A Serra dos Órgãos: uma foto aérea e imagens realizadas pelos mestres Ferrez, Leuzinger e Klumb

A Serra dos Órgãos faz parte da Serra do Mar, na Região Serrana do Rio de Janeiro e sua beleza não passou despercebida por grandes fotógrafos do século XIX. A Brasiliana Fotográfica reuniu 16 imagens realizadas pelos europeus Georges Leuzinger (1813 – 1892) e Revert Henrique Klumb (c. 1826 – c. 1886); e pelo carioca filho de franceses Marc Ferrez (1843 – 1923)  Foram produzidas entre as décadas de 1860 e 1890 e pertencem aos acervos da Biblioteca Nacional e do Instituito Moreira Salles, instituições fundadoras do portal. Há ainda uma fotografia aérea, de 1935, do acervo do Museu Aeroespacial, uma de nossas instituições parceiras. Convidamos nossos leitores a um agradável passeio por essa exuberante paisagem cujo um dos principais monumentos geológicos é o Dedo de Deus, pico com 1.692 metros de altitude.

 

 

Acessando o link para as fotografias da Serra dos Órgãos de autoria de Ferrez, Leuzinger e Klumb disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

Foi criado, em 30 de novembro de 1939, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PARNASO), uma Unidade de Conservação Federal de Proteção Integral, subordinada ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) (Gazeta de Notícias, 22 de novembro, quarta coluna; e 8 de dezembro, penúltima coluna; de 1939). É o terceiro parque mais antigo do Brasil.  O grupo responsável por seu projeto e por seu decreto de criação era formado por Armando José Vieira, Edgar de Chagas Dória, pelos irmãos Arnaldo e Carlos Guinle, Hungria Machado, Franklin Sampaio, Egon Prates e pelo próprio presidente Getulio Vargas.

 

 

É considerado um dos melhores locais do país para a prática de esportes de montanha, além de abrigar cachoeiras. Tem a maior rede de trilhas do Brasil e entre as escaladas destacam-se o Dedo de Deus, considerado o marco inicial da escalada no país. São 20.024 hectares protegidos nos municípios de Teresópolis, Petrópolis, Magé e Guapimirim. Segundo o Site do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade: abriga mais de 2.800 espécies de plantas catalogadas pela ciência, 462 espécies de aves, 105 de mamíferos, 103 de anfíbios e 83 de répteis, incluindo 130 animais ameaçados de extinção e muitas espécies endêmicas.

 

Uma curiosidade: a Serra dos Órgãos foi uma das paisagens que inspirou o grande músico brasileiro Heitor Villas-Lobos (1887-1959) a compor melodias para as montanhas brasileiras – A melodia das montanhas, por Julio Pires (O Cruzeiro, 4 de maio de 1940).

 

 

Georges Leuzinger (1813-1892) 

 

 

Georges Leuzinger (1813-1892) nasceu em Mollis, cidade do cantão de Glarus, na Suíça, e foi um dos mais importantes fotógrafos e difusores para o mundo da fotografia sobre o Brasil no século XIX, além de pioneiro das artes gráficas no país. Grande empreendedor, montou um sofisticado e diversificado complexo editorial, a Casa Leuzinger, que se tornaria um polo de publicações e de produções fotográficas, alçando o Brasil ao mesmo nível da produção europeia do setor.

A Casa Leuzinger era formada por oficinas de litografia, encadernação e fotografia, além de papelaria, tipografia e estamparia de livros e gravuras. Foi referência em artes gráficas, impressão e divulgação de gravuras e fotografias.  Além de produzir suas próprias imagens, o estabelecimento comercializava obras de fotógrafos como Marc Ferrez (1843 – 1923) e Albert Frisch (1840 – 1918) , entre outros.

Como fotógrafo, Leuzinger realizou, durante a década de 1860, apenas cerca de 20 anos após a invenção da daguerreotipia, um importante e pioneiro trabalho de documentação do Rio de Janeiro, incluindo cenas urbanas, vistas de Niterói, da Serra dos Órgãos e de Teresópolis.

 

Marc Ferrez (1843 – 1923)

 

 

Marc Ferrez (1843 – 1923) foi um brilhante cronista visual das paisagens e dos costumes cariocas da segunda metade do século XIX e do início do século XX. Sua vasta e abrangente obra iconográfica se equipara a dos maiores nomes da fotografia do mundo. Estabeleceu-se como fotógrafo com a firma Marc Ferrez & Cia, em 1867, na rua São José, nº 96, e logo se tornou o mais importante profissional da área no Rio de Janeiro. Cerca de metade da produção fotográfica de Ferrez foi realizada na cidade e em seus arredores, onde registrou, além do patrimônio construído, a exuberância das paisagens naturais.

Outro segmento de sua obra iconográfica registrou as várias regiões do Brasil – ele foi o único fotógrafo do século XIX que percorreu todas as regiões do país, tendo sido, no referido século, o principal responsável pela divulgação da imagem do país no exterior. Em meados dos anos 1870, integrou a Comissão Geológica do Império. Tornou-se nos anos 1870 Fotógrafo da Marinha Imperial.

 

Revert Henrique Klumb (c. 1826 – c. 1886)

 

 

Um dos primeiros fotógrafos estrangeiros a se estabelecer no Brasil, Revert Henrique Klumb (c. 1826 – c. 1886) foi o fotógrafo preferido da família imperial brasileira, tendo sido agraciado com o título de “Fotógrafo da Casa Imperial”, em 1861. Um dos pioneiros na produção comercial de imagens sobre papel fotográfico e uso de negativo de vidro em colódio no Brasil, inaugurou seu estabelecimento fotográfico em 1855 ( Correio Mercantil , de 4 de novembro de 1855, na última coluna ). Foi professor de fotografia da princesa Isabel e, provavelmente, o introdutor da técnica estereoscópica no Brasil, com a qual entre os anos de 1855 e 1862 produziu ampla documentação sobre o Rio de Janeiro.

Foi também o autor do livro Doze horas em diligência. Guia do viajante de Petrópolis a Juiz de Fora, única obra do Brasil do século XIX a ser idealizada, fotografada, escrita e publicada por uma só pessoa. Também foi o primeiro livro de fotografia inteiramente litografado e produzido no país. Dois exemplares estão conservados na Divisão de Obras Raras da Biblioteca Nacional.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Outros artigos publicados na Brasiliana Fotográfica em torno da obra de Revert Henrique Klumb:

Revert Henrique Klumb, o fotógrafo da família real do Brasil, publicado em 31 de agosto de 2016

As versões diurna e noturna na fotografia de Revert Henrique Klumb, 28 de dezembro de 2018

Petrópolis, a Cidade Imperial, pelos fotógrafos Marc Ferrez e Revert Henrique Klumb, 16 de março de 2020

“Doze horas em diligência”, o primeiro guia turístico do Brasil, por Revert Henrique Klumb (c. 1826 – c. 1886), 8 de maio de 2020

Série “Avenidas e ruas do Brasil” II – A rua do Imperador em Petrópolis por Klumb, Leuzinger e Stahl, 16 de junho de 2020.

O Hotel Pharoux por Revert Henrique Klumb, em 15 de junho de 2022

 

Publicações da Brasiliana Fotográfica em torno da obra do fotógrafo Marc Ferrez 

 

O Rio de Janeiro de Marc Ferrez, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicada em 30 de junho de 2015

Obras para o abastecimento no Rio de Janeiro por Marc Ferrez , de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicada em 25 de janeiro de 2016

O brilhante cronista visual Marc Ferrez (7/12/1843 – 12/01/1923), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicada em 7 de dezembro de 2016

Do natural ao construído: O Rio de Janeiro na fotografia de Marc Ferrez, de autoria de Sérgio Burgi, um dos curadores da Brasiliana Fotográfica, publicada em 19 de dezembro de 2016

No primeiro dia da primavera, as cores de Marc Ferrez (1843 – 1923), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicada em 22 de setembro de 2017

Marc Ferrez , a Comissão Geológica do Império (1875 – 1878) e a Exposição Antropológica Brasileira no Museu Nacional (1882), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica,  publicada em 29 de junho de 2018

Série “O Rio de Janeiro desaparecido” V – O quiosque Chopp Berrante no Passeio Público, Ferrez, Malta e Charles Dunlop, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicada em 20 de julho de 2018

Uma homenagem aos 175 anos de Marc Ferrez (7 de dezembro de 1843 – 12 de janeiro de 1923), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicada em 7 de dezembro de 2018 

Pereira Passos e Marc Ferrez: engenharia e fotografia para o desenvolvimento das ferrovias, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 5 de abril de 2019

Fotografia e ciência: eclipse solar, Marc Ferrez e Albert Einstein, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 

Os 180 anos da invenção do daguerreótipo – Os álbuns da Comissão Geológica do Império com fotografias de Marc Ferrez, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicada em 19 de agosto de 2019

Celebrando o fotógrafo Marc Ferrez (1843 – 1923), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 4 de dezembro de 2019

Uma homenagem da Casa Granado ao imperial sob as lentes de Marc Ferrez, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicada em 7 de fevereiro de 2020

Ressaca no Rio de Janeiro invade o porão da casa do fotógrafo Marc Ferrez, em 1913, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado 6 de março de 2020

Petrópolis, a Cidade Imperial, pelos fotógrafos Marc Ferrez e Revert Henrique Klumb, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 16 de março de 2020

Bambus, por Marc Ferrez, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 5 de junho de 2020

O Baile da Ilha Fiscal: registro raro realizado por Marc Ferrez e retrato de Aurélio de Figueiredo diante de sua obra, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 9 de novembro de 2020

O Palácio de Cristal fotografado por Marc Ferrez, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 2 de fevereiro de 2021

A Estrada de Ferro do Paraná, de Paranaguá a Curitiba, pelos fotógrafos Arthur Wischral (1894 – 1982) e Marc Ferrez (1843 – 1923), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 22 de março de 2021

Dia dos Pais – Julio e Luciano, os filhos do fotógrafo Marc Ferrez, e outras famílias, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 6 de agosto de 2021

No Dia da Árvore, mangueiras fotografadas por Ferrez e Leuzinger, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 21 de setembro de 2021

Retratos de Pauline Caroline Lefebvre, sogra do fotógrafo Marc Ferrez, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 28 de abril de 2022

O centenário da morte do fotógrafo Marc Ferrez (1843 – 1923), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 12 de janeiro de 2023

O Observatório Nacional pelas lentes de Marc Ferrez, amigo de vários cientistas, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 29 de maio de 2023

No Dia Mundial do Meio Ambiente, a potente imagem da Cachoeira de Paulo Afonso, por Marc Ferrez, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 5 de junho de 2023

A Fonte Adriano Ramos Pinto por Guilherme Santos e Marc Ferrez, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 18 de julho de 2023

Os 180 anos de nascimento do fotógrafo Marc Ferrez (1843 – 1923), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, publicado em 7 de dezembro de 2023

 

Série “1922 – Hoje, há 100 anos” II – A Semana de Arte Moderna

A Brasiliana Fotográfica publica o 2º artigo da Série 1922 – Hoje, há 100 anos, A Semana de Arte Moderna, com fotografias de Mário de Andrade (1893 – 1945) e Oswald de Andrade (1890 – 1954), cujas participações foram fundamentais no evento, realizado no Teatro Municipal de São Paulo, em fevereiro de 1922.  Hoje, o primeiro dos três Grandes Festivais realizados durante o evento completa 100 anos.

Mário e Oswald se conheceram, na década de 1910. Na história do Modernismo brasileiro a versão dominante é que eles se encontraram pela primeira vez, em 1917, no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, mas há indícios de que eles haviam se conhecido anos antes. Foram amigos até 1929 (1).

“Enquanto Oswald de Andrade era o devasso, o piadista, Mário era o “scholar”, o erudito, o monumento moral, imagem que incomodava o próprio escritor: “Me vejo convertido a erudito respeitável e, o que é pior, respeitado. Isso me queima de vergonha”, escreveu em 1942 ao jornalista e crítico Moacir Werneck de Castro”.

José Geraldo Couto e Mario Cesar Carvalho

Folha de São Paulo, 26/09/1993

 

O leitor poderá ler, além de um pouco sobre a densa história da Semana, que na comemoração de seu centenário tem suscitado reinterpretações, brevíssimos perfis dos escritores Mário de Andrade e Oswald de Andrade e dos fotógrafos autores das imagens de ambos publicadas neste artigo: Benedito Junqueira Duarte (1910 – 1995), Jorge de Castro (19? -?) e Kasys Vosylius (1895 – 19?). As fotos pertencem à Fundação Biblioteca Nacional, uma das instituições fundadoras da Brasiliana Fotográfica.

 

 

Acessando o link para as fotografias de Mário de Andrade e de Oswald de Andrade disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

 

A Semana de Arte Moderna de 1922, que contou com uma exposição de arquitetura, escultura e pintura, além de três festivais lítero-musicais (2), é considerado um marco no lançamento do Modernismo no Brasil. O escritor Graça Aranha (1868 – 1931) fez a conferência inaugural do evento, intitulada A emoção estética na arte moderna. 

 

 

Figuras de destaque da Semana foram os artistas plásticos Anita Malfatti (1889 – 1964), Di Cavalcanti (1897 – 1976), Vicente do Rego Monteiro (1899 – 1970) e Zina Aita (1900 – 1967); os poetas Guilherme de Almeida (1890 – 1969), Menotti del Picchia (1892 – 1988) e Ronald de Carvalho (1893 – 1935); os escultores Victor Brecheret (1894 – 1955) e Wilhelm Haarberg (1891 – 1986); os arquitetos Antonio Moya (1891 – 1949) e Georg Przirembel (1885 – 1956); a dançarina Yvonne Daumerie (19? -1977) e os músicos Ernani Braga (1888 – 1948), Guiomar Novaes (1895 – 1979), Lucilia Villa-Lobos (1886 – 1966), Paulina d´Ambrosio (1892 – 1976) e Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959), dentre outros (Correio Paulistano, 29 de janeiro, quinta coluna; 2 de fevereiro, penúltima coluna; 7 de fevereiro, sexta coluna; 9 de fevereiro, quinta coluna, resposta à crítica de José Maria Bello; 11 de fevereiro, penúltima coluna; 13 de fevereiro, última coluna; 15 de fevereiro, quinta coluna, comentário de Guiomar Novaes sobre a apresentação musical do dia 13; 15 de fevereiro, quinta coluna16 de fevereiro, sexta coluna; 18 de fevereiro, quarta coluna; de 1922; A Gazeta (SP), 3 de fevereiro, quinta coluna; A Vida Moderna (SP), 23 de fevereiro de 1922; America Brasileira: Resenha da Activida Nacional, março de 1922; Careta, 1º de abril de 1922).

 

 

 

 

“Com o triunfo de ontem, terminou a gloriosa Semana de Arte Moderna. Que ficou dela? De pé – germinando – a grande ideia. Dos vencidos, alguns latidos de cães e cacarejos de galinhas…”

Helios, pseudônimo de Menotti del Picchia

Correio Paulistano, 18 de fevereiro de 1922

Abaixo, um registro do Teatro Municipal de São Paulo, palco da Semana de 22, realizado pelo fotógrafo suíço Guilherme Gaensly (1843 – 1928).

 

 

Dias após o término da Semana, em 17 de fevereiro, foi publicada uma carta de Menotti del Picchia ao crítico Oscar Guanabarino (1851 – 1937) que, no Jornal do Commercio do dia anterior, havia feito comentários negativos sobre a Semana (Jornal do Commercio, 22 de fevereiro de 1922 – praticamente ilegívelCorreio Paulistano, 23 de fevereiro de 1922). O mesmo Guanabarino publicou, no periódico Vida Moderna, de 3 de março de 1922, uma Chronica…carnavalesca, citando vários participantes da Semana.

Cerca de cinco anos antes, uma outra crítica, intitulada A propósito da exposição Malfatti (3), escrita por Monteiro Lobato (1882 – 1948) e veiculada pelo O Estado de São Paulo, em 20 de dezembro de 1917, causou divergências e foi uma espécie de estopim da Semana de Arte Moderna de 1922. Ele elogiava o talento da pintora e lamentava sua opção pela arte moderna. A partir da crítica de Lobato, pintores como Tarsila do Amaral (1886 – 1973) e Pedro Alexandrino Borges (1856 – 1942) e o escritor Oswald de Andrade, dentre outros, se aproximaram de Malfatti e se juntaram a críticos, como Mário de Andrade, e alavancaram o movimento modernista em Sâo Paulo.

A icônica Exposição de Pintura Moderna, de Anita Malfatti, aconteceu na rua Líbero Badaró, 111 (atual número 338), em um salão térreo cedido pelo conde Antônio de Toledo Lara, em São Paulo, e foi inaugurada em 12 de dezembro de 1917 e encerrada em 11 de janeiro de 1918, dia em que foi publicada uma crítica de Oswald de Andrade, no Jornal do Commercio, elogiando a mostra. Foram exibidas obras que se tornaram importantes na história da arte moderna brasileira como A Estudante Russa, O Japonês, Tropical e O Homem Amarelo. Este último foi comprado posteriormente por Mário de Andrade. Em uma de suas visitas à exposição, que foi um sucesso de público e visitada por diversos artistas e personalidades importantes da vida paulistana, Mário presenteou Anita com um soneto sobre o quadro. Além de 53 obras de Mafaltti, foram apresentados trabalhos de artistas internacionais  como Floyd O’Neale, Sara Friedman e Abraham S. Baylinson (1882−1950) (O Estado de São Paulo, 23 e 25 de dezembro de 1917; 27 de janeiro de 2019).

 

 

Curiosamente, não foi encontrada, até hoje, nenhuma fotografia da Semana de Arte Moderna. Até pouco tempo, acreditava-se que o registro fotográfico abaixo fosse o único do evento, mas descobriu-se que, na verdade, foi produzido durante um almoço em homenagem o exportador de café Paulo da Silva Prado (1869 – 1943) nos salões do Hotel Terminus, que ficava à rua Brigadeiro Tobias, esquina com Washington Luís, em São Paulo, ocorrido possivelmente em 12 ou 19 de março de 1924 (Folha de São Paulo, 13 de outubro de 2019).

