciadas em novembro de 1775.

 

Plano do Forte Príncipe da Beira, Mato Grosso", ca. 1775. Cartografia do Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa

Plano do Forte Príncipe da Beira, Mato Grosso”, c. 1775. Cartografia do Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa

 

1776 – Em 20 de junho, foi colocada a pedra fundamental do Forte Príncipe da Beira (Anais da Biblioteca Nacional, 1881). Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres (1739 – 1797), como já mencionado,  era o governador e capitão-geral da capitania de Mato Grosso, cargo que ocupou entre 1772 e 1788. Foi dele a iniciativa da construção do forte, erguido a cerca de dois quilômetros a montante, do Forte de Bragança, na mesma margem do rio:

A soberania e o respeito de Portugal impõem que neste lugar se erga um forte, e isso é obra a serviço dos homens de El-Rei, nosso senhor e, como tal, por mais duro, por mais difícil e por mais trabalho que isso dê… é serviço de Portugal. E tem que se cumprir.”

1780 – O engenheiro militar genovês a serviço de Portugal Domingos Sambuceti (? – 1780), que havia iniciado a obra, contraiu malária e faleceu. Assumiu, então, o capitão José Pinheiro de Lacerda, substituído, alguns meses depois, pelo sargento-mor do Real Corpo de Engenheiros do Exército, Ricardo Franco de Almeida e Serra (1748 – 1809), que seria nos últimos anos do século XVIII responsável pela nova fortificação de Coimbra, na margem direita do rio Paraguai, perto da cidade de Corumbá.

1783 – Em 20 de agosto, inauguração do Forte Príncipe da Beira. Seu primeiro comandante foi o Capitão de Dragões, José de Melo de Souza Castro e Vilhena.

O astrônomo paulista Francisco José de Lacerda (1753 – 1798) relatou observações astronômicas que havia realizado do Forte Príncipe da Beira (Anais da Biblioteca Nacional, 1881).

1789 – O Forte Príncipe da Beira foi visitado, em 9 de junho, em missão científica oficial denominada Viagem Filosófica, pelo baiano Alexandre Rodrigues Ferreira (1756 – 1815), considerado um dos primeiros grandes naturalistas brasileiros.

1830 – Aportava a primeira artilharia que lhe era destinada, constante de quatro bocas de fogo de calibre 24, enviadas do Pará. Mais tarde ali foram ter mais 14 canhões de ferro, de calibre 12.

1836 – O Forte do Príncipe da Beira passou a receber sentenciados para ali cumprirem suas penas.

1869 – O cronista Joaquim Ferreira Moutinho (1833 – 1914) lançou um um livro sobre a província de Mato Grosso seguido de um roteiro de viagem de sua capital a São Paulo. Visitou o forte que, segundo ele, já apresentava sinais de abandono (Jornal do Commercio, 16 de julho de 1869, última coluna).

1876 -  O major de Engenharia Guilherme de Lassance,  o 1º Tenente da Marinha Frederico de Oliveira e o médico João Severiano da Fonseca (1836 – 1897), autor da Viagem ao Redor do Brasil, que compunham a Comissão Demarcadora dos Limites do Brasil com a Bolívia visitaram o Forte do Príncipe da Beira, que encontraram guarnecido com 14 praças e um sargento.

1887 – O benemérito João Severiano da Fonseca (1836 – 1897) declarou sobre o forte: “a pena e o pesar verdadeiros de existir tal monumento em lugar onde apenas um ou outro degredado, um ou outro selvagem e o raríssimo viajante tem ocasião de contemplá-lo“(O Paiz, 30 de março de 1911).

1889 – Após a Proclamação da República, o Forte deixou de receber assistência do Governo e a partir daí, passou a ser saqueado tanto por brasileiros quanto por bolivianos. Seu último comandante foi o sargento Queiroz.

1895 – Canhões e um grande sino de bronze foram levados da fortaleza.

1904 a 1908 - O Forte do Príncipe da Beira era guarnecido por um destacamento militar do 19º Batalhão de Infantaria (Almanak Laemmert, 1905, 1906, 1907 e 1909).

1906 – O engenheiro mato-grossense Manoel Esperidião da Costa Marques (c. 1859 – 1906), que dá nome ao município que abriga o Forte, em expedição ao Vale do Guaporé, visitou a edificação e registrou seu estado de abandono. Costa Marques contraiu malária durante essa expedição e faleceu, em 18 de abril de 1906.

