Série “O Rio de Janeiro desaparecido” XVII – Igreja São Pedro dos Clérigos

No 17º artigo da Série O Rio de Janeiro desaparecido o tema é a Igreja São Pedro dos Clérigos. As fotografias são de Marc Ferrez (1843 – 1923), o mais importante cronista visual das paisagens e dos costumes cariocas da segunda metade do século XIX e do início do século XX; e do alagoano Augusto Malta (1864 – 1957), que foi o fotógrafo oficial da prefeitura do Rio de Janeiro de 1903 a 1936. O cargo foi criado para ele pelo prefeito Francisco Pereira Passos (1836 – 1913).

Foi em 1733 que a Igreja São Pedro dos Clérigos começou a ser construída na região central do Rio de Janeiro, na esquina das ruas São Pedro, que na época chamava-se rua dos Carneiro, e dos Ourives, atual rua Miguel Couto. Utilizando a ferramenta zoom, o leitor poderá magnificar a imagem abaixo e ver claramente as placas indicando a rua do Ourives e a Drogaria Araújo Freitas & Cia, além do calçamento e dos detalhes arquitetônicos da igreja. Há ainda pedestres na rua e uma charrete.

 

 

O terreno onde foi construída a Igreja São Pedro dos Clérigos ou Igreja do Príncipe dos Apóstolos foi doado pelo irmão Franciso Barreto de Menezes, em 9 de outubro de 1732. Foi edificada pelo bispo dom Antonio Guadalupe, que também realizou uma doação particular. Ficou pronta em 1738 e era considerada uma jóia do barroco. Seu interior era decorado por um rico trabalho do mineiro Mestre Valentim (1745 – 1813), um dos principais artistas do Brasil colonial. Era propriedade da Venerável Irmandade do Príncipe dos Apóstolos de São Pedro.

 

 

 

A autoria de seu projeto é controversa. Segundo a tese de doutorado de Luís Alberto Ribeiro Freire, A Talha Neoclássica na Bahia, Universidade do Porto, 2001:

O livro de tombo não nos informa, assim como nenhum outro documento encontrado nos arquivos da irmandade, da autoria do projeto da igreja. No entanto, Moreira de Azevedo cita o engenheiro militar Tenente-Coronel José Cardoso Ramalho como o autor do risco, baseando-se, para tanto, na tradição oral e numa informação que teria recebido diretamente de descendentes do referido militar, que teriam afirmado ser dele a autoria da igreja de São Pedro, assim como também a de Nossa Senhora da Glória do Outeiro. Souza Viterbo contestou esta autoria comprovando que o Tenente-Coronel somente teria se instalado na capitania do Rio de janeiro em 1738, portanto ao final já da construção. Apesar disso, constatou-se posteriormente que o tenente-coronel poderia, ainda assim, ter sido o autor do risco, pois durante dez anos antes de ter tomado posse de seu posto no Rio de Janeiro, a serviço do rei, escoltava constantemente as frotas que da metrópole vinham ao Brasil.”  

A igreja tinha uma planta elíptica, hoje só encontrada na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Ouro Preto, Minas Gerais. É também uma das igrejas brasileiras que se enquadram na tipologia curvilínea barroca, assim como a da Lapa dos Mercadores, no Rio de Janeiro, e outras igrejas em Minas Gerais, dentre elas a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Ouro Preto; e a de São Pedro dos Clérigos, em Mariana.

 

 

 

 

 

O mineiro Manoel Vieira dos Santos tornou-se o benfeitor da igreja quando doou, em 1764, 42,000 cruzados para o estabelecimento de um coro de seis sacerdotes na igreja. No mesmo ano, o bispo Antonio do Desterro (1694 – 1773) concedeu a licença, declarando que a irmandade jamais poderia dispor do patrimônio e do rendimento para despesas estranhas àquela instituição.

Foi uma das primeiras igrejas tombadas pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN -, criado em  em 13 de janeiro de 1937. O SPHAN é o atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. O tombamento deveria ser a garantia para sua conservação e permanência, porém a Igreja São Pedro dos Clérigos foi demolida, em 1944, durante o Estado Novo, devido à construção da avenida Presidente Vargas, um projeto de modernidade do governo de Getulio Vargas (1882 – 1954) que promulgou, em 29 de novembro de 1941, o Decreto-Lei 3866 de destombamento de bens do patrimônio histórico. Havia, na época, um pensamento segundo o qual resolver os problemas da cidade era solucionar seus problemas de tráfego.

 

 

DECRETO-LEI Nº 3.866, DE 29 DE NOVEMBRO DE 1941

Dispõe sobre o tombamento de bens no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional      

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição,

       DECRETA:

       Artigo único. O Presidente da República, atendendo a motivos de interesse público, poderá determinar, de ofício ou em grau de recurso, interposto pôr qualquer legítimo interessado, seja cancelado o tombamento de bens pertencentes à União, aos Estados, aos municípios ou a pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, feito no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de acordo com o decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.

