Francisco Pereira Passos (1836-1913), que foi prefeito do Rio de Janeiro entre 1902 e 1906, quando liderou uma série de obras de reurbanização da cidade, teve uma atuação profissional importante como engenheiro, principalmente no que se refere ao trabalho de construção de ferrovias, no final do século XIX. Na ocasião, a fotografia passou a ser amplamente utilizada pelos engenheiros como recurso para estudos de projetos e execuções das obras ferroviárias e Marc Ferrez (1843 – 1923) foi um dos principais fotógrafos contratados para o registro das construções de ferrovias. A Brasiliana Fotográfica traz para seus leitores um artigo sobre o assunto, de autoria da historiadora Maria de Fatima Morado, do Museu da República, uma das instituições parceiras do portal, com a publicação de imagens produzidas por Ferrez, uma colagem de fotos do alemão Alberto Henschel (1827 – 1882), e registros de fotógrafos ainda não conhecidos.
A aliança entre engenharia e fotografia para o desenvolvimento das ferrovias
Maria de Fatima Morado*
Francisco Pereira Passos (1836–1913) é, usualmente, identificado como o prefeito do “bota-abaixo”, pois sob sua polêmica gestão (1902-1906) a cidade do Rio de Janeiro passou por obras de modernização que implicaram na remoção dos habitantes pertencentes às camadas populares da região central para áreas mais afastadas e sem recursos. A sua atuação profissional, enquanto engenheiro, apesar de pouco conhecida não é menos relevante, principalmente no que se refere ao trabalho de construção de ferrovias, no final do século XIX.
Pereira Passos formou-se engenheiro pela Escola Militar da Corte, em 1856, “e, no ano seguinte, foi nomeado adido à legação brasileira em Paris, ocasião em que teve a oportunidade de frequentar os cursos da École de Ponts et Chaussées e de se dedicar a estudos sobre hidráulica, construção de portos, canais e estradas de ferro”. (MOTTA, 2015). De volta ao Brasil, atuou num dos ramos mais promissores da engenharia, a construção de estradas de ferro, demanda requerida pelo auge da produção cafeeira e seu necessário escoamento, que deveria ser feito de forma mais eficiente.
Em 1881, com a fundação do Clube de Engenharia, que teve Pereira Passos como um dos membros mais influentes, os engenheiros passaram a exercer um poder estratégico em relação às obras públicas de infraestrutura e conforme o artigo 1º de seu Estatuto ficou definido que “a sociedade – Club de Engenharia – tem por objecto promover e estreitar relações entre as classes de engenharia e as dos vários ramos industriais, no que diz respeito aos interesses recíprocos das suas profissões” (Decreto nº 8253 de 10/09/1881). Em 1882, o Clube patrocinou o I Congresso de Estradas de Ferro e, em 1887, realizou a I Exposição das Estradas de Ferro no Brasil.
A fotografia passou a ser amplamente utilizada pelos engenheiros como recurso para estudos de projetos e execuções das obras, não excluindo a função social para a difusão e propaganda dessas modernizações, por exemplo, através da confecção de cartões-postais. Marc Ferrez (1843 – 1923) foi um dos principais fotógrafos contratados para o registro das construções de ferrovias. “A engenharia ferroviária demandava imagens detalhadas da evolução das obras de engenharia (edifícios de passageiros, túneis, pontes, aterros, cortes)” (OLIVEIRA, 2018). A fotografia também servia como recurso no incentivo entre os acionistas para investimentos no empreendimento ferroviário. Para a divulgação desse processo modernizador foram comercializados álbuns fotográficos e realizadas exposições de fotos de engenharia em salões nacionais e internacionais.
A Coleção Família Passos, do Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República, além de extensa documentação textual, dispõe de uma série de fotos sobre a construção de ferrovias, bem como estações e locomotivas. Além das fotografias produzidas por Marc Ferrez, existe uma colagem de fotos de Alberto Henschel (1827 – 1982), importante fotógrafo alemão que atuou no Brasil, nesse mesmo período.
Cronologia da carreira de Pereira Passos no setor ferroviário
1862 - Atuou em comissões de estudos de prolongamento e acompanhamento de obras da Estrada de Ferro Dom Pedro II.
1864 – 1867 - Foi engenheiro-fiscal da construção da linha que ligou Santos a Jundiaí. Na condição de funcionário do governo imperial, fiscalizou a obra da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, inaugurada em 1867 como São Paulo Railway.
1868 – 1869 - Substituiu J. Whitaker na comissão encarregada dos estudos e exploração do traçado de prolongamento da Estrada de Ferro D. Pedro II até o Rio São Francisco.