 

fotosemana

 

 

Brevíssimos perfis de Mário de Andrade, de Oswald de Andrade e dos fotógrafos autores de suas imagens disponíveis neste artigo

 

Mário de Andrade (1893 – 1945)

…Mário, o aluvião de ouro rolando pela barranca.

Rachel de Queiroz, em O Jornal, 1º de março de 1970

 

“Estamos célebres! Enfim! Nossos livros serão comprados ! Ganharemos dinheiro! Seremos lidíssimos! Insultadíssimos! Celebérrimos! Teremos nossos nomes eternizados nos jornais e na História da Arte Brasileira.”

Trecho de uma carta de Mário de Andrade para Helios, pseudônimo de Menotti del Picchia (1892 – 1988),

Coluna “Chronica Social” do Correio Paulistano, 23 de fevereiro de 1922

 

 

O poeta, ficcionista, ensaísta e musicista paulistano Mário Raul de Morais Andrade nasceu em 9 de outubro de 1893. Caracterizou-se pelo inconformismo e inquietação intelectual, pelo brilhantismo, pela autenticidade e ecletismo, tendo sido uma figura decisiva no cenário cultural brasileiro. Segundo Tristão de Athayde (1893 – 1983), ele haveria de marcar uma curva na história de nossas letras. E marcou (Excelsior, abril de 1928).

Foi também fotógrafo e era um grande apreciador da arte fotográfica:

“Ora, a fotografia é antes de mais nada um fato de luz; e apanha, a bem dizer, campos ilimitados. Se é certo que também pelo processo fotográfico podemos inventar livremente, provocando manifestações de luz de nossa arbitrária invenção, creio que ninguém negará ser destino essencial da fotografia, ser a sua fecundidade, ser a sua mensagem infatigável, registrar a realidade enquanto luz”.

Crônica O homem que se achou,

primeira quinzena de 1940

 

Em 1923, passou a fotar com a sua “Codaque” autographic. 

“Seu interesse pela fotografia foi se consolidando a partir de leituras de revistas alemãs e da observação da obra de Moholy-Nagy. O foto-olho do poeta se concentrou na composição – valori plastici (valores plásticos) – e no aproveitamento dos parcos recursos técnicos disponíveis numa câmera para amadores. Ao “fotar” preocupava-se em anotar indicações técnicas – “diaf. 3 – sol 1 das 12 e 30”. O diafragma corresponde à intensidade da luz exterior. Na viagem ao Norte/Nordeste, de maio a agosto de 1927, experimentou com sucesso seu novo perfil de fotógrafo do Turista aprendiz. Nas legendas das belas fotos que produziu, convocava o poeta: “Roupas freudianas”, “Veneza em Santarém”, “A Venus do milho””.

Casa Mário de Andrade

 

Na literatura, estreou, em 1917, com o livro Há uma gota de sangue em cada poema, que assinou com o pseudômino de Mario Sobral (Revista Americana, outubro de 1917).  Nessa época, conheceu o escritor Oswald de Andrade. Trabalhou na revista paulista Papel e Tinta, fundada por Menotti del Picchia e Oswald, em 1920. Um ano depois, escreveu para o Jornal do Commercio a série Mestres do Passado, criticando o parnasianismo, publicadas em 2, 12, 15, 16, 20, 23 de agosto e 1º de setembro de 1921.

Ele e Oswald foram importantes participantes da Semana de Arte Moderna de 1922, mesmo ano em que Mário publicou Paulicéia Desvairada (1922), que introduziu, na poesia brasileira, temas e técnicas modernistas. Formou com as artistas plásticas Anita Malfatti  e Tarsila do Amaral e com os escritores Menotti del Picchia e Oswald de Andrade, o Grupo dos Cinco. Lecionava História da Música e Estética no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Colaborou com a revista Klaxondivulgadora do Modernismo no Brasil, que foi publicada entre 15 de maio de 1922 e janeiro de 1923.

Ao longo da década de 20, fez várias viagens pelo país estudando e fotografando a cultura e o folclore. Na Semana Santa de 1924, integrou com Olívia Guedes Penteado (1872 – 1934), Tarsila do Amaral, René Thiollier (1882 – 1968), o filho de Oswald, Nonê (1914 – 1972); e o próprio Oswald a comitiva que acompanhou o poeta francês Blaise Cendrars (1887 – 1961) a Minas Gerais. A partir de 1928, começou a publicar no Diário Nacional, um diário de viagem, O turista aprendiz (Diário Nacional, 22 de janeiro de 1928).

Foi o primeiro diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, criado, em 1935, na gestão do prefeito Fábio da Silva Prado (1887 – 1963), idealizado por ele e por Paulo Junqueira Duarte (1889 – 1984), irmão de Benedito Junqueira Duarte (1910 – 1995), autor da fotografia abaixo.

 

 

Criou os primeiros parques infantis e concebeu a discoteca pública de São Paulo, atual Discoteca Oneyda Alvarenga.

Em março de 1936, foi o autor do Anteprojeto para a criação do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional (Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Mário de Andrade, 2002, página 272), que enviou para o então ministro da Educação, Gustavo Capanema (1900 – 1985). Mário reconhecia ali a importância da fotografia na sugestão do tombamento de um bem, propondo a criação de uma repartição que seria responsável por todo o serviço nacional de fotografia, fonografia e filmagem do patrimônio artístico nacional sob as orientações da Chefia do Tombamento.

 

 

Em abril de 1936, Mário instituiu o Curso de Etnografia patrocinado pelo Departamento de Cultura, com a finalidade de iniciar folcloristas nos trabalhos de campo. Durou seis meses e foi ministrado pela etnóloga francesa Dinah Dreyfuss Lévi-Strauss (1911 – 1999), então casada com o antropólogo francês Claude Levi-Strauss (1908 – 2009), que estava lecionando na Faculdade de Letras, Ciências e Artes da Universidade de São Paulo. Em 5 de setembro de 1936, Mário tomou posse como membro da Academia Paulista de Letras, na cadeira nº 3.

Em 1937, criou a Sociedade de Etnografia e Folclore, extinta em 1939, tornando-se seu primeiro presidente. Dinah Dreyfuss Lévi-Strauss ocupou o cargo de 1ª secretária. Poucos meses depois, Mário promoveu no Teatro Municipal de São Paulo, entre 7 e 14 de julho de 1937, o Congresso da Língua Nacional Cantada, conferência sobre folclore e música folclórica, com representantes de diversos estados brasileiros (Correio de S. Paulo, 30 de junho de 1937).

 

“Foi o primeiro congresso musical num país em que a música já alcançou esplêndida qualidade e tem numerosíssimos cultores. Desconfio mesmo que foi o primeiro da América do Sul”.

Mário de Andrade na crônica Congresso de Língua Nacional Cantada, de setembro de 1937

 

Em 1938, após seu afastamento da função de diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, Mário foi para o Rio de Janeiro, onde morou iniciamente na rua Santo Amaro, nº 5, na Glória e, depois, em Santa Teresa. Dirigiu o Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal (UDF) e ocupou a cátedra de Filosofia da Arte e História. Em sua aula inaugural, proferiu a palestra O Artista e o Artesão, publicada em Baile das Quatro Artes, em 1943. A UDF, idealizada e criada, em 1935, por Anísio Teixeira (1900 – 1971), então secretário de Educação do Rio de Janeiro, foi fechada em 1939 por não atender os propósitos do governo federal, e incorporada à Universidade do Brasil. Tinha uma proposta inovadora: não possuia as tradicionais faculdades de Direito, Engenharia e Medicina e possuia uma Faculdade de Magistério, que pioneiramente dotou o magistério de formação específica de nível superior.

Mário voltou para São Paulo, em 1941, e, pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), futuro Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), viajou por todo o estado. No ano seguinte, junto a outros intelectuais contrários ao regime ditatorial do Estado Novo, fundou a Sociedade de Escritores Brasileiros, que passou a chamar-se, em 1943, Associação Brasileira de Escritores (Gazeta de Notícias, 8 de março de 1942, terceira colunaCorreio Paulistano, 28 de fevereiro de 1943, penúltima coluna).

No vigésimo aniversário da Semana de Arte Moderna, por solicitação do escritor Edgard Cavalheiro (1911 – 1958), escreveu um texto que originou a célebre conferência, O Movimento Modernista, proferida no auditório da Biblioteca do Itamaraty, em 30 de abril de 1942 (O Jornal, 24 de abril de 1942, terceira coluna).

“Embora se integrassem nele figuras e grupos preocupados de construir, o espírito modernista que avassalou o Brasil, que deu o sentido histórico da Inteligência nacional desse período, foi destruidor. Mas essa destruição não apenas continha todos os germes da atualidade, como era uma convulsão profundíssima da realidade brasileira. O que caracteriza esta realidade que o movimento modernista impôs é, a meu ver a fusão de três princípios fundamentais: o direito permanente à pesquisa estética; a atualização da inteligência artística brasileira; e a estabilização de uma consciência criadora nacional. Nada disso representa exatamente uma inovação e de tudo encontramos exemplos na história artística do país. A novidade fundamental, imposta pelo movimento, foi a conjugação dessas três normas num todo orgânico da consciência coletiva”.

Trecho do discurso O Movimento Modernista

 

 

Algumas de suas obras de destaque foram A escrava que não é Isaura (1925), O Losângo Cáqui (1926), Amar, verbo intransitivo (1927), Ensaio sobra a música brasileira (1928), Macunaíma (1928), Compêndio de História da Música (1929), Música, doce música (1934), Contos de Belazarte (1934) e Lira Paulistana (1945), seu último livro de poemas, e Contos Novos (1947).

Foi crítico de arte em vários jornais e revistas. Faleceu em 25 de fevereiro de 1945, em São Paulo (Correio Paulistano, 27 de maio de 1945).

 

 

Uma curiosidade: Pixinguinha (1897 – 1973), personagem do primeiro artigo da Série 1922: Há 100 anos, hoje, sobre a turnê dos Batutas a Paris, encontrou-se com Mário de Andrade, durante a temporada da peça Tudo preto, em São Paulo, entre outubro e novembro de 1926, encenada pela Companhia Negra de Revistas. Mário estava pesquisando para o livro Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, publicado em 1928, e foi apresentado por Lamartine Babo (1904 – 1963) a Pixinguinha, que colaborou contando a ele sobre o ambiente da casa de Tia Ciata (1854 – 1924), na Pequena África, no Rio de Janeiro, onde havia festas com candomblé e música variada que integravam o repertório de seus frequentadores, dentre eles o próprio Pixinguinha, João da Baiana (1887 – 1974), Donga (1890 – 1974) e Sinhô (188 – 1930). As informações foram usadas por Mário em um dos capítulos do livro, o de número 7, intitulado Macumba, de Macunaíma. O personagem Olelê Rui Barbosa  foi inspirado em Pixinguinha:

“Então a macumba principiou de deveras se fazendo um sairê para saudar os santos. E era assim: Na ponta vinha o Ogã tocador de atabaque que, um negrão filho de Ogum, bexiguento e fadista de profissão, se chamando Olelê Rui Barbosa”. 

 

 

Nos 25 anos de morte de Mário, foi publicada a crônica Lembrança e saudade de Mário, da escritora Rachel de Queiroz (1910 – 2003), em O Jornal de 1º de março de 1970.

 

 

Benedito Junqueira Duarte (1910 – 1995) e Kasys Vosylius (1895 – 19?) são os autores das imagens de Mário de Andrade destacadas nesta publicação da Brasiliana Fotográfica.

 

Pequeno perfil do fotógrafo Benedito Junqueira Duarte (1910 – 1995), pseudônimo Vamp

 

 

“…não fosse o Mario eu não teria conseguido fotografar o que fotografei; não fosse a dedicação e o amor com que realizei meu trabalho, alguns aspectos da cidade não teriam se conservado”.

Junqueira Duarte sobre Mário de Andrade, em depoimento de 1981 para o MIS-SP

 

Junqueira Duarte, conhecido como B. J. Duarte, um dos principais fotógrafos da história paulistana, foi iniciado na fotografia, aos 10 anos, em Paris, por um dos maiores fotógrafos que atuou no Brasil, seu tio-avô, o português José Ferreira Guimarães (1841 – 1924) que, em 1886,  havia inaugurado um verdadeiro palácio da fotografia, a maior casa fotográfica brasileira do século XIX, na rua Gonçalves Dias, nº 2, esquina com a rua da Assembleia.

B. J. Duarte estudou em Paris no Estúdio Reutlinger, um dos mais conceituados de toda a Europa, graças a seu parentesco com Guimarães. Eram os Anos Loucos, do pós-guerra, e a cena cultural parisiense era trepidante. Como disse o escritor norte-americano Ernest Hemingway (1899 – 1961), Paris é uma festa. No Reutlinger, circulavam personalidades como as atrizes Sarah Bernhardt (1844 – 1923) e Gabrielle Réjane (1856 – 1920), que estiveram no Brasil e se apresentaram no Teatro Lírico; cineastas como Jean Renoir (1894 – 1979) e Alberto Cavalcanti (1897 – 1982) e fotógrafos como Paul Nadar (1856 – 1939) e Man Ray (1890 – 1976). Foi nesse ambiente interessante e eclético que B.J. Duarte se formou.

Entre 1929 e 1933, já de volta a São Paulo, trabalhou como fotojornalista do órgão oficial do Partido Democrático, o jornal Diário Nacional, cujo redator-chefe era seu irmão, Paulo Duarte (1889 – 1984). Voltou a atuar como retratista e, devido a seu acesso à intelectualidade, fotografou, além de Mário de Andrade, os artistas plásticos Di Cavalcanti (1897 – 1976), Lasar Segall (1889 – 1957) e Tarsila do Amaral (1883 – 1973); a incentivadora do Modernismo, Olivia Guedes Penteado (1872 – 1934); e o jornalista Barão de Itararé (1895 – 1971), dentre outros. Em entrevista ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo, realizada em 14 de maio de 1981, comentou a respeito dessa produção:

“… tinha um arquivo com aproximadamente dez mil negativos, acondicionados em um caixa em minha casa no Jabaquara. Quando faleceu minha primeira esposa, por ocasião de uma viagem a Madri, minhas irmãs se ocuparam da mudança. Quando voltei perguntei sobre a caixa e como nada sabiam, voltei até a antiga casa e nada encontrei”.

Em 1935, ele e Theodor Preising (1883 – 1962) eram os fotógrafos da Revista S. Paulo, publicação mensal cujo projeto gráfico articulava imagem e texto de modo inovador. Entre seus redatores, Cassiano Ricardo (1895 – 1974) e Menotti Del Picchia (1892 – 1988) e, na direção de arte, Livio Abramo (1903 – 1992), responsável pelas fotomontagens a partir das imagens produzidas pelos fotógrafos.

Foi, também nesse ano, convidado por Mário de Andrade para trabalhar como chefe da Seção de Iconografia no recém criado Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, dirigido pelo escritor. Lá permaneceu até 1965, quando se aposentou. Realizou filmes sobre a cidade de São Paulo e organizou o arquivo fotográfico das obras realizadas na metrópole, tendo produzido mais de quatro mil fotografias. Realizou diversos filmes científicos, tendo documentado, em 26 de maio de 1968, o primeiro transplante de coração realizado na América Latina, pela equipe chefiada pelo dr. Zerbini (1912 – 1993), no Hospital das Clínicas de São Paulo. Foi um dos fundadores do Foto-cine Clube Bandeirante, em 28 de abril de 1939, tendo sido seu primeiro vice-presidente; e da Cinemateca Brasileira, instituição com maior acervo audiovisual/cinematográfico da América Latina. Foi um dos organizadores das primeiras edições do Salão Paulista de Fotografia e  foi também crítico de cinema.

Segundo o crítico e curador de fotografia Rubens Fernandes Junior (1939-):

Suas imagens da cidade de São Paulo em plena transformação, entre as décadas de 1930 e 1950, bem como seus retratos, são essenciais para a compreensão da fotografia moderna brasileira”.

 

Pequeno perfil do fotógrafo Kasys Vosylius (1895 – 19?)

 

 

“K. Vosylius, o artista que sabe por a alma nas visões que a sua máquina fotográfica fixa… é um artista que vive viajando pelo Brasil, enamorado de nossa natureza e descobrindo o que ela tem de mais bonito e imponente. É uma sensibilidade requintada e um técnico da fotografia de real merecimento”

Revista da Semana, 9 março de 1940

 

 

 

O fotógrafo lituano Kasys Vosylius, um dos fotógrafos presentes no arquivo do Instituto de Estudo Brasileiros da Universidade de São Paulo, nasceu na aldeia Old Sausbaliai, na região de Pilviškiai, em 1895. Mudou-se para Vilnius, onde trabalhou como gráfico e formou-se na Escola de Comércio. Em 1919, depois que os bolcheviques ocuparam a cidade, fugiu para Kaunas e se juntou ao exército lituano como voluntário. Em 1920, foi eleito para a Assembleia Constituinte e, seis anos depois, recebeu uma bolsa de estudos e ingressou na Escola de Fotografia de Berlim, graduando-se em 1929. Veio para o Brasil nos anos 30.

Ao longo das décadas de 30 e 40, foi, ao lado de profissionais como Edgar Cardoso Antunes, o alemão Erich Hess (1911 – 1995), Hans Peter Lange, Herman Kruse, os franceses Marcel Gautherot (1910 – 1996) e Pierre Verger (1902 – 1996), e Silvanísio Pinheiro, fotógrafo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), criado em 1937, futuro Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), cujo arquivo fotográfico foi coordenado por Rodrigo Melo Franco (1898–1969). Esses fotógrafos tiveram um papel fundamental nos trabalhos de inventariamento do patrimônio e na constituição do acervo da instituição, atividade mais importante do SPHAN em seus primeiros anos. No período em que trabalhou para o SPHAN, Vosylius participou do trabalho de tombamento de bens na Bahia, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, tendo também atuado em Alagoas, no Amapá, no Pará, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte. Lembramos aqui que, em 1937, Mário de Andrade era o responsável, em São Paulo, pelo SPHAN.