       Rio de Janeiro, 29 de novembro de 1941, 120º da Independência e 53º da República.

Getulio Vargas
Gustavo Capanema

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 31.12.1941

Foi publicada a reportagem Vestígios da arte grega nos templos cariocas, com uma breve história e uma descrição da Igreja de São Pedro dos Clérigos e de suas raridades artísticas (Diário da Noite, 23 de julho de 1943).

 

 

Rodrigo de Melo Franco Andrade (1898–1969), diretor do SPHAN, tentou evitar a demolição. Houve uma grande polêmica, protestos de fiéis, de engenheiros, de historiadores e de arquitetos. O então prefeito do Rio de Janeiro, Henrique Dodsworth (1895 – 1975), pensou na possibilidade de deslocar o prédio da igreja para a lateral da avenida Presidente Vargas, utilizando-se, para este fim, rolos de concreto de 60 cm de diâmetro (Illustração Brasileira, agosto de 1943A Noite, 21 de setembro de 1943).

 

 

 

“O projeto consistia em substituir a parte inferior das paredes da igreja por concreto. Sob o concreto seriam colocados rolos que serviriam para deslocar a igreja até o outro lado da avenida. A Franki, uma empresa de fundações e infra-estrutural tinha tido sucesso na Europa no transporte de construções sobre rolos de aço. Mas aqui no Brasil surgiu a idéia de usar rolos de concreto, cujos estudos foram realizados pelo Prof. Fernando Lobo Carneiro”. 

Coisas da Arquitetura

 

 

 

 

Foi publicada uma matéria sobre as demolições já concluídas e as que ainda seriam realizadas para a abertura da avenida Presidente Vargas, dentre elas a da Igreja de São Pedro dos Clérigos (A Noite, 5 de novembro de 1943, primeira página, penúltima coluna página 3, sexta coluna). Instalou-se uma polêmica em torno da remoção (Diário da Noite, 1º de dezembro de 1943).

 

 

Dodsworth (1895 – 1975), começou a ser ridicularizado devido a esse projeto de deslocamento da igreja. Consultou a Franki, empresa de fundações e infra-estruturas, que tinha tido sucesso na Europa no transporte de construções sobre rolos de aço, sobre a garantia do transporte do prédio da igreja e o diretor da empresa disse que não poderia dar essa garantia devido à  heterogeneidade das paredes. Havia a possibilidade de um acidente que poderia causar o desmoronamento do igreja. Diante disso, Dodsworth optou pela demolição (Diário da Noite, 11 de fevereiro de 1944).

 

 

 

O nascimento da avenida condenou ao desaparecimento de outras três igrejas que estavam em seu caminho: a de São Domingos, de 1791, que ficava no largo de mesmo nome, na altura da Avenida Passos; a de Bom Jesus do Calvário, de 1719, na esquina da Rua Bom Jesus do Calvário com a da Vala, onde hoje é a Rua Uruguaiana; e a de de Nossa Senhora da Conceição, de 1757, na altura da atual Rua da Conceição. Uma curiosidade: o grande músico brasileiro, padre José Maurício Nunes Garcia (1767 – 1830), considerado o mais importante compositor brasileiro do fim do século XVIII e início do XIX; e o poeta Manuel Ignácio Silva Alvarenga (1749 – 1814) foram sepultados na Igreja São Pedro dos Clérigos.

“Antes da demolição, foram retirados todo o mobiliário, o altar e as talhas de Mestre Valentim, além de portas, janelas e partes da construção que poderiam ser usadas numa futura recomposição do templo, o que nunca aconteceu. Por esse motivo, pedaços da bela São Pedro dos Clérigos foram distribuídos por museus, fundações e outras paróquias. A imagem do altar-mor e a portada principal foram reutilizadas na nova Igreja de São Pedro, na Avenida Paulo de Frontin, no Rio Comprido. Duas cabeças de anjos e uma parte do retábulo estão no Museu de Arte Sacra da Arquidiocese do Rio de Janeiro. E uma das portas foi parar no Palácio Assunção, no Sumaré”.

O GLOBO, 7 de setembro de 2014

 

 

O desmonte da igreja e a dispersão das suas peças por acervos públicos e coleções particulares alimentou durante anos o mercado de artes. A imagem venerada no altar-mor de São Pedro, representado em trajes pontificiais e assentado em sua cátedra; e a portada principal da capela se encontram na Igreja de São Pedro, construída no Rio Comprido.

A rua de São Pedro, onde ficava a igreja e que havia sido aberta antes de 1620, também desapareceu para dar passagem à avenida Presidente Vargas. Havia se chamado rua Antônio Vaz Viçoso e rua do Carneiro, mas durante a construção da igreja passou a ser conhecida como rua de São Pedro. Em 1817, passou a ser, oficialmente denominada rua Desembargador Antonio Cardoso, mas permaneceu sendo designada São Pedro.