Em entrevista, o coronel Serzedelo Correia (1858 – 1932) mencionou o abandono do Forte do Príncipe da Beira e também revelou que havia sido enviado para lá, em julho de 1905, um oficial e seis praças, mas que até março, quando havia deixado Corumbá, não havia tido notícias da expedição (Correio da Manhã, 8 de abril de 1906, penúltima coluna; e Correio do Norte, 10 de maio de 1906, terceira coluna).

A comissão construtora da linha telegráfica do Mato Grosso indicou procedimentos para a ligação com o Forte do Príncipe da Beira (Relatórios do Ministério da Guerra, 1906).

1909 – Foi noticiado que os bolivianos da fronteira com o rio Guaporé haviam saqueado o forte e denunciada a existência de problemas nas fronteiras de Mato Grosso (Correio da Manhã, 22 de julho de 1909, quinta coluna; e O Paiz, 2 de agosto de 1909, segunda coluna).

1910 – Alfredo Clímaco de Carvalho (18? – 19?), fotógrafo das imagens que seriam produzidas do Forte Príncipe da Beira, em 1913, foi eleito suplente da diretoria da Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas (A Província, 2 de abril de 1910, sétima coluna).

João da Costa Garcia, fiscal do governo de Mato Grosso junto a Societe Industrielle e Agricole du Brésil, concessionária de seringais na região do baixo Guaporé, esteve no Forte do Príncipe da Beira e um relatório realizado por ele de sua viagem seria entregue ao governador do estado (O Comércio (MT), 29 de outubro de 1910, penúltima coluna, 24 de novembro de 1910, última coluna; e

1911 –  Em artigo para a revista Illutração Brazileira, Pires de Almeida relatou que existiam informações de que um dos canhões do Forte fora comprado por um cruzador inglês, no porto chileno de Antofagasta e remetido ao Museu Histórico de Londres, e denunciou o abandono do local, além da invasão de bolivianos e brasileiros nos seringais da área (A Illustração Brazileira, de 1º de abril de 1911).

1912 - Rodolfo Aranz, Delegado Nacional no Território de Colônias na Bolívia, em visita ao Amazonas, foi fotografado com com seus companheiros de viagem pelo inteligente amador Alfredo Clímaco de Carvalho (Jornal do Commercio(AM), 20 de fevereiro de 1912, última coluna).

1913 – Diversas guardas da coletoria foram extintas e Alfredo Clímaco de Carvalho (18? – 19?), que era o responsável por uma delas, foi dispensado (Jornal do Commercio (AM), de 18 de janeiro de 1913, terceira coluna).

Em 6 de julho, num ponto da margem direita do rio Guaporé, que demarca a divisa entre o Brasil e a Bolívia, oito membros destacados do então estado do Mato Grosso se reuniram com um oficial-general da Marinha e um fotógrafo para assinar um documento que alertava para o esquecimento e abandono do que os mesmos identificaram como “monumento histórico”: o Real Forte Príncipe da Beira. A comissão era formada pelo o intendente da Vila de Santo Antônio do Madeira, a sede municipal mais próxima, dr. Joaquim Augusto Tanajura, médico que atuou como chefe do serviço de saúde da Comissão Rondon; Octávio Costa Marques, delegado fiscal de Mato Grosso; Francisco Paes, um agente fiscal estadual; J. da Silva Campos, um engenheiro da Inspetoria Federal das Estradas; A. W. Wohott, também médico e sub-diretor do Hospital da Candelária de Porto Velho; R. A. Gesteira, um coronel do Exército venezuelano; Rudolph O. Kesselring, engenheiro alemão, representante da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que apenas no ano anterior tinha iniciado sua operação comercial, e diretor da recém instalada Guaporé Rubber, companhia de capital dos Estados Unidos que explorava os seringais e inaugurou a navegação comercial no Guaporé; coronel Paulo Saldanha, gerente da mesma empresa; José Carlos de Carvalho (1847 – 1934), contra-almirante honorário, veterano da Guerra do Paraguai, político, explorador e a maior autoridade federal presente; e Alfredo Clímaco de Carvalho (18? – 19?), o fotógrafo que acompanhava aquela expedição (Jornal do Commercio, 16 de junho de 1913, terceira coluna e Jornal do Commercio, 19 de julho de 1913, terceira coluna) Algumas das fotografias por ele produzidas foram publicadas no Jornal do Commercio(AM), 27 de julho de 1913; e na  A Illustração Brazileira, 16 de dezembro de 1913). 

