E o choro tornou-se Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro!

No Dia Nacional do Choro, com a publicação de fotos do conjunto musical Os Batutas, do qual 0 flautista, saxofonista, compositor e arranjador Pixinguinha (1897 – 1973) fazia parte, a Brasiliana Fotográfica celebra a declaração pelo IPHAN -Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – do gênero musical choro, que nasceu no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. Pixinguinha, pseudônimo do carioca Alfredo da Rocha Viana Filho, é considerado um dos maiores compositores da música popular brasileira e contribuiu diretamente para que o choro encontrasse uma forma musical definitiva (Site do IMS). A comemoração do Dia Nacional do Choro, iniciada em 2005 pela Comunidade de Prática da Música – Incubadora Cultural Gênesis PUC-Rio, é realizada em 23 de abril, em homenagem à data de nascimento de Pixinguinha.

 

 

Acessando o link para as imagens dos Batutas disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

A decisão de tornar o choro ou chorinho Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro foi tomada, no dia 29 de fevereiro de 2024, no último dia da 103ª reunião do Conselho Consultivo do IPHAN, em Brasília, com aprovação unânime. O parecer foi da historiadora Marcia Chuva, conselheira do IPHAN. O pedido de registro do gênero musical como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro foi feito pelo Clube do Choro de Brasília, pela Casa do Choro do Rio de Janeiro, pelo Clube do Choro de Santos e por diversos chorões e choronas de todo o Brasil a partir de abaixo-assinados.

Com a decisão, o IPHAN e os detentores do bem cultural passam a desenvolver políticas públicas de salvaguarda, resgate histórico e promoção do choro em todo o país. Segundo o  presidente do Iphan e do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, Leandro Grass, o choro passa a ser objeto da Política do Patrimônio Cultural brasileiro. Nosso compromisso agora é torná-lo ainda mais conhecido e amado, para que possa também ser um instrumento de Educação Patrimonial.

 

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Também no dia 29, o Terreiro Ilê Axé Icimimó Aganju Didè, em Cachoeira, na Bahia, foi tombado como Patrimônio Cultural Brasileiro. No primeiro dia da reunião do IPHAN, ocorrido na véspera, dia 28 de fevereiro, o Conjunto da Estação Julio Prestes, em São Paulo, também havia sido tombado.

 

“Ainda em vida, Pixinguinha tornou-se um clássico. Definido e definitivo. Para aqueles que o conheceram e com ele trabalharam, foi um dos mais estupendos exemplares da espécie humana”.

Carlos Heitor Cony (1926 – 2018)

 

 

Pixinguinha – Um choro de saudade

Carlos Heitor Cony

Não sei se ainda há. Mas havia uma lei que proibia dar o nome de pessoas vivas a ruas, praças, becos, pontes, viadutos e demais logradouros públicos. Como se tratava de uma lei brasileira -e mais do que isso, de uma lei carioca-, tinha mais exceções do que regras. E uma dessas exceções, a mais justificada talvez, estava situada num distante subúrbio da cidade: rua Pixinguinha. Ele ainda estava vivo, e como.