Todas as peças históricas da Igreja de São Pedro dos Clérigos foram fotografadas pelo SPHAN, atual IPHAN, para facilitar os trabalhos de uma futura reconstrução, que nunca aconteceu. Foram divulgadas no livro Réquiem pela Igreja de São Pedro: um patrimônio perdido e exibidas durante a exposição homônima, comemorativa do cinquentenário da SPHAN, em 1987, realizada pelo SPHAN e pela Casa de Rui Barbosa. Algumas estão publicadas no Ensaio de Compressão Diametral Prof. Fernando Lobo Carneiro, com notas de aula de Eduardo C.S Thomas, entre as páginas 73 e 91.

 

 

Igreja de São Pedro dos Clérigos (1733 – demolida em 1944) *

Cássio Loredano

Com que dor escreveria Sandra Alvim a palavra demolida – tantas dezenas de vezes em sua monumental Arquitetura religiosa colonial no Rio de Janeiro -, toda vez que trata da igreja de São Pedro dos Clérigos. “Traçado primoroso”, diz ela, formado pela interseção de arcos de circunferência, resultado de “elevado grau de elaboração formal”; inestimável documento da incipiente independência e formação da identidade do mestre-de-obras brasileiro em relação à Metrópole, superando as “rígidas limitações estéticas lusas”; primeira igreja da colônia a ter cobertura em cúpula coroada por zimbório com lanternim. Demolida em 1944. Ficava na velha rua de São Pedro, igualmente atropelada pela abertura da avenida Presidente Vargas.

Dois anos antes, já tinham sido postas abaixo a pequenina ermida de São Domingos (1706, reconstruída em 1791) e a igreja do Bom Jesus do Calvário, de 1796, todas no caminho da violência poluente, inclemente, que vai da Candelária à Praça da Bandeira. “Demolidas em 1942″, escreve a professora Sandra. Demolidas. As fotos são de cortar o coração.

*Esse texto, acompanhado de fotografias do acervo dos Diários Associados do Rio de Janeiro, adquirido pelo Instituto Moreira Salles, foi publicado em 13 de setembro de 2018 na seção Por dentro dos acervos, do site do IMS

 

 

 

Link para o samba Bom dia Avenida!, sobre a avenida Presidente Vargas, composição de Herivelto Martns e Grande Otelo, interpretada pelo Trio de Ouro, formado por Dalva de Oliveira, Herivelto Martins e Nilo Chagas.

 

“Lá vem a nova avenida 

Remodelando a cidade

Rompendo prédios e ruas

Os nossos patrimônios de saudade

É o progresso!

E o progresso é natural

Lá vem a nova avenida

Dizer à sua rival

Bom dia Avenida Central!

A União das Escolas de Samba

Respeitosamente fez o seu apelo

Três e duzentos de selo!

Requereu e quer saber

Se quem viu Praça Onze acabar

Tem direito à Avenida

Em primeiro lugar

Nem que seja depois de inaugurar!

Nem que seja depois de inaugurar!”

 

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

ALVIM, Sandra. Arquitetura Religiosa Colonial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ; IPHAN, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. 1999.

AZEVEDO, Moreira de. A Igreja de São Pedro  in O Rio de Janeiro: Sua História, Monumentos, Homens Notáveis, Usos e Curiosidades. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1877. 2 v.

BARATA, Cau. Rio Antigo - Igreja de São Pedro dos Clérigos. Youtube, 2010.

Blog Rio Curioso

BURY, John. Arquitetura e Arte no Brasil Colonial. IPHAN/Monumenta. Brasília, 2006.

Coisas da Arquitetura

FREIRE, Luiz Alberto Ribeiro. A Talha Neoclássica na Bahia. Rio de Janeiro : Versal Editores, 2006.

GERSON, Brasil. História das Ruas do Rio. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2013.

HOLLANDA, Daniela Maria Cunha de. A barbárie legitimada: A demolição da Igreja de São Pedro dos Clérigos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro : EDUERJ, 2014.

Música Brasilis

OLIVEIRA, Myriam A. R.; JUSTINIANO, Fátima. Barroco e Rococó nas Igrejas do Rio de Janeiro. Roteiros do Patrimônio, IPHAN/Monumenta. Brasília,2006.

PEREIRA, André Luiz T. Notas Sobre o Patrimônio Artístico das Irmandades de São Pedro dos Clérigos. I Encontro de História da Arte, São Paulo, 2005.

O Globo, 7 de setembro de 2014

Rio de Antigamente

Rio Memórias

Secretária das Culturas/ Arquivo da Cidade. Memória da Destruição: Rio – Uma história que se perdeu. Prefeitura do Rio de Janeiro, 2002.

Site José Maurício Nuno Garcia

THOMAS, Eduardo C.S. Ensaio de Compressão Diametral Prof. Fernando Lobo Carneiro

 

Links para os outros artigos da Série O Rio de Janeiro desaparecido

 

Série O Rio de Janeiro desaparecido I Salas de cinema do Rio de Janeiro do início do século XXde autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 26 de fevereiro de 2016.