A museóloga Lygia Martins Costa, em entrevista concedida, em 15 de outubro de 2013, a Eduardo Augusto Costa, autor de Uma trajetória do Arquivo Fotográfico do Iphan: mudanças discursivas entre os anos 1970 e 1980, elogiou bastante o trabalho de Vosylius:

“Como fotografia de estudo, não há ninguém que tenha feito como ele. Ele era o melhor! Absolutamente nítido! A gente via tudo! É, de longe, o melhor fotógrafo!

Após uma temporada na Bahia fotografando para o SPHAN, quando voltava ao Rio de Janeiro, foi roubado a bordo do navio Santarém, entre Vitória e Rio de Janeiro (Diário da Noite, 21 de dezembro de 1939, última coluna).

 

 

Especializado na arte de fotografar pinturas e esculturas, registrou dezenas de quadros no ateliê de Cândido Portinari (1903 – 1962), de quem se tornou amigo, deixando uma coleção de negativos fotográficos, composta de 719 chapas de vidro, descobertas na casa da viúva do pintor, a uruguaia Maria Victória Martinelli Portinari (1912 – 2006), em meados de 1989 (Jornal do Brasil, 26 de outubro de 1989).

Em novembro de 1939, registrou a visita do presidente Getulio Vargas (1882 – 1954) à exposição de Cândido Portinari (1903 – 1962), no Museu Nacional de Belas Artes e, em 1942, fotografou o pintor com seus irmãos.

 

 

Também, em 1942, Vosylius ganhou o segundo prêmio no 1º Salão Paulista de Arte Fotográfica, inaugurado em 3 de outubro, na Galeria Prestes Maia, em São Paulo, uma iniciativa do Foto-cine Clube Bandeirante, cujo um dos fundadores, que também integrava a comissão julgadora do concurso, foi, como já mencionado, Benedito Junqueira Duarte. Sua foto chamava-se Tempos idos. O primeiro prêmio foi conquistado por Hejos (Henrique Joseph), o 3º prêmio por Raul dos Santos Carvalho, do Rio de Janeiro; e o 4º e o 5º por Jorge Bittar e a Herman Binder, ambos de São Paulo, respectivamente (Correio Paulistano, 4 de outubro de 1942, quinta coluna). Anos depois, a capa do Boletim do Foto-cine Clube Bandeirante, junho de 1947, trazia uma fotografia de sua autoria.

 

 

Em 1943, na Associaçao Cristã dos Moços, no Rio de Janeiro, Vosylius expôs as fotografias Visão Nordestina e Ismailovitch, no 3º Salão Brasileiro de Fotografia, uma iniciativa do Foto Club Brasileiro (A Noite, 18 de janeiro de 1943, terceira coluna).

Segundo o American Annual of Photography, de 1944, era um dos quatro fotógrafos do Brasil que participavam de exposições em salões internacionais. Os outros eram Moacir Alves, Pedro Josué e Paulo Muniz. Esse fato foi mencionado pelo fotógrafo José Oiticica Filho (1906 – 1964), pai do artista plástico Hélio Oiticica (1937 – 1980), na inauguração da exposição de fotógrafos da Iugoslávia, na Associação Brasileira de Arte Fotográfica, em 14 de junho de 1952 (A Manhã, 29 de junho de 1952, terceira coluna).

No hall do Cassino Icaraí, Vosylius participou do Salão da Sociedade Fluminense de Fotografia (Beira-mar, janeiro de 1945).

 

 

Entre maio de 1946 e junho de 1947, era, ao lado de João Farkas (1924 – 2011), José Medeiros (1921 – 1990), Peter Scheier (1908 – 1979), dentre outros, responsável pelas fotografias da revista mensal Rio, dirigida por Roberto Marinho (1904 – 2003). No quadro de desenhistas da revista estavam Athos Bulcão (1918 – 2008), Di Cavalcanti (1897 – 1976), Enrico Bianco (1918 – 2013) e Fayga Ostrower (1920 – 2001); e, no de colaboradores, Adalgisa Nery (1905 – 1990), Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987), Guilherme de Almeida (1890 – 1969), Manuel Bandeira (1886 – 1968), Sérgio Milliet (1898 – 1966) e Vinícius de Morais (1913 – 1980). Henrique Pongetti (1898 – 1979) era seu redator-chefe (Rio, maio, agosto, novembro e dezembro de 1946; fevereiro, março, abril , maio e junho de 1947).

Em 1947, Rodrigo Melo Franco (1898–1969) solicitou que Vosylius pesquisasse e buscasse no Arquivo Militar, para o historiador da arte Robert Chester Smith (1912 – 1975), que estava no Brasil, o panorama/prospecto da cidade do Rio de Janeiro, encomendado pelo Conde de Bobadela, no século XVIII.

Ministrou um curso de fotografia na sede social do Foto cine Clube de Campinas (Diário da Noite (SP), 2 de maio de 1951, quinta coluna). Talvez em torno dessa época tenha ido morar na cidade. Emprestou reproduções fotógraficas de sua autoria de obras sobre a vida de Tiradentes expostas na Biblioteca Pública Municipal de São Paulo. Uma delas, do mural Tiradentes, de autoria de Portinari (O Estado de São Paulo, 24 de abril de 1954).

No Centro de Ciências, em Campinas, realização da Exposição Semana Mário de Andrade, de 6 a 13 de junho de 1960, com a exibição de fotos inéditas do escritor, de autoria e que estavam em poder de Vosylius, referido como amigo de Mário. Pela reportagem, ele ainda moraria em Campinas (Hífen, julho de 1960, segunda coluna). Não se sabe se ele saiu do Brasil ou se permaneceu no país até sua morte, ocorrida na década de 1960 ou depois.

Foi um dos fotógrafos cujos registros foram exibidos na exposição Tesouros do Patrimônio, no Paço Imperial, sob a supervisão geral de Lúcia Meira Lima (Tribuna da Imprensa, 13 de dezembro de 1994). No livro São João del-Rei, de Maria da Graça Soto Queiroz, do Programa Monumenta do IPHAN, lançado em 2010, há imagens produzidas por ele da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.

Ao longo de seus anos no Brasil, fotografias de sua autoria foram publicadas em diversos periódicos:

1 – A Noite, 20 de junho de 1941 – foto de uma piaçaveira em uma reportagem sobre o Instituto Central de Fomento econômico na Bahia.

2 – Bahia, tradicional e moderna, de julho de 1939 – fotos do Museu do Estado da Bahia, de um quadro de Alberto Valença e da cidade de Nazaré.

3- O Campo – agostooutubronovembro de 1939; janeiro e março de 1940 -fotos de côcos, de um coqueiral, da indústria de cera, de uma broca de coqueiro e dos produtos dos coqueiros.

4 – Chácaras e Quintais –  15 de abril e 15 de agosto de 1939; 15 de outubro de 1940; e 15 de setembro de 1942 – fotos de vegetação baiana

5 – Gazeta Esportiva, 11 de setembro de 1956; e  de 1º de dezembro de 1958 – fotos do esportista Dolor Barbosa e da comemoração do Dia da Pátria, em Campinas.

6 –  Illustração Brasileira, março de 1940 e  novembro de 1943 – foto de coqueiral na capa e do quadro Paisagem pernambucana, respectivamente.

7 – Revista da Semana13 de janeiro9 de março e 13 de abril de 1940 – fotos de capa.

8 – Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, janeiro de 1945 e 1997 – fotos de uma areal em Pernambuco e diversas outras na ediçao de 1997.

 

 

 

Oswald de Andrade (1890 – 1954)

Ele era uma força da natureza.

Antônio Cândido, crítico literário

 

“Só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupy or not tupy, that is the question”.

Início do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade

 

 

Um dos maiores representantes do Modernismo no Brasil, o poeta, romancista, teatrólogo, ensaísta e jornalista paulistano José Oswald de Souza Andrade nasceu, em 11 de janeiro de 1890. Espírito inquieto e rebelde, foi amigo do poeta Guilherme de Almeida (1890 – 1969), do artista plástico Di Cavalcanti (1897 – 1976) e do escritor Mário de Andrade (1893 – 1945) – amizade rompida em 1929-, alguns de seus companheiros na Semana de Arte Moderna em 1922, evento no qual teve  papel destacado. Além de ter sido um de seus organizadores, leu trechos de seu romance Os Condenados, sob as vaias do público. Os Condenados foi o primeiro volume da Trilogia do Exílio, o segundo e o terceiro foram A Estrela de Absinto (1927) e A Escada Vermelha (1934). Em 1975, foi adaptado para o cinema por Zelito Viana (1938-).

Oswald lançou mais tarde seus programas estéticos no Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924) e no Manifesto Antropófago (1928). Deixou obras marcantes como O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo (1918), diário coletivo composto por ele e por amigos que frequentaram a garçonnière do escritor na rua Líbero Badaró, entre 1917 e 1918; Memórias Sentimentais de João Miramar (1924), Serafim Ponte Grande (1933), Marco Zero, a Revolução Melancólica (1943) e Chão (1945), além de peças como O Homem e o Cavalo (1934) e O Rei da Vela e A Morta, ambas de 1937. Trabalhou em vários jornais, dentre eles o Correio Paulistano, o Diário Popular e o Jornal do Commercio, tendo fundado o semanário O Pirralho, em 1911. Em 1920, com o poeta Menotti del Picchia (1892 – 1988), fundou o periódico Papel e Tinta; e, com Patricia Galvão, a Pagu (1910 – 1962), com quem era casado na época, o semanário O Homem do Povo, em 1931. 

 

 

Foi um dos colaboradores da revista Klaxon, divulgadora do Modernismo no Brasil, que foi publicada entre 15 de maio de 1922 e janeiro de 1923; e da Revista da Antropofagia, que circulou entre maio de 1928 e agosto de 1929.

 

klaxon2

 

Viveu com a francesa Henriette Denise Boufflers (c. 1895 -19?), que havia conhecido em uma viagem à Europa, em 1912. Durante esse viagem, conheceu as ideias artísticas sugeridas pelo Manifesto Futurista do poeta italiano Marinetti (1876 – 1944). Com Henriette, que apelidou de Kamiá, teve, já no Brasil, seu primeiro filho, o futuro artista José Oswald Antônio de Andrade (1914 – 1972), conhecido como Nonê de Andrade. Separou-se de Kamiá em 1916. Em 1922, começou a namorar a artista plástica Tarsila do Amaral (1886 – 1973), com quem se casou em 30 de outubro de 1926, tendo como padrinhos o exportador de café Paulo da Silva Prado (1869 – 1943) e Olivia Guedes Penteado (1872 – 1934), grandes incentivadores do Modernismo no Brasil; Washington Luis (1869 – 1957), que tomou posse como presidente da República, cerca de 15 dias depois; e Carlota Inglez de Souza (Correio Paulistano, 31 de outubro de 1926, quinta coluna). Com Tarsila, Anita Malfatti (1889 – 1964), Mário de Andrade (1893 – 1945) e Menotti del Picchia (1892 – 1988), Oswald formou o Grupo dos Cinco, que agitou culturalmente São Paulo com reuniões, festas e conferências. Em 1928, Tarsila deu de presente a Oswald um quadro que tornou-se icônico: o Abaporu, que significa homem que come carne humana, o antropófago. Oswald, então, escreveu o Manifesto Antropófago e inaugurou o Movimento Antropofágico. O casal se separou em 1929.

 

 

Em 1930, Oswald passou a viver com a revolucionária escritora Patrícia Galvão (1910 – 1962), conhecida como Pagu. A união foi consolidada no Cemitério da Consolação, em São Paulo, diante do jazigo da família do escritor, em 5 de janeiro de 1930. Tiveram um filho, o futuro cineasta e escritor Rudá de Andrade (1930 – 2009), e viveram juntos até 1935. Oswald se casou pela última vez, em 1944, com Maria Antonieta D’Alkmin (? – 1969), com quem teve sua única filha, a pesquisadora e artista Antonieta Marília (1945-); e Paulo Marcos (1948 – 1968). Outras mulheres marcantes em sua vida foram as dançarinas Landa Kosbach, que mais tarde adotou o nome artístico Carmen Lydia (c. 1900 – 1992); e Isadora Duncan (1877 – 1927); Maria de Lourdes Castro (c. 1900 – 1919), chamada Deisi, a Miss Cyclone, com quem se casou in extremis dias antes da morte dela; e a poetisa e pintora Júlia Bárbara (1908 – 2005).

Publicou o primeiro volume das suas memórias, Um Homem sem Profissão: sob as ordens da mamãe, pouco antes de falecer, em 22 de outubro de 1954, em São Paulo (Revista da Semana23 de outubro e 13 de novembro de 1954). …no bocadinho que lhe coube de papel jornal, dois dias depois, ali estava Di Cavalcanti bradando na beira do túmulo do escritor, no cemitério da Consolação, que o “natural anarquismo” de Oswald ainda daria uma grande banana para os que o deixaram de lado (Folha de São Paulo, 22 de outubro de 2004).

Definia-se como um vira-latas do modernismo (Manchete, 19 de julho de 1975). Talvez por seu temperamento radical e seu gosto por zombarias – perdia um amigo mas não perdia a piada, dentre eles Mário de Andrade -, alguns de seus livros ficaram anos sem uma segunda edição: Memórias Sentimentais de João Miramar, de 1924, só foi reeditado em 1964; e Serafim Ponte Grande, de 1933, apenas em 1971. Sua peça O Rei da Vela, de 1937, só foi encenada em 1967.

É de autoria de Jorge de Castro a fotografia de Oswald publicada neste artigo.

 

Pequeno perfil do fotógrafo Jorge de Castro (19? – ?)

 

“Fundamentalmente realista, amando as visões da vida, ele as interpreta, porém, captando o momento e o ângulo rico ou compondo o ambiente em que a realidade capitula diante da luz e se converte numa expressão sugestiva e bela”.

Mário de Andrade sobre Jorge de Castro na crônica O homem que se achou,

primeira quinzena de 1940

 

 

A imagem de Oswald de Andrade (1890 – 1954) exibida neste artigo foi produzida pelo fotógrafo Jorge de Castro, na década de 40. Muito bem relacionado e inserido na cena cultural e social carioca, no mesmo período, retratou diversas outras personalidades importantes como o político e escritor Afonso Arinos de Mello Franco (1905 – 1990), o escultor Bruno Giorgi (1905 – 1993), o dramaturgo Guilherme Figueiredo (1915 – 1997), os poetas Augusto Frederico Schmidt (1906 – 1965), Manuel Bandeira (1886 – 1968), Murilo Mendes (1901 – 1975), Olegário Mariano (1889 – 1958) e Raul Bopp (1898 – 1984); o paisagista e artista plástico Roberto Burle Marx (1909 – 1994), o músico Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959) e os arquitetos e irmãos Marcelo (1908 – 1964), Milton (1914 – 1953) e Maurício Roberto (1921 – 1996).

Jorge de Castro estudou pintura na Europa e, na Inglaterra, andou metido em teatro e cinema. Ao retornar ao Brasil juntou-se ao grupo do pintor Cândido Portinari (1903 – 1962) e frequentou a Faculdade de Direito, que abandonou no terceiro ano, passando a se dedicar unicamente à fotografia. Registrou paisagens do interior e das capitais do Brasil, além de, como já mencionado, ter fotografado pessoas importantes da sociedade e do cenário cultural nacional.

Foi, durante o Estado Novo (1937 – 1946) –  regime politico instaurado pelo presidente Getulio Vargas (1882 – 1954) -, um dos fotógrafos do Departamento de Imprensa e Propaganda, ao lado de profissionais como o engenheiro Epaminondas Vieira de Macedo, que também fotografou para o SPHAN; e do francês Jean Manzon (1915 – 1990), contratado pelo O Cruzeiro, em 1943, e responsável por um novo modelo de linguagem fotográfica na revista.

Em 1938, foi um dos fundadores do grupo teatral Os Independentes, que passou a dirigir, em 1940, ao lado da atriz Luisa Barros Leite, do ator Brutus Pedreira, do crítico e escritor Gustavo Dória (1910- 1979) e do artista plástico paraibano Tomás Santa Rosa (1909 – 1956). A companhia foi rebatizada de Os Comediantes e passou, em 1943, a ser dirigida pelo escritor Aníbal Machado (1894 – 1964), cunhado de Jorge de Castro (Sombra, outubro de 1946).

 

“Procurando na aparência dos objetos e dos seres o seu momento de transfiguração poética, o artista vai registrando, ora um ramo que o vento verga, ora a superfície rugada de um velho muro, ou a dura face de um homem”.

Tomás Santa Rosa sobre Jorge de Castro

 

Em 1939, Castro fez uma exposição de seus trabalhos no Palace Hotel do Rio de Janeiro. Na década de 40, trabalhou como fotógrafo e cinegrafista da Marinha.

 

 

Mário de Andrade (1893 – 1945) fez na crônica O Homem que se achou, que era Jorge de Castro, escrita na primeira quinzena de janeiro de 1940, considerações acerca de fotografia, que apreciava muito, e, sobretudo, sobre a mencionada exposição de Castro, em que figuravam uma série de retratos de intelectuais brasileiros, paisagens de fotografia “de gênero”, para me utilizar da terminologia da pintura.

Foi uma fotografia de Cândido Portinari (1903 – 1962) de autoria de Castro que ilustrou a capa do boletim do Museu de Arte Moderna de Nova York, em outubro de 1940, ocasião em que foi realizada um exposição do pintor no MoMa.

 

 

Quando a revista Sombra, dirigida por Walter Quadros (?-1962), foi lançada, em dezembro de 1940, Jorge de Castro era o secretário e o fotógrafo da publicação. No primeiro número, foi o responsável pelas imagens de diversas matérias, dentre  elas Ventalma, onde os versos de Mário de Andrade (1893 – 1945) foram interpretados pela bailarina Nini Theilade (1915 – 2018), do Balé Russo de Montecarlo. Na mesma edição suas fotos foram publicadas nas matérias The honorable Jefferson CafferySnra. Lourival Fontes, a poetisa que se assigna Adalgisa Nery, e De Tom Mix a Vivien Leigh.