 

 

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No Palácio Monroe, o contra-almirante José Carlos de Carvalho (1847 – 1934) proferiu uma palestra sobre sua viagem ao norte do Brasil e algumas das fotografias produzidas durante a visita ao Forte Príncipe da Beira foram utilizadas durante a apresentação (O Paiz, 23 de outubro de 1913, penúltima coluna). Dias depois, informou ao governo sobre a chegada de dois canhões trazidos da fortaleza (O Paiz, 28 de outubro de 1913, penúltima coluna).

Alfredo Clímaco de Carvalho (18? – 19?), autor das imagens do forte realizadas em 1913,  foi nomeado subdelegado de Porto Velho (Jornal do Commercio (AM), 4 de novembro de 1913, quarta coluna).

1914 – Segundo o site do Exército, nesse ano, uma expedição do futuro marechal Cândido Rondon (1865 – 1958) chegou ao Forte Príncipe da Beira.

Major Cândido Mariano da Silva Rondon e sua comitiva / Site do Exército

Major Cândido Mariano da Silva Rondon e sua comitiva / Site do Exército

 

1915 – Alfredo Clímaco de Carvalho  (18? – 19?) era um dos suplentes do primeiro Conselho Municipal de Porto Velho, constituído pelos vereadores José Jorge Braga Vieira, Luzitano Barreto, Antônio Sampaio, Manuel Félix de Campos e José Z. Camargo. Os outros suplentes eram José de Pontes, Achiles Reis, Horácio Bilhar e Alderico Castilho. O município de Porto Velho havia sido criado em 2 de outubro de 1914 mas só foi instalado em 24 de janeiro de 1915, data em que os vereadores e suplentes foram empossados (Alto Madeira, 24 de janeiro de 1976).

1918 – Alfredo Clímaco de Carvalho  (18? – 19?) foi listado como fotógrafo no estado do Amazonas no Almanak Laemmert de 1918

1919 – Publicação de um artigo sobre o Forte Príncipe da Beira com a reprodução de algumas das fotografias produzidas por Alfredo Clímaco de Carvalho, em 1913 (Eu sei tudo, fevereiro de 1919). Ele foi listado como fotógrafo no estado do Amazonas no Almanak Laemmert de 1919.

1930 – Rondon (1865 – 1958) retornou ao Forte e alertou às autoridades sobre suas más condições e também ressaltou sua importância histórica. Sugeriu a ocupação do local por uma unidade do Exército Brasileiro (O Jornal, 13 de abril de 1930).

1932 – Foi anunciado a iminente exibição no cinema Pathé Palácio, no Rio de Janeiro, do filme Ao redor do Brasil, cujo um dos temas seria o Forte do Príncipe da Beira (O Jornal, 12 de maio de 1932, quinta coluna).

Foi noticiado que seria enviado ao Forte do Príncipe da Beira um contingente formado por um 2º sargento, dois cabos e 15 soldados (O Jornal, 25 de setembro de 1932, terceira coluna).

1934 – Foi iniciado junto ao Forte a construção de novas instalações, em madeira, onde durante vários anos ficou sediado o 7° Pelotão de fronteira subordinado à 6° Companhia de Fronteira em Guajará-Mirim.

Publicação de um artigo sobre o Forte Príncipe da Beira, escrita por Lima Figueiredo (1902 – 1956) (Revista da Semana, 22 de setembo de 1934).

1943 - O magnata das comunicações Assis Chateaubriand (1892 – 1968) integrou a caravana dos Diários Associados em viagem ao norte do Brasil, que visitou o Forte Príncipe da Beira, a convite da Rubber Development Corporation (O Jornal, 27 de maio de 1943).

1950 – O Forte foi tombado pelo antigo SPHAN, informado pelo então Diretor do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rodrigo Melo Franco de Andrade, à Diretoria de Patrimônio da União. A Notificação n°643 de 06 de julho de 1950 comunicava que o Forte do Príncipe da Beira seria inscrito no Livro Tombo das Belas Artes. A inscrição realizada, conforme o Arquivo Noronha Santos, foi a de número 281 em 7 de agosto de 1950, porém no Livro Tombo Histórico e não no de Belas Artes.