Série O Rio de Janeiro desaparecido II – A Exposição Nacional de 1908 na Coleção Família Passos, de autoria de Carla Costa, historiadora do Museu da República, publicado na Brasiliana Fotográfica, em 5 de abril de 2018.

Série O Rio de Janeiro desaparecido III – O Palácio Monroe, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica, em 9 de novembro de 2016.

Série O Rio de Janeiro desaparecido IV - A via elevada da Perimetral, de autoria da historiadora Beatriz Kushnir, publicado na Brasiliana Fotográfica em 23 de junho de 2017.

Série O Rio de Janeiro desaparecido V – O quiosque Chopp Berrante no Passeio Público, Ferrez, Malta e Charles Dunlopde autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portalpublicado na Brasiliana Fotográfica em 20 de julho de 2018.

Série O Rio de Janeiro desaparecido VI – O primeiro Palácio da Prefeitura Municipal do Rio de Janeirode autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de setembro de 2018.

Série O Rio de Janeiro desaparecido VII – O Morro de Santo Antônio na Casa de Oswaldo Cruzde autoria de historiador Ricardo Augusto dos Santos da Casa de Oswaldo Cruzpublicado na Brasiliana Fotográfica em 5 de fevereiro de 2019.

Série O Rio de Janeiro desaparecido VIII – A demolição do Morro do Castelode autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portalpublicado na Brasiliana Fotográfica em 30 de abril de 2019.

Série O Rio de Janeiro desaparecido IX – Estrada de Ferro Central do Brasil: estação e trilhosde autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de novembro de 2019.

Série O Rio de Janeiro desaparecido X – No Dia dos Namorados, um pouco da história do Pavilhão Mourisco em Botafogode autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de junho de 2020.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XI – A Estrada de Ferro do Corcovado e o mirante Chapéu de Sol, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 22 de julho de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XII – o Teatro Lírico (Theatro Lyrico), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 15 de setembro de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XIII – O Convento da Ajuda, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de outubro de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XIV – O Conselho Municipal, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 19 de novembro de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XV – A Praia de Santa Luzia no primeiro dia do verão, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 21 de dezembro de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XVI – O prédio da Academia Imperial de Belas Artes, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado na Brasiliana Fotográfica em 13 de janeiro de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XVIII – A Praça Onze, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 20 de abril de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XIX – A Igrejinha de Copacabana, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 23 de junho de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XX – O Pavilhão dos Estados, futuro prédio do Ministério da Agricultura, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 26 de julho de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXI – O Chafariz do Largo da Carioca, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 19 de setembro de 2022. 

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXII – A Cadeia Velha que deu lugar ao Palácio Tiradentes, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 11 de abril de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXIII e Avenidas e ruas do Brasil XVII - A Praia e a Rua do Russel, na Glória, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 15 de maio de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXIV – O luxuoso Palace Hotel, na Avenida Rio Branco, uma referência da vanguarda artística no Rio de Janeiro, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 4 de julho de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXV – O Theatro Phenix, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 5 de setembro de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXVI – Conclusão do arrasamento do Morro do Castelo por Augusto Malta, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 14 de dezembro de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXVII e Série Os arquitetos do Rio de Janeiro V – O Jockey Club e o Derby Club, na Avenida Rio Branco e o arquiteto Heitor de Mello (1875 – 1920), de autoria de Andrea c. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, em 15 de janeiro de 2024

 

 

 

 

Série “1922 – Hoje, há 100 anos” I – Os Batutas embarcam para Paris, em 29 de janeiro – Uma história de música e de racismo

A Brasiliana Fotográfica inaugura a Série 1922 – Hoje, há 100 anos com o artigo Os Batutas embarcam para Paris, em 29 de janeiro – Uma história de música e de racismo, contando um pouco da história da turnê parisiense dos Batutas, considerado o primeiro grupo de música popular brasileira a alcançar projeção internacional. Tinha, entre seus integrantes, dois expoentes: o virtuoso Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha (1897 – 1973), o maior chorão de todos os tempos; e Joaquim Maria dos Santos, o Donga (1891 – 1974), um dos autores daquele que é um dos primeiros sambas gravados no Brasil, Pelo Telefone, registrado em 27 de novembro de 1916.

“A verdade é que o choro me agrada mais por ser mais trabalhado, com três partes, cada uma delas com dezesseis compassos, e não apenas oito, como no samba. Depois, o choro, que me parece originado da polca (uma das músicas de salão da época), era para mim a forma metódica através da qual eu podia expressar meus sentimentos”

Pixinguinha (1966)

“O ritmo caracteriza um povo. Quando o homem primitivo quis se acompanhar, bateu palmas. As mãos foram, portanto, um dos primeiros instrumentos musicais. Mas como a humanidade é folgada e não quer se machucar, começou a sacrificar os animais, para tirar o couro. Surgiu o pandeiro. E veio o samba. E surgiu o brasileiro, povo que lê música com mais velocidade do que qualquer outro no mundo, porque já nasce se mexendo muito, com ritmo, agitadinho, e depois vira capoeira até no enxergar”.