1870 a 1873 – Foi consultor técnico do Ministério da Agricultura e Obras Públicas, em Londres. Publicou um livro intitulado Caderneta de Campo, trabalho utilizado pelos engenheiros brasileiros dedicados à construção de ferrovias.
1876 – 1880 – Atuou como engenheiro-presidente na Estrada de Ferro Dom Pedro II. Conduziu a ampliação da estação da Corte e as construções do ramal ferroviário e da estação marítima, na Gamboa. Este complexo foi inaugurado em junho de 1880.
1881 – 1884 – Elaborou o projeto de engenharia da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá; o prolongamento da Estrada de Ferro Petrópolis, no trecho da Raiz da Serra do Mar até Petrópolis; e a Estrada de Ferro Corcovado. Para as duas últimas introduziu o uso do sistema com trilho central dotado de encaixes, nos quais uma roda dentada se apoia para impulsionar o trem, conhecido como cremalheira. A Estrada de Ferro do Corcovado foi construída em conjunto com Marcelino Roma e Lopes Ribeiro e é a primeira via de turismo criada na Corte.
*Maria de Fátima Morado é Historiadora do Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República
Fontes:
LAMARÃO, Sérgio; URBINATI, Inoã Carvalho. Clube de Engenharia. In: Dicionário histórico-biográfico da Primeira República – 1889-1930. Coordenação: Alzira Alves de Abreu. FGV, 2015.
MOTTA, Marly. Pereira Passos. In: Dicionário histórico-biográfico da Primeira República – 1889-1930. Coordenação: Alzira Alves de Abreu. FGV, 2015.
OLIVEIRA, Eduardo Romero. Vistas fotográficas das ferrovias: a produção de registros de obra pública no Brasil do século XIX. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.25, n.3, jul-set 2018, p.695-723.
PINHEIRO, Manoel Carlos; FIALHO JR, Renato. Pereira Passos: vida e obra. Instituto Pereira Passos-Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, ago 2006.
RODRIGUES, Antônio Edmilson Martins; AZEVEDO, André Nunes de. Pereira Passos por ele mesmo. Revista Rio de Janeiro, n. 10 , maio-ago 2003.
TURAZZI, Maria Inez. Paisagem construída fotografia e memória dos melhoramentos urbanos na cidade do Rio de Janeiro. Varia História, Belo Horizonte, vol. 22, nº 35: p. 64-78, jan-jun 2006.
Pequena cronologia da carreira de Marc Ferrez como fotógrafo no setor ferroviário
Andrea C.T. Wanderley**
1880 – Entre 1880 e 1890, fotografou as construções ferroviárias no Brasil, quando produziu um grande panorama da paisagem brasileira de sua época.
1882 – Fotografou as obras da ferrovia Dom Pedro II, em São Paulo e em Minas Gerais, tendo registrado a presença do imperador Pedro II e de sua comitiva na entrada do túnel da Serra da Mantiqueira (Gazeta de Notícias, 27 de junho de 1882, na quarta coluna).
1883 – O Club de Engenharia ofereceu uma recepção ao engenheiro hidráulico holandês J. Dirks, o grande especialista da época em portos e canais, que estava de passagem pelo Rio de Janeiro e seguiria para Valparaíso, no Chile. Na ocasião, foi realizada uma exposição de fotografias das estradas de ferro, de autoria de Marc Ferrez (Revista de Engenharia, 14 de abril de 1883).
c. 1884 – Fotografou as obras da ferrovia do Paraná (Paranaguá – Curitiba. O gerente da firma Société Anonyme des Travaux Dyle et Bacalan, empreiteira belga encarregada pelas obras, o futuro prefeito do Rio de Janeiro, o engenheiro Francisco Pereira Passos (1836 – 1913), presenteou dom Pedro II com 14 fotografias e um álbum de autoria de Ferrez com registros da ferrovia e da província do Paraná.
Exposição de fotografias da estrada de ferro Teresa Cristina, na A la Glacê Elegante (Gazeta da Tarde, 11 de novembro de 1884, na quinta coluna).
1885 – Ferrez participou da inauguração da ferrovia do Paraná, a estrada de ferro Paranaguá – Curitiba (Dezenove de Dezembro, 4 de fevereiro de 1885, na terceira coluna).
1886 – Em uma reunião da Sociedade Central de Immigração, da qual faziam parte, entre outros, o astrônomo belga Louis Ferdinand Cruls (1848 – 1908), o pintor italiano Nicolau Facchinetti (1824 – 1900) e o político Alfredo d´Escragnolle Taunay (1843 – 1899), foram apresentadas por esse último, presidente da associação, fotografias da ferrovia do Paraná, de autoria de Ferrez (A Immigração, agosto de 1886).