Passou muito tempo com Lincoln Kirstein (1907 – 1956), importante figura da cena cultural novaiorquina e co-fundador do New York City Ballet, quando este visitou o Brasil, em 1942, como consultor de arte latino-americana, enviado para adquirir obras para o Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMa . Foi Castro que apresentou Kirstein aos pintores Guignard (1896 – 1962), Edith Behring (1916 – 1996), José Bernardo Cardoso Júnior (1861 – 1947) e Tomas Santa Rosa.

Kirstein deu a ele dinheiro para que concluísse um filme sobre a Academia Naval e escreveu ao empresário norte-americano Nelson Rockfeller (1908 – 1979), em 24 de junho de 1942:

“Jorge de Castro: você pode contatá-lo sem embaraço. Um bom amigo de Carlos Lacerda. É considerado uma piada. Ele se parece com um cogumelo. É de excelente família, é conhecido como fotógrafo. Na verdade é um excelente operador cinematográfico, e conhece detalhes a respeito do Brasil que ninguém sabe. Ele é corajoso e foi o primeiro a ajudar Portinari, o que P. agora tende a esquecer. Eu sugiro que você peça a ele para lhe mostrar filmes da Academia Navale e você talvez possa ir lá. Ele é sensacional. Jorge é um pequeno inseto anônimo – mas é o máximo. Ele tirou fotos da Conferência do Rio. Amigo de Queiroz Lima, do secretariado pessoal de Aranha”.

Em 1943, uma comissão de cineastas norte-americanos de Hollywood incorporados ao Office Stratic Service da Marinha de Guerra dos Estados Unidos, a convite do governo brasileiro, visitou São Paulo, para fazer um levantamento das possibilidades do Brasil  no esforço de guerrra das Nações Unidas. Castro era o representante do Ministério da Marinha do Brasil. No ano seguinte, como cinematografista do Ministério da Marinha seguiu para Belém, da onde iria para os Estados Unidos trabalhar em um filme sobre o nosso esforço de guerra, que fará parte de um filme de longa-metragem sobre a luta das Nações Unidas, que está sendo dirigido pelo Sr. John Ford (O Estado de São Paulo, 10 de junho de 1943 e  1º de julho de 1944).

Em 1945, acompanhou o cinegrafista Gregg Tolland (1904 – 1948), em visita ao Brasil. Ele foi o fotógrafo de diversos filmes de sucesso, dentre eles Os Miseráveis (1935), O Morro dos Ventos Uivantes (1939), pelo qual ganhou o Oscar; As Vinhas da Ira (1940), Cidadão Kane (1941) e Os Melhores Anos de Nossas Vidas (1946), dentre outros.

Foi também o fotógrafo do semanário ilustrado Política e Letras, lançado em 24 de julho de 1948, no Rio de Janeiro. O diretor responsável pela publicação era Odylo Costa Filho (1914 – 1979) e dentre seus colaboradores estavam Alceu Amoroso Lima (1893 – 1983), Carlos Drumond de Andrade (1902 – 1987) e Érico Veríssimo (1905 – 1975). Foi o fotógrafo das reportagem Uma Luz nas Trevas – O Farol da Ilha Rasa, assinada por Antônio Rangel Bandeira; e de Um veleiro faz-se ao mar, com Franklin de Oliveira (O Cruzeiro, 26 de março de 1949; 23 de abril de 1949).

Era filho de Vital de Castro e de Maria da Glória Moura de Castro e irmão da pianista Maria Antônia de Castro Massé, de Ari de Castro, de Mário de Castro, de Vital de Castro Filho e de Luisa de Castro Machado, casada com Anibal Machado (1894 – 1964) (O Estado de São Paulo, 4 de dezembro de 1946). Era casado com Maria do Carmo de Castro, com quem teve os filhos Maria Cristina e Vital.

 

 

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(1) Carta de Mário de Andrade a Tarsila do Amaral, na época casada com Oswald de Andrade, marcando a ruptura entre os escritores. Oswald tentou várias vezes uma reconciliação, sem sucesso.

“São Paulo, 4 de julho de 1929

Tarsila, espero que esta carta seja lida confidencialmente apenas por você e Oswaldo pois que só a você é dirigida.

Acabo de receber por Anita o convite que você me faz e que, feito com o desprendimeno e o coração maravilhoso de você, inda mais me entristece. Mas eu não o posso aceitar. Por isso mesmo que a elevação de amizade sempre existida entre você, Osvaldo, Dulce e eu foi das mais nobres e tenho a certeza que das mais limpas, tudo ficou embaçado pra nunca mais. É coisa que não se endireita, desgraçadamente para mim.

Mas devo confessar a você que sob o ponto-de-vista de amizade, único que me pode interessar como indivíduo, nada, absolutamente nada se acabou em mim. Se deu apenas uma como que transposição de planos, e aqueles que faziam parte da minha objetividade cotidiana, continuaram amigos nessa espécie de ambiente de anjo em que o espírito da gente descansa mais, povoado de retratos bons. E então eu, que não fui feito para esquecer, não será possível jamais que eu me esqueça de ninguém nem de nada. Nenhum sentimento desagradável permanece em mim e se acaso alguém confiar a você alguma queixa ou acusação feita por mim contra quem quer que seja de sua família, eu garanto que mente. Pedi aos meus companheiros de vida e até a amigos que nem Couto de Barros, que não me falassem em certos assuntos.

Apenas, Tarsila: esses assuntos existem. E como os podemos esquecer, vocês e eu, que todos conservamos nosso passado comum? E quanto a mim, Tarsila, esses assuntos, criados por quem quer que seja (essas pessoas não me interessam), como será possível imaginar que não me terão ferido crudelíssimamente? Asseguro a vocês – tenho todo o meu passado como prova e vocês me conhecem espero que bem – que as acusações, insultos, caçoadas feitos a mim não podem me interessar. Já os sofri todos mais vezes e sempre passando bem. E nem uma existência como a que eu levo pode se libertar deles. Desque resolvi publicar Paulicéia, de que um só poema exposto provocara o maior enxurro de estupidez e presumidos insultos de que se enaltece a história literária brasileira, desde então me revesti dessa contemplatividade cínica que nos permite, sem inquietar a sinceridade com que caminhamos pra realização de nós mesmos, passarmos incólumes no meio de certos heróis. Não me atingem e, de resto, não os leio. 

Mas não posso ignorar que tudo foi feito na assistência dum amigo meu. Isso é que me quebra cruelmente, Tarsila, e apesar de meu orgulho enorme, não tenho força no momento que me evite de confessar que ando arrasado de experiência.

Eu sei que fomos todos vítimas de um ventarrão que passou. Passou. Porém a árvore caiu no chão e no lugar duma árvore tamanha não nasce mais. É impossível.

Eu peço a vocês licença pra cumprimentá-los quando nos encontrarmos. Assim como desta carta e do que a motiva ninguém saberá por mim, tenho certeza que corações nobres como os de vocês hão-de sentir esse pudor de não dar azo a que os outros façam de nós e dum passado tão lindo nosso, o assunto deles.

Peço mais que me recomende respeitosamente aos de sua família e enumero uma carícia toda especial a Dulce que no meu mundo faz parte do Sol.

E paro porque afinal tudo isso é muito triste e pouco digno dos seus olhos e coração que só podem merecer felicidade.

Respeitosamente

Mário de Andrade”

 

 

(2)                                          Programação da Semana de Arte Moderna em 1922

 

 Catálogo com as atrações da exposição de arte realizada no saguão do Teatro Municipal de São Paulo

ARCHITECTURA

ANTONIO MOYA

1- Entrada do Templo.

2 – Templo.

3 –      “

4 – Monumento.

5 – Pantheon.

6 – Templo.

7 – Casa do poeta.

8 – Residência (planta e fachada).

9 –         ”                 ”        ”     “

10 –       ”                 ”        ”     “

11 –        ”                 ”        ”     “

12-        ”                 ”        ”     “

13 – Volume architectonico.

14 – Entrada.

15 – Cariathyde.

16 – Fonte.

17 – Tumulo.

18 – Tumulo.

GEORG PRSIREMBEL

19 – Taperinha na praia grande (Maquette e planta).

ESCULPTURA

VICTORIO BRECHERET

1 – Genio.

2 – Angelus.

3 – Soror dolorosa.

4 – Idolo.

5- O regresso.

6 – Pietá.

7 – Cabeça de mulher.

8 – Cabeça de Christo.

9 – Sapho.

10 – Torso.

11 – Baixo relevo.

12 – Victoria.

W. HAARBERG

13 – Nossa Senhora (madeira).

14 – Mãe e filho (madeira).

15 –    ”     ”     ”             “

16 – Grupo (madeira).

17 – Pequenas esculpturas decorativas.

PINTURA

Anitta Malfatti

1- Estudante russa.

2 – O Homem amarello.

3 – O Fauno.

4 – O japonez.

5 – A mulher de cabellos verdes.

6 – A onda.

7 – A ventania.

8 – Rochedos.

9 – Casa de chá.

10 – Pedras preciosas.

11 – Penhascos.

12 – Flores amarellas.

13 – Impressão dividionista.

14 – O Homem das sete cores.

15 – Arvores japonezas

16 – Bahianas.

17 – Capa de livro.

18 – Christo.

19 – S. Sebastião.

20 – Moêmas.

DI CAVALCANTI

21 – Ao pé da cruz – painel para capella.

22 – O Homem do Mar – 1920.

23 – Café turco – 1917.

24 –     ”       ”      – 1921.

25 – Retrato.

26 – A Duvida.

27 – Intimidade.

28 –        ”

29 – Illustrações para um livro.

30 – Coqueteria.

31 – Bohemios.

32 – A piedade da inerte.

J. GRAZ

33 – Missa no tumulo.

34 – S. Francisco fallando aos passaros.

35 – Retrato do Ministro G.

36 – Natureza morta.

37 –          ”             ”

38 – Paysagem Suissa.

39 – Paysagem de Espanha.

40 –           ”         ”        ”

MARTINS RIBEIRO

41 – Tedio.

42 –    ”

43 – Desenho.

44 –       ”

ZINA AITA

45 – A sombra.

46 – Estudo de cabeça.

47 – Paysagem decorativa.

48 – Mascaras Sianezas.

49 – Aquarium.

50 – Figura.

51 – Painel decorativo.

52 – 25 impressões.

J.F. DE ALMEIDA PRADO

53 – Dois desenhos.

FERRIGNAC

54 – Natureza dadaista.

VICENTE REGO MONTEIRO

55 – Retrato de Ronald de Carvalho.

56 – Retrato.

57 – Retrato.

58 – Cabeças de Negras.

59 – Cabeça Verde.

60 – Baile no Assyrio.

61 – Lenda Brasileira.

62 – Lenda Brasileira.

63 – Cubismo.

64 – Cubismo.

 

Grandes Festivais

Primeiro Festival – 2ª feira, 13 de fevereiro

1ª parte

CONFERÊNCIA DE GRAÇA ARANHA

“A emoção estética na arte moderna”, ilustrada com música executada por Ernani Braga e poesia por Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho.

Música de câmara Villa-Lobos

1. “Sonata II” de violoncelo e piano / 1916

a. Allegro moderato

b. Andante

c. Scherzo

d. Allegro Vivace sostenuto e finale

Alfredo Gomes e Lucilia Villa-Lobos

2. “Trio Segundo”: violino, violoncelo e piano / 1916

a. Aleggro moderato

b. Andantino calmo (Berceuse-Barcarola)

c. Scherzo-spiritoso

d. Molto allegro e finale

Paulina d´Ambrosio, Alfredo Gomes e Frutuoso de Lima Vianna

2ª parte

CONFERÊNCIA DE RONALD DE CARVALHO

“A pintura e a escultura moderna no Brasil”

3. Solos de piano: Ernani Braga

a. 1917 / “Valsa mística” (da Simples coletânea)

b. 1919 / “Rodante” (da Simples coletânea)

4. Otteto: Três danças africanas

a. “Farrapós” / (“Dança dos moços”) / 1914

b. “Kankukus” / (“Dança dos velhos”) / 1915

c. “Kankikis” (“Dança dos meninos”) / 1916

Violinos Paulina d´Ambrosio, George Marinuzzi

Alto Orlando Frederico

Violoncelos Alfredo Gomes

Basso Alfredo Carazza

Flauta Pedro Vieira

Clarino Antão Soares

Piano Frutuoso de Lima Vianna

 

Segundo Festival – 4ª feira, 15 de fevereiro

1ª parte

1. PALESTRA DE MENOTTI DEL PICCHIA

Ilustrada com poesias e trechos de prosa por Oswald de Andrade, Luís Aranha, Sérgio Milliet, Tácito de Almeida, Ribeiro Couto, Mário de Andrade, Plínio Salgado, Agenor Barbosa e dança pela senhorinha Yvonne Daumerie.

2. SOLOS DE PIANO: GUIOMAR NOVAES

a. E.R. Blanchet: “Au jardin du vieux sérail” (Andrinople)

b. H. Villa-Lobos: “O Ginete do Pierrozinho”

c. C. Debussy: “La soirée dans Grenade”

d. C. Debussy: “Minstrels”

2ª parte

1 – RENATO ALMEIDA

Perennis Poesia

2. CANTO E PIANO

Frederico Nascimento Filho e Lucília Villa-Lobos

a. 1919 / “Festim Pagão

b. 1920 / “Solidão”

c. 1917 / “Cascavel

3. QUARTETO TERCEIRO (CORDAS – 1916)

a. Allegro giusto

b. Scherzo satirico (pipocas e patocas)

c. Adagio

d. Allegro con fuoco e finale

Violinos Paulina d´Ambrosio – George Marinuzzi

Alto Orlando Frederico

Violoncelos Alfredo Gomes

Terceiro Festival – 6ª feira, 17 de fevereiro

1ª parte

1. VILLA-LOBOS

1. “Trio Terceiro” / violino, violoncelos e piano / 1918

a. Allegro con moto

b. Moderato

c. Allegretto spiritoso

d. Allegro animato

Paulina d´Ambrosio, Alfredo Gomes e Lucília Villa-Lobos

2. CANTO E PIANO:

MÁRIO EMMA E LUCÍLIA VILLA-LOBOS

“Historietas” de Ronald de Carvalho / 1920

a. “Lune d´octobre”

b. ‘Voilà la vie”

c. “Jouis sans retard, car vite s´ecoule la vie”

3. “SONATA SEGUNDA / VIOLINO E PIANO / 1914

a. Allegro non troppo

b. Largo

c. Allegro rondó / Prestíssimo finale

Paulina d´Ambrosio e Frutuoso Vianna

2ª parte

VILLA-LOBOS:

4 – SOLOS DE PIANO: ERNANI BRAGA

a. “Camponesa Cantadeira” / (da Suite floral) / 1916

b. “Num berço encantado” / (da Simples coletânea) / 1919

c. “Dança Infernal” / 1920

5. “QUARTETO SIMBÓLICO” / (IMPRESSÕES DA VIDA MUNDANA)

flauta, saxofônico, celesta ou piano

com vozes femininas em coro oculto / (1921)

a. Allegro non troppo

b. Andantino

c. Allegro, finale

Pedro Vieira, Antão Soares, Ernani Braga e Frutuoso de Lima Vianna

 

 (3)                                                               “A Propósito da Exposição Malfatti”

(O Estado de São Paulo, 20 de dezembro de 1917)

“Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura, guardados os eternos ritmos da vida, e adotados para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres. Quem trilha por esta senda, se tem gênio, é Praxíteles na Grécia, é Raphael na Itália, é Rembrandt na Holanda, é Rubens na Flandres, é Reynolds na Inglaterra, é Leubach na Alemanha, é Iorn na Suécia, é Rodin na França, é Zuloaga na Espanha. Se tem apenas talento vai engrossar a plêiade de satélites que gravitam em torno daqueles sóis imorredoiros. A outra espécie é formada pelos que vêem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fins de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz de escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento. Embora eles se dêem como novos precursores duma arte a vir, nada é mais velho de que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e com a mistificação. De há muito já que a estudam os psiquiatras em seus tratados, documentando-se nos inumerosos desenhos que ornam as paredes internas dos manicômios. A única diferença reside em que nos manicômios esta arte é sincera, produto ilógico de cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas exposições públicas, zabumbadas pela imprensa e absorvidas por americanos malucos, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica, sendo mistificação pura.

Todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não dependem do tempo nem da latitude. As medidas de proporção e equilíbrio, na forma ou na cor, decorrem do que chamamos sentir. Quando as sensações do mundo externo transformam-se em impressões cerebrais, nós “sentimos”; para que sintamos de maneira diversa, cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja em “pane” por virtude de alguma grave lesão. Enquanto a percepção sensorial se fizer normalmente no homem, através da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não poderá “sentir” senão um gato, e é falsa a “interpretação” que o bichano fizer um “totó”, um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes.

Estas considerações são provocadas pela exposição da sra. Malfatti, onde se notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia. Essa artista possui um talento vigoroso, fora do comum. Poucas vezes, através de uma obra torcida para má direção, se notam tantas e tão preciosas qualidades latentes. Percebe-se de qualquer daqueles quadrinhos como a sua autora é independente, como é original, como é inventiva, em que alto grau possui um sem número de qualidades inatas e adquiridas das mais fecundas para construir uma sólida individualidade artística. Entretanto, seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou nos domínios dum impressionismo discutibilíssimo, e põe todo o seu talento a serviço duma nova espécie de caricatura.

Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e “tutti quanti” não passam de outros tantos ramos da arte caricatural. É a extensão da caricatura a regiões onde não havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma — caricatura que não visa, como a primitiva, ressaltar uma ideia cômica, mas sim desnortear, aparvalhar o espectador. A fisionomia de que sai de uma destas exposições é das mais sugestivas. Nenhuma impressão de prazer, ou de beleza denuncia as caras; em todas, porém, se lê o desapontamento de quem está incerto, duvidoso de si próprio e dos outros, incapaz de raciocinar, e muito desconfiado de que o mistificam habilmente. Outros, certos críticos sobretudo, aproveitam a vasa para “épater les bourgeois”. Teorisam aquilo com grande dispêndio de palavrório técnico, descobrem nas telas intenções e subintenções inacessíveis ao vulgo, justificam-nas com a independência de interpretação do artista e concluem que o público é uma cavalgadura e eles, os entendidos, um pugilo genial de iniciados da Estética Oculta. No fundo, riem-se uns dos outros, o artista do crítico, o crítico do pintor e o público de ambos.

Arte moderna, eis o escudo, a suprema justificação. Na poesia também surgem, às vezes, furúnculos desta ordem, provenientes da cegueira nata de certos poetas elegantes, apesar de gordos, e a justificativa é sempre a mesma: arte moderna. Como se não fossem moderníssimos esse Rodin que acaba de falecer deixando após si uma esteira luminosa de mármores divinos; esse André Zorn, maravilhoso “virtuose” do desenho e da pintura; esse Brangwyn, gênio rembrandtesco da babilônia industrial que é Londres; esse Paul Chabas, mimoso poeta das manhãs, das águas mansas, e dos corpos femininos em botão. Como se não fosse moderna, moderníssima, toda a legião atual de incomparáveis artistas do pincel, da pena, da água forte, da “dry point” que fazem da nossa época uma das mais fecundas em obras-prima de quantas deixaram marcos de luz na história da humanidade.

Na exposição Malfatti figura ainda como justificativa da sua escola o trabalho de um mestre americano, o cubista Bolynson. É um carvão representando (sabe-se disso porque uma nota explicativa o diz) uma figura em movimento. Está ali entre os trabalhos da sra. Malfatti em atitude de quem diz: eu sou o ideal, sou a obra prima, julgue o público do resto tomando-me a mim como ponto de referência.

Tenhamos coragem de não ser pedantes: aqueles gatafunhos não são uma figura em movimento; foram, isto sim, um pedaço de carvão em movimento. O sr. Bolynson tomou-o entre os dedos das mãos ou dos pés, fechou os olhos, e fê-lo passar na tela às pontas, da direita para a esquerda, de alto a baixo. E se não o fez assim, se perdeu uma hora da sua vida puxando riscos de um lado para o outro, revelou-se tolo e perdeu o tempo, visto como o resultado foi absolutamente o mesmo. Já em Paris se fez uma curiosa experiência: ataram uma brocha na cauda de um burro e puseram-n’o trazeiro voltado para uma tela. Com os movimentos da cauda do animal a broxa ia borrando a tela. A coisa fantasmagórica resultante foi exposta como um supremo arrojo da escola cubista, e proclama pelos mistificadores como verdadeira obra prima que só um ou outro raríssimo espírito de eleição poderia compreender. Resultado: o público afluiu, embasbacou, os iniciados rejubilaram e já havia pretendentes à tela quando o truque foi desmascarado. A pintura da sra. Malfatti não é cubista, de modo que estas palavras não se lhe endereçam em linha reta; mas como agregou à sua exposição uma cubice, leva-nos a crer que tende para ela como para um ideal supremo. Que nos perdoe a talentosa artista, mas deixamos cá um dilema: ou é um gênio o sr. Bolynson e ficam riscados desta classificação, como insignes cavalgaduras, a corte inteira dos mestres imortais, de Leonardo a Stevens, de Velasquez a Sorolla, de Rembrandt a Whistler, ou… vice-versa. Porque é de todo impossível dar o nome da obra de arte a duas coisas diametralmente opostas como, por exemplo, a Manhã de Setembro, de Chabas, e o carvão cubista do sr. Bolynson.

Não fosse a profunda sympatia que nos inspira o formoso talento da sra. Malfatti, e não viríamos aqui com esta série de considerações desagradáveis.

Há de ter essa artista ouvido numerosos elogios à sua nova atitude estética.

Há de irritar-lhe os ouvidos, como descortez impertinência, esta voz sincera que vem quebrar a harmonia de um coro de lisonjas. Entretanto, se refletir um bocado, verá que a lisonja mata e a sinceridade salva. O verdadeiro amigo de um artista não é aquele que o entontece de louvores, e sim o que lhe dá uma opinião sincera, embora dura, e lhe traduz châmente, sem reservas, o que todos pensam dele por detrás. Os homens têm o vezo de não tomar a sério as mulheres. Essa é a razão de lhes darem sempre amabilidades quando elas pedem opinião. Tal cavalheirismo é falso, e sobre falso, nocivo. Quantos talentos de primeira água se não transviaram arrastados por maus caminhos pelo elogio incondicional e mentiroso? E víssemos na sra. Malfatti apenas uma “moça que pinta”, como há centenas por aí, sem denunciar centelhas de talento, calar-nos-iamos, ou talvez lhe déssemos meia dúzia desses adjetivos “bombons” que a crítica açucarada tem sempre à mão em se tratando de moças. Julgamo-la, porém, merecedora da alta homenagem que é tomar a sério o seu talento dando a respeito da sua arte uma opinião sinceríssima, e valiosa pelo fato de ser o reflexo da opinião do público sensato, dos críticos, dos amadores, dos artistas seus colegas e… dos seus apologistas.

Dos seus apologistas sim, porque também eles pensam deste modo… por trás”.

M. L.

A crítica de Lobato foi mais tarde transformado em Paranóia ou Mistificação? e publicada no livro Ideias de Jeca Tatu, em 1919. 

 

 

Mulheres que participaram da programação da Semana de Arte Moderna

 

 

 

 

 

 

Pode ser que a pintora e decoradora Regina Gomide Graz (1897 – 1973), casada com o suíço John Graz, tenha participado do evento, mas o nome dela não consta no catálogo da exposição.

 

A Brasiliana Fotográfica agradece a colaboração de André Luis Câmara, poeta, jornalista e Doutor em Literatura pela PUC-RJ.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Acesse os 10 encontros do ciclo 1922: MODERNISMOS EM DEBATE, organizados por Ana Gonçalves Magalhães, Fernanda Pitta, Heloisa Espada, Horrana de Kássia Santoz, Helouise Costa e Valéria Piccoli – Instituto Moreira Salles, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e Pinacoteca -, realizados entre 29 de março e 13 de dezembro de 2021, com a participação de 41 convidados.

Acesse a crônica Mário presente, de Carlos Drummond de Andrade, publicada em 4 de junho de 1970, no Jornal do Brasil.

Acesse o artigo publicado, em 21 de novembro de 2022, na seção POR DENTRO DOS ACERVOS, do Instituto Moreira Salles, Mário de Andrade nos Arquivos IMS, de autoria de Elvia Bezerra.

 

Fontes:

Academia Paulista de Letras

Agenda do Centro de Documentaçãoda TV Globo

ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao museu. São Paulo : Perspectiva, 1976.

AMARAL, Aracy. Artes plásticas na Semana de 22. São Paulo : Perspectiva, 1972.

ANDRADE, Mário de. Anteprojeto para a criação do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 30, p. 271-287, 2002.

ANDRADE, Mário de. Macunaíma. São Paulo : Editora Martins, 1970.

ANDRADE, Mário de. Será o Benedito? São Paulo : Educ, 1992

AMARAL, Aracy (org). Correspondência entre Mário de Andrade e Tarsila do Amaral. São Paulo : Edusp, 2001.

BOAVENTURA, Maria Eugênia. O Salão e a Selva – Uma biografia ilustrada de Oswald de Andrade. Campinas : Editora Ex-Libris Unicamp, 1995.

CARDOSO, Rafael. Modernidade em preto e branco: arte e imagem, raça e identidade no Brasil, 1890-1945. São Paulo : Companhia das Letras, 2022.

CASTRO, Ruy. Metrópole à beira-mar. O Rio moderno dos anos 20. São Paulo : Companhia das Letras, 2019.

Catálogo da Sociedade de Etnografia e Folclore

CHIARELLI, Tadeu. Um jeca nos vernissages. São Paulo : Edusp, 1995.

COELHO, Fred. A Semana de Cem Anos. Texto  apresentado no ciclo de encontros “1922: Modernismos em debate”, promovido pelo Instituto Moreira Salles (IMS), em São Paulo, no dia 29 de março de 2021.

CNN Brasil

COSTA, Eduardo Augusto. Uma trajetória do Arquivo Fotográfico do Iphan: mudanças discursivas entre os anos 1970 e 1980. Anais Paulista, jan-abril de 2016.

COUTO, José Geraldo; CARVALHO, Mario Cesar. Vida do escritor foi um “vulcão de complicações” in Folha de São Paulo, 26 de setembro de 1993.

DINIZ, Igor Mello. Os estudos de folclore e as ciências sociais no Brasil (1930 – 1940) in Revista Habitus – IFCS/UFRJ Vol. 8 – Nº 2 – Ano 2010

DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: EDART-São Paulo Livraria Editora Ltda, 1971.

Enciclopédia Itaú Cultural

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NASTARI, Danielle Misura. A gênese da coleção da arte brasileira do MoMa, a década de 40, Portinari e artistas seguintes. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo para a obtenção do titulo de mestre em Estética e História da Arte, 2016.

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Site Casa Mário de Andrade

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TÉRCIO, Jason. Em busca da alma brasileira – Biografia de Mário de Andrade. Rio de Janeiro : Estação Brasil, 2019.

 

Links para os artigos já publicados da Série 1922 – Hoje, há 100 anos

Série 1922 – Hoje, há 100 anos I – Os Batutas embarcam para Paris, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 29 de janeiro de 2022

Série 1922 – Hoje, há 100 anos III – A eleição de Artur Bernardes e a derrota de Nilo Peçanha, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 1º de março de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IV – A primeira travessia aérea do Atlântico Sul, realizada pelos aeronautas portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicada em 17 de junho de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos V – A Revolta do Forte de Copacabana, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicada em 5 de julho de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VI e série Feministas, graças a Deus XI- A fundação da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 9 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VII – A morte de Gastão de Orleáns, o conde d´Eu (Neuilly-sur-Seine, 28/04/1842 – Oceano Atlântico 28/08/1922), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 28 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VIII – A abertura da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil e o centenário da primeira grande transmissão pública de rádio no país, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 7 de setembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IX – O centenário do Museu Histórico Nacional, de autoria de Maria Isabel Lenzi, historiadora do Musseu Histórico Nacional, publicado em 12 de outubro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos X –  A morte do escritor Lima Barreto (1881 – 1922), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 1º denovembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos XI e série Feministas, graças a Deus XII 1ª Conferência pelo Progresso Feminino e o “bom” feminismo, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, antropóloga do Arquivo Nacional, publicado em 19 de dezembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série “1922 – Hoje, há 100 anos” I – Os Batutas embarcam para Paris, em 29 de janeiro – Uma história de música e de racismo

A Brasiliana Fotográfica inaugura a Série 1922 – Hoje, há 100 anos com o artigo Os Batutas embarcam para Paris, em 29 de janeiro – Uma história de música e de racismo, contando um pouco da história da turnê parisiense dos Batutas, considerado o primeiro grupo de música popular brasileira a alcançar projeção internacional. Tinha, entre seus integrantes, dois expoentes: o virtuoso Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha (1897 – 1973), o maior chorão de todos os tempos; e Joaquim Maria dos Santos, o Donga (1891 – 1974), um dos autores daquele que é um dos primeiros sambas gravados no Brasil, Pelo Telefone, registrado em 27 de novembro de 1916.

“A verdade é que o choro me agrada mais por ser mais trabalhado, com três partes, cada uma delas com dezesseis compassos, e não apenas oito, como no samba. Depois, o choro, que me parece originado da polca (uma das músicas de salão da época), era para mim a forma metódica através da qual eu podia expressar meus sentimentos”

Pixinguinha (1966)

“O ritmo caracteriza um povo. Quando o homem primitivo quis se acompanhar, bateu palmas. As mãos foram, portanto, um dos primeiros instrumentos musicais. Mas como a humanidade é folgada e não quer se machucar, começou a sacrificar os animais, para tirar o couro. Surgiu o pandeiro. E veio o samba. E surgiu o brasileiro, povo que lê música com mais velocidade do que qualquer outro no mundo, porque já nasce se mexendo muito, com ritmo, agitadinho, e depois vira capoeira até no enxergar”.

Donga (1966)

Ao longo do ano, serão publicados no portal artigos com imagens de fatos importantes ocorridos em 1922 como a Semana de Arte Moderna e a Exposição do Centenário da Independência do Brasil. A temporada dos Batutas que, em 29 de janeiro de 1922, embarcaram para a França, foi um sucesso e causou polêmica e ataques racistas, veiculados na imprensa brasileira. Uma curiosidade: os Batutas e o fotógrafo Marc Ferrez (1843 – 1923) retornaram da França no mesmo navio, o Lutetia, e chegaram ao Brasil em 14 de agosto de 1922.

 

 

Acessando o link para as imagens dos Batutas disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

O dançarino Duque, o empresário Arnaldo Guinle e os Oito Batutas

 

“Pixinguinha nem sequer era músico. Era música – e essa seria a melhor palavra para defini-lo, explicá-lo e amá-lo”.

Carlos Heitor Cony

O dentista, dançarino, compositor e jornalista baiano Antônio Lopes de Amorim Diniz (1884-1953), conhecido como Duque, conheceu no Assyrio, cabaré no subsolo do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, os Oito Batutas, que tocavam enquanto ele dançava com sua parceira, a dançarina e manequim francesa Gaby, entre fins de 1921 e início de 1922.

Foi noticiado que Pixinguinha tinha reassumido a função de diretor de harmonia do bloco carnavalesco de Reinado de Siva.

 

 

Mas então:

“Menos de três semanas depois, Pixinguinha estava trocando o palácio do Reinado de Siva, na rua Senador Pompeu pelo Shérérazade, 16, Faubourg Montmartre, em Paris. Isto porque, nessas três semanas abençoadas, Ogum resolveu usar sua espada para abrir as portas do mundo para seu filho de fé e seus sete companheiros. Para transportá-los, usou como veículo o Assyrio, cabaré instalado no subsolo do Teatro Municipal. Ali são ouvidos todas as noites pela fina flor da sociedade boemia carioca. Ali, no mesmo espetáculo, um casal de bailarinos de fama internacional empolga o público dançando o ritmo que, durante anos e anos, fora uma dança excomungada, anatematizada, proibida às moças e aos rapazes de família. Duque e Gaby dançam o maxixe, ou la matchiche, como preferiam os almofadinhas da época”.

Filho de Ogum Bexiguento, página 49.



 

Segundo Pixinguinha, na Série Depoimentos:

“Bem, o Duque era um bailarino aristocrático. Ele dançava um maxixe aristocrático. Era um malabarista. Duque empolgou todo mundo. Não era um maxixe como a gente via em certos lugares. Era um sujeito muito delicado. Dançava um maxixe clássico. Quando chegamos em Paris conhecemos a academia dele. Era uma academia que ensinava a dança do maxixe brasileiro. Quando Duque chegava no salão, todo mundo disputava o privilégio de dançar com ele. Eram princesas, reis, etc, Sim, senhores, até rei apareceu para dançar com ele. Foi ele que pediu ao Arnaldo Guinle para nos levar para Paris. Ele gostava muito do que a gente fazia e interpretava a nossa música nos pés. Depois de quatro compassos ele já estava criando coisas novas nos pés. E tinha a Gaby, uma francesa que compreendia perfeitamente o Duque”.

 

O Duque havia se mudado de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1906. Três anos depois, começou a viajar pelo mundo. Chegou em Paris, conforme artigo que escreveu para a revista O Cruzeiro, em 1912, quando passou a dançar em restaurantes e bares com a dançarina ítalo-brasileira Maria del Nigri, conhecida como Maria Lino, a Rainha do Maxixe (c. 1880 – 1940). Ganharam, em 1913, o primeiro prêmio em uma competição em Berlim. Também foram suas parceiras Arlette Dorgère (1880 -1965) e Gaby. Tornou-se dono de academias de dança em Paris e no Rio de Janeiro, tendo sido responsável pela difusão do maxixe em capitais como Berlim, Buenos Aires, Montevidéu, Londres, Nova York e Paris, numa época em que o ritmo era considerado imoral por boa parte da sociedade brasileira. Em 1921, havia, após uma temporada no Brasil com sua parceira Gaby, retornado à França, onde estrelou um espetáculo na Ópera de Paris com o compositor e violinista paulista Nicolino Milano (1876 – 1962) e apresentou o samba na peça La Proie (A Presa), de Regina Regis de Oliveira (18? – 1956), no Teatro Albert I, também em Paris. Foi provavelmente a primeira exibição de samba em um palco europeu (L´Esprit Nouveau, página 106A Gazeta (SP), 8 de março de 1921, sexta colunaJornal do Brasil, 2 de abril de 1921, terceira coluna D. Quixote, 18 de maio de 1921, primeira coluna).

 

 

Foi, como mencionado por Pixinguinha, o Duque que pediu ao empresário Arnaldo Guinle (1884 – 1963) que patrocinasse a excursão dos Batutas à França, em janeiro de 1922, para a divulgação da música popular brasileira no cenário internacional. Mecenas das artes e dos esportes, Arnaldo Guinle foi um dos homens mais ricos do Brasil, cuja fortuna era oriunda da exploração do Porto de Santos. Além do suporte financeiro de Guinle, Duque conseguiu apoio político-diplomático de Lauro Müller (1863 – 1926), o que, segundo o antropólogo Rafael José de Menezes Bastos, imprimiu na jornada uma idéia, diríamos, de missão quase diplomática. Duque e Guinle haviam se conhecido na França, já que Guinle vivia entre o Rio de Janeiro e Paris. O general e engenheiro militar Lauro Müller, ministro das Relações Exteriores entre 1912 e 1917, havia conhecido os Batutas por ter sido um assíduo frequentador da noite carioca. Mas o governo não contribuiu financeiramente para a viagem. Segundo Donga, em depoimento para o Museu da Imagem e do Som:

“Absolutamente. O grande brasileiro Arnaldo Guinle nos levou para lá sem it, com essa pelezinha escura e tudo, sem medo de levar vaia. Viajamos às custas dele”.