Donga (1966)

Ao longo do ano, serão publicados no portal artigos com imagens de fatos importantes ocorridos em 1922 como a Semana de Arte Moderna e a Exposição do Centenário da Independência do Brasil. A temporada dos Batutas que, em 29 de janeiro de 1922, embarcaram para a França, foi um sucesso e causou polêmica e ataques racistas, veiculados na imprensa brasileira. Uma curiosidade: os Batutas e o fotógrafo Marc Ferrez (1843 – 1923) retornaram da França no mesmo navio, o Lutetia, e chegaram ao Brasil em 14 de agosto de 1922.

 

 

Acessando o link para as imagens dos Batutas disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

O dançarino Duque, o empresário Arnaldo Guinle e os Oito Batutas

 

“Pixinguinha nem sequer era músico. Era música – e essa seria a melhor palavra para defini-lo, explicá-lo e amá-lo”.

Carlos Heitor Cony

O dentista, dançarino, compositor e jornalista baiano Antônio Lopes de Amorim Diniz (1884-1953), conhecido como Duque, conheceu no Assyrio, cabaré no subsolo do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, os Oito Batutas, que tocavam enquanto ele dançava com sua parceira, a dançarina e manequim francesa Gaby, entre fins de 1921 e início de 1922.

Foi noticiado que Pixinguinha tinha reassumido a função de diretor de harmonia do bloco carnavalesco de Reinado de Siva.

 

 

Mas então:

“Menos de três semanas depois, Pixinguinha estava trocando o palácio do Reinado de Siva, na rua Senador Pompeu pelo Shérérazade, 16, Faubourg Montmartre, em Paris. Isto porque, nessas três semanas abençoadas, Ogum resolveu usar sua espada para abrir as portas do mundo para seu filho de fé e seus sete companheiros. Para transportá-los, usou como veículo o Assyrio, cabaré instalado no subsolo do Teatro Municipal. Ali são ouvidos todas as noites pela fina flor da sociedade boemia carioca. Ali, no mesmo espetáculo, um casal de bailarinos de fama internacional empolga o público dançando o ritmo que, durante anos e anos, fora uma dança excomungada, anatematizada, proibida às moças e aos rapazes de família. Duque e Gaby dançam o maxixe, ou la matchiche, como preferiam os almofadinhas da época”.

Filho de Ogum Bexiguento, página 49.



 

Segundo Pixinguinha, na Série Depoimentos:

“Bem, o Duque era um bailarino aristocrático. Ele dançava um maxixe aristocrático. Era um malabarista. Duque empolgou todo mundo. Não era um maxixe como a gente via em certos lugares. Era um sujeito muito delicado. Dançava um maxixe clássico. Quando chegamos em Paris conhecemos a academia dele. Era uma academia que ensinava a dança do maxixe brasileiro. Quando Duque chegava no salão, todo mundo disputava o privilégio de dançar com ele. Eram princesas, reis, etc, Sim, senhores, até rei apareceu para dançar com ele. Foi ele que pediu ao Arnaldo Guinle para nos levar para Paris. Ele gostava muito do que a gente fazia e interpretava a nossa música nos pés. Depois de quatro compassos ele já estava criando coisas novas nos pés. E tinha a Gaby, uma francesa que compreendia perfeitamente o Duque”.

 

O Duque havia se mudado de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1906. Três anos depois, começou a viajar pelo mundo. Chegou em Paris, conforme artigo que escreveu para a revista O Cruzeiro, em 1912, quando passou a dançar em restaurantes e bares com a dançarina ítalo-brasileira Maria del Nigri, conhecida como Maria Lino, a Rainha do Maxixe (c. 1880 – 1940). Ganharam, em 1913, o primeiro prêmio em uma competição em Berlim. Também foram suas parceiras Arlette Dorgère (1880 -1965) e Gaby. Tornou-se dono de academias de dança em Paris e no Rio de Janeiro, tendo sido responsável pela difusão do maxixe em capitais como Berlim, Buenos Aires, Montevidéu, Londres, Nova York e Paris, numa época em que o ritmo era considerado imoral por boa parte da sociedade brasileira. Em 1921, havia, após uma temporada no Brasil com sua parceira Gaby, retornado à França, onde estrelou um espetáculo na Ópera de Paris com o compositor e violinista paulista Nicolino Milano (1876 – 1962) e apresentou o samba na peça La Proie (A Presa), de Regina Regis de Oliveira (18? – 1956), no Teatro Albert I, também em Paris. Foi provavelmente a primeira exibição de samba em um palco europeu (L´Esprit Nouveau, página 106A Gazeta (SP), 8 de março de 1921, sexta colunaJornal do Brasil, 2 de abril de 1921, terceira coluna D. Quixote, 18 de maio de 1921, primeira coluna).