Publicação da reportagem Três bandeiras no forte da beira, sobre a visita de personalidades importantes ao Forte Príncipe da Beira, com texto de Flávio Tambellini e fotos de Peter Scheier e Roberto Malta. Dentre os visitantes, o jornalista espanhol Duque de Parcent, o todo-poderoso dos Diários Associados, Assis Chateaubriand (1892 – 1968); o general Nelson de Mello, o empresário Antônio Seabra e o Barão Sten Ramel,(O Cruzeiro, 2 de setembro de 1950).

2007 – A partir desse ano, o Iphan e o Exército passaram a desenvolver atividades de restauração do Forte e escavações arqueológicas na área. O Exército mantém instalações militares vizinhas ao Forte.

 

**Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

*Essa informação foi colocada em 29 de julho de 2021.

Fontes:

BARCELOS, Giovani da Silva. Forte Príncipe da Beira: conhecimento, valoração e preservação, 2018. 206 fls. Dissertação (Mestrado em Preservação do Patrimônio Cultural) – IPHAN, Rio de Janeiro, 2018.

BARROSO, Lourismar da Silva. Real Forte Príncipe da Beira: ocupação oeste da Capitania do Mato Grosso e seu processo construtivo (1775-1783), 2015. 102 fls. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2015.

BORZACOV, Yêdda Maria Pinheiro. Forte Príncipe da Beira. apud: Governo de Rondônia/Secretaria de Educação e Cultura. Calendário Cultural 1981/85. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1981. p. 65-72.

COSTA, Maria de Fátima. Alexandre Rodrigues Ferreira e a capitania de Mato Grosso: imagens do interior. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol.8 , Rio de Janeiro  2001.

Guia Geográfico de Rondônia

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

NASCIMENTO. Sílvio Melo do. Real Forte Príncipe da Beira: história e estórias do imaginário popular do Vale do Guaporé. Revista Labirinto, ano XIII, n. 18, jun. 2013, p. 113-124.    

NUNES, José M. de S.; ADONIAS, Isa. Real Forte Príncipe da Beira. Fundação Odebrecht, 1985

Site da Prefeitura de Porto Velho

Site do Exército do Brasil

Site do IPHAN

Site Expressão Rondônia

Site Fortalezas.org

TEIXEIRA, Paulo Roberto Rodrigues. Forte Príncipe da Beira. Rio de Janeiro: Revista DaCultura, ano III, nº 4, maio de 2003, p. 46-52.

 

Fotografia e ciência: eclipse solar, Marc Ferrez e Albert Einstein

Inspirada pela realização da exposição Marc Ferrez: Território e imagem, inaugurada em 26 de março de 2019, no Instituto Moreira Salles de São Paulo, e pela comemoração do centenário do eclipse solar observado na cidade de Sobral, no Ceará, em 29 de maio de 1919, a Brasiliana Fotográfica publica hoje o artigo Fotografia e ciência: eclipse solar, Marc Ferrez e Albert EinsteinFerrez (1843 – 1923) se relacionou com diversos cientistas e pesquisadores no Brasil do século XIX e do início do século XX, dentre eles o geólogo norte-americano Charles Frederick Hartt (1840 – 1878), que chefiou a Comissão Geológica do Império (1875 – 1878), da qual fez parte; o médico Camillo Fonseca (18? – 1923), em cujo consultório foram realizadas experiências radiográficas nas gêmeas siamesas Rosalina e Maria Pinheiro, nascidas em 1893, no Espírito Santo; e os diretores do Observatório Nacional no Rio de Janeiro, o astrônomo belga Louis Ferdinand Cruls (1848 – 1908), que ocupou o cargo entre 1891 e 1908; e o engenheiro e astrônomo francês naturalizado brasileiro Henrique Morize (1860 – 1930), que sucedeu Cruls e permaneceu na direção da instituição até 1930.

 

Henrique Morize / Acervo Arquivo Nacional

 

 

O eclipse solar observado em Passa Quatro, Minas Gerais, em 1912

 

 