Guinle contratava, desde 1919, os Batutas, que conheceu tocando na sala de espera do Cine Palais, para saraus em sua mansão no bairro das Laranjeiras. Patrocinou, com o apoio de Irineu Marinho (1876 – 1925), fundador do jornal O GLOBO, uma turnê do grupo pelo Brasil, iniciada em outubro de 1919 por São Paulo e Minas Gerais e encerrada, no ano seguinte, pela Bahia e por Pernambuco. O objetivo da turnê, além da realização de apresentações artísticas, era recolher e catalogar ritmos para integrar uma antologia de música folclórica sob a supervisão do escritor Coelho Neto (1864 – 1934) que, por seu estilo literário, considerado ultrapassado, sofreu fortes críticas na Semana de Arte Moderna de 1922, tema do próximo artigo da Série 1922: Hoje, há 100 anos.

 

 

Segundo o depoimento de Donga para o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro:

“O dr. Arnaldo, como bom brasileiro que era, simpatizou com a gente. Pensou e combinou com o Coelho Neto uma antologia, recolhendo material através de pessoas idôneas. Ele, junto com o Floresta de Miranda, nos procurou e disse: “amanhã você vai à minha casa em Copacabana”. Eu fui junto com o Pixinguinha. Nós estávamos há 20 dias sem função e o dinheiro tinha acabado. Ele explicou o que queria e perguntou o que achávamos. Nós dissemos que íamos fazer uma excursão ao Norte e o dr. Arnaldo pediu que incluíssemos o João Pernambuco, porque assim ele faria algumas coisas para ele. Assim foi feito, nós fomos a Pernambuco, Bahia, etc, e o João Pernambuco recolheu uma porção de coisas e trouxe. Mas não era o bastante. O dr. Arnaldo disse para o João Pernambuco que ia prosseguir na colheita, mas só que dessa vez levaria um músico para escrever, porque ele só havia trazido letras e músicas de memória. Disse ainda que pagaria tudo. Eu não sei o que eles arranjaram, ele e Pixinguinha, porque o dr. Arnaldo ficou zangado e não quis saber de mais nada. O João Pernambuco era meio egoísta e parece que pediu demais. Eu não sabia de nada. Depois de alguns dias o Patricio Teixeira me deu um recado que o dr. Arnaldo queria falar comigo. Eu fui e ele disse: “Não quero mais saber de histórias com o João Pernambuco e com o Pixinguinha”. Eu então combinei tudo com ele, que exigiu a presença de um músico na viagem. Eu comecei a enrolar um pouco e toda vez que o Floresta de Miranda me procurava para informar ao dr. Arnaldo eu dava sempre uma desculpa: “Olha, eu queria o Zezé, mas ele para escrever música de folclore é difícil e como tem o Pixinguinha, este seria melhor”. Parece que o Floresta de Miranda disse isso ao dr. Arnaldo e ele amoloceu um pouco com respeito ao Pixinguinha. Com o João Pernambuco ele nunca mais falou até morrer. Nas proximidades da viagem eu disse ao dr. Arnaldo: “eu acho que vou levar o Pixinguinha”. Ele respondeu: “você leva quem quiser, apanhe o dinheiro lá na rua Sete de Setembro”. Era tudo pago. Estivemos então em Morro Velho, Minas, Bahia, etc. Pixinguinha trouxe tudo escrito, tudo bem feito, e o dr. Arnaldo ficou satisfeito”.

Segundo o historiador Clóvis Bulcão, essas pesquisas foram responsáveis pelo encontro dos Guinles com Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959), pois foi o compositor o encarregado pela organização do material. Em 1923,  Arnaldo Guinle deu a Villa-Lobos duzentos contos de réis para que ele fosse aprimorar sua arte na França.

 

A temporada dos Batutas em Paris (1922)

 

Chegamos ao dia do embarque. No dia 29 de janeiro de 1922, o grupo formado então pelos músicos Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha (1897 – 1973); seu irmão, Octávio (1888 – 1926), conhecido como China; Joaquim Maria dos Santos, o Donga (1891 – 1974); Nelson Alves (1895 – 1960), Sizenando Santos (o Feniano), José Monteiro e José Alves de Lima embarcou no navio transatlântico Massília rumo à França (O Jornal, 24 de janeiro, segunda coluna e 28 de janeiro, última coluna de 1922; O Paiz, 29 de janeiro de 1922, quarta coluna). Os últimos dois substituíram os irmãos Jacob e Raul Palmieri (1887 – 1968), que desistiram da viagem. O baterista Joaquim Silveira Tomás (1898 – 1948), o J. Tomás, adoeceu e não pode viajar com o grupo. Ao longo de sua existência, entre 1919 e 1931, a formação dos Batutas variou.

Para Paris foram mesmo sete batutas. Foi o primeiro conjunto brasileiro a apresentar na Europa a música urbana produzida no Rio de Janeiro na época. Tocaram durante os seis meses que ficaram em Paris, na época a capital cultural do mundo, choros, maxixes, polcas, tangos brasileiros, sambas, lundus, batuques, valsas, cateretês, emboladas, cocos e toadas sertanejas.

 

 

Chegaram em 11 de fevereiro, no porto de Bordeaux, na França e foram recepcionados na Gare d´Orsay, em Paris, no dia seguinte, pelo Duque e pelo jornalista Floresta de Miranda, secretário particular de Guinle. Nos meses seguintes, como Les Batutas, seriam atração fixa numa badalada casa noturna de Paris, o dancing Shéhérazade, na Faubourg Montmartre, 16, cujo diretor artístico era o Duque, responsável pelo convite ao conjunto. O proprietário era G. Calmet.

 

Interior do cabaré Sheherazade

Interior do cabaré Shéhérazade / Pixinguinha, Vida e Obra

 

A chegada do grupo em Paris foi noticiada por alguns jornais franceses:

 

Le Gaulois, 11 de fevereiro de 1922

“Fala-se bastante dos “Batutas” no mundo artístico. É com curiosidade que esperamos por sua muito próxima estreia” / Le Gaulois, 11 de fevereiro de 1922

 

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“Os Batutas, que chegaram do Brasil, farão esta semana sensacional estreia em Paris” / Le Gaulois, 12 de fevereiro de 1922

 

 

“Les Batutas, cet extraordinaire orchestre brésilien, unique au monde, d’une gaieté endiablée, composé de virtuoses surnommés les rois du rythme et de la samba, joue tous les jours aux thés et aux soupers de Shéhérazade, 16, Faubourg Montmartre. Direction: Duque” (Tradução: Os Batutas, esta extraordinária orquestra brasileira, única no mundo, com alegria frenética, composta por virtuosos apelidados de reis do ritmo e do samba, toca todos os dias nos chás e jantares do Shéhérazade, 16, Faubourg Montmartre. Direção: Duque).

 Le Journal, 14 de fevereiro de 1922

 

A Primeira Guerra Mundial havia acabado há pouco tempo e Paris fervilhava na euforia do pós-guerra, ocupada por músicos do mundo inteiro, principalmente dos Estados Unidos e das Antilhas, e por artistas de vanguarda, o que tornava trepidantes a atmosfera cultural da cidade, seu ritmo e sua noite. Eram os Anos Loucos. Como definiu o escritor norte-americano Ernest Hemingway (1899 – 1961): Paris é uma festa. Os intelectuais estavam interessados em antropologia e por estudos sobre a África, o que propiciava um ambiente receptivo para movimentos artísticos relacionados com a cultura negra, caso dos Batutas, recebidos com simpatia por simbolizar um certo exotismo, em voga na ocasiãoMuitas bandas de jazz apresentavam-se no Shéhérazade, identificado pela imprensa parisiense como um palácio das mil e uma noites. O dancing, onde os Batutas se apresentaram, era frequentado por intelectuais, pela aristocracia, por políticos e artistas de renome – era o ponto de encontro da elite que circulava na capital francesa. Pixinguinha entrou em contato com o charleston, o foxtrote, o shimmie e o ragtime. Foi, posteriormente, acusado de ter sido influenciado pelo jazz norte-americano.

Foi durante a temporada em Paris que Pixinguinha passou a tocar saxofone. Gostou tanto do instrumento que acabou sendo presenteado com um por Arnaldo Guinle, que também enviou para o Brasil uma bateria para J. Tomás, o batuta que na última hora ficou doente e não pode seguir para Paris com o grupo.

 

“Foi em Paris. Quando viajei para lá não tocava saxofone. Tocava flauta. No conjunto que se apresentava na casa em frente aos Shéhérazade, havia um violoncelista que, durante a apresentação, mudava do violoncelo para o saxofone, principalmente na hora de tocar o shimmy. Um dia, Arnaldo Guinle me perguntou: “Você toca aquele instrumento?”. Respondi: “Eu toco”. Na verdade, eu já conhecia a escala do instrumento e sabia que era quase igual à flauta”. Então vou mandar fazer um saxofone pra você”, me disse Arnaldo Guinle. Um mês depois o saxofone estava pronto. Levei o instrumento para o hotel e ensaiei. No outro dia já estava tocando uns chorinhos no saxofone. Mas só toquei naquele dia, porque não queria magoar o músico da casa em frente. Toquei só para o Arnaldo Guinle ver. Ele viu e ficou satisfeito. Depois, fiquei só na flauta. Quando voltei para o Brasil é que passei a tocar mais saxofone. Mas nós trouxemos outras novidades. Na volta, o nosso pessoal estava tocando violão-banjo, cavaquinho-banjo, estas coisas”.

Pixinguinha, na Série Depoimentos

 

As apresentações fizeram sucesso com o público e com a imprensa parisiense. E os Batutas, que haviam sido contratados para uma temporada de um mês no Shéhérazade, com um salário de 3.500 réis, ficaram na cidade por cerca de 6 meses. O grupo executava músicas como Dádiva de Amor, composta por Donga, em Paris; Fala Baixo, de Sinhô (1888 – 1930)Gargalhada, de Pixinguinha; Les Batutas, também de Pixinguinha e com letra de Duque; e Vem vovó, de Álvaro Sandim (1862 – 1919).

 

Le Galois, 25 de fevereiro de 1922

No Shéhérazade: Os Batutas, a célebre orquestra brasileira única no mundo, estreou com gande sucesso no Shéhérazade, o feérico estabelecimento do faubourg Montmartre. Vá ouvir os Batutas, você não vai se arrepender de sua viagem / Le Galois, 25 de fevereiro de 1922

 

 

A partir de maio,  apresentaram-se no Chez Duque, na rue Caumartin, 17, cujo proprietário era o Duque; e, em 1º de junho, eles e a prestigiada Bernard Kay’s American Jazz Band estavam presentes na inauguração dos Chás Dançantes, na Reserve de Saint-Cloud, na boulevard Senard. Fizeram também um show em homenagem ao norte-americano Jack Dempsey (1895 – 1993), campeão mundial dos pesos pesados de 1919 a 1926 (O Imparcial, 15 de agosto de 1922).

 

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Anúncio da inauguração dos Chás Dançantes no La Reserve de Saint-Cloud / Pixinguinha, Vida e Obra

 

Segundo Donga, fizeram uma apresentação para a família real brasileira que residia em Paris. Sebastião Braga, em seu livro O Lendário Pixinguinha, menciona uma apresentação do músico no Conservatório de Paris, quando Pixinguinha teria tocado a polca Gargalhada e os diretores do Instituto de Música da França, em respeito, teriam lhe dado uma flauta de prata. De acordo com o jornalista e musicólogo Lúcio Rangel (1914 – 1979), o primeiro prêmio de flauta do Conservatório de Paris, Harold de Bozzi, teria ficado embasbacado com Pixinguinha.

Por intermédio de Olivia Penteado (1872 – 1934), grande incentivadora do modernismo no Brasil e ligada ao movimento intelectual que desencadeou a Semana de Arte Moderna, os Batutas foram convidados pelo embaixador Luiz Martins de Souza Dantas (1876 – 1954) para participar de uma festa organizada pelo Comitê França-América, no Palais des Affaires Publiques. Souza Dantas (1876 – 1954), que servia como chefe da representação brasileira em Roma e que, em novembro de 1922, assumiu a embaixada brasileira na França, era um dos anfitriões do evento. Vale lembrar que Souza Dantas foi proclamado, no Museu do Holocausto, em Israel, em 2003, Justo entre as nações, por ter arriscado sua vida para ajudar os judeus perseguidos pelo nazimo e pelo fascismo.

 

Le Gaulois, 26 de junho de 1922

Le Gaulois, 26 de junho de 1922

 

A polêmica em torno da ida dos Batutas a Paris – O Racismo

 

Mas aqui no Brasil, a excursão do grupo à Europa suscitou polêmica e debates nos jornais, ora defendendo os Batutas ora os atacando com declarações abertamente racistas. A música popular como representante da cultura nacional também fez parte da discussão. Porém ataques racistas não eram novidades para os Batutas, que foram alvos deles desde seu início, em 1919 (Fon-Fon, 19 de abril de 1919).

“Desde sua fundação Os Oito Batutas geraram polêmica. O fato de serem em sua maioria negros e o tipo de música que faziam eram motivos para controvérsia. Identificá-los à genuína musicalidade nacional, significava para muitos uma desqualificação em termos de uma pretensa universalidade – equacionada com o cânone da música clássico-romântica ocidental – e um veredicto de provincianismo. Além disso, a negritude era vista como sinal de inferioridade sociocultural”.

Rafael José de Menezes Bastos

 

Segundo Sérgio Cabral, no livro Pixinguinha – Vida e Obra (1997), na ocasião da estreia do grupo no Cine Palais, que reabria suas portas, em 1919, o pianista e maestro paulista Júlio Cesar do Lago Reis (1863 – 1933), em sua coluna de música no jornal A Rua, se disse envergonhado com o que considerava um escândalo. Afinal, como poderia um grupo musical composto de afro-descendentes se apresentar em um endereço chique e elegante, um cinema na antiga avenida Central? 

Na Revista da Semana, do início de abril de 1919, em nota atribuida ao jornalista Xavier Pinheiro, veio a resposta à crítica de Júlio Reis que, segundo ele:

“(não aceita) pela sua fina educação artística, que o violão, o cavaquinho, o reco-reco, o chocalho e a flauta interpretem as modinhas, as chulas, os sambas, os tangos e outras composições que tenham cunho nacional, na sala de espera de qualquer cinema da avenida porque isso é ofensivo aos ouvidos educados da grande maioria da nossa sociedade composta de uma boa parte de nossa aristocracia. O defensor de nossa sociedade aristocrática está enganado na apreciação da orquestra dos Oito Batutas. Aqueles rapazes morenos, que levam horas a cantar as encantadoras modinhas da nossa terra e as executam na flauta, no violão, no reco-reco, no cavaquinho e no chocalho, têm sido apreciados pela nossa finíssima sociedade, não têm escandalizado, têm obtido ruidoso sucesso…A Orquestra dos Oito Batutas foi mal apreciada pelo aplaudidíssimo e popular maestro Julio Reis porque aqueles rapazes tocam e cantam com clima, com sentimento, interpretam a música muito melhor do que certos e conceituados artistas que andam por aí…O maestro Júlio Reis foi severo. Foi injustíssimo com os morenos que ganham sua vida com brilho e aplauso no Cine Palais. Eles tocam bem, são da nossa terra, têm compostura, agradam a todos e o povo que ali vai gosta da flauta de Pixinguinha, do violão de Donga, do cavaquinho do Nelson e dos outros caboclos seus companheiros”.

Os ataques racistas, segundo os quais os Batutas desmoralizariam o Brasil levando para Paris o que o país tinha de pior para o seio da civilização da Europa, recrudesceram, em 1922. O cronista A. Fernandes escreveu no Diário de Pernambuco: “Não sei se a coisa é para rir ou para chorar. Seja como for, o boulevard vai se ocupar de nós. Não do Brasil de Arthur Napoleão, de Osvaldo Cruz, de Rui Barbosa, de Oliveira Lima, não do Brasil expoente, do Brasil elite, mas do Brasil pernóstico, negróide e ridículo e de que la chanson oportunamente tomará conta” (Diário de Pernambuco, 1º de fevereiro de 1922, segunda coluna). Uma observação: o destacado político baiano Ruy Barbosa (1849 – 1923) era grande fã dos Batutas e presença frequente nas apresentações do grupo no Cine Palais.

O cronista que se assinava como S, no Jornal do Commercio, em 1º de fevereiro de 1922, descreveu os Batutas como oito, aliás, nove pardavascos que tocam violas, pandeiros e outros instrumentos rudimentares” e lamentava“não haver uma política inexorável que, legalmente, os fisgasse pelo cós e os retirasse de bordo com a manopla rija, impedindo-lhes a partida no liner da Mala Real!”.

Segundo o artigo do jornalista e escritor Benjamin Costallat (1897 – 1961), publicado na Gazeta de Notícias de 22 de janeiro de 1922, foi um verdadeiro escândalo a presença dos Batutas no Cine Palais, em 1919, assim como o anúncio da ida do grupo para Paris. Foram atacados com um desabrido e repugnante racismo:

“Eram  músicos brasileiros que vinha cantar cousas brasileiras. Isso em plena Avenida, em pleno almofadismo, no meio de todos esses meninos anêmicos, frequentadores de “cabarets” que só falam francês e só dançam tango argentino! No meio do internacionalismo das costureiras francesas, das livrarias italianas, das sorveterias espanholas, dos automóveis americanos, das mulheres polacas, do esnobismo cosmopolita e imbecil!

Não faltaram censuras aos modestos “oito batutas”. Aos heróicos “oito batutas” que pretendiam, num  cinema da Avenida, cantar a verdadeira terra brasileira, atráves de sua música popular, sinceramente, sem artifícios nem cabotinismos, ao som espontâneo de seus violões e cavaquinhos.