 

 

Foi, como mencionado por Pixinguinha, o Duque que pediu ao empresário Arnaldo Guinle (1884 – 1963) que patrocinasse a excursão dos Batutas à França, em janeiro de 1922, para a divulgação da música popular brasileira no cenário internacional. Mecenas das artes e dos esportes, Arnaldo Guinle foi um dos homens mais ricos do Brasil, cuja fortuna era oriunda da exploração do Porto de Santos. Além do suporte financeiro de Guinle, Duque conseguiu apoio político-diplomático de Lauro Müller (1863 – 1926), o que, segundo o antropólogo Rafael José de Menezes Bastos, imprimiu na jornada uma idéia, diríamos, de missão quase diplomática. Duque e Guinle haviam se conhecido na França, já que Guinle vivia entre o Rio de Janeiro e Paris. O general e engenheiro militar Lauro Müller, ministro das Relações Exteriores entre 1912 e 1917, havia conhecido os Batutas por ter sido um assíduo frequentador da noite carioca. Mas o governo não contribuiu financeiramente para a viagem. Segundo Donga, em depoimento para o Museu da Imagem e do Som:

“Absolutamente. O grande brasileiro Arnaldo Guinle nos levou para lá sem it, com essa pelezinha escura e tudo, sem medo de levar vaia. Viajamos às custas dele”.

Guinle contratava, desde 1919, os Batutas, que conheceu tocando na sala de espera do Cine Palais, para saraus em sua mansão no bairro das Laranjeiras. Patrocinou, com o apoio de Irineu Marinho (1876 – 1925), fundador do jornal O GLOBO, uma turnê do grupo pelo Brasil, iniciada em outubro de 1919 por São Paulo e Minas Gerais e encerrada, no ano seguinte, pela Bahia e por Pernambuco. O objetivo da turnê, além da realização de apresentações artísticas, era recolher e catalogar ritmos para integrar uma antologia de música folclórica sob a supervisão do escritor Coelho Neto (1864 – 1934) que, por seu estilo literário, considerado ultrapassado, sofreu fortes críticas na Semana de Arte Moderna de 1922, tema do próximo artigo da Série 1922: Hoje, há 100 anos.

 

 

Segundo o depoimento de Donga para o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro:

“O dr. Arnaldo, como bom brasileiro que era, simpatizou com a gente. Pensou e combinou com o Coelho Neto uma antologia, recolhendo material através de pessoas idôneas. Ele, junto com o Floresta de Miranda, nos procurou e disse: “amanhã você vai à minha casa em Copacabana”. Eu fui junto com o Pixinguinha. Nós estávamos há 20 dias sem função e o dinheiro tinha acabado. Ele explicou o que queria e perguntou o que achávamos. Nós dissemos que íamos fazer uma excursão ao Norte e o dr. Arnaldo pediu que incluíssemos o João Pernambuco, porque assim ele faria algumas coisas para ele. Assim foi feito, nós fomos a Pernambuco, Bahia, etc, e o João Pernambuco recolheu uma porção de coisas e trouxe. Mas não era o bastante. O dr. Arnaldo disse para o João Pernambuco que ia prosseguir na colheita, mas só que dessa vez levaria um músico para escrever, porque ele só havia trazido letras e músicas de memória. Disse ainda que pagaria tudo. Eu não sei o que eles arranjaram, ele e Pixinguinha, porque o dr. Arnaldo ficou zangado e não quis saber de mais nada. O João Pernambuco era meio egoísta e parece que pediu demais. Eu não sabia de nada. Depois de alguns dias o Patricio Teixeira me deu um recado que o dr. Arnaldo queria falar comigo. Eu fui e ele disse: “Não quero mais saber de histórias com o João Pernambuco e com o Pixinguinha”. Eu então combinei tudo com ele, que exigiu a presença de um músico na viagem. Eu comecei a enrolar um pouco e toda vez que o Floresta de Miranda me procurava para informar ao dr. Arnaldo eu dava sempre uma desculpa: “Olha, eu queria o Zezé, mas ele para escrever música de folclore é difícil e como tem o Pixinguinha, este seria melhor”. Parece que o Floresta de Miranda disse isso ao dr. Arnaldo e ele amoloceu um pouco com respeito ao Pixinguinha. Com o João Pernambuco ele nunca mais falou até morrer. Nas proximidades da viagem eu disse ao dr. Arnaldo: “eu acho que vou levar o Pixinguinha”. Ele respondeu: “você leva quem quiser, apanhe o dinheiro lá na rua Sete de Setembro”. Era tudo pago. Estivemos então em Morro Velho, Minas, Bahia, etc. Pixinguinha trouxe tudo escrito, tudo bem feito, e o dr. Arnaldo ficou satisfeito”.

Segundo o historiador Clóvis Bulcão, essas pesquisas foram responsáveis pelo encontro dos Guinles com Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959), pois foi o compositor o encarregado pela organização do material. Em 1923,  Arnaldo Guinle deu a Villa-Lobos duzentos contos de réis para que ele fosse aprimorar sua arte na França.