Com seu amigo e então diretor do Observatório Nacional, Henrique Morize (1860 – 1930), Ferrez esteve em Passa Quatro, em Minas Gerais, em 1912, como um dos integrantes da comitiva do presidente do Brasil, o marechal Hermes da Fonseca (1855 – 1923), que havia ido para a cidade mineira observar o eclipse solar ocorrido em 10 de outubro daquele ano. Também estiveram presentes ao evento o diretor do Jardim Botânico, Graciano dos Santos Neves (1868 – 1922), delegações estrangeiras de astrônomos do Observatório de Greenwich (Inglaterra), do Bureau de Longitudes (França), do Observatório Nacional do Chile, do Observatório Nacional de Córdoba (Argentina), do Observatório de La Plata (Argentina) e do então recém-criado Observatório Astronômico e Meteorológico de São Paulo. Compareceram também ao evento representantes da imprensa e outras autoridades (Gazeta de Notícias, 11 de outubro de 1912, na quinta coluna sob o título “Marechal Hermes e o eclipse“). O chefe da comissão inglesa era Arthur Stanley Eddington (1882 – 1944); o da francesa, Milan Stefanick (1880 – 1919); do Observatório de Córdoba, Carlos Dillon Perrine (1867 – 1951); da comissão chilena, Friedrich Wilhelm Ristenpart (1868-1913); do Observatório de La Plata, William Joseph Hussey (1862-1926); e, finalmente, do Observatório de São Paulo, José Nunes Belfort Mattos (1862- 1926). Um dos objetivos da expedição era confirmar a Teoria da Relatividade, do cientista alemão Albert Einstein (1879 – 1955).

A comissão brasileira foi chefiada por Henrique Morize e contava com os astrônomos Mario Rodrigues de Souza (1889-1973), Domingos Fernandes Costa (1882-1956), Alix Corrêa de Lemos (1877 – 1957) e Gualter Macedo Soares (1891 – 19?), com o voluntário Antônio Alves Ferreira da Silva (18? – 19?), com o fotógrafo Augusto Soucasaux (1871-1962) e com o médico Camillo Fonseca (18? – 1923)(1).

Não se sabe se Ferrez teve alguma função específica na comitiva do governo já que a fotografia do fenômeno ficou a cargo de profissionais do Observatório Nacional. Ele produziu fotografias estereoscópicas dos acampamentos na cidade, que estão sob a guarda do Instituto Moreira Salles e disponíveis no acervo da Brasiliana Fotográfica.

 

 

 

Acessando o link para as fotografias relativas ao eclipse solar observado em Passa Quatro (MG), em 10 de outubro de 1912, disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

O Dr. Morize dirige os trabalhos gerais e encarrega-se especialmente da grande Equatorial Fotográfica de Heyde e do fotoheliógrafo de Wilstein. São seus assistentes o Dr. Mario de Souza, do Observatório, que tem ao seu cargo o grande Colostato de Malhat e o Dr. Domingos Costa, também do Observatório, que já fez as determinações da hora exata e da latitude do lugar; o Dr. Costa trabalhará o fotoheliógrafo de Steinhel’.

Correio da Manhã, 10 de outubro de 1912, segunda coluna

 

Abaixo, duas fotografias, com a presença de Marc Ferrez, em Passa Quatro, publicadas no jornal A Época, 12 de outubro de 1912, sob o título “Ecos do eclipse”

 

 

 

Devido a chuvas fortes, o eclipse, ocorrido em 10 de outubro, não pode ser visualizado, causando frustração entre os cientistas e entre o público em geral: O eclipse…eclipsou-se (O Paiz, 11 de outubro de 1912 e Fon-Fon!, 19 de outubro de 1912).

 

 

 

O eclipse solar observado de Sobral, no Ceará, em 1919

 

O mundo moderno começou em 29 de maio de 1919, quando fotografias de um eclipse solar, tiradas na Ilha do Príncipe, na África Ocidental, e em Sobral, no Brasil, confirmaram a verdade da nova teoria do universo.”

Paul Johnson (1928 – ), historiador inglês, e autor do livro Modern Times: The World from the Twenties to the Nineties

 

Acessando o link para as fotografias relativas ao eclipse solar observado de Sobral (1919), no Ceará, disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas. 

 

 

Em 1919, Marc Ferrez morava na França e supõe-se que ele teria, por seu interesse no assunto e por sua proximidade com Henrique Morize (2), acompanhado à distância os trabalhos dos registros fotográficos do eclipse total do Sol, ocorrido em 29 de maio de 1919, realizados por astrônomos brasileiros do Observatório Nacional e também por cientistas de outros países, em Sobral, no Ceará. A equipe brasileira, liderada por Morize, era formada pelos astrônomos Domingos Fernandes da Costa (1882 – 1956), Allyrio Hugueney de Mattos (1889 – 1975) e Lélio Itapuambyra Gama (1892 – 1981), além do químico Theophilo Henry Lee (1873 – ?), do meteorologista Luís Rodrigues, do mecânico Arthur de Castro Almeida e do carpinteiro Primo Flores. Partiram do Rio de Janeiro no dia 25 de abril de 1919, a bordo do vapor João Alfredo (Jornal do Commercio, 23 de abril de 1919, última coluna).

