Curso de Aplicação no Instituto Oswaldo Cruz

Ricardo Augusto dos Santos, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz, uma das parceiras da Brasiliana Fotográfica, é o autor do artigo “Curso de Aplicação no Instituto Oswaldo Cruz”, que contribuiu para consolidar  os estudos da bacteriologia, da microbiologia e da parasitologia, tendo sido a semente da Pós-graduação na instituição. A primeira turma de ensino formal teve início somente em 1908, ano em que o Instituto Soroterápico Federal recebeu o nome de Oswaldo Cruz. Fizeram parte de seu quadro de professores grandes cientistas, dentre eles Adolpho Lutz (1855 – 1940) e Alcides Godoy (1880 – 1950).

 

 

Curso de Aplicação no Instituto Oswaldo Cruz

 Ricardo Augusto dos Santos*

 

 

A formação de profissionais para a ciência está presente em Manguinhos desde a criação do Instituto Soroterápico Federal. Fundado em maio de 1900 com o objetivo de produzir soros e vacinas para combater a peste bubônica, o Instituto começou a desenvolver atividades educativas. No início, as tarefas de pesquisa e ensino eram realizadas em conjunto. Ainda não havia uma estrutura com funções específicas. Para consolidar a instituição, os primeiros cientistas se preocuparam com a formação de pessoal treinado nas técnicas recentemente (final do século XIX) desenvolvidas. De fato, as ações do Instituto combinariam ensino, investigação em laboratórios e produção de medicamentos. Posteriormente, a pesquisa aliada à prática docente se tornaria uma tradição na história da Fundação Oswaldo Cruz.

 

Acessando o link para as fotografias do Curso de Aplicação do Instituto Oswaldo Cruz disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Muito cedo, estudantes de medicina frequentavam o Instituto Soroterápico em busca de orientação para suas teses. O trabalho de conclusão era indispensável para a conquista do diploma em medicina. Era um mundo novo e modernos temas de pesquisa atraíam os formandos. Na época, poucas instituições médicas no Brasil possuíam competência no campo da medicina experimental.

 

 

Em meio às obras de construção dos primeiros prédios da nova instituição, era habitual a presença de alunos da Faculdade de Medicina convivendo com os pesquisadores na outrora Fazenda de Manguinhos. Nos primórdios do Soroterápico, mestres e alunos apresentavam seus trabalhos que eram discutidos. A partir de 1903, ainda de maneira caseira, aulas começaram a serem oferecidas aos estudantes. Contudo, a primeira turma de ensino formal teve início somente em 1908, ano em que o Instituto recebeu o nome de Oswaldo Cruz. O Curso de Aplicação de Manguinhos contribuiu para consolidar a bacteriologia, a microbiologia e a parasitologia. Podemos afirmar que foi a semente da Pós-graduação na Fiocruz.

Chamado domesticamente de Curso de Aplicação ou Escola de Manguinhos, em seu corpo docente, se destacavam nomes de cientistas, como Adolpho Lutz, Alcides Godoy, Henrique da Rocha Lima e Henrique de Beaurepaire Aragão, que haviam adquirido experiência e conhecimentos na Europa, em institutos onde se praticava a ciência mais avançada. O ensino no Curso de Aplicação era rigoroso. Em seus primórdios, eram admitidos médicos e estudantes de medicina. Depois, seriam aceitos farmacêuticos e veterinários. O curso era gratuito e os alunos responsabilizavam-se pela compra do material utilizado. Para se inscrever, os candidatos solicitavam autorização ao diretor do Instituto Oswaldo Cruz. Muitas vezes, os alunos trabalhavam voluntariamente como pesquisadores nos laboratórios e, posteriormente, poderiam ser absorvidos, entrando no quadro de funcionários contratados.

 

 

Com a ampliação progressiva do desenho institucional, através da diversificação dos departamentos, laboratórios de pesquisa do IOC e disciplinas do Curso de Aplicação, um número crescente de alunos chegava em Manguinhos pretendendo a desejada entrada no Castelo da Ciência. O título destacava seu aspecto empírico e prático. Oficialmente, esse nome – Curso de Aplicação – surgiria apenas em 1919, mas era assim chamado desde a sua fundação. Era realizado anualmente e, logo, fortaleceu-se como escola de aperfeiçoamento em medicina experimental.

 

 

Olympio da Fonseca Filho, diretor do Instituto Oswaldo Cruz entre 1949 e 1953, ao tentar entrar em 1912, não conseguiu vaga, adiando seu ingresso para o ano seguinte. Desde os primeiros anos houve uma procura intensa. Entre sua abertura e a década de 1930, quinhentos candidatos se inscreveram, mas somente 275 conseguiram matricular-se. O programa era muito rígido. As disciplinas duravam quatorze meses, não se admitindo mais de dez faltas. Muitos estudantes que entravam não alcançavam a frequência e o rendimento necessários para a conclusão.

Com o término do período, a publicação do texto como produção científica do Instituto Oswaldo Cruz proporcionava a ampliação da atuação do pesquisador. Após o curso, era possível a contratação provisória para os quadros do Instituto Oswaldo Cruz através das verbas obtidas com vendas das vacinas e medicamentos. Posteriormente, de acordo com alterações no corpo permanente de funcionários (aposentadoria ou morte de pesquisador) o aprendiz de cientista poderia sonhar com a nomeação para um cargo vitalício. O Curso de Aplicação significava a porta de entrada para o universo da pesquisa. Apesar de envolver relações próximas, a disputa por espaços baseava-se em critérios técnicos e científicos que aliavam o desempenho no Curso com o estágio nos laboratórios, lugar para amadurecimento das pesquisas.

 

 

*Ricardo Augusto dos Santos é Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz

 

 

 

Indicações de Leitura:

 

AZEVEDO, Nara & FERREIRA, Luiz Otávio. Os dilemas de uma tradição científica: ensino superior, ciência e saúde pública no Instituto Oswaldo Cruz, 1908-1953. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 2012, vol.19, n.2.

REIS, Renata. A “grande família” do Instituto Oswaldo Cruz: a contribuição dos trabalhadores auxiliares dos cientistas no início do século XX. Tese (doutorado)-Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018.

 

As doenças do Rio de Janeiro no início do século XX e a Revolta da Vacina em 1904

No início do século XX, no Rio de Janeiro, providências em torno do combate de diversas doenças já provocavam grandes polêmicas. A campanha de combate à varíola resultou, em novembro de 1904, em uma revolta popular e militar, a Revolta da Vacina ou Quebra-Lampiões – um protesto contra a lei que tornava obrigatória a vacinação em massa contra a doença, instituída pelo prefeito Pereira Passos e colocada em prática pelo então Diretor Geral de Saúde Pública, Oswaldo Cruz, contratado para o cargo para combater a varíola, assim como a peste bubônica e a febre amarela, que grassavam na cidade. Vamos contar um pouco dessa história.

 

 

Em 30 de dezembro de 1902, por decreto, Francisco Pereira Passos (1836 – 1913) foi nomeado prefeito do então Distrito Federal, o Rio de Janeiro, pelo presidente Rodrigues Alves (1848 – 1919), que prometia marcar seu governo pela modernização e pelo saneamento. Assumiu no mesmo dia (Gazeta de Notícias, 31 de dezembro de 1902, na sexta coluna), sucedendo Carlos Leite Ribeiro (1858 – 1945). Ocupou o cargo até 16 de novembro de 1906, quando foi sucedido por Francisco Marcelino de Sousa Aguiar (1855 – 1935) (O Paiz, 17 de novembro de 1906, na sexta coluna). Durante seu mandato, o prefeito Pereira Passos realizou uma significativa reforma urbana na cidade.

Para saneá-la e modernizá-la realizou diversas demolições, conhecidas popularmente como a política do “bota-abaixo”, que contribuiu fortemente para o surgimento do Rio de Janeiro da Belle Époque, sendo a abertura da Avenida Central dos seus maiores símbolos, festejada em uma crônica de Olavo Bilac (1865 – 1918) (Kosmos, março de 1904) . Essas transformações foram definidas por Alberto Figueiredo Pimentel (1869-1914), autor da seção “Binóculo”, da Gazeta de Notícias, com a máxima “O Rio civiliza-se”, que se tornou o slogan da reforma urbana carioca. Foi também Pereira Passos que contratou, em 1903, o primeiro fotógrafo oficial da prefeitura, Augusto Malta (1864 – 1957), justamente para documentar todas essas inúmeras e radicais mudanças na cidade.