 

A temporada dos Batutas em Paris (1922)

 

Chegamos ao dia do embarque. No dia 29 de janeiro de 1922, o grupo formado então pelos músicos Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha (1897 – 1973); seu irmão, Octávio (1888 – 1926), conhecido como China; Joaquim Maria dos Santos, o Donga (1891 – 1974); Nelson Alves (1895 – 1960), Sizenando Santos (o Feniano), José Monteiro e José Alves de Lima embarcou no navio transatlântico Massília rumo à França (O Jornal, 24 de janeiro, segunda coluna e 28 de janeiro, última coluna de 1922; O Paiz, 29 de janeiro de 1922, quarta coluna). Os últimos dois substituíram os irmãos Jacob e Raul Palmieri (1887 – 1968), que desistiram da viagem. O baterista Joaquim Silveira Tomás (1898 – 1948), o J. Tomás, adoeceu e não pode viajar com o grupo. Ao longo de sua existência, entre 1919 e 1931, a formação dos Batutas variou.

Para Paris foram mesmo sete batutas. Foi o primeiro conjunto brasileiro a apresentar na Europa a música urbana produzida no Rio de Janeiro na época. Tocaram durante os seis meses que ficaram em Paris, na época a capital cultural do mundo, choros, maxixes, polcas, tangos brasileiros, sambas, lundus, batuques, valsas, cateretês, emboladas, cocos e toadas sertanejas.

 

 

Chegaram em 11 de fevereiro, no porto de Bordeaux, na França e foram recepcionados na Gare d´Orsay, em Paris, no dia seguinte, pelo Duque e pelo jornalista Floresta de Miranda, secretário particular de Guinle. Nos meses seguintes, como Les Batutas, seriam atração fixa numa badalada casa noturna de Paris, o dancing Shéhérazade, na Faubourg Montmartre, 16, cujo diretor artístico era o Duque, responsável pelo convite ao conjunto. O proprietário era G. Calmet.

 

Interior do cabaré Sheherazade

Interior do cabaré Shéhérazade / Pixinguinha, Vida e Obra

 

A chegada do grupo em Paris foi noticiada por alguns jornais franceses:

 

Le Gaulois, 11 de fevereiro de 1922

“Fala-se bastante dos “Batutas” no mundo artístico. É com curiosidade que esperamos por sua muito próxima estreia” / Le Gaulois, 11 de fevereiro de 1922

 

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“Os Batutas, que chegaram do Brasil, farão esta semana sensacional estreia em Paris” / Le Gaulois, 12 de fevereiro de 1922

 

 

“Les Batutas, cet extraordinaire orchestre brésilien, unique au monde, d’une gaieté endiablée, composé de virtuoses surnommés les rois du rythme et de la samba, joue tous les jours aux thés et aux soupers de Shéhérazade, 16, Faubourg Montmartre. Direction: Duque” (Tradução: Os Batutas, esta extraordinária orquestra brasileira, única no mundo, com alegria frenética, composta por virtuosos apelidados de reis do ritmo e do samba, toca todos os dias nos chás e jantares do Shéhérazade, 16, Faubourg Montmartre. Direção: Duque).

 Le Journal, 14 de fevereiro de 1922

 

A Primeira Guerra Mundial havia acabado há pouco tempo e Paris fervilhava na euforia do pós-guerra, ocupada por músicos do mundo inteiro, principalmente dos Estados Unidos e das Antilhas, e por artistas de vanguarda, o que tornava trepidantes a atmosfera cultural da cidade, seu ritmo e sua noite. Eram os Anos Loucos. Como definiu o escritor norte-americano Ernest Hemingway (1899 – 1961): Paris é uma festa. Os intelectuais estavam interessados em antropologia e por estudos sobre a África, o que propiciava um ambiente receptivo para movimentos artísticos relacionados com a cultura negra, caso dos Batutas, recebidos com simpatia por simbolizar um certo exotismo, em voga na ocasiãoMuitas bandas de jazz apresentavam-se no Shéhérazade, identificado pela imprensa parisiense como um palácio das mil e uma noites. O dancing, onde os Batutas se apresentaram, era frequentado por intelectuais, pela aristocracia, por políticos e artistas de renome – era o ponto de encontro da elite que circulava na capital francesa. Pixinguinha entrou em contato com o charleston, o foxtrote, o shimmie e o ragtime. Foi, posteriormente, acusado de ter sido influenciado pelo jazz norte-americano.

Foi durante a temporada em Paris que Pixinguinha passou a tocar saxofone. Gostou tanto do instrumento que acabou sendo presenteado com um por Arnaldo Guinle, que também enviou para o Brasil uma bateria para J. Tomás, o batuta que na última hora ficou doente e não pode seguir para Paris com o grupo.