A comitiva dos Estados Unidos, formada pelos pesquisadores Daniel Maynard Wise (1888 – ?) e Andrew Thomson (1893 – 1974), ambos integrantes do Departamento de Magnetismo Terrestre da Carnegie Institution, de Washington, interessados em estudar os efeitos do eclipse solar sobre o magnetismo terrestre, partiram de Nova York, em 25 de março de 1919, no vapor Hollandia, e aportaram no Recife, em 15 de abril. Chegaram a Fortaleza, a bordo do paquete Pará, em 20 de abril. Eles e a comissão completa do Observatório Nacional do Brasil chegaram em Camocim, no Ceará, em 7 de maio, a bordo do vapor Prudente de Morais. Seguiram para Sobral dois dias depois em um trem especial da Viação Cearense, tendo chegado à cidade às três horas da tarde do mesmo dia (Mensagem do Governador do Ceará à Assembleia (CE), 1919, e Pequeno Jornal , 23 de abril de 1919, segunda coluna).

 

 

 

Viabilizadas pelo astrônomo real sir Frank Watson Dyson (1868 – 1939), duas expedições britânicas foram organizadas para observar o eclipse. Arthur Stanley Eddington (1882 – 1944), que havia estado no Brasil durante o eclipse de 1912, seu assistente Edwin Cottingham (1869 – 1940), Andrew Crommelin (1865 – 1939) e Charles Davidson (1875 – 1970)(4), da Royal Astronomical Society, partiram da Inglaterra em 8 de março de 1919, e se separaram em Lisboa. Os dois primeiros seguiram para a Ilha de Príncipe, na África, da onde observariam o fenômeno. Crommelin e Davidson vieram para o Brasil e chegaram à Sobral, após uma passagem pela Amazônia (Jornal do Commercio (AM), 4 de abril de 1919, quarta coluna, e Jornal do Litoral, 1º de maio de 1919, quarta coluna), em 30 de abril, ficando hospedados, assim como os norte-americanos, na casa do deputado e coronel Vicente Saboya. Estavam com os britânicos algumas das placas fotográficas que testariam a Teoria da Relatividade do cientista alemão Albert Einstein (1879 – 1955).

 

 

 

 

 

 

O eclipse solar começou às 7h46min2s do dia 29 de maio de 1919, sua totalidade foi iniciada às 8h58min28s e finalizada 5 minutos e 13 segundos depois.

Tenho a honra de comunicar à Vossa Excelência que o eclipse foi observado em regulares condições por todas as comissões. Antes da hora prevista, o céu estava quase totalmente encoberto, chegando a chuviscar, mas abriu. Houve algumas nuvens transparentes sobrepostas ao disco. Entretanto, espero fotografias sairão boas, mas podrão ser reveladas somente amanhã, de madrugada, a fim de obter condições de temperatura mais favoráveis. Atenciosas saudações‘.

Telegrama de Henrique Morize ao ministro da Agricultura, Antônio de Pádua Sales (1860 – 1957)

(O Paiz, 31 de maio de 1919, penúltima coluna)

 

Morize regressou ao Rio de Janeiro, em 11 de julho de 1919, e deu uma entrevista para a Gazeta de Notícias, comentando as atividades das comissões brasileira, britânica e norte-americana (Gazeta de Notícias, 12 de julho de 1919).

Foram os resultados obtidos a partir das bem sucedidas fotografias feitas pelos astrônomos ingleses, em 29 de maio de 1919, que permitiram a comprovação da teoria de Einstein, inaugurando um novo momento na história da ciência.

Sobre a experiência:

Um século depois, pouquíssimos duvidam da relatividade geral. Mas, naquela época, o modelo einsteiniano do Universo ainda dava seus primeiro passos, encarado com bastante descrença pela comunidade científica por ainda não ter sido verificado. Publicada em 1916, a teoria havia levado oito anos para ficar pronta: foi o tempo que Einstein levou para generalizar os postulados da relatividade especial, de 1905, e incluir a gravidade na jogada.

De acordo com a teoria, o espaço e o tempo formam um único tecido, um contínuo maleável que é distorcido por corpos de muita massa como um buraco negro, um aglomerado de galáxias ou o Sol. Nem mesmo a luz escapa dessa distorção: quando os fótons atravessam regiões distorcidas do Universo, suas trajetórias também sofrem um desvio.