 

 

Mas as reformas urbanas não eram o bastante para mudar o perfil do Rio de Janeiro, na época uma cidade bastante insalubre, assolada por doenças e sem saneamento básico, certamente obstáculos para o estabelecimento de uma sociedade moderna e cosmopolita nos moldes das capitais europeias. Lembramos do caso do cruzador italiano Lombardia que aportou na cidade, em novembro de 1895, e teve grande parte de sua tripulação infectada pela febre amarela. O capitão-de-fragata e comandante do navio, Olivari, e outros tripulantes, faleceram da doença (O Paiz, 28 de novembro de 1895, quinta coluna; O Paiz, 15 de fevereiro de 1896, quarta coluna; O Paiz, 17 de fevereiro de 1896, quinta coluna; O Paiz, 25 de fevereiro, sexta coluna; O Paiz, 29 de fevereiro de 1896, sexta colunaO Paiz, 1º de março de 1896, penúltima coluna; O Paiz, 9 de março de 1896, quarta colunaO Paiz, 10 de abril de 1896, penúltima coluna).

O Rio de Janeiro era inclusive conhecido internacionalmente como “túmulo dos estrangeiros”, possivelmente devido a versos sobre o verão carioca atribuídos ao escritor suíço Ludwig Ferdinand Schmid (1823-1888), que havia sido cônsul no Rio de Janeiro na década de 1860:

Oh! sombra, sobre a imagem encantada / Cores escuras pousam sobre os campos e florestas / O mal da natureza paira, poderoso / Sobre a florida superfície tropical /O poder supremo/ Deste Império não é de nenhum Herodes / No entanto é a terra da morte diária / Túmulo insaciável do estrangeiro”.

Pereira Passos assumiu a prefeitura de uma cidade que no fim do Império tinha uma população de cerca de 500 mil habitantes e que atingira cerca de 700 mil pessoas em 1904. Ele aliou a reforma urbanística e arquitetônica da cidade – que incluiria a construção de um novo porto, de novas avenidas, o aterramento de praias, o desmonte de morros, a derrubada de casas e cortiços e o embelezamento de praças e jardins, que não deixou de ter seu lado excludente e criticado, deslocando parte da população do centro para o subúrbio e também contribuindo para o surgimento das favelas – a uma nova política higienista. Para implementar medidas sanitárias arrojadas foi nomeado pelo presidente Rodrigues Alves para a direção geral de Saúde Pública o jovem médico Oswaldo Cruz (1872 – 1917), que tomou posse em 23 de março de 1903. Ficou no cargo até 1909.

 

Oswaldo Cruz havia estudado microbiologia, soroterapia e imunologia no Instituto Pasteur, e medicina legal no Instituto de Toxicologia, na França, entre 1897 e 1898. Quando voltou ao Brasil, tomou posse, em 24 de agosto de 1899, na Academia Nacional de Medicina, e, em 1900, assumiu a direção técnica do Instituto Soroterápico Federal, o qual passou a dirigir em 1902.

 

 

Os principais problemas que Oswaldo Cruz teve que enfrentar como Diretor Geral de Saúde Pública foram a febre amarela, a peste bubônica e a varíola. Um de seus colaboradores foi o sanitarista Belisário Penna (1868 – 1939).

 

 

A febre amarela

 

 

Em 1902, a febre amarela havia sido responsável pela morte de cerca de mil pessoas no Rio de Janeiro. Oswaldo Cruz era adepto da teoria do médico cubano Carlos Finlay (1833 – 1915) sobre a transmissão da febre amarela pelos mosquitos Stegomyia fasciata. Para exterminá-los, em abril de 1903, iniciou a campanha de combate à doença. Em 15 de abril, foi criado o Serviço de Profilaxia Específica da Febre Amarela (O Paiz, 18 de abril de 1903, sexta coluna; 22 de abril de 1903, quarta coluna; 25 de abril, quinta coluna; e 29 de abril, quarta coluna).

 

 

 

A execução dessa profilaxia foi regulamentada pelas “Instruções para o Serviço de Profilaxia Específica de Febre-Amarela” nos primeiros dias de maio de 1903, do ministro da Justiça e Negócios Interiores, J.J. Seabra (1855 – 1942) (O Paiz, 7 de maio de 1903, penúltima coluna).

 

 

Foram criadas as brigadas sanitárias, que “eram constituídas por 1 inspetor do serviço, responsável por toda a execução das atividades e nomeado por decreto; 10 médicos que o auxiliam, destacados dentre os inspetores sanitários pelo diretor geral de saúde pública, mediante indicação do inspetor do serviço; 70 auxiliares acadêmicos e 9 chefes de turma, nomeados pelo diretor geral de saúde pública; 1 administrador do serviço, 1 almoxarife e 1 escrituario-arquivista, nomeados por portaria do Ministro; 200 capatazes, 18 guardas de saúde de primeira classe e 18 de segunda classe, 18 carpinteiros e pedreiros, bombeiros, cocheiros, nomeados pelo inspetor do serviço; e quantos mais trabalhadores fossem necessários” (BRASIL, 1905).

 

 

Guardas “mata-mosquitos” visitavam casas nas diversas regiões da cidade, muitas vezes acompanhados por soldados da polícia. A cidade foi dividida em distritos sanitários, sob jurisdição das delegacias de Saúde, que recebiam notificações dos enfermos, aplicavam multas e intimavam os donos de imóveis considerados insalubres a reformá-los ou até mesmo a demoli-los. Providenciava-se a remoção de pessoas infectadas para hospitais, o isolamento domiciliar dos enfermos assim como a desinfecção dos ambientes. Ao mesmo tempo, Oswaldo Cruz fazia circular na imprensa os folhetos Conselhos ao Povo, de divulgação das medidas adotadas.

 

 

A doença foi perdendo a força e, em 1907, Oswaldo Cruz escreveu ao presidente Afonso Pena (1847 – 1909): “graças à firmeza e vontade do governo, a febre amarela já não mais devasta sob a forma epidêmica a capital da República”. Nesse mesmo ano, a delegação brasileira de cientistas de Maguinhos, liderada por Oswaldo Cruz, recebeu a medalha de ouro no XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim.

 

 

Acessando o link para as fotografias relativas à febre amarela disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

Aline Lopes de Lacerda, historiadora e chefe do Departamento de Arquivo e Documentação da COC/Fiocruz,  escreveu o artigo Febre amarela: imagens da produção da vacina no início do século XX, publicado na Brasiliana Fotográfica, em 25 de março de 2018. Cristiane d’Avila, jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz, escreveu Vacinação no Brasil, uma história centenária, publicado em 17 de agosto de 2018. Ricardo Augusto dos Santos, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz, escreveu o artigo O sanitarista Belisário Penna (1868-1939), um dos protagonistas da história da saúde pública no Brasil, também publicado no portal, em 28 de setembro de 2018. A Fiocruz é uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica.

 

A peste bubônica

 

 

A peste bubônica, doença transmitida pela picada de pulgas infectadas por ratos contaminados pela bactéria Yersinia pestis, o bacilo descoberto pelo suíço Alexandre Yersin (1863 – 1943) e pelo japonês Shibasaburo Sato (1852 – 1931), em 1894, chegou ao Brasil, pelo porto de Santos, em 1900. Foi combatida por Oswaldo Cruz e as medidas contra a peste bubônica não encontraram resistência da população. Foi intensificada a limpeza urbana e a notificação dos doentes era compulsória, o que ajudava no isolamento e no tratamento dos mesmos com o soro fabricado no Instituto Soroterápico Federal. Foi também promovida a vacinação de pessoas residentes nas áreas mais atingidas e uma abrangente campanha de desratização foi realizada: os funcionários destacados para a função tinham que recolher 150 ratos por mês, pelos quais recebiam 60 mil-réis.

A Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP) passou a comprar ratos: para cada animal morto apresentado, pagava-se a quantia de duzentos réis, o que ocasionou o surgimento da profissão de “ratoeiro” – compravam ratos a baixo preço ou até mesmo os criavam em casa e os revendiam para a DGSP. A “guerra aos ratos” virou motivo de piada, de críticas (Revista da Semana, 21 de agosto de 1904Kosmos, outubro 1904) e até uma música sobre o tema, a polca Rato, rato, composta por Casemiro da Rocha (1880 – 1912), integrante da banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, com letra de Claudino Costa, foi um grande sucesso no carnaval de 1904. Foi gravada na Casa Edison.

 

 

O fato é que as mortes por peste bubônica que, em 1903, atingiram o índice de 48,74 mortes para cada 100 mil habitantes, caíram vertiginosamente e quando Oswaldo Cruz deixou a Diretoria Geral de Saúde Pública, em 1909, esse índice chegou ao seu mais baixo patamar: 1,73.

 

A varíola e a Guerra da Vacina

 

 

Até meados de 1904, as internações causadas pela varíola já chegavam a 1800 no Hospital São Sebastião. Oswaldo Cruz pretendeu controlar a doença com a vacinação em massa da população. Pediu que fosse enviado ao Congresso Nacional um projeto de lei para resgatar a obrigatoriedade da vacinação e revacinação antivariólica. A vacinação já estava contemplada em uma lei em vigor desde 1837, mas que nunca havia sido cumprida.

 

 

 

A medida enfrentou a oposição liderada pelo senador paraense Lauro Sodré (1858 – 1944), líder do Partido Republicano Federal, e pelos deputados pernambucano Barbosa Lima (1862 – 1931) e gaúcho Alfredo Varela (1864 – 1943), todos contra o governo do presidente Rodrigues Alves, do Partido Conservador. O Apostolado Positivista do Brasil, liderado por Raimundo Teixeira Mendes (1855 – 1927), também se opôs à lei.

 

 

 

 

Jornais e políticos lançaram uma campanha contra a medida, incitando a desobediência à lei, que eles classificavam como despótica e ameaçadora, já que estranhos tocariam nas pessoas no caso da vacinação, além de entrarem nas casas para desinfecção. Além disso, a vacina, que consistia no líquido de pústulas de vacas doentes, era rejeitada pelas camadas populares – havia um boato de que os vacinados adquiriam feições bovinas…

 

 

 

Finalmente, foi promulgada, em 31 de outubro de 1904, uma lei que tornou a vacinação e a revacinação contra a varíola obrigatória.

 

Lei n° 1.261, de 31 de outubro de 1904

 

Torna obrigatorias, em toda a Republica, a vaccinação e a revaccinação contra a variola.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil:
Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sancciono a lei seguinte:

     Art. 1º A vaccinação e revaccinação contra a variola são obrigatorias em toda a Republica.

     Art. 2º Fica o Governo autorizado a regulamental-a sob as seguintes bases:

     a) A vaccinação será praticada até o sexto mez de idade, excepto nos casos provados de molestia, em que poderá ser feita mais tarde;

     b) A revaccinação terá logar sete annos após a vaccinação e será repetida por septennios;

     c) As pessoas que tiverem mais de seis mezes de idade serão vaccinadas, excepto si provarem de modo cabal terem soffrido esta operação com proveito dentro dos ultimos seis annos;

     d) Todos os officiaes e soldados das classes armadas da Republica deverão ser vaccinados e revaccinados, ficando os commandantes responsaveis pelo cumprimento desta;

     e) O Governo lançara mão, afim de que sejam fielmente cumpridas as disposições desta lei, da medida estabelecida na primeira parte da lettra f do § 3º do art. 1º do decreto n. 1151, de 5 de janeiro de 1904;

     f) Todos os serviços que se relacionem com a presente lei serão postos em pratica no Districto Federal e fiscalizados pelo Ministerio da Justiça e Negocios Interiores, por intermedio da Directoria Geral de Saude Publica.

     Art. 3º Revogam-se as disposições em contrario.

Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1904, 16º da Republica.

FRANCISCO DE PAULA RODRIGUES ALVES.
J. J. Seabra.

 

 

 

 

Em um encontro presidido pelo senador Lauro Sodré, no Centro das Classes Operárias, em 5 de novembro de 1904, foi fundada a Liga Contra a Vacina Obrigatória (O Paiz, 6 de novembro de 1904, penúltima coluna). O descontentamento popular se agravou quando, no dia 9 de novembro de 1904, o governo divulgou seu plano de regulamentação da aplicação da vacina obrigatória contra a varíola (Gazeta de Notícias, 10 de novembro de 1904, quinta coluna). Nos dias 10 e 11, no Largo de São Francisco, estudantes contrários à lei se reuniram e, no dia 13 de novembro, acirrou-se a rebelião popular, que ficou conhecida como Revolta da Vacina, marcada por diversos distúrbios urbanos em várias regiões da cidade, embates com a polícia e prisões. Mais de 20 bondes da Companhia Carris Urbanos e muitos lampiões da iluminação pública foram destruídos, daí o apelido Quebra Lampiões atribuído ao movimento (Gazeta de Notícias, 14 de novembro de 1904; e Jornal do Brasil, 14 de novembro de 1904).

 

 

 

Paralelamente à revolta popular, aconteceu um movimento militar orquestrado pelos generais Silvestre Travassos (? – 1904) e Olímpio da Silveira (1887 – 1935), Lauro Sodré, Barbosa Lima, o major Gomes de Castro e o capitão Augusto Mendes de Moraes, que se reuniram no dia 14 de novembro de 1904, no Clube Militar. Tinham por objetivo derrubar o governo de Rodrigues Alves, que foi aconselhado a ir para um navio de guerra, onde teria mais segurança – ele recusou.

Houve no mesmo dia uma tentativa fracassada de levante na Escola de Tática do Realengo, sufocada pelo então diretor da instituição, general Hermes da Fonseca (1855 – 1923), futuro presidente do Brasil. O comandante da Escola Militar de Realengo, o general Alípio Costallat (c. 1853 – 1933), foi deposto pelo general Travassos que liderou, durante a noite, a marcha dos alunos em direção ao Palácio do Catete. Os revoltosos trocaram tiros com uma brigada de ataque enviada pelo governo, na rua da Passagem, em Botafogo. O tiroteio, de cerca de meia hora, matou um aluno da Escola Militar, Silvestre Cavalcanti, e um sargento da tropa legalista, chamado Camargo. O general Travassos ficou gravemente ferido e faleceu oito dias depois. A Escola Militar, bombardeada durante a noite por navios de guerra posicionados na baía de Guanabara, foi ocupada pelo ministro da Guerra, o marechal Francisco de Paula Argollo (1847 – 1930) e pelo ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, Lauro Müller (1863 – 1926). Seus alunos foram presos, expulsos da Escola e levados para portos na região Sul do país. Obviamente, o desfile comemorativo dos 15 anos da Proclamação da República foi cancelado (Gazeta de Notícias, 15 de novembro de 1904Jornal do Brasil, 15 de novembro de 1904; Gazeta de Notícias, 16 de novembro de 1904; Jornal do Brasil, 16 de novembro de 1904).

No dia 16 de novembro, foi decretado o estado de sítio e revogada a obrigatoriedade da vacinação. Com isso, o movimento popular arrefeceu, os serviços voltaram a funcionar e a cidade se apazigou. Saldo do movimento: 945 prisões, 461 deportações, 110 feridos e 30 mortos (Gazeta de Notícias, 17 de novembro de 1904 e 18 de novembro de 1904).

 

 

Segundo o historiador Jaime Larry Benchimol: Todos saíram perdendo. Os revoltosos foram castigados pelo governo e pela varíola. A vacinação vinha crescendo e despencou, depois da tentativa de torná-la obrigatória. A ação do governo foi desastrada e desastrosa, porque interrompeu um movimento ascendente de adesão à vacina”.

Apenas nove pessoas morreram por varíola em 1906 no Rio de Janeiro. Porém, dois anos depois, em 1908, uma violenta epidemia da doença ocorreu na cidade, causando mais de 6.500 casos.