O Club de Engenharia aprovou a proposta de Marc Ferrez e de E. de Mascheuk para a execução de “diversos trabalhos concernentes à exposição dos caminhos de ferro” (Revista de Engenharia, 14 de dezembro de 1886, na primeira coluna).
Ferrez fotografou a ferrovia Dom Pedro II, em Juiz de Fora.
1887 - Entre 2 de julho e 2 de agosto, nos salões do Liceu de Artes e Ofícios, por uma iniciativa do Club de Engenharia, realizou-se a Exposição dos Caminhos de Ferro Brasileiros, com a exibição de fotografias de Ferrez (Revista de Engenharia, 14 de agosto de 1887). Estiveram presentes no encerramento da exposição, no dia 2 de agosto, a princesa Isabel(1845 – 1921) e o conde d´Eu (1842 – 1922), além de outras autoridades. O conselheiro Sinimbu (1810 – 1906) leu o relatório do juri da exposição, do qual também fazia parte o visconde de Mauá (1813 – 1889), Pedro Betim Paes Leme (1846 – 1918), Christiano Benedicto Ottoni (1811 – 1896), Carlos Peixoto de Mello (1871 – 1917), Álvaro Joaquim de Oliveira (1840 – 1922) e Manoel José Alves Barbosa (1845 – 1907). Ferrez foi contemplado com uma menção honrosa pelas “magníficas fotografias de importantes trechos de nossas vias férreas, com que concorreu não só para abrilhantar a Exposição como até para suprir algumas lacunas sensíveis de estradas que se não fizeram representar” (Jornal do Commercio, 3 de agosto de 1887, na terceira coluna e Revista de Estradas de Ferro, 31 de agosto de 1887, na primeira coluna).
1888 – Em 25 de novembro, foi inaugurado o tráfego entre as estações de Alcântara e Rio do Ouro da estrada de ferro de Maricá. Marc Ferrez fotografou “instantaneamente ” um grupo de convidados da diretoria das estradas na estação Santa Izabel (Revista de Engenharia, 28 de dezembro de 1888, na primeira coluna).
1890 – Em setembro, Ferrez integrou a comitiva convidada para a inauguração das obras da ferrovia Benevente-Minas, de Carangola a Benevente, atual Anchieta, no Espírito Santo (Diário de Notícias, 28 de setembro de 1890, quinta coluna).
1891 – Na Revista de Engenharia, 28 de dezembro de 1890, foi publicado um anúncio: “Marc Ferrez – Fotógrafo da Marinha Nacional. Especialista de vistas de estradas de ferro e em geral das grandes obras públicas. Reprodução de plantas com traços pretos sobre fundo branco. Rua São José 8″. O mesmo anúncio voltou a ser veiculado na edição de 14 de agosto de 1891.
1892 – Foi determinado que nas estradas de ferro subvencionadas pelo governo federal fossem liberados passes de ida e volta para Marc Ferrez e um ajudante para que pudessem “levantar fotografias em diversas localidades para o serviço da Exposição Universal Colombiana de Chicago”, que aconteceu entre 1º de maio e 30 de outubro de 1893 para celebrar os 400 anos da chegada do navegador genovês Cristóvão Colombo (1451 – 1506) ao Novo Mundo, em 1492 (Jornal do Brasil, 21 de agosto de 1892, na quinta coluna).
1895 – Em novembro, Ferrez fotografou, em Búzios, os convidados e a comissão responsável pela construção da Estrada de Ferro Rio de Janeiro-Minas, que uniria o povoado de Búzios a Paquequer, no estado de Minas Gerais (A Notícia, 11 de novembro de 1895, segunda coluna).
1900 – A Revista da Semana de 21 de outubro de 1900, publicou uma litogravura da Estação Central da Estrada de Ferro da Central do Brasil baseada em uma fotografia de autoria de Marc Ferrez. A Revista da Semana havia sido lançada em 20 de maio por Álvaro de Tefé (1898-?).

Marc Ferrez. Estação da estrada de ferro Central do Brasil, c. 1899. Rio de Janeiro, RJ / Acervo IMS
1904 - Exposição de fotografias da estrada de ferro Central do Brasil de autoria de Ferrez, no Club de Engenharia (O Commentario, março de 1904).
1908 – A Casa Marc Ferrez produziu filmes sobre obras em estradas de ferro do Brasil.
**Andrea C. T. Wanderley
Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica
Publicações da Brasiliana Fotográfica em torno da obra do fotógrafo Marc Ferrez
Obras para o abastecimento no Rio de Janeiro por Marc Ferrez , de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicada em 25 de janeiro de 2016
Retratos de Pauline Caroline Lefebvre, sogra do fotógrafo Marc Ferrez, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 28 de abril de 2022