A guerra que lhes fizeram foi atroz. Como os músicos eram bons, “batutas de verdade”, violeiros e cantadores magníficos, como a flauta de Pixinguinha fosse melhor do que qualquer flauta por aí saída com dez diplomas de dez Institutos, começaram os despeitados a alegar a cor dos “oito batutas”, na maioria pretos”. Segundo os descontentes, era uma desmoralização para o Brasil ter na principal artéria de sua capital uma orquestra de negros! O que iria pensar de nós o estrangeiro?”

O jornal A Noite também antecipou a possibilidade de que haveria quem num melindre idiota reprovasse a ida dos rapazes porque eram de cor (A Noite, 28 de janeiro de 1922).

 

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O Imparcial saudou com entusiasmo a viagem dos Batutas, exímios tocadores de instrumentos nacionais que só executam músicas nacionais, o que só podem considerar como uma das mais altas expressões da arte musical genuinamente brasileira (O Imparcial, 28 de janeiro de 1922, segunda coluna).

 

 

 

Uma carta enviada pelo jornalista Floresta de Miranda, de Paris, defendeu e deu notícias das apresentações dos Batutas na França (Jornal do Recife, 11 de abril de 1922, primeira coluna).

 

 

“Paris, inverno de 1922. Frio de rachar, vários graus abaixo de zero. Duque e eu estávamos na Estação de Quai d´Orsay, esperando o trem de Bordéus. Nesse trem iriam chegar os Oito Batutas. Às 23 horas apareceram os músicos brasileiros, cada qual carregando o seu instrumento. Trajavam roupas leves e tiritavam. Na manhã seguinte Duque os levou a comprar roupas apropriadas para aquele clima. Vem a estreia no Shéhérazade. Sucesso completo. Paris acode àquele dancing. Pixinguinha com a sua flauta infernal faz o diabo. China abafa com o seu violão e a sua bela voz e Donga abafa no pinho e desperta paixões…”

Parte de uma crônica do jornalista Floresta de Miranda

publicada no livro Samba jazz & outras notas

 

Já em fins da década de 1970, o jornalista carioca João Ferreira Gomes, cujo pseudônimo era Jota Efegê (1902 – 1987) e que se destacou como um grande cronista das histórias cariocas, de seus personagens e manifestações culturais, comentou esse tipo de declaração abertamente racista em relação aos Batutas no artigo Para os racistas, os Oito Batutas eram “negróides” e “pardavascos”, publicad0 em O GLOBO.

 

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O GLOBO, 22 de março de 1977

 

Até por políticos a ida dos Batutas à Europa foi questionada. Em 24 de julho de 1922, votava-se na Câmara um auxílio de 40 contos de réis para uma viagem do compositor Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959) à Europa. Pedro da Costa Rego (1889 – 1954), representante de Alagoas, deu parecer contrário e Gilberto Amado (1887 – 1969), deputado por Sergipe, ao encaminhar a votação, discordou de seus colegas que combateram a emenda e apelou:

“Negar a Heitor Vila Lobos 40:000$ para que possa tomar passagem e ir à Europa, que nos manda, todos os anos, maestros e pseudomaestros, às vezes abaixo de nossa cultura negar a Vila Lobos o direito de ir à Europa, mostrar que não somos apenas os “Oito Batutas”, que lá sambeiam, é negar que pensamos musicalmente, é uma atitude não digna da Câmara dos Senhores Deputados brasileiros!”

 

O Retorno

“Chiii! Se fosse agora, nós seríamos o Roberto Carlos”

Pixinguinha em depoimento dado, em 1966,

sobre a popularidade dos Batutas quando retornaram de Paris

“Fiquei tão apaixonado pela França que compus uma valsa de seis partes, ganhando um prêmio da Sociedade Francesa de Compositores. Mas era grande a saudade que sentíamos do Rio de Janeiro. Um dia, quando passeávamos por uma rua parisiense, um de nós começou a assobiar uma valsa de Manuel da Harmonia. Não nos contivemos: choramos como crianças”.

Donga(1966)

 

Em 31 de julho de 1922, os Batutas embarcaram no Lutetia, em Bordeauxna França. O navio fez escalas em Boulogne-sur-mer, Vigo e Lisboa e, após cerca de 6 meses, em 14 de agosto de 1922, os músicos chegaram no Rio de Janeiro. Durante a viagem de volta, fizeram algumas apresentações em festas a bordo. Saudades do Brasil, os negócios de Duque que não rendiam muito e a vontade de participar dos festejos do centenário da independência do Brasil foram razões alegadas para o retorno. Além deles, desembarcaram também do navio o fotógrafo Marc Ferrez (1843 – 1923), o inventor Alberto Santos Dumont (1873 – 1932), o presidente do Jockey Clube, Lineu de Paula Machado (1880 – 1942); o empresário Arnaldo Guinle (1884 – 1963); o coronel Buchalet, da missão militar francesa no Brasil, e o médico Paulo de Figueiredo Parreiras Horta (1884 – 1961) (A Noite1º de agosto, primeira coluna, e 14 de agosto de 1922; O Paiz, 15 de agosto de 1922, página 3 e página 4). No artigo do Imparcial, de 15 de agosto, Pixinguinha (1897 – 1973), declarou que não havia animosidade contra os homens de cor na França. Mencionou a presença de músicos de jazz em Paris e disse que os Batutas voltaram para o Brasil para tomar parte nas comemorações pelo centenário da Independência do Brasil.

 

 

“Modéstia à parte, fique sabendo que triunfamos. É bom que se saiba de que quando daqui saímos, animados por uns, ridicularizados por outros, não tinha a estulta pretensão de representar no estrangeiro a arte musical brasileira. O que iríamos apresentar em Paris, e o fizemos com decência, graças a Deus, era apenas uma das feições de nossa música, mas daquela essencialmente popular, característica. Para os que amavam, ficam em nossos corações o reconhecimento e a saudade. Dos outros, preferimos amargar os apodos a discutir. Tocamos para frente!”

Pixinguinha, em entrevista dada ao jornal A Notícia, após a chegada no Rio de Janeiro (Pixinguinha: Vida e Obra)

Durante o mês de setembro, os Batutas fizeram apresentações na Exposição do Centenário da Independência como atração fixa do pavilhão da montadora de automóveis norte-americana General Motors, contando com os reforços da cantora Zaíra de Oliveira (1900 – 1951), mulher de Donga (1890 – 1974)); e do trompetista Bonfiglio de Oliveira (1894 – 1940). Pixinguinha, em entrevista, disse que havia tocado também durante a primeira transmissão radiofônica oficial brasileira, ocorrida em 7 de setembro de 1922. O evento integrou as comemorações do centenário da Independência. Toquei num estudiozinho que havia lá e a Zaíra de Oliveira cantou. O estúdio foi montado no pavilhão dos Estados Unidos.

 

 

Uma estação de 500 watts, montada no alto do Corcovado pela Westinghouse Eletric International em combinação com a Companhia Telefônica Brasileira, irradiou músicas e um discurso do presidente Epitácio Pessoa (1865 – 1942), surpreendendo os visitantes da Exposição Internacional do Rio de Janeiro, através de 80 receptores vindos dos Estados Unidos, que haviam sido distribuídos às autoridades e instalados em pontos centrais da cidade.

Após diversas apresentações, entre agosto e dezembro de 1922, dentre elas shows promovidos pela famíla Guinle em dois dos mais exclusivos clubes do país, o Fluminense, presidido por Arnaldo Guinle; e o Jockey Club do Rio de Janeiro, cujo presidente era Lineo de Paula Machado, marido de Celina Guinle; os Oito Batutas embarcaram no navio Duque d´Osta para uma temporada no Teatro Empire, em Buenos Aires, sob o comando do empresário José Segreto (O Paiz, 2 de dezembro de 1922, quarta coluna).

 

Os Batutas na imprensa brasileira em 1922

 

Decadência do maxixe… (O Paiz, 4 de janeiro de 1922, última coluna) – Na coluna “Artes e Artistas”, comentário sobre o fato dos Oito Batutas ser o único conjunto musical a privilegiar o maxixe.

Os Oito Batutas estrearam no Cine Theatro Abigail Maia, em Madureira (Correio da Manhã, 7 de janeiro de 1922, terceira coluna; A Noite, 9 de janeiro de 1922, segunda coluna)

Os Oito Batutas apresentavam-se no Cine-Theatro Abigail Maia, em Madureira. Mané Pequeno, imitador de caipiras também participava do espetáculo (O Imparcial, 11 de janeiro de 1922, primeira coluna; O Jornal, 12 de janeiro de 1922, última coluna).

No Cine Theatro Fluminense, em São Cristóvão, com a participação dos Oito Batutas e a apresentação de duas peças, realização de um espetáculo em homenagem ao Clube de São Cristóvão (Correio da Manhã, 13 de janeiro de 1922, quinta coluna; O Jornal, 17 de janeiro, sexta coluna).

Os Oito Batutas tocaram durante uma excursão marítima em comemoração aos 35 anos de formatura de uma turma de médicos (O Paiz, 14 de janeiro de 1922, terceira coluna).

No Trianon, participaram de uma festa em benefício de Christóvão Vasques (O Paiz, 17 de janeiro de 1922, sexta coluna).

Artigo do jornalista e escritor Benjamin Costallat (1897 – 1961) fazendo uma pequena trajetória dos Batutas e criticando o esnobismo imbecil em relação à música popular brasileira e o racismo e defendendo a ida do conjunto para Paris (Correio da Manhã, 22 de janeiro de 1922, penúltima coluna).

Lançamento da música A Carta, de autoria de Pixinguinha (1897 – 1973) e M. Almeida (A Noite, 24 de janeiro de 1922, terceira coluna). 

Sátira aos novos auxiliares do Ministério da Fazenda, chamando-o de Oito Batutas (D. Quixote, 25 de janeiro de 1922).

Os Oito Batutas vão dar concertos em Paris (O Imparcial, 28 de janeiro de 1922, segunda coluna).

Pelo que é nosso (A Noite, 28 de janeiro de 1922).

A Pátria saudou a viagem como uma das expressões mais legítimas do que é nosso (A Pátria, 28 de janeiro de 1922).

No dia 29 de janeiro de 1922, o grupo musical Oito Batutas embarcou no navio transatlântico Massília rumo à França (O Paiz, 29 de janeiro de 1922, terceira coluna).

Na coluna Aventuras de Motta e Chefe, publicação de uma charge satirizando a ida dos Oito Batutas à Europa (Jornal do Brasil, 29 de janeiro de 1922). 

Crítica à ida dos Batutas a Paris. “Não sei se a coisa é para rir ou para chorar. Seja como for, o boulevard vai se ocupar de nós. Não do Brasil de Arthur Napoleão, de Osvaldo Cruz, de Rui Barbosa, de Oliveira Lima, não do Brasil expoente, do Brasil elite, mas do Brasil pernóstico, negróide e ridículo e de que la chanson oportunamente tomará conta” (Diário de Pernambuco, 1º de fevereiro de 1922, segunda coluna).

Meu diário

O sr. Benjamin Costallat, que é um dos nossos mais finos observadores, estava o ano passado em Paris, quando a sua confreira patrícia, a sra. Regina Regis, lá residente, fez representar num teatro qualquer uma peça “genuinamente brasileira” por ela assim inculcada ao público e, como tal, por esse vivamente aplaudida. Nessa assistência, contava-se a flor de nossa colônia na Cidade Luz. E o cronista não pode deixar de manifestar a sua indignação em correspondência para um jornal do Rio diante de um negroide obsceno das bananeiras e dos sambas que a sra. Regis se lembrara de impingir como as únicas coisas típicas de sua pátria à frivolidade boulevardière.

Eu recordei-me imediatamente do protesto de Costallat ao ler um dias desses do telegrama (informando) que o dançarino Duque embarcara com destino à capital francesa levando em sua companhia a troupe dos Oito Batutas. Esses “artistas” já estiveram aqui se exibindo no Teatro Moderno. São oito, aliás, nove desempenados pardavascos, que tocam viola, pandeiro e outros instrumentos rudimentares, acompanhando uns aos outros em cantigas do horrível gênero Catulo Cearense e dançando com exagero as cores da nossa Tersícopere bárbara.

Pois bem! É essa gente que Luiz Duque, o famoso bailarino do Luna Park, um dos ilustres reveladores de “La Mattchiqhe” ao velho mundo, vai fazer exibir no seu cassino, onde passa cotidianamente a gama de blasbenismos e do rastacuerismo internacional. Os Oito Batutas vão ser, dentro de pouco, o número “suco” do Luna e, diante deles, o parisiense blasé se espantará, excitando a sua perdida sensualidade diante das sortes daqueles mulatos audazes que pretendem representar o Brasil”.

E não haver uma política inexorável que legalmente os fisgasse pelo cós e os retirasse de bordo com manopla rija, impedindo-lhes a partida no liner da Mala Real! Impunemente, porém, os Oito Batutas lá vão rumo a Paris mais o Duque, que tem olho fino, mais fino mesmo que os pés e sabem como treinar para que eles se mostrem de verdade uns cotubas no remelexo, nas cantilenas estropeadas de Catulo, na música lúbrica dos choros. Para consagrá-los e desmoralizarem cada vez mais o seu país, lá estão a espera com os seus lugares reservados, os mesmíssimos brasileiros que aplaudiram a peça “nacionalista” da sra. Regis. E depois ainda nos queixamos quando chega por aqui um maroto estrangeiro que, de volta a penates, se dá a divertida tarefa de contar das serpentes e da pretalhada que viu no Brasil (Jornal do Commercio, 1º de fevereiro de 1922 – de um cronista que se identificava como S).

Foi noticiado que tanto o Jornal do Commercio como o Diário de Pernambuco, do Recife, criticaram a ida dos Oito Batutas à Europa com comentários racistas (Jornal do Brasil, 2 de fevereiro de 1922, segunda coluna). 

Crítica à ida dos Oito Batutas para a Europa. Menção à música Ai, seu Mé, uma sátira em torno da alegada passividade de Artur Bernardes (1875 – 1955), eleito presidente da República, em março de 1922  (Correio da Manhã, 3 de fevereiro de 1922, sexta coluna). 

De Barbacena, Leon Feranda enviou uma carta em francês criticando a ida dos Oito Batutas a Paris como representantes do Brasil como havia sido noticiado pelo jornal A Noite. O jornal O Paiz responde às críticas (O Paiz, 4 de fevereiro de 1922, terceira coluna).

Na coluna “Ecos e Novidades”, comentário sobre a ida dos Batutas a Paris e crítica ao esnobismo ignorante dos que nunca atentaram para as belezas da música popular (A Noite, 4 de fevereiro de 1922, primeira coluna).

Crítica ao esnobismo em torno da ida dos Oito Batutas a Paris (A Província, 15 de fevereiro de 1922, terceira coluna).

Notícia sobre a estreia, com sucesso, dos Batutas, em Paris (Jornal do Brasil, 17 de fevereiro de 1922, sexta coluna; Gazeta de Notícias, 17 de fevereiro de 1922, sétima coluna).

Publicação do artigo Os “Batutas” em Paris, de José Fortunato, em torno da polêmica da ida dos Batutas a Paris (A Maçã, 18 de fevereiro de 1922).

O préstito do Club dos Democráticos durante o carnaval contou com um carro alegórico de crítica chamado Oito Batutas, onde eram tocados os tangos que mais agradaram ao público dos teatros cariocas (Correio da Manhã, 28 de fevereiro de 1922, quarta coluna; Jornal do Brasil, 4 de março de 1922, última coluna; O Jornal, 28 de fevereiro de 1922, quinta coluna).

Notícia sobre o sucesso dos Oito Batutas no pequeno teatro de Montmartre, Shéhérazade, sob a direção de Duque, em Paris (O Paiz, 9 de março de 1922, quarta coluna; O Jornal, 10 de março de 1922, última coluna).

Publicação do artigo A Música Brasileira, de Chrysantheme, Maria Cecília Bandeira de Melo Vasconcelos (1870 – 1948), elogiando a turnê dos Oito Batutas, em Paris (Correio Paulistano, 29 de março de 1922, primeira coluna).

Matéria celebrando o sucesso dos Batutas em Paris (Careta, 1º de abril de 1922).

Quando o samba fala francês… Publicação da letra do samba Les Batutas, composto por Pixinguinha (Gazeta de Notícias, 14 de abril de 1922, quarta coluna).

Uma carta enviada pelo jornalista A. Floresta de Miranda de Paris defendeu e deu notícias das apresentações dos Batutas em Paris (Jornal do Recife, 11 de abril de 1922, primeira coluna).

Carta do jornalista A. Floresta de Miranda em defesa dos Batutas (Jornal do Recife, 11 de abril de 1922, primeira coluna). 

Os “Oito Batutas” representam a música vulgar carioca’(A Noite, 19 de abril de 1922, quinta coluna).

Crítica sobre a temporada dos Batutas em Paris. Estariam fazendo sucesso.  …está dando em resultado o cruzamento harmônico e melódico do nosso do samba com o cancan parisiense (Jornal do Brasil, 22 de abril de 1922, sexta coluna).

Em um artigo sobre a universalidade da linguagem universal, o autor, Augusto de Lima (1859 – 1934), membro da Academia Brasileira de Letras, cita os Oito Batutas (O Imparcial, 16 de junho de 1922, quarta coluna).

Após cerca de 6 meses, em 14 de agosto de 1922, os Batutas voltaram ao Rio de Janeiro, a bordo do Lutetia. O paquete partiu de Bordeux, em 1º de agosto, e fez escalas em Boulogne-sur-mer, Vigo e Lisboa (A Noite1º de agosto, primeira coluna, e 14 de agosto de 1922; Diário de Pernambuco, 2 de agosto de 1922, quarta colunaO Paiz, 15 de agosto de 1922, página 3 e página 4Jornal do Brasil, 15 de agosto, quinta colunaGazeta de Notícias, 15 de agosto de 1922, última coluna).