 

 

Link para músicas sobre Oswaldo Cruz e também sobre as campanhas de combate à febre amarela, à peste bubônica e à vacinação obrigatória contra a varíola, publicadas na Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz

 

Retrospectiva das pandemias do século XX e XXI

 

O mundo, ao longo dos séculos XX e XXI, enfrentou cinco pandemias: a Gripe Espanhola, em 1918, tema de uma recente publicação da Brasiliana Fotográfica, E o ex e futuro presidente do Brasil morreu de gripe…a Gripe Espanhola de 1918; a Gripe Asiática, em 1957; a Gripe de Hong Kong, em 1968, a identificação de um novo vírus da influenza do tipo A pandêmico que desencadeou a Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2009; e cerca de 11 anos depois, em 11 de abril de 2020, a OMS declarou uma pandemia do novo coronavírus, chamado de Sars-Cov-2, causador da Covid-19, surgido na cidade de Wuhan, na China, em fins de 2019.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

 

BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann Tropical. A renovação urbana na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, 1992.

BENCHIMOL, Jaime Larry. Reforma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro. In: Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado (org.) O Brasil Republicano. O tempo do liberalismo excludente. Da proclamação da República à Revolução de 1930. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

BIBEL, David J.; CHEN, T.H. Diagnosis of Plague: an Analysis of the Yersin-Kitasato Controversy. American Society for Microbiology, 1976.

Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz

BRASIL. Ministério da Justiça. Relatório 1904 – 1905. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1905.

CARVALHO, José Murilo de: Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo : Companhia das Letras, 1987.

COSTA, Zouraide; ELKHOURY, Ana; FLANNERY, Brendan; ROMANO, Alessandro. Evolução histórica da vigilância epidemiológica e do controle da febre amarela no Brasil, 2011.

CURY, Bruno da Silva Mussa. Combatendo ratos, mosquitos e pessoas: Oswaldo Cruz e a saúde pública na reforma da capital do Brasil (1902-1904). / Bruno da Silva Mussa Curry. – 2012. 160 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em História, Rio de Janeiro, 2012.

Dicionário Cravo Alvim

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Ministério da Saúde

MOURELLE, Thiago. A revolta da vacina. Arquivo Nacional: Que República é essa?, 21 de janeiro de 2020.

Nosso Século. São Paulo : Abril Cultural, 1980.

Portal Fiocruz – A trajetória do médico dedicado à ciência

Portal Fiocruz  – A Revolta da Vacina

Projeto Memória – Fundação Banco do Brasil

ROCHA, Oswaldo; CARVALHO, Lia de Aquino. A era das demolições Habitações Populares. Rio de Janeiro : Biblioteca Carioca, 1986

SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Cosac Naify, 2010.

Site CPDOC

Site Multirio

A descoberta da doença de Chagas

No último mês de maio, a Organização Mundial da Saúde instituiu o dia 14 de abril como Dia Internacional da Doença de Chagas. É a história de sua descoberta pelo médico e jovem pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, contada por Simone Petraglia Kropf, historiadora e pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica, que o portal publica hoje. Segundo Simone: Carlos Chagas expressou de modo exemplar um projeto de ciência e de nação cujos princípios balizam até hoje a Fundação Oswaldo Cruz: a aliança entre excelência acadêmica e compromisso social.

 

A descoberta da doença de Chagas 

Simone Petraglia Kropf *

 

 

Em abril de 1909, os jornais da recém-reformada capital federal anunciavam com orgulho um “grande feito” da ciência brasileira: a descrição, por um mesmo pesquisador, de uma nova doença tropical, do parasito que a causava e do inseto que a transmitia. Na jovem república brasileira, a descoberta foi celebrada como emblema das contribuições inovadoras que o país era capaz de proporcionar à chamada “época de ouro” da medicina tropical européia, marcada por estudos que vinham mudando substancialmente a compreensão das doenças parasitárias transmitidas por vetores.

O autor da “tripla descoberta” era um médico e jovem pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), criado em 1900 como Instituto Soroterápico Federal para produzir soros e vacinas contra uma epidemia de peste bubônica que ameaçava atingir a cidade do Rio de Janeiro. Sob a liderança de Oswaldo Cruz (que havia se notabilizado por comandar as campanhas de saneamento da capital federal no governo de Rodrigues Alves), o também chamado Instituto de Manguinhos vinha ampliando suas atividades de modo a se tornar um centro de excelência na pesquisa e no ensino em microbiologia e medicina tropical.

Acessando o link para as fotografias relativas a Carlos Chagas e à doença de Chagas disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

Carlos Chagas, formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1903, era um especialista em malária, tema de sua tese de doutoramento (para a conclusão do curso médico) que desenvolveu sob a orientação de Oswaldo Cruz em Manguinhos. O caminho que o levou à descoberta da doença que leva seu nome está diretamente ligado à sua trajetória como pesquisador no campo da medicina tropical. Em junho de 1907, ele foi designado por Oswaldo Cruz, diretor da saúde pública federal, para combater uma epidemia de malária que paralisava as obras de prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil em Minas Gerais, na região do rio das Velhas, entre Corinto e Pirapora. Aquela era uma obra emblemática do projeto de modernização republicana. Enquanto coordenava a campanha de profilaxia na pequena cidade de Lassance, onde se construía uma estação da ferrovia, Chagas costumava coletar espécies da fauna brasileira, motivado por seu crescente interesse pela entomologia e pela protozoologia. Por intermédio do chefe da comissão de engenheiros, Cornélio Homem Cantarino Mota, tomou conhecimento de um percevejo hematófago muito comum na região, conhecido vulgarmente como barbeiro pelo hábito de picar o rosto de suas vítimas enquanto dormiam. Esses triatomíneos eram abundantes nas casas de pau-a-pique da região típicas da população pobre das áreas rurais.

 

 

Sabendo da importância dos insetos sugadores de sangue como transmissores de doenças parasitárias, Chagas examinou alguns barbeiros e encontrou neles um protozoário. Por não dispor em Lassance de condições experimentais para avançar neste estudo, enviou alguns insetos a Oswaldo Cruz, em Manguinhos. Depois de experiências com saguis criados em laboratório, Chagas concluiu que se tratava de uma nova espécie de tripanossoma, que batizou então de Trypanosoma cruzi, em homenagem ao mestre. As doenças causadas por tripanossomas (como a tripanossomíase africana ou doença do sono) eram temas de grande interesse na medicina tropical européia, impulsionada pelo empreendimento colonialista.

De volta a Lassance, Chagas realizou exames de sangue nos moradores e, no dia 14 de abril de 1909, encontrou o Trypanosoma cruzi no sangue de uma criança febril, chamada Berenice. Em nota enviada ao Brasil Médico, uma das principais revistas médicas do país, anunciou a descoberta, que seria também comunicada mediante publicações em revistas estrangeiras. A imprensa daria destaque ao episódio e o próprio Oswaldo Cruz apresentaria a descoberta na Academia Nacional de Medicina.

 

 

Os estudos sobre a nova doença ganharam centralidade na pauta de pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz e mobilizaram vários cientistas, sob a condução de Chagas, que passou a assumir posições importantes na instituição, da qual viria a tornar-se diretor em 1917 por ocasião do falecimento de Oswaldo Cruz. Chagas se tornaria igualmente reconhecido pela comunidade científica internacional, recebendo inúmeros prêmios e sendo indicado ao Nobel de medicina em 1913 e 1921.

Além de sua importância para a agenda científica, a doença de Chagas tornou-se, desde o início, um tema de destaque nos debates políticos sobre os problemas e rumos da nação brasileira. Carlos Chagas afirmava que aquela era uma descoberta que descortinava não apenas uma nova enfermidade e um novo problema de saúde pública, mas um Brasil até então desconhecido e abandonado: o Brasil dos sertões. Segundo ele, o tão propalado “atraso” do país era consequência não do clima tropical ou da composição racial de sua população, como muitos defendiam, mas das doenças endêmicas que assolavam as populações rurais. Nesse sentido, a “nova doença” se fazia um emblema da capacidade da ciência de, ao identificar e estudar tais problemas, indicar os caminhos concretos para superá-los e promover o tão ansiado ingresso do país no “rol das nações civilizadas”.

Chagas se tornou uma liderança do movimento em prol do saneamento rural do Brasil, que, a partir de meados da década de 1910, reuniria médicos, cientistas, intelectuais e políticos em torno da reivindicação de que o Estado ampliasse sua capacidade de implementar políticas e serviços de saúde pública, tendo em vista sobretudo atender as populações das áreas rurais. Tal bandeira seria empunhada por Chagas tanto como diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública quanto em sua atuação com professor da cadeira de medicina tropical, no âmbito da qual defendia com veemência a importância do estudo e do enfrentamento das endemias ruais, que chamava de as “doenças do Brasil”.