Os eclipses solares totais forneciam as condições perfeitas para testar se essa previsão de Einstein fazia, ou não, algum sentido. Com a Lua bloqueando temporariamente o brilho ofuscante do Sol, tornava-se possível enxergar (e fotografar) as estrelas posicionadas bem próximas a ele no céu. Por estarem praticamente encobertas pelo Sol quando vistas da Terra, isso significava que os raios dessas estrelas distantes necessariamente atravessaram o espaço-tempo distorcido pelo campo gravitacional solar. Esse desvio podia ser verificado.

O segredo era fotografar essas estrelas durante o eclipse e, um tempo depois, fotografá-las novamente quando estivessem na mesma região do céu, só que sem a interferência do Sol. Foi justamente o que a delegação britânica fez em Sobral. “Eles estavam procurando por variações comparáveis aos mais finos fios de cabelos humanos”, explica Dunn (5). Precisavam de estabilidade e rigor extremos nos instrumentos para produzir resultados confiáveis.

O segundo conjunto de fotos foi tirado em julho do mesmo ano, para serem comparadas aos registros de maio. Segundo a teoria de Einstein, a comparação deveria revelar uma diferença de 1,75 segundo de arco, enquanto a de Newton previa um número bem menor, de 0,86. Um segundo de arco equivale ao tamanho de uma estrela a olho nu. “Passaram os meses seguintes analisando aquelas placas e conseguiram centenas de páginas de cálculos baseados nas fotos”, diz Dunn. Então, em novembro, os olhos do mundo se voltaram para Londres, onde os cientistas anunciaram que Einstein estava certo.

Revista Galileu, 25 de outubro de 2018

Placas de vidro produzidas pelos brasileiros durante o eclipse de 1919 e disponíveis na internet

Diversas placas de vidro, que medem 24 centímetros (cm) por 18, e 9 cm por 12, foram produzidas pelos brasileiros a partir de câmaras acopladas aos telescópios. São cobertas por uma emulsão com sais de prata sensíveis à luz e, em 2015, foram encontradas por pesquisadores em caixas na biblioteca do Observatório Nacional. Foram restauradas, digitalizadas e estão disponíveis na internet. 

 

“Foi o luminoso céu do Brasil que se incumbiu de resolver o problema concebido pelo meu cérebro”

 

Frase dita pelo cientista alemão  Albert Einstein (1879 – 1955) e publicada no O Jornal, de propriedade de Assis Chateaubriand (1892 – 1968) e também na revista Fon-Fon quando, em passagem para a Argentina, visitou o Rio de Janeiro, em março de 1925.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(1) Em 1899, no consultório dos doutores Camillo Fonseca e Henrique Morize, foram realizadas experiências radiográficas nas gêmeas siamesas Rosalina e Maria Pinheiro, nascidas em 1893, no Espírito Santo.

(2) Em março de 1922, Morize, que havia viajado para a Europa em missão oficial do Observatório Nacional, fez uma visita a Ferrez, em Paris.

(3) Antônio Lima foi intérprete da comissão norte-americana e colocou os equipamentos para as investigações da eletricidade atmosférica na pista do Jockey Club próximo às instalações britânicas.

(4) Sobre a presença dos dois cientistas britânicos em Sobral, no O Jornal (MA), 25 de julho de 1919, foi publicado um curioso artigo copiado de um jornal cearense não identificado.

(5) O britânico Richard Dunn é pesquisador da Universidade de Leicester e curador das exposições de história da ciência do Observatório de Greenwich.

 

Link para o documentário  100 anos do eclipse de Sobral e a comprovação da Teoria da Relatividade Geral 

 

 

Publicações da Brasiliana Fotográfica em torno da obra do fotógrafo Marc Ferrez 

O Rio de Janeiro de Marc Ferrez, publicada em 30 de junho de 2015

Obras para o abastecimento no Rio de Janeiro por Marc Ferrez , publicada em 25 de janeiro de 2016

O brilhante cronista visual Marc Ferrez (7/12/1843 – 12/01/1923), publicada em 7 de dezembro de 2016

Do natural ao construído: O Rio de Janeiro na fotografia de Marc Ferrez, de Sérgio Burgi, publicada em 19 de dezembro de 2016

No primeiro dia da primavera, as cores de Marc Ferrez (1843 – 1923), publicada em 22 de setembro de 2017