A placa é azul, com letras brancas, mas tem um palavrão embaixo que procura explicar o homenageado: “musicólogo”. Para um homem que amava a música, a classificação é quase ofensiva. Pixinguinha nem sequer era músico. Era música -e essa seria a melhor palavra para defini-lo, explicá-lo e amá-lo.
Foi Negrão de Lima, então governador da Guanabara, quem oficializou o nome da rua. Negrão aprendeu a amar Pixinguinha por influência de Paulo Bittencourt, dono do “Correio da Manhã”, homem a quem custava admirar alguém, mas, quando admirava, era para valer. Antes dos dois, um outro homem de bom gosto já apostava no rapazinho que tocava flauta: Arnaldo Guinle financiou a viagem dos Oito Batutas à Europa, em 1921, naquela que seria a nossa primeira caravana realmente cultural.
Citando o governador Negrão de Lima, o jornalista Paulo Bittencourt e o milionário Arnaldo Guinle, pode-se supor que a glória de Pixinguinha tenha sido imposta de cima para baixo, o que não é verdade. Tampouco se tratou de um dos muitos exemplos em que a fama percorreu o tradicional caminho da arte popular: subiu de baixo para cima, como no caso de Pelé.
Com Pixinguinha, a glória foi total, o amor e a admiração que soube provocar vinham de todos os lados: era o artista de gênio, o homem simples, o papo perfeito, a vida repartida com todos. Quem não gostava dele só podia ser mau-caráter, pois o velho Pixinga realizou, dentro e fora da música, uma das mais doces e gratificantes trajetórias de homem.
Sua personalidade pode ser abordada de diversos modos. A começar pelo seu estranho apelido, feito do carinho de sua avó africana (“pizim dim” significa menino bom) e da gozação carioca de sua moléstia deformadora, bexiga, que, no caso dele, recebia o tratamento carinhoso de bexiguinha. Aceitando os dois apelidos -que mais tarde seriam fundidos em “Pixinguinha”-, ele assumia com humor e consciência a sua raça e a sua circunstância.
Era um negro e era um carioca, como Machado de Assis, Lima Barreto e o padre José Maurício. Um carioca genuíno que não se deixou prostituir nem se avacalhar, emigrando para a zona sul: viveu agarrado aos subúrbios, aos bares que nunca estão na moda e, por isso, se tornam eternos enquanto duram. Agarrou-se também a um feitio de vida sem rancor e sem glória, ao pijama caseiro, à tradição das grandes comilanças dominicais, quando o angu ou a feijoada são para “durar três dias”.
Carioca até na morte: o coração ameaçou falhar diversas vezes, mas só foi parar na sacristia de uma igreja em Ipanema, durante um batizado, quase sem agonia e sem escândalo. Só uma coisa faz um carioca do subúrbio ir parar em Ipanema (e vice-versa): batizado ou enterro.
Como carioca, ele teria de se juntar vida afora com outros cariocas: Di Cavalcanti, Villa-Lobos, Vinicius de Morais, Orlando Silva, que foi, de longe, o seu melhor intérprete (“Rosa” e “Carinhoso”). Isso sem falar na turma da pesada, os antológicos do samba, que constituiriam a velha-guarda, em natural fase de extinção.
Além de carioca, Pixinguinha foi flautista, antes mesmo de ser músico. E adotou a forma mais carioca da música: o chorinho, ao qual, mais tarde, daria uma dimensão bachiana. Como instrumentista, pertence à categoria de nossos poucos virtuoses, ao lado de Benedito Lacerda, Jacó do Bandolim e Baden Powell. Anos depois, seria virtuose em outro instrumento: o sax tenor. Mas, para ganhar dinheiro como orquestrador, curtia o seu piano e foi com ele que tornou lendária a sua capacidade de orquestrar ou arranjar qualquer loucura que lhe entregavam.
Muitos desses arranjos são hoje de domínio público, ou seja, todos cantam e ninguém sabe quem fez, parecendo ter brotado por geração espontânea. É o caso, por exemplo, da introdução de “O Teu Cabelo Não Nega”, a marchinha dos irmãos Valença que Lamartine Babo requentou, Castro Barbosa gravou e Eleazar de Carvalho, então fuzileiro naval, fez a tuba dar o ritmo definitivo. O resultado é que até hoje a marchinha funciona como hino oficial do Carnaval.
Como compositor, ele pertence mais à música erudita do que à popular. A maioria dos seus choros são obras-primas de contraponto e fuga, numa faixa que o ouvido apressado -ou rude- apreende apenas um pouco do ritmo ou da melodia. Mesmo assim, algumas de suas composições pertencem ao patrimônio de todas as épocas: agradam a jovens e a velhos, são músicas intemporais, são Pixinguinha.
Ainda em vida, Pixinguinha tornou-se um clássico. Definido e definitivo. Para aqueles que o conheceram e com ele trabalharam, foi um dos mais estupendos exemplares da espécie humana.

Folha de São Paulo, 4 de abril de 2003

 

Ouça aqui a história do choro Carinhoso, de Pixinguinha, uma das mais emblemáticas canções da música popular brasileira

 

O nascimento e a origem do choro

 

 

“….possivelmente a partir de 1870, pelo gênio do flautista Joaquim Antônio da Silva Callado Júnior nasce o “choro”, oriundo das classes menos abastadas, na cidade do Rio de Janeiro, especificamente nos bairros da Cidade Nova, Catete, Rocha, Andaraí, Tijuca, Estácio e nas vilas do centro antigo, onde esta classe média baixa residia. As maiores influências do choro vêm da polca e do lundu. Inicialmente o choro tinha três partes, posteriormente,passou a ter duas, sempre com características modulantes e de rondó”. 

“…Alguns pesquisadores acreditam que a palavra “choro” é  derivada do latim “chorus” (coro). Outra vertente de pesquisadores, como José Ramos Tinhorão, afirma que o termo é derivado do verbo “chorar”. Os choros lentos (influência dos lundus chorados ou doce-lundu), por parecerem um lamento, lembram o verbo “chorar” e quando os instrumentos de cordas, principalmente o violão, são tangidos ao mesmo tempo para o acompanhamento da flauta, lembram um estado de melancolia. Segundo Luís da Câmara Cascudo, a palavra seria uma derivação de “xolo”, certo tipo de baile que os escravos faziam nas fazendas. Da palavra derivou o vocábulo “xoro”, que foi alterado para “choro”. Já Ary Vasconcelos acredita que a palavra é uma corruptela de “choromeleiros”, certa corporação de músicos do período colonial que executavam as “charamelas”. Segundo Henrique Cazes, os instrumentos de palhetas “charamelas” são precursores dos oboés, fagotes e clarinetes. Na primeira década do século XX o termo “choro” já denominava  o gênero, como uma forma musical definida e não mais como sinônimo de uma roda de músicos que executavam músicas populares”.

Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira

 

Ouça aqui a reportagem Choro é declarado Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo IPHAN, do Canal Gov

Ouça aqui o programa O choro e raízes da música popular brasileira, da Rádio Batuta

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

AMARAL, Euclides. Alguns aspectos da MPB. Rio de Janeiro : Esteio Editora, 2010.

Dicionário Cravo Albim de Música Popular Brasileira

Folha de São Paulo, 4 de abril de 2003

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