 

 

Como cientista, gestor e professor, Carlos Chagas expressou de modo exemplar um projeto de ciência e de nação cujos princípios balizam até hoje a Fundação Oswaldo Cruz: a aliança entre excelência acadêmica e compromisso social.

Em maio de 2019, a Organização Mundial da Saúde instituiu o dia 14 de abril como Dia Internacional da Doença de Chagas. Ao dar visibilidade e chamar a atenção para a importância das chamadas doenças negligenciadas (e, sobretudo, das pessoas por elas afetadas), esta é uma homenagem que nos leva a refletir sobre a atualização do legado deste cientista, expresso na própria Constituição Federal de 1988: “saúde como direito de todos e dever do Estado”. Ao celebrarmos os 110 anos da descoberta da doença de Chagas, a defesa veemente da ciência, da saúde pública, da educação e da democracia é o que deve nos unir em nome da memória e das lutas dos que construíram esta história.

 

Para saber mais:

 

BENCHIMOL, Jaime L. Manguinhos do sonho à vida: a ciência na Belle Époque. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 1990.

KROPF, Simone P. Carlos Chagas e as doenças do Brasil. In: HOCHMAN, Gilberto; LIMA, Nísia Trindade. Médicos intérpretes do Brasil. São Paulo: Hucitec, 2015, p. 194-222.

KROPF, Simone P. Doença de Chagas, doença do Brasil: ciência, saúde e nação (1909-1962). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009.

KROPF, Simone P.; LACERDA, Aline. Carlos Chagas, um cientista do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009 (edição bilíngue).

KROPF, Simone P. SÁ, Magali R. The discovery of Trypanosoma cruzi and Chagas disease (1908-1909): tropical medicine in Brazil. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v.16, suplemento, p.13 -34, 2009.

KROPF, Simone P. Carlos Chagas e os debates e controvérsias sobre a doença do Brasil (1909-1923). História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v.16, suplemento 1, p.205-227, 2009.

 

*Simone Petraglia Kropf é historiadora e pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz e professora do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da COC.

 

Breve cronologia de Carlos Chagas (1878 – 1934)

Andrea C. T. Wanderley

 

 

1878 - Nascimento de Carlos Justiniano Ribeiro Chagas, em 9 de julho, na Fazenda do Bom Retiro, a cerca de 20 quilômetros de Oliveira, cidade mineira. Era filho de José Justiniano Chagas e Mariana Candida Ribeiro de Castro.

 

 

1883 - Ficou órfão de pai.

1887 – Foi matriculado no Colégio São Luís, um dos mais importantes estabelecimentos de ensino do Brasil no século XIX, dirigido por jesuítas em Itu, interior de São Paulo.

1888 – Em maio, informado que escravos recém-libertados estariam depredando fazendas, Carlos Chagas fugiu do colégio e foi ao encontro de sua mãe. A indisciplina causou sua expulsão do São Luís. Foi então transferido para o Ginásio São Francisco, em São João del-Rei, Minas Gerais.

1895 / 1897 - Sua mãe decidiu que ele deveria estudar Engenharia e Chagas ingressou no curso preparatório da Escola de Minas de Ouro Preto. Foi reprovado e voltou para Oliveira. Com a ajuda de seu tio médico, o tio Calito, conseguiu convencer sua mãe, e mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar Medicina.

1897 – Em 13 de abril, ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Dois professores foram muito importantes durante sua formação acadêmica: Miguel Couto (1865-1934), de quem se tornou amigo pessoal; e Francisco Fajardo (1864-1906), pioneiro da microbiologia no Brasil, em cujo laboratório, na Santa Casa de Misericórdia, Chagas iniciou-se nas pesquisas sobre a malária.

1901 – Íris Lobo (1882 – 1950), futura esposa de Carlos Chagas, foi uma das portadoras de listas para arrecadação de fundos para a celebração de uma missa – iniciativa dos alunos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro –  em memória das vítimas de um episódio de violência policial na cidade durante manifestação popular contra o aumento de preço de passagens de bondes (Jornal do Brasil, 20 de junho de 1901, quinta coluna; e Jornal do Brasil, 21 de junho de 1901, primeira coluna).

Chagas foi um dos estudantes de Medicina que se envolveu na campanha de obtenção de recursos para a construção de uma estátua em homenagem ao recém-falecido médico baiano Francisco de Castro (1857 – 1901) (O Paiz, 22 de outubro, quarta coluna).

1902 – Para elaborar sua tese de doutoramento, indispensável para a conclusão do curso médico, passou a frequentar a Instituto Soroterápico Federal – também conhecido como Instituto de Manguinhos -, sob a orientação de seu diretor, o médico Oswaldo Cruz (1872 – 1917).

Como presidente do Grêmio dos Internos dos Hospitais do Rio de Janeiro fez a apresentação da primeira revista da associação (Brazil-Medico, 1º de agosto de 1902O Paiz, 12 de setembro de 1902, penúltima coluna).

Com frases entusiásticas, Carlos Chagas fez uma apologia aos méritos do professor e médico alemão Rudolf Virchow (1821 -1902), recém-falecido, durante uma sessão solene promovida pelo Grêmio dos Internos dos Hospitais do Rio de Janeiro, na biblioteca do Hospital de Misericórdia (Brazil-Medico, 1º de setembro de 1902).

Era um dos doutorandos de 1902 da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Uma curiosidade: havia apenas uma mulher entre os doutorandos, Evarista de Sá Peixoto (O Malho, 10 de janeiro de 1903).

 

 

1903 - Defendeu, em 12 de maio, a tese Estudos hematológicos no impaludismo. Foi aprovado e, dois dias depois, colou grau de doutor em Medicina na Faculdade do Rio de Janeiro.

Oswaldo Cruz o convidou para trabalhar em Manguinhos, mas por sentir-se atraído pela prática da clínica médica, Chagas recusou o convite.

1904 - Em crítica publicada sobre a tese Estudos hematológicos no impaludismo, considerada brilhante, Chagas foi referido como um cientista a que o futuro não negará as glórias a que vem fazendo direito (Brazil-Medico, 1º de janeiro de 1904).

Em março, foi nomeado médico da Diretoria Geral de Saúde Pública e foi trabalhar no Hospital de Jurujuba, em Niterói (RJ), onde pacientes com suspeita de peste bubônica que chegavam em navios eram colocados em quarentena e sob cuidados médicos (Almanak Laemmert, 1905).

Trabalhava no Instituto Soroterápico Federal com Antônio Cardoso Fontes (1879 – 1943), Ezequiel Dias (1880 – 1922), Henrique de Figueiredo Vasconcellos (1873 – 1948) e Henrique da Rocha Lima (1879 – 1956) (Almanak Laemmert, 1905).

Seu nome constava na lista de médicos do Hospital São Sebastião, dirigido por Carlos Pinto Seidl e localizado na Praia do Retiro Saudoso, nº 27, Ponta do Caju (Almanak Lammert de 1905).

Instalação de seu consultório particular na rua da Assembléia, no centro do Rio de Janeiro.

Casou-se com Íris Lobo (1882 – 1950 ), filha do senador mineiro e presidente do Banco de Crédito Real de Minas, Fernando Lobo Leite Pereira (1851-1918), que conheceu por intermédio de seu antigo professor e amigo Miguel Couto que, assim como seu grande amigo, o médico Luiz Almada Horta, foi seu padrinho de casamento (O Pharol, 23 de julho de 1904, quarta coluna).

 

 

1905 - Em 10 de agosto, nascimento do primeiro filho de Chagas e Íris, o futuro cientista e médico Evandro Chagas (1905 – 1940). Na edição de 7 de outubro da revista O Malho, foi publicado o poema Mãe que Violeta Carneiro de Melo dedicou a Íris.

A Companhia Docas de Santos solicitou a Oswaldo Cruz, diretor geral de Saúde Pública, providências para combater uma epidemia de malária entre os trabalhadores que construíam uma hidrelétrica em Itatinga, São Paulo. Carlos Chagas foi comissionado para coordenar a campanha.