 

“Foi em Paris. Quando viajei para lá não tocava saxofone. Tocava flauta. No conjunto que se apresentava na casa em frente aos Shéhérazade, havia um violoncelista que, durante a apresentação, mudava do violoncelo para o saxofone, principalmente na hora de tocar o shimmy. Um dia, Arnaldo Guinle me perguntou: “Você toca aquele instrumento?”. Respondi: “Eu toco”. Na verdade, eu já conhecia a escala do instrumento e sabia que era quase igual à flauta”. Então vou mandar fazer um saxofone pra você”, me disse Arnaldo Guinle. Um mês depois o saxofone estava pronto. Levei o instrumento para o hotel e ensaiei. No outro dia já estava tocando uns chorinhos no saxofone. Mas só toquei naquele dia, porque não queria magoar o músico da casa em frente. Toquei só para o Arnaldo Guinle ver. Ele viu e ficou satisfeito. Depois, fiquei só na flauta. Quando voltei para o Brasil é que passei a tocar mais saxofone. Mas nós trouxemos outras novidades. Na volta, o nosso pessoal estava tocando violão-banjo, cavaquinho-banjo, estas coisas”.

Pixinguinha, na Série Depoimentos

 

As apresentações fizeram sucesso com o público e com a imprensa parisiense. E os Batutas, que haviam sido contratados para uma temporada de um mês no Shéhérazade, com um salário de 3.500 réis, ficaram na cidade por cerca de 6 meses. O grupo executava músicas como Dádiva de Amor, composta por Donga, em Paris; Fala Baixo, de Sinhô (1888 – 1930)Gargalhada, de Pixinguinha; Les Batutas, também de Pixinguinha e com letra de Duque; e Vem vovó, de Álvaro Sandim (1862 – 1919).

 

Le Galois, 25 de fevereiro de 1922

No Shéhérazade: Os Batutas, a célebre orquestra brasileira única no mundo, estreou com gande sucesso no Shéhérazade, o feérico estabelecimento do faubourg Montmartre. Vá ouvir os Batutas, você não vai se arrepender de sua viagem / Le Galois, 25 de fevereiro de 1922

 

 

A partir de maio,  apresentaram-se no Chez Duque, na rue Caumartin, 17, cujo proprietário era o Duque; e, em 1º de junho, eles e a prestigiada Bernard Kay’s American Jazz Band estavam presentes na inauguração dos Chás Dançantes, na Reserve de Saint-Cloud, na boulevard Senard. Fizeram também um show em homenagem ao norte-americano Jack Dempsey (1895 – 1993), campeão mundial dos pesos pesados de 1919 a 1926 (O Imparcial, 15 de agosto de 1922).

 

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Anúncio da inauguração dos Chás Dançantes no La Reserve de Saint-Cloud / Pixinguinha, Vida e Obra

 

Segundo Donga, fizeram uma apresentação para a família real brasileira que residia em Paris. Sebastião Braga, em seu livro O Lendário Pixinguinha, menciona uma apresentação do músico no Conservatório de Paris, quando Pixinguinha teria tocado a polca Gargalhada e os diretores do Instituto de Música da França, em respeito, teriam lhe dado uma flauta de prata. De acordo com o jornalista e musicólogo Lúcio Rangel (1914 – 1979), o primeiro prêmio de flauta do Conservatório de Paris, Harold de Bozzi, teria ficado embasbacado com Pixinguinha.

Por intermédio de Olivia Penteado (1872 – 1934), grande incentivadora do modernismo no Brasil e ligada ao movimento intelectual que desencadeou a Semana de Arte Moderna, os Batutas foram convidados pelo embaixador Luiz Martins de Souza Dantas (1876 – 1954) para participar de uma festa organizada pelo Comitê França-América, no Palais des Affaires Publiques. Souza Dantas (1876 – 1954), que servia como chefe da representação brasileira em Roma e que, em novembro de 1922, assumiu a embaixada brasileira na França, era um dos anfitriões do evento. Vale lembrar que Souza Dantas foi proclamado, no Museu do Holocausto, em Israel, em 2003, Justo entre as nações, por ter arriscado sua vida para ajudar os judeus perseguidos pelo nazimo e pelo fascismo.

 

Le Gaulois, 26 de junho de 1922

Le Gaulois, 26 de junho de 1922

 

A polêmica em torno da ida dos Batutas a Paris – O Racismo

 

Mas aqui no Brasil, a excursão do grupo à Europa suscitou polêmica e debates nos jornais, ora defendendo os Batutas ora os atacando com declarações abertamente racistas. A música popular como representante da cultura nacional também fez parte da discussão. Porém ataques racistas não eram novidades para os Batutas, que foram alvos deles desde seu início, em 1919 (Fon-Fon, 19 de abril de 1919).

“Desde sua fundação Os Oito Batutas geraram polêmica. O fato de serem em sua maioria negros e o tipo de música que faziam eram motivos para controvérsia. Identificá-los à genuína musicalidade nacional, significava para muitos uma desqualificação em termos