Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas, registros de 1910

A Brasiliana Fotográfica traz hoje para seus leitores o artigo “Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas, 1910″, do historiador Paulo Celso Corrêa, do Museu da República, uma das instituições parceiras do portal. As Escolas de Aprendizes e Artífices foram criadas durante o governo do presidente Nilo Peçanha, em 1909. Sob a responsabilidade do recém-criado Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, elas ofereciam ensino primário e profissional para menores de idade pobres, com a finalidade de formá-los em operários e contramestres para a indústria. Com o texto, estão disponibilizadas as 14 fotos de um álbum da Coleção Nilo Peçanha referentes ao tema. São cenas dos cinco primeiros meses de funcionamento da escola, com as crianças tendo aulas e participando de oficinas de marcenaria, funilaria, sapataria, entre outras. Em 1937, as Escolas de Aprendizes e Artífices foram transformadas em Liceus de Artes e Ofícios. Estas instituições de ensino técnico e profissionalizante deram origem às posteriores Escolas Técnicas, Centros Federais de Educação Tecnológica e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

 

Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas, 1910

Paulo Celso Corrêa*

 

As Escolas de Aprendizes e Artífices foram criadas durante o governo do presidente Nilo Peçanha, pelo decreto nº. 7.566 de 23 de setembro de 1909. Funcionando sob responsabilidade do recém-criado Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, elas ofereciam ensino primário e profissional para menores de idade pobres, com a finalidade de formá-los em operários e contramestres para a indústria. As escolas deveriam ser instaladas na capital de cada estado, a não ser que já houvesse ali instituição de ensino com o mesmo propósito. Em Maceió, capital de Alagoas, a Escola de Aprendizes e Artífices foi inaugurada em 21 de janeiro de 1910. O conjunto de fotos abaixo retrata cenas cotidianas dos cinco primeiros meses de funcionamento da instituição, reunidas em um álbum oferecido a Nilo Peçanha e que atualmente faz parte do acervo do ex-presidente no Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República.

 

 

Atribuí-se a Nilo Peçanha a frase “O Brasil futuro sairá das escolas profissionais”. O empenho de seu curto governo pela criação das Escolas de Aprendizes e Artífices representou uma ação direta do estado republicano no sentido de formar mão-de-obra qualificada e disciplinar, pelo trabalho, os filhos da camadas mais pobres da população urbana. É o que afirma a justificativa oficial para o decreto de 1909: “o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela existência; que para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime; que é um dos primeiros deveres do Governo da República formar cidadãos úteis à Nação”.

 

 

Não foi, porém, a primeira iniciativa do tipo, visto que instituições públicas ou privadas de ensino profissional já existiam desde o século anterior, como as Escolas de Aprendizes dos Arsenais de Guerra e Marinha e o Asilo de Meninos Desvalidos, no Rio de Janeiro. Destas predecessoras, as novas escolas herdaram algumas formas de organização e o caráter profissionalizante e correcional. Após a Revolução de Outubro de 1930, as Escolas de Aprendizes e Artífices passaram a integrar o novo Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1937, foram transformadas em Liceus de Artes e Ofícios. Estas instituições de ensino técnico e profissionalizante deram origem às posteriores Escolas Técnicas, Centros Federais de Educação Tecnológica e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

 

Acessando o link para as fotografias da Escolas de Aprendizes e Artífices de Alagoas disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

A Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas funcionou na Rua Boa Vista, no centro de Maceió e seu primeiro diretor foi o engenheiro Miguel Guedes Nogueira. Na primeira página do álbum há uma descrição datilografada das atividades realizadas e da freqüência dos alunos, naqueles cinco primeiros meses de funcionamento. Havia 81 alunos matriculados, sendo a frequência média diária de 69 alunos. Registrava-se também a cor da pele dos alunos. Eram 21 negros, 36 “trigueiros” (mestiços) e 24 brancos. Além dos cursos primário e de desenho, funcionavam as oficinas de marcenaria, carpintaria, serralheria, sapataria e funilaria. A descrição ainda assegurava que a escola “está situada no centro mais populoso da capital e conta com os principais elementos de higiene e asseio”. O regime era de externato, isto é, os alunos não residiam na escola.

 

 

Para se candidatarem às vagas, os menores deveriam ser preferencialmente pobres (“desfavorecidos da fortuna”), terem entre 10 e 13 anos de idade (o limite foi posteriormente elevado a 16 anos) e não possuírem doença infecto-contagiosa nem “defeitos” (físicos, mentais) que impedissem o aprendizado do ofício. Os cuidados com a saúde e higiene dos futuros operários continuariam dentro da escola, com aulas de ginástica sueca, para corrigir a postura e evitar doenças, e ginástica militar, com uniformes e réplicas de armas, para acostumar os meninos à vida de soldado que, na ideologia republicana oficial, era a outra forma de os cidadãos pobres serem “úteis” à Nação. O ensino também visava à formação moral dos alunos, que receberiam noções de bons costumes e conversação e orientação contra os vícios do álcool e do fumo.