1906 - Viajou para Juiz de Fora, em Minas Gerais, com o médico Alcides Godoy (1880 – 1950) e com outros para executar os testes finais da vacina da manqueira.

1907 - Ele e o sanitarista e médico baiano Arthur Neiva (1880 – 1943) foram enviados por Oswaldo Cruz a Xerém, na Baixada Fluminense, para combater uma epidemia de malária (O Paiz, 14 de maio de 1907, terceira coluna; O Paiz, 1º de julho de 1908).

O primeiro busto oficial de Pasteur, há bem pouco chegado ao Brasil, é hoje propriedade do dr. Carlos Chagas, ilustrado e esperançoso bacteriologista da diretoria de saúde, por delicada e significativa oferta eminente e operosíssimo dr Sampaio Correia, atual inspetor geral de Obras Públicas…gratidão que traduz pelos inestimáveis serviços prestados por Carlos Chagas (O Paiz, 17 de junho de 1907. segunda coluna).

Carlos Chagas estava presente à inauguração do Instituto Soroterápico de Belo Horizonte, filial de Manguinhos, sob a direção de Ezequiel Dias (1880 – 1922), seu colega de turma na Faculdade de Medicina (1880 – 1922) (O Paiz, 4 de agosto de 1907, segunda coluna).

1907/1908 – Em 6 de junho de 1907, Chagas partiu para o norte de Minas Gerais, em uma terceira campanha contra a malária com o médico Belisário Penna (1868-1939), também da Diretoria Geral de Saúde Pública, para combater uma epidemia de malária que paralisava as obras de prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil em Minas Gerais, na região do rio das Velhas, entre Corinto e Pirapora (O Paiz, 7 de junho de 1907, quinta coluna).

 

 

Aquela era uma obra emblemática do projeto de modernização republicana. Chagas costumava coletar espécies da fauna brasileira e, pelo chefe da comissão de engenheiros, Cornélio Homem Cantarino Mota, tomou conhecimento de um percevejo hematófago muito comum na região, conhecido como barbeiro pelo hábito de picar o rosto de suas vítimas enquanto dormiam. Esses percevejos eram muito comuns nas casas de pau-a-pique da região – habitações típicas da população pobre das áreas rurais. Chagas examinou alguns barbeiros e encontrou neles um protozoário. Por não dispor em Lassance de condições experimentais para avançar neste estudo, enviou alguns insetos a Oswaldo Cruz, em Manguinhos. Depois de experiências com saguis criados em laboratório, Chagas concluiu que se tratava de uma nova espécie de tripanossoma, que batizou então de Trypanosoma cruzi, em homenagem ao mestre.

 

 

1908 - Nomeação de Carlos Chagas como pesquisador assistente do Instituto Oswaldo Cruz, em 20 de março. Eram também assistentes Alcides Godoy  (1880 – 1950), Antônio Cardoso Fontes (1879 – 1943), Arthur Neiva (1880 – 1943), Ezequiel Dias (1880 – 1922) e Henrique Aragão (1879 – 1956). Os chefes de serviço eram Henrique de Figueiredo Vasconcellos (1873 – 1948) e Henrique da Rocha Lima (1879 – 1956) (Almanak Laemmert, 1909).

Em 17 de dezembro, redigiu a nota-prévia anunciando a descoberta do Trypanosoma cruzi, publicada na revista alemã Archiv für Schiffs-und Tropen-Hygiene, em 1909.

1909 – De volta a Lassance, Chagas realizou exames de sangue nos moradores e, no dia 14 de abril de 1909, encontrou o Trypanosoma cruzi no sangue de uma criança febril, chamada Berenice. Anunciou a descoberta em nota publicada em uma das principais revistas médicas do Brasil, o Brazil-Medico, de 22 de abril de 1909 (O Paiz, 22 de maio de 1909, segunda coluna).

 

 

Em 22 de abril, Oswaldo Cruz anunciou formalmente à Academia Nacional de Medicina a descoberta por Carlos Chagas da doença de Chagas. Estavam presentes à sessão, concorridísima, o marechal Hermes da Fonseca (1855 – 1923), futuro presidente do Brasil; e os generais Luiz Mendes de Morais (1850 – 1914) e Antônio Geraldo de Souza Aguiar (? – 1915) (O Paiz, 23 de abril de 1908, quarta coluna; e O Paiz, 3 de maio de 1909).

Na Revista Syniatica, publicação de um artigo de Carlos Chagas sobre sua descoberta do Trypanosoma cruzi (O Paiz, 26 de maio de 1909, última coluna).

Tornou-se membro da Sociedade de Medicina da Bahia e da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro.

1910 - Em 1º de junho, foi nomeado chefe de serviço do Instituto Oswaldo Cruz.

Em 12 de setembro, nascimento do segundo filho de Chagas e Íris, o futuro médico, cientista e membro da Academia Brasileira de Letras, Carlos Chagas Filho (1910 – 2000).

Foi nomeado membro titular da Academia Brasileira de Medicina (ABM), em 26 de outubro, quando fez uma conferência sobre o Trypanosoma cruzi. Como não havia vagas na época, sua admissão foi aceita em caráter de excepcionalidade (O Paiz, 27 de outubro de 1910, terceira coluna; e O Paiz, 31 de outubro de 1910, quarta coluna). É o patrono da cadeira nº 86 e foi saudado por Miguel da Silva Perreira (1897 – 1918), na ocasião, presidente da ABM.

 

 

1911 – A Doença de Chagas despertou grande interesse durante a Exposição Internacional de Higiene e Demografia, em Dresden, na Alemanha. O filme Chagas em Lassance, de 9 minutos, foi exibido por Oswaldo Cruz durante o evento. O pavilhão do Brasil, único país das Américas a construir um estande próprio no evento, foi inaugurado em 15 de junho (O Paiz, 16 de junho de 1911, quinta coluna). Segundo o historiador Eduardo Thielen, que escreveu a dissertação Imagens da saúde no Brasil – A fotografia na institucionalização da saúde pública, o fotógrafo Joaquim Pinto da Silva, conhecido como J. Pinto (1884 – 1951) teria sido possivelmente o autor do primeiro filme científico feito no Brasil, justamente Chagas em Lassance (Agência Fiocruz, 15 de agosto de 2008). J. Pinto produziu um expressivo número de fotografias do acervo da Fundação Oswaldo Cruz : milhares de imagens, documentando os trabalhos científicos, os primeiros prédios e as transformações urbanas da região onde seria construído o centro de pesquisa, ensino e produção de medicamentos.

Na Academia Brasileira de Medicina, realização de uma palestra de Chagas sobre a doença de Chagas (O Século, 5 de agosto de 1911, segunda coluna; e O Malho, 12 de agosto de 1911).

 

 

Na mesma edição de O Malho em que foi publicada a foto acima, a revista fez uma sátira aos políticos usando a descoberta de Chagas (O Malho, 12 de agosto de 1911).

 

 

Publicação de um retrato do cientista Carlos Chagas (1878 – 1934), produzido na Photographia Guimarães, do fotógrafo português José Ferreira Guimarães (1841 – 1924) (A Noite, 8 de agosto de 1911).

1912 – Recebeu o Prêmio Schaudinn, pelo Instituto de Doenças Marítimas e Tropicais de Hamburgo, na Alemanha (O Século, 29 de junho de 1912, quarta coluna).

1912 / 1913 -  Carlos Chagas, Pacheco Leão (1872 – 1931) e João Pedro de Albuquerque (1874 – 1934) realizaram uma expedição para avaliar as condições sanitárias e de vida dos principais centros de produção da borracha através dos rios Solimões, Juruá, Purus, Acre, Iaco, Negro e o baixo rio Branco, em expedição requisitada pela Superintendência da Defesa da Borracha. Em relatório ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, foi ressaltada a situação de abandono médico e social em que viviam as populações amazônicas e enfatizada a necessidade de medidas sanitárias para a viabilização do desenvolvimento econômico da região (O Paiz, 5 de maio de 1913, última coluna).

 

 

1913 - Carlos Chagas foi, pela primeira vez, indicado ao Nobel de Medicina. O vencedor foi o francês Charles Robert Richet (1850 – 1935), que descreveu a anafilaxia. A indicação foi feita pelo médico baiano Manuel Augusto Pirajá da Silva (1873 – 1961), professor de parasitologia na Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia e responsável por ter identificado, em 1908, o verme adulto do Schistosoma mansoni.