Pixinguinha declarou que não havia animosidade contra os homens de cor na França. Mencionou a presença de músicos de jazz em Paris e disse que os Batutas voltaram para o Brasil para tomar parte nas comemorações pelo centenário da Independência do Brasil (O Imparcial, 15 de agosto de 1922).

O dançarino Duque, Antônio Lopes de Amorim Diniz (1884-1953), que também havia retornado de Paris, fez uma visita à redação da Gazeta de Notícias e revelou que pretendia abrir um curso de dança no Rio de Janeiro. Estava acompanhado de Donga (1891 – 1974) e de China (1888 – 1926). Foi noticiado que, em 17 de agosto, os Batutas apresentariam um repertório de músicas brasileiras, no Jockey Club em uma festa oferecida ao presidente do clube, Lineu de Paula Machado. No dia 6 de setembro, se apresentariam no Fluminense Futebol Clube no gênero jazz band (Gazeta de Notícias, 16 de agosto de 1922, segunda coluna).

Na coluna “Artes e Artistas” foi noticiado que, a convite da sra. Rasimi (1874 – 1954), diretora da Companhia do Ba-ta-clan, os Oitos Batutas haviam apresentado no Theatro Lyrico o repertório dos shows que haviam realizado em Paris. “Não há dúvida nenhuma: mais uma vez os versos do trovador popular se justificam… ”A Europa continua a curvar-se ante o Brasil” (O Paiz, 23 de agosto de 1922, quinta coluna; e 27 de agosto, penúltima coluna, de 1922; Correio da Manhã, 24 de agosto de 1922, segunda coluna; Gazeta de Notícias, 27 de agosto de 1922,segunda coluna).

A senhora Rasimi ofereceu um almoço, na Ilha d´Água, a vários escritores, artistas e jornalistas brasileiros com uma apresentação dos Oito Batutas (O Paiz, 24 de agosto de 1922, primeira coluna).

Propaganda e notícia da apresentação dos Batutas no Theatro Lyrico, no espetáculo de revista V´la Paris (O Paiz, 26 de agosto de 1922 e Correio da Manhã, 26 de agosto de 1922; O Jornal, 26 de agosto de 1922, terceira coluna).

No Palace Hotel, a esposa do adido naval dos Estados Unidos, a sra. Herbert Sparrow, ofereceu uma recepção com a apresentação dos Oito Batutas (O Paiz, 2 de setembro de 1922, terceira coluna).

Foi noticiado que os Oito Batutas trouxeram de Paris novas músicas: Dádiva d´ Amor, de Donga (1891 – 1974), e Batutas, samba de Pixinguinha (A Noite, 5 de setembro de 1922, última coluna).

Segundo artigo do poeta e compositor Hermes Fontes (1888 – 1930): “Já cá estão os Oito Batutas, de volta de Paris, onde estragaram o sentimento brasileiro e a verdadeira poesia dos sertões” (A Illustração Brasileira (FRA), 7 de setembro de 1922).

Apresentação dos Oito Batutas na inauguração do Hotel Balneário Sete de Setembro, construído na Praia de Botafogo para as comemorações do centenário da independência do Brasil (O Paiz, 7 de setembro de 1922, quarta coluna; O Imparcial, 7 de setembro, penúltima coluna).

Propaganda da estreia dos Oito Batutas no Cine-Theatro Rialto (O Paiz, 10 de setembro e 12 de setembro de 1922; Correio da Manhã, 10 de setembro de 1922; O Imparcial, 12 de setembro de 1922, quarta coluna).

Os Oito Batutas foram contratados pelo prefeito do Rio de Janeiro, Carlos Sampaio (1861 – 1930), para tocarem na festa, no alto do Corcovado, oferecida às delegações de Buenos Aires e de Montevidéu, presentes na cidade devido à comemoração do centenário da Independência do Brasil. “Os Oito Batutas empurraram um maxixe eletrizante” (Correio da Manhã, 16 de setembro, última coluna; O Combate, 18 de setembro de 1922, primeira coluna).

Participaram, no Teatro Municipal, de uma homenagem ao presidente de Portugal, Antônio José de Almeida. O ator Leopoldo Froes (1882 – 1932) e os músicos Catulo da Paixão Cearense (1863 – 1946) e Mario Pinheiro (1883 – 1923) também participaram do evento (Jornal do Commercio, 18 de setembro de 1922, última coluna).

No Country Club, apresentação dos Oito Batutas e da jazz band Harry Kosarin´s (ou Kosarini) em um chá dançante em homenagem a estudantes sul-americanos (O Paiz, 21 de setembro de 1922, primeira coluna; O Imparcial, 21 de setembro de 1922, penúltima coluna).

A Sociedade Brasileira de Autores Teatrais havia aberto um inquérito contra os Oito Batutas devido a acusações feitas a eles por J. B. da Silva, o Sinhô (1888- 1930), e Francisco José Freire Junior (1881 – 1956). Segundo os compositores, os Oito Batutas haviam, sem autorização, editado, em Paris, trabalhos musicais da autoria deles. O relator foi Cardoso de Menezes, que pediu que o professor Duque fosse ouvido (O Imparcial, 21 de setembro de 1922, segunda coluna; Jornal do Commercio, 6 de outubro de 1922, quinta coluna; Jornal do Commercio, 10 de outubro de 1922, segunda coluna).

Os Oito Batutas tocaram na festa oferecida pelo Círculo da Imprensa para os jornalistas estrangeiros, presentes na cidade devido à comemoração do centenário da Independência do Brasil (Correio da Manhã, 2 de outubro de 1922, quarta coluna).

A Companhia Abigail Maia estava sendo esperada, com os Oito Batutas, em São Paulo, onde fariam apresentações no Teatro da República (O Combate, 2 de outubro de 1922, segunda coluna3 de outubro, primeira coluna).

No Clara Hotel, apresentação dos Oito Batutas com o delicioso exotismo de seus fox-trots parisienses (O Imparcial, 7 de outubro de 1922, terceira coluna).

A valsa Diza, de autoria de China (1888 – 1926), irmão de Pixinguinha (1897 – 1973), e executada pelos Oito Batutas e pelas orquestras Cícero, Romeu Silva e Andreosi, foi editada pela Casa Viúva Guerreiro (O Jornal, 1º de novembro de 1922, terceira coluna).

No Palácio das Festas, na Exposição do Centenário da Independência do Brasil, os Oito Batutas e uma banda militar foram as atrações musicais do baile promovido pela União dos Empregados no Comércio. O serviço de buffet foi do restaurante Falconi (A Noite, 8 de novembro de 1922, quarta coluna; O Paiz, 9 de novembro de 1922, segunda coluna).

Tocaram na sala de espetáculos do Teatro Carlos Gomes, onde se apresentava o vaudeville Surpresas da exposição, do dramaturgo Gastão Tojeiro (1880 – 1965) (Jornal do Brasil, 28 de novembro de 1922, quinta coluna); O Imparcial, 28 de novembro de 1922, segunda coluna).

Os Oito Batutas embarcaram no navio Duque d´Osta para uma temporada no Empire, em Buenos Aires, sob o comando do empresário José Segreto (O Paiz, 2 de dezembro de 1922, quarta coluna; O Jornal, 3 de dezembro de 1922, quinta coluna; Correio Paulistano, 2 de dezembro de 1922, quinta coluna 1922, quinta coluna; Correio Paulistano, 2 de dezembro de 1922, quinta coluna).

 

Uma brevíssima história dos Oito Batutas e Pixinguinha

 

“Se você tem 15 volumes para falar de toda a música popular brasileira, fique certo de que é pouco. Mas, se dispõe apenas do espaço de uma palavra, nem tudo está perdido; escreva depressa: Pixinguinha”

Ary Vasconcellos, crítico e historiador

 

 

“É o melhor ser humano que conheço. E olha que o que eu conheço de gente não é fácil!”

Vinícius de Moraes sobre Pixinguinha

 

O elegante Cine Palais foi inaugurado, na avenida Rio Branco, antiga avenida Central, no Rio de Janeiro, em 16 de julho de 1914. Ficava no edifício onde anteriormente localizava-se o Cine Pathé (Correio da Manhã, 12 de julho e 15 de julho de 1914). Seu proprietário era o coronel Gustavo de Mattos (Revista da Semana17 de julho  e 24 de julho de 1915).

 

 

Apresentaram-se pela primeira vez, em abril de 1919, na sala de espera do Cine Palais, os Oito Batutas, formado por Pixinguinha (flauta), Donga (violão), China (voz e violão), Nelson Alves (cavaquinho), os irmãos Raul (violão) e Jacob Palmieri (pandeiro); José Alves de Lima, o Zezé (bandolim e ganzá) e Luís de Oliveira (bandola e reco-reco). Todos os livros consultados pela pesquisa da Brasiliana Fotográfica apontam o dia 7 de abril de 1919 como o da estreia do grupo no Cine Palais, mas há registros nos jornais da época de apresentações anteriores a essa data (O Paiz2 de abril, penúltima coluna; e 4 de abril, terceira coluna, de 1919; Manchete, 24 de setembro de 1966).

Pixiguinha já havia tocado flauta, em meados da década de 1910, na sala de projeção do Cine Palais, acompanhando os filmes mudos. 

 

 

A ideia da criação do conjunto musical, que se tornaria lendário na história da música popular brasileira, foi de Isaac Frankel, gerente do cinema, como uma estratégia para resgatar o público que havia se afastado dos cinemas devido à violenta epidemia de gripe espanhola, em 1918. Frankel havia ouvido, no carnaval de 1919, o Grupo Caxangá, do qual faziam parte, dentre mais de 15 músicos, Pixinguinha (1897 – 1973), Donga (1891 – 1974) e João Pernambuco (1883 – 1947), no coreto do Largo da Carioca, ao lado da sede da Sociedade Tenentes do Diabo. O Caxangá era, na década de 1910, uma das principais atrações do carnaval do Rio de Janeiro.

 

Grupo Caxangá no carnaval de 1915 / Pixinguinha, vida e Obra

Grupo Caxangá no carnaval de 1914 / Pixinguinha, Vida e Obra

 

Em julho de 1919, os Oito Batutas também tocaram nas salas de espera dos teatros Carlos Gomes e São José, ambos do empresário e um dos pioneiros do cinema no Brasil, Paschoal Segreto (1868 – 1920) (O Paiz, 23 de julho de 1919). Em outubro, João Pernambuco integrava o conjunto, do qual o bandolinista José Alves de Lima havia se desligado.

 

 

As apresentações do grupo na sala de espera do Cine Palais, frequentado pela elite carioca, onde já haviam tocado os pianistas Oswaldo Cardoso de Menezes (1893 – 1935) e Luciano Gallet (1893 – 1931), fizeram muito sucesso e logo o conjunto ganhou admiradores como o músico Ernesto Nazareth (1863 – 1934), que tocava na sala de espera do concorrente Cine Odeon; o político Ruy Barbosa (1849 – 1923) e o empresário Arnaldo Guinle (1884 – 1963) que, como já mencionado, patrocinou uma turnê do grupo por estados do sudeste e do nordeste do Brasil, entre 1919 e 1920; e, em 1922, para Paris.

 

 

Estava programada uma apresentação dos 8 Batutas para os reis da Bélgica, que visitaram o Brasil entre 19 de setembro e 16 de outubro de 1920. Aconteceria durante o almoço que seria oferecido a eles pelo então prefeito do Rio de Janeiro, Carlos Sampaio, na Mesa do Imperador. Porém uma chuva fez com que o evento fosse cancelado (O Paiz, 24 de setembro de 1920, segunda colunaO Paiz, 25 de setembro de 1920).

Em 1º de dezembro de 1922, após a turnê de Paris, o conjunto seguiu em nova viagem internacional, desta vez para a Argentina e foram mesmo Oito Batutas: Pixinguinha (flauta e saxofone), Donga (violão e banjo), J. Tomás (bateria), China (violão e voz), Nelson Alves (cavaquinho e banjo), J. Ribas (piano), Josué de Barros (violão) e José Alves (bandolim e ganzá). Apresentaram-se em Buenos Aires, no Teatro Empire; em Rosário, La Plata e Chivilcoy (O Paiz, 2 de dezembro de 1922, quarta coluna). A temporada foi um sucesso e terminou em abril de 1923 (Correio da Manhã, 6 de abril de 1923, sexta coluna).

Em 1927, os Batutas começaram a tocar no Cinema Odeon e fizeram uma turnê por Santa Catarina (Correio da Manhã, 25 de agosto, segunda coluna). Também se apresentaram em teatros e no espetáculo Noites de Montmartre, no Assyrio (Correio da Manhã, 14 de julho de 1927), onde, de maio de 1928 a 1931, foram atração fixa.

Pixinguinha, Donga (1891 – 1974) e João da Baiana (1887 – 1974) criaram o Grupo da Guarda Velha, que substituiu os Batutas e foram um grande sucesso no carnaval de 1932. Os três músicos foram frequentadores da Casa de Tia Ciata (1854 – 1924), que ficava na Pequena África no Brasil, expressão baseada numa afirmação do cantor e pintor Heitor dos Prazeres (1898 – 1966) se referindo à área que começava no Porto do Rio de Janeiro e abrangia os atuais bairros da Saúde, Estácio, Santo Cristo, Gamboa e Cidade Nova, até a Praça Onze de Junho, que foi totalmente remodelada nos anos 1940 para a abertura da avenida Presidente Vargas. Foi  lá que, a partir da década de 1870, a comunidade baiana se estabeleceu no Rio de Janeiro, fazendo da área um local de concentração de diversas manifestações da cultura afro-brasileira.

 

 

João da Baiana era filho de Prisciliana Maria Constança, e Donga, filho de Amélia Silvana de Araújo, tias baianas da Pequena África. Eras irmãs-de-santo da lendária Tia Ciata (1854 – 1924), Hilária Batista de Almeida, no terreiro de João Alabá, um dos principais babalorixás do candomblé  no Rio de Janeiro. Havia também as tias Bebiana, Carmen e Mônica, dentre outras, que fizeram de suas casas pontos de referência e de convívio, que garantiram a manutenção das tradições africanas na cidade. Nessas casas eram cultuadas a música e a religiosidade afro-brasileira. As casas de Tia Prisciliana e, principalmente, a de Tia Ciata foram espaços fundamentais da música popular carioca.

 

O GLOBO, 26 de maio de 2019

Região da Pequena África / O GLOBO, 26 de maio de 2019

 

Entre a última década do século XIX e as primeiras décadas do século XX, a comunidade afro-descendente se reunia nessa região para praticar religiões de matriz africana e cantar sambas. Foi na casa de Tia Ciata, onde havia um terreiro de candomblé clandestino e onde os bambas do samba se encontravam, que o primeiro samba, registrado e gravado como tal, Pelo telefone, foi composto por Donga e Mauro de Almeida (1882 – 1956), em 1916. Foi lançado pela Odeon, em 1917. Existiu uma polêmica em torno de sua autoria: foi registrado por Donga, em 27 de novembro de 1916, mas teria sido uma criação coletiva. Houve uma troca de petardos musicais entre Sinhô (1888 – 1930), que estaria presente na casa de Tia Ciata quando o samba foi composto e a turma de Donga, dentre eles João da Baiana e Pixinguinha. Outra polêmica envolve o fato de ter sido mesmo o primeiro samba ou se foi o primeiro samba a fazer sucesso, já que alguns autores alegam que antes foram compostos os sambas Em casa da baiana, de 1911; e A viola está magoada, de 1914.

 

 

Foi também na Pequena África que a Deixa Falar, considerada a primeira escola de samba, foi fundada, em 12 de agosto de 1928, pelos sambistas Bide, Mano Edgar, Brancura, Baiaco, dentre outros, além de Ismael Silva, que reinvidicava a expressão escola de samba. Eles se reuniam no Bar Apolo ou no Café Compadre, em frente à Escola Normal, no Largo do Estácio. Existiu até 1932, quando se apresentou como rancho carnavalesco.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

A Brasiliana Fotográfica agradece a colaboração de Bia Paes Leme, coordenadora de Música do Instituto Moreira Salles, e a de Fernando Krieger e Isadora Cirne, assistentes da Coordenadoria de Música do Instituto Moreira Salles, para a publicação desse artigo.

Para mais informações sobre Pixinguinha e os Batutas, inclusive para acessar gravações e mais fotografias do conjunto, acesse o site Pixinguinha, do Instituto Moreira Salles.

 

Abotoaduras que pertenceram a Pixinguinha. Arquivo Pixinguinha / Acervo IMS

Abotoaduras que pertenceram a Pixinguinha/ Arquivo Pixinguinha / Acervo IMS

 

 

Fontes:

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Site Musica Brasiliensis -Crônicas bovinas

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Links para os artigos já publicados da Série 1922 – Hoje, há 100 anos

Série 1922 – Hoje, há 100 anos II- A Semana de Arte Moderna, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 13 de fevereiro de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos III – A eleição de Artur Bernardes e a derrota de Nilo Peçanha, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 1º de março de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IV – A primeira travessia aérea do Atlântico Sul, realizada pelos aeronautas portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicada em 17 de junho de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos V – A Revolta do Forte de Copacabana, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicada em 5 de julho de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VI e série Feministas, graças a Deus XI – A fundação da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 9 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VII – A morte de Gastão de Orleáns, o conde d´Eu (Neuilly-sur-Seine, 28/04/1842 – Oceano Atlântico 28/08/1922), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 28 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VIII – A abertura da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil e o centenário da primeira grande transmissão pública de rádio no país, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 7 de setembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IX – O centenário do Museu Histórico Nacional, de autoria de Maria Isabel Lenzi, historiadora do Musseu Histórico Nacional, publicado em 12 de outubro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos X –  A morte do escritor Lima Barreto (1881 – 1922), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 1º denovembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos XI e série Feministas, graças a Deus XII 1ª Conferência pelo Progresso Feminino e o “bom” feminismo, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, antropóloga do Arquivo Nacional, publicado em 19 de dezembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.