 

 

 

Para a formação básica dos alunos, a instituição oferecia um curso primário, dividido em elementar (para os analfabetos) e complementar, cada um com dois anos de duração; e um curso de desenho, com duração de quatro anos. As disciplinas do curso primário incluíam leitura, escrita, educação moral e cívica, ciências físicas e naturais, caligrafia e aritmética. Já o curso de desenho consistia no ensino de geometria prática, agrimensura e arquitetura. Segundo o relatório de 1910 do diretor da escola alagoana, a maioria dos alunos matriculados naquele ano necessitaram do curso elementar.

 

 

 

No início de seu funcionamento, a escola de Alagoas ofereceu cursos de marcenaria, carpintaria, funilaria, serralheria e sapataria, considerados os mais adequados às necessidades da indústria local. No entanto, o próprio diretor reconheceu o caráter experimental do funcionamento das oficinas em seu primeiro ano, seja pela sua pouca familiaridade com os assuntos, seja pelas necessidades práticas de organização da escola. De modo a permitir que os alunos aprendessem com segurança e tomassem gosto pela arte, foram improvisadas matérias-primas baratas como ferros velhos, latas vazias, restos de madeira de obras e caixões.

A renda obtida pela venda dos artefatos produzidos nas oficinas custearia as despesas da escola. O saldo remanescente da atividade de cada oficina deveria ser aplicado na Caixa Econômica ou Coletoria Federal para que fosse repartida em 15 quotas iguais, sendo uma para o diretor, quatro para o mestre e 10 para os aprendizes – estas últimas distribuídas em prêmios que variavam de acordo com a aptidão e nível de cada um. Os alunos também receberiam prêmios de acordo com o desempenho de suas oficinas em exposição anual, cuja avaliação caberia ao júri formado pelo diretor, pelo mestre e pelo inspetor agrícola do distrito.

 

 

 

 

 

 

A julgar pelo relatório do seu primeiro diretor, a Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas padeceu, em sua fase inicial de funcionamento, dos mesmos problemas de organização enfrentados por suas congêneres das outras capitais. Os imóveis e instalações eram precários, faltava preparo aos diretores, professores e mestres para o ensino profissional, não havia planejamento curricular. Outro problema comum era a evasão escolar que, na opinião do diretor alagoano, era culpa da ignorância dos pais e de sua inconsciência da responsabilidade moral sobre a educação dos filhos, que ficavam largados a sua “vontade infantil”. Por outro lado, o que os alunos ganhavam na escola como fruto de seu trabalho não era suficiente para contribuir na luta diária pela sobrevivência de suas famílias, razão pela qual muitas crianças abandonavam os estudos profissionais cedo, ou tão logo dominassem conhecimentos práticos que os permitissem trabalhar noutros lugares.

 

* Paulo Celso Liberato Corrêa é cientista político do Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República.

 

Fontes:

Presidência da República do Brasil. Decreto nº 7566, de 23 de setembro de 1909.

CARVALHO, Marcelo Augusto Monteiro de. Nilo Peçanha e a criação das Escolas de Aprendizes e Artífices no contexto da Primeira República (EAAs): 1910-1914. In: Anais da 7ª Conferência Internacional de História de Empresas e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica. Ribeirão Preto: USP/ABPHE, 2019.

LIMA, Marcondes dos Santos. Entre os rastros e pistas da memória da Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas (1910-1913). In Novas epistemes e narrativas contemporâneas – Anais do V Congresso Internacional de História [suporte digital] / Antonio Ricardo Calori de Lion; Robson Pereira da Silva, Sandra Nara da Silva Novais. Jataí: Gráfica UFG, 2016. http://www.congresso2016.congressohistoriajatai.org/conteudo/view?ID_CONTEUDO=319

NOGUEIRA. Miguel Guedes. Relatório apresentado ao Ex. Sr. Dr. Pedro de Toledo, ministro da Agricultura, Indústria e Comércio pelo Diretor da Escola de Aprendizes e Artífices do Estado de Alagoas. Maceió: Livraria Fonseca, 1910.

SOARES, Manoel de Jesus A. As Escolas de Aprendizes e Artífices – estrutura e evolução. In Revista Fórum Educacional v. 6, n. 2. Rio de Janeiro, 1982. pp 58-92.