No Palácio Monroe, durante a Exposição Nacional da Borracha, Carlos Chagas fez uma conferência sobre as condições médico-sanitárias na Amazônia (O Paiz, 13 de outubro de 1913O Paiz, 25 de outubro de 1913).

O governador de Minas Gerais, Júlio Bueno Brandão (1858 – 1931), e sua comitiva visitaram o Hospital de Lassance para conhecer os estudos do mal de Chagas e foram recebido por Carlos Chagas e seus auxiliares (O Paiz, 10 de novembro de 1913, segunda coluna).

1915 – Publicação no periódico La Prensa Médica Argentina de um trabalho do microbiologista austríaco e diretor do Instituto Bacteriológico de Buenos Aires, Rudolf Kraus (1868-1932), de Carlos F. Maggio e de Francisco Rosenbusch (1887 – 1969) questionando os enunciados de Chagas sobre a correlação entre o bócio e a doença de Chagas.

1916 – Carlos Chagas participou do  Primeiro Congresso Médico Argentino, realizado em Buenos Aires, inaugurado em 17 de  setembro e encerrado em 24 de setembro (A Época, 11 de setembro de 1916, terceira coluna; A Época, 18 de setembro de 1916, quinta coluna; e O Paiz, 25 de setembro de 1916, segunda coluna). Poucos dias antes da abertura do congresso, esteve no Instituto Bacteriológico de Buenos Aires, onde foi recebido por Rudolf Kraus (O Paiz, 13 de setembro de 1916, última coluna). Esteve presente também à inauguração da Sociedade de Higiene, Microbiologia e Patologia, no Instituto Bacteriológico de Buenos Aires (O Paiz, 20 de setembro de 1916, última coluna). Na Universidade de Medicina de Buenos Aires, Chagas fez uma conferência sobre a doença de Chagas (O Paiz, 21 de setembro de 1916, quarta coluna).

Tornou-se membro da Sociedade Brasileira de Ciências, posteriormente denominada Academia Brasileira de Ciências.

1917 - Com o falecimento de Oswaldo Cruz (O Paiz, 13 de fevereiro de 1917), Chagas foi nomeado diretor de Manguinhos, em 14 de fevereiro (O Paiz, 15 de fevereiro de 1917, quinta coluna). No campo da pesquisa, sua administração privilegiou a investigação das causas e dos aspectos epidemiológicos e clínicos das endemias rurais. Foi responsável também pela criação de seções científicas, definidas por áreas de conhecimento, com as quais pretendia estabelecer uma divisão de trabalho mais nítida no Instituto. Na área de ensino, ampliou o programa dos Cursos de Aplicação do Instituto. Quanto à área de produção, Chagas diversificou a pauta de medicamentos e produtos biológicos fabricados em Manguinhos – alguns desenvolvidos pelos próprios pesquisadores – e estimulou a sua comercialização, fortalecendo a renda da instituição. A partir de 1920, o Instituto assumiu também a responsabilidade pelo controle da qualidade dos produtos utilizados na medicina humana no país, nacionais ou importados.

1918 – Em Manguinhos, organizou o Serviço de Medicamentos Oficiais, criado por decreto federal com o objetivo de produzir e fornecer, gratuitamente ou a preços subsidiados, a quinina (profilático e terapêutico para a malária) e outros medicamentos.

Inaugurou, em outubro, o Hospital Oswaldo Cruz, nas dependências do Instituto Oswaldo Cruz,  destinado à internação de portadores de doenças infecciosas e também à pesquisa clínica sobre tais enfermidades (A Noite, 15 de agosto de 1918, quarta colunaJornal do Brasil, 9 de outubro de 1918, última coluna; e Gazeta de Notícias, 28 de março de 1919). Em 1942, passaria a ser chamado de Hospital Evandro Chagas (Diário de Notícias, 13 de novembro de 1942, quinta coluna).

Foi o responsável pela coordenação dos serviços de atendimento hospitalar e de socorro domiciliar durante a epidemia de gripe espanhola no Rio de Janeiro. Ele e o médico Fernando de Magalhães (1878 – 1944) recusaram qualquer tipo de remuneração pelo trabalho realizado (O Paiz, 20 de outubro de 1918, quinta coluna, O Paiz, 22 de outubro de 1918, última coluna; O Paiz, 23 de outubroO Paiz, 15 de novembro de 1918, primeira colunaO Paiz, 17 de novembro de 1918, terceira coluna).

1919 – Em 4 de outubro, tomou posse, tendo sido nomeado pelo presidente Epitácio Pessoa (1865 – 1942), na Diretoria Geral de Saúde Pública, que passou a chamar-se, em janeiro do ano seguinte, Departamento Nacional de Saúde Pública. Durante sua gestão, até 1926, o novo órgão foi responsável, mediante convênio com os estados, pela ampliação e criação de serviços de saúde no interior do país, com especial foco na profilaxia e no combate às endemias rurais. Implementou também medidas relativas à higiene pública criando um extenso Código Sanitário, responsável pela organização e modernização da legislação sanitária no Brasil (O Paiz, 5 de outubro de 1919, primeira coluna).

Alguns médicos brasileiros questionaram a definição clínica da doença de Chagas e, sobretudo, a importância social da tripanossomíase americana.

Carlos Chagas tornou-se membro da Sociedade Americana de Medicina Tropical.

1920 - Tornou-se Membro do Conselho Médico da Liga das Sociedades da Cruz Vermelha e Cavaleiro da Ordem da Coroa da Itália.

Carlos Chagas e seus assistentes receberam os reis da Bélgica, Alberto I (1875 – 1934) e Elizabeth (1876 – 1965), e o presidente Epitácio Pessoa (1865 – 1942), no Instituto Oswaldo Cruz (O Paiz, 26 de setembro de 1920).

 

 

1921 - Na Biblioteca Nacional, Chagas proferiu a conferência sobre A nova orientação dos serviços sanitários no Brasil (Jornal do Commercio, 5 de fevereiro de 1921, sexta coluna).

Em 23 de junho, tornou-se o primeiro brasileiro nomeado Doutor Honoris Causa, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Nesse ano não houve vencedor na categoria Medicina do Prêmio Nobel. Chagas havia sido indicado à láurea por Hilário de Gouvêia (1843-1923), professor de oftalmologia e otorrinolaringologia na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro.

1922 – Tornou-se Doutor Honoris Causa da Universidade Nacional de Buenos Aires.

Teve início, na Academia Nacional de Medicina uma acirrada polêmica em torno da definição clínica da doença de Chagas e, sobretudo, da importância social da tripanossomíase americana Os críticos de Chagas, liderados por Julio Afrânio Peixoto (1876-1947), catedrático de higiene da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, afirmavam que a doença não seria um flagelo nacional já que, segundo eles, sua ocorrência era restrita à região de Lassance. Também questionaram a patogenicidade do Trypanosoma cruzi e a autoria de sua descoberta, que, segundo alguns, caberia não a Chagas mas a Oswaldo Cruz (O Paiz, 21 de dezembro de 1922, primeira coluna).

1923 – Tornou-se presidente da Sociedade Brasileira de Higiene, fundada no ano anterior (O Jornal, 29 de setembro de 1921, quinta coluna; O Jornal, 22 de dezembro de 1922, quarta coluna; e O Jornal, 11 de janeiro de 1923, segunda coluna).

Na Europa participou da sessão de abertura dos trabalhos do Comitê de Saúde das Nações Unidas, do qual era membro. Na ocasião, foi convidado para integrar a equipe encarregada pela elaboração das bases da Organização Permanente de Higiene Internacional.  Posteriormente, participou como chefe da comissão brasileira na Conferência Comemorativa sobre o Centenário de Louis Pasteur, realizado em Paris e em Estrasburgo. Ganhou o Prêmio Hors-Concours (O Jornal, 31 de maio de 1923, segunda coluna; e Correio da Manhã, 21 de agosto de 1923).

Foi agraciado com os títulos de Comendador da Coroa da Bélgica e de Cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra da França.

Promoveu a criação do Instituto Franco-Brasileiro de Alta Cultura e a fundação da Sociedade de Biologia do Rio de Janeiro, filiada à Sociedade de Biologia de Paris.