Marc Ferrez , a Comissão Geológica do Império (1875 – 1878) e a Exposição Antropológica Brasileira no Museu Nacional (1882), publicada em 29 de junho de 2018

O quiosque Chopp Berrante no Passeio Público, Ferrez, Malta e Charles Dunlop, publicada em 20 de julho de 2018

Uma homenagem aos 175 anos de Marc Ferrez (7 de dezembro de 1843 – 12 de janeiro de 1923), publicada em 7 de dezembro de 2018 

Pereira Passos e Marc Ferrez: engenharia e fotografia para o desenvolvimento das ferrovias, publicado em 5 de abril de 2019

Celebrando o fotógrafo Marc Ferrez (1843 – 1923), publicado em 4 de dezembro de 2019 

Uma homenagem da Casa Granado ao casal imperial sob as lentes de Marc Ferrez, publicada em 7 de fevereiro de 2020

Ressaca no Rio de Janeiro invade o porão da casa do fotógrafo Marc Ferrez, em 1913, publicado 6 de março de 2020.

Petrópolis, a Cidade Imperial, pelos fotógrafos Marc Ferrez e Revert Henrique Klumb, publicado em 16 de março de 2020.

Bambus, por Marc Ferrez, publicado em 5 de junho de 2020

O Baile da Ilha Fiscal: registro raro realizado por Marc Ferrez e retrato de Aurélio de Figueiredo diante de sua obra, publicado em 9 de novembro de 2020

O Palácio de Cristal, em Petrópolis, fotografado por Marc Ferrez (1843 – 1923), publicado em 2 de fevereiro de 2021

A Estrada de Ferro do Paraná, de Paranaguá a Curitiba, pelos fotógrafos Arthur Wischral e Marc Ferrez, publicado em 22 de março de 2021

Dia dos Pais – Julio e Luciano, os filhos do fotógrafo Marc Ferrez, e outras famílias, publicada em 6 de agosto de 2021

No Dia da Árvore, mangueiras fotografadas por Ferrez e Leuzinger, publicado em 21 de setembro de 2021

Retratos de Pauline Caroline Lefebvre, sogra do fotógrafo Marc Ferrez, publicado em 28 de abril de 2022

O centenário da morte do fotógrafo Marc Ferrez (1843 – 1923), publicado em 12 de janeiro de 2023

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

ARRUDA, Rogério Pereira de. Um álbum ilustrado para Minas Gerais no alvorecer da República. São Paulo : Anais do Museu Paulista. vol. 26 , 9 de agosto de 2018.

Blog do Instituto Moreira Salles

COLES, Peter. Einstein, Eddington and the 1919 Eclipse. In: Proceedings of International School on “The Historical Development of Modern Cosmology“, 2001.

CRISPINO, Luiz Carlos Bassalo; LIMA, Marcelo Costa de. Expedição norte-americana e iconografia inédita de Sobral em 1919. São Paulo : Revista Brasileira de Ensino de Física, vol 40, n° 1, edição 1601, 2018

CRISPINO, Luiz Carlos Bassalo; LIMA, Marcelo Costa de. A teoria da relatividade de Einstein apresentada para a Amazônia. São Paulo : Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 38, nº 4, 2016.

ELLIS, Richard; FERREIRA, Pedro G; MASSEY, Richard; WESZKALNYS,Gisa. 90 years on – the 1919 eclipse expedition at Prince. In: Astronomy & Geophysics, Vol 50, edição 4, agosto de 2009 https://www.fisica.net/relatividade/o-eclipse-de-1919.php

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Instituto do Ceará, 1919

NASCIMENTO, Márcio Luis Ferreira. Rondon, a Carta de Einstein e o Prêmio Nobel da Paz. Ciência e Sociedade, CBPF, v. 4, n. 1, 2016.

Observatório Nacional

O Estado de São Paulo, 25 de maio de 2019

OLIVEIRA, Raquel dos Santos. O eclipse de 1912 e a correspondência entre os astrônomos Morize e Perrine. Anpuh2010.

Revista Galileu

Revista Pesquisa – FAPESP, abril de 2019 – Quando a luz se curvou e À sombra dos britânicos

RODRIGUES, Teresinha. O Observatório Nacional no eclipse solar de 1919. In: ComCiência – Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, 6 de maio de 2019.

Royal Society Publishing

The Guardian, 13 de maio de 2019

The Royal Astronomical Society of Canada

The Royal Observatory Greenwich