‘Antigamente no passeio público a esquerda de quem entrava pelo portão da rua do Passeio, existia um bar ao ar livre, dos apelidados pelo público de “Chopp Berrante”. Nesse bar havia um teatrinho, onde aos domingos acorria a garotada e todas as noites se exibiam cançonetistas acompanhados ao piano. A consumação obrigatória pagava o espetáculo. O bar era arrendado pela prefeitura ao senhor Arnaldo Gomes de Souza’.
Assim Charles Julius Dunlop (1908–1987), escritor e entusiasta do Rio Antigo, começava seu texto intitulado O Chopp Berrante do Passeio Público, publicado na Revista G.E., em 1956. Dunlop trabalhou entre 1927 e 1976 no departamento jurídico da Light, empresa onde conheceu, em meados da década de 30, o fotógrafo Augusto Malta (1864 – 1957), que trabalhava na Prefeitura do Rio de Janeiro, e havia sido designado para cobrir a inauguração de uma usina de força da empresa. Esse encontro foi decisivo no interesse de Dunlop por fotografias e histórias cariocas. Entre 1952 e 1955, ele publicou a coluna “Rio Antigo”, no jornal Correio da Manhã, muitas vezes ilustrada por fotos de Malta (Correio de Manhã, 30 de maio de 1952).
Um pouco da história do quiosque Chopp Berrante e da parceria entre Arnaldo Gomes e Marc Ferrez – os primórdios do cinema no Brasil
Localizava-se no Passeio Público, concorrido ponto de encontro da população carioca nos séculos XVIII e XIX e primeiro parque ajardinado do Brasil. Já no século XX, entre 1902 e 1906, na gestão do prefeito Francisco Pereira Passos (1836 – 1913), o Passeio Público recebeu diversos melhoramentos e foi inaugurado o primeiro aquário de água salgada da América do Sul, em 18 de setembro de 1904 (Gazeta de Notícias, 19 de setembro de 1904, na última coluna sob o título “O Aquarium”). Possivelmente, o Chopp Berrante no Passeio Público foi inaugurado em 1900, quando esse tipo de estabelecimento era um dos locais do universo de entretenimento da belle époque. Acredita-se que Catulo da Paixão Cearense (1866 – 1946) tenha sido um dos muitos músicos que se apresentaram no Chopp Berrante no Passeio Público.
O dono do Chopp Berrante no Passeio Público, Arnaldo Gomes de Souza, é o senhor de calça branca retratado na imagem acima. O fotógrafo Marc Ferrez (1843 – 1923) vendia aí seus filmes para que Arnaldo os exibisse em lençóis estendidos entre as árvores, no jardim do parque. No final de 1905, a Casa Marc Ferrez & Filhos passou a ser a fornecedora exclusiva do cinematógrafo ao ar livre Passeio Público, que existiu entre em 28 de outubro de 1905 e 2 de novembro de 1906. Apesar de ter um repertório pouco variado, o cinematógrafo do Passeio Público aumentou a concorrência do quiosque que, segundo Dunlop, passou a ser ponto obrigatório dos primeiros fãs de cinema da cidade.
Em sociedade com Arnaldo, Ferrez arrendou os prédios de número 145 e 149 da Avenida Central e inaugurou, em 18 de setembro de 1907, o Cinema Pathé, o terceiro da cidade (Gazeta de Notícias, 18 de setembro de 1907, nas sexta e sétima colunas). O primeiro, Chic, foi inaugurado em 1º de agosto de 1907; o segundo, Parisiense, foi aberto em 9 de agosto do mesmo ano.
A firma de Arnaldo e Ferrez chamava-se Arnaldo & Cia, omitindo a participação de Ferrez porque Charles Pathé (1863 – 1957), um dos proprietários da Pathé Frères, proibia que seus distribuidores e representantes possuíssem cinematógrafos. Em 1908, a sociedade de Ferrez com Arnaldo Gomes de Souza foi denunciada pelo concorrente de Ferrez, Jácomo Rosário Staffa, proprietário do cinema Parisiense. Ainda nesse ano, Ferrez e Arnaldo Gomes de Souza produziram o filme, Nhô Anastácio chegou de viagem, dirigido por Julio Ferrez. É considerada a primeira comédia cinematográfica brasileira e foi estrelada por Antônio Cataldi, José Gonçalves Leonardo e Ismênia Matteo. Em 1911, a sociedade de Marc Ferrez com Arnaldo Gomes de Souza foi desfeita.
A revista O Cruzeiro publicou ao longo de 1951 uma série de matérias intituladas Fotografias do Rio Antigo sobre a obra de Marc Ferrez na segunda metade do século XIX. As compilações e a legendas das imagens assim como os textos das matérias foram feitos pelo neto do fotógrafo, Gilberto Ferrez (1908 – 2000), o primeiro historiador da fotografia no Brasil. Muitas imagens reproduzidas nessas matérias estão no acervo da Brasiliana Fotográfica.
O título deste artigo foi alterado de O quiosque Chopp Berrante no Passeio Público, Ferrez, Malta e Charles Dunlop para Série “O Rio de Janeiro desaparecido” V - O quiosque Chopp Berrante no Passeio Público, Ferrez, Malta e Charles Dunlop, em 16 de setembro de 2021.
Publicações da Brasiliana Fotográfica em torno da obra do fotógrafo Marc Ferrez
FERLIM, Uliana dias Campos. A polifonia das modinhas: diversidades e tensões musicais no Rio de Janeiro na passagem do século XIX ao XX, 2006. Campinas: Unicamp
SAMPAIO, Lilian Alves. Vaidade e ressentimento dos músicos populares e o universo musical do Rio de Janeiro no início do século XX, 2011. São Paulo: USP