Carlos Chagas solicitou ao Ministério da Justiça a renovação da Patente da vacina da manqueira por mais 15 anos. Foi o segundo produto que obteve no Brasil a renovação da Patente, fato só ocorrido anteriormente pela Fornicída Matarazzo.

Com discursos dos médicos Clementino Fraga (1880 – 1971) e Parreiras Horta (1884 – 1961), realização de uma sessão em torno da Moléstia de Chagas (O Paiz, 23 de novembro de 1923, quarta coluna). O parecer oficial da Academia Nacional de Medicina em relação à polêmica envolvendo a Doença de Chagas reiterou os méritos de Carlos Chagas porém não se posicionou quanto à questão da definição clínica e da extensão geográfica da enfermidade. Em 6 de dezembro, Chagas proferiu uma conferência na Academia, quando defendeu suas convicções e rebateu o falso nacionalismo que pretendia encobrir o mal e impedir seu estudo. Foi ovacionado (O Paiz, 1º de dezembro de 1923, quinta colunaO Jornal, 7 de dezembro de 1923; O Paiz, 7 de dezembro de 1923, sexta coluna).

 

 

Pelo Decreto nº 16.300 de 31 de dezembro de 1923 e por iniciativa de Carlos Chagas, foi criada a Escola de Enfermagem Anna Nery, desdobramento do Serviço de Enfermagem Sanitária, que ele havia criado com o apoio da Fundação Rockefeller. Assim foi introduzido o ensino profissionalizante de enfermagem no Brasil.

1924 - Participou do 2º Congresso Brasileiro de Higiene, em Belo Horizonte (O Jornal, 27 de novembro de 1924, quinta coluna).

Tornou-se membro da Societas ad Artes Medicas in India Orientali Neerlandica e membro correspondente da Academia Médica de Roma.

1925 – Tornou-se membro correspondente da Real Academia Nacional de Medicina da Espanha e também Comendador da Ordem Civil de Alfonso XII, rei de Espanha.

Recebeu o Prêmio Kümmel, conferido pela Faculdade de Medicina da Universidade de Hamburgo.

Foi nomeado professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, para a então criada cátedra de Medicina Tropical, estabelecendo as bases para o estudo desta área no Brasil (O Jornal, 26 de abril de 1925, última coluna).

Recebeu o cientista alemão Albert Einstein (1879 – 1955) durante sua visita ao Rio de Janeiro (O Paiz, 9 de maio de 1925, primeira coluna).

 

 

Sua contribuição para os estudos e a profilaxia da malária foi reconhecida no I Congresso Internacional de Paludismo, realizado em Roma (Jornal do Brasil, 9 de setembro de 1925, quarta coluna). Passou alguns dias em Paris onde foi homenageado pelo diretor do Instituto Pasteur, Albert Calmette (1863 – 1933), e pelo embaixador do Brasil, Luiz Martins de Souza Dantas (1876 – 1954) (Jornal do Brasil, 3 de novembro, sexta coluna).

1926 - Organizou o Curso Especial de Higiene e Saúde Pública, ministrado por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz como especialização na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (Jornal do Commercio, 3 de maio de 1926, quarta coluna).

Proferiu a aula inaugural da cadeira de Medicina Tropical na Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, em 14 de setembro, na qual destacou a importância do estudo das doenças tropicais na formação médica, tendo em vista o enfrentamento dos problemas da saúde pública brasileira, sobretudo as endemias rurais.

Recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Paris (O Paiz, 7 de novembro, quarta coluna).

Deixou a direção do Departamento Nacional de Saúde Pública, em novembro, quando terminou o mandato do presidente Arthur Bernardes (1875-1955). Seu sucessor no cargo foi Clementino Fraga (1880-1971) (O Paiz, 20 de novembro de 1926, segunda coluna).

Foi agraciado com o título de Comendador da Ordem de Isabel, a Católica, Espanha

Tornou-se membro da Academia Imperial Alemã de Pesquisas Naturais de Halle e membro honorário da Academia de Medicina de Nova York.

1928 – Em 30 de maio, foi eleito membro titular da Sociedade Real de Medicina Tropical e Higiene de Londres.

Abaixo, na cabeceira da esquerda, Carlos Chagas presidindo uma ssessão da Sociedade de Biologia do Rio de Janeiro.

 

 

 

1929 – Tornou-se Doutor Honoris Causa da Faculdade de Medicina de Lima e Cavaleiro da Ordem da Coroa da Romênia.

Presidiu a IV Conferência Pan-americana de Higiene, Microbiologia e Patologia, realizada no Rio de Janeiro entre 30 de junho e 30 de julho.

Chagas recepcionou em Manguinhos um grupo de cirurgiões norte-americanos.

 

 

 

1930 - Tornou-se membro da Sociedade de Biologia de Buenos Aires

1931 – Tornou-se membro correspondente da Academia de Medicina de Paris.

1934 – Tornou-se Doutor Honoris Causa da Universidade Livre de Bruxelas.

Inauguração do Centro Internacional de Leprologia, com sede no Instituto de Manguinhos, idealizado e dirigido por ele (Correio da Manhã, 4 de fevereiro de 1934 e O Jornal, 14 de junho de 1934, terceira coluna).

Carlos Chagas faleceu em 8 de novembro, no Rio de Janeiro, de infarto (Jornal do Brasil, 9 de novembro de 1934). Na direção de Manguinhos, foi sucedido por Antonio Cardoso Fontes (1879-1943), que havia sido seu colega na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (O Jornal, 6 de janeiro de 1935, terceira coluna).

 

 

Realização na Academia de Medicina de uma sessão em sua homenagem (O Jornal, 15 de dezembro de 1934).

 

Assista aqui: Carlos Chagas – Ciência em gotas, realizado pela Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, com a consultoria de Simone Kropf

 

A elaboração dessa cronologia foi baseada principalmente na Biblioteca Virtual Carlos Chagas, da Fundação Oswaldo Cruz, e na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Contou com a colaboração da historiadora e pesquisadora Simone Petraglia Kropf e da jornalista Cristiane d´Avila, ambas da Casa de Oswaldo Cruz.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

CAVALCANTI, Juliana Manzoni. A Trajetória Científica de Rudolf Kraus (1894-1932) entre Europa e América do Sul: Elaboração, produção e circulação de produtos biológicos. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, Rio de Janeiro, 2013. 284 f.

CHAGAS, Carlos, Filho. Meu pai. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, 1993

Fundação Oswaldo Cruz – Biblioteca Virtual Carlos Chagas

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

KROPF, Simone P. Carlos Chagas e as doenças do Brasil. In: HOCHMAN, Gilberto; LIMA, Nísia Trindade. Médicos intérpretes do Brasil. São Paulo: Hucitec, 2015, p. 194-222.

KROPF, Simone P. Doença de Chagas, doença do Brasil: ciência, saúde e nação (1909-1962). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009.

KROPF, Simone P.; LACERDA, Aline. Carlos Chagas, um cientista do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009 (edição bilíngue).

KROPF, Simone P. SÁ, Magali R. The discovery of Trypanosoma cruzi and Chagas disease (1908-1909): tropical medicine in BrazilHistória, Ciências, Saúde-Manguinhos, v.16, suplemento, p.13 -34, 2009.

KROPF, Simone P. Carlos Chagas e os debates e controvérsias sobre a doença do Brasil (1909-1923). História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v.16, suplemento 1, p.205-227, 2009.

LEWINSOHN, Rachel. Carlos Chagas (1879-1934): a descoberta do tripanossoma cruzi e da tripanossomíase americana (notas da história da doença de Chagas)Transactions of The Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, Volume 73, Edição 5, págs 513-523, 1979.

PITELLA, José Eymard Homem. O processo de avaliação em ciência e a indicação de Carlos Chagas ao prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, vol 42. nº 1, Uberaba, fevereiro de 2009.

SCLIAR, Moacyr . Oswaldo Cruz & Carlos Chagas: o nascimento de ciência no Brasil. São Paulo: Odysseus, 2002

Site da Academia Brasileira de Ciências

Site da Academia Nacional de Medicina

Site da Escola de Enfermagem Ana Nery

Site da Fiocruz Paraná – Instituto Carlos Chagas

Site do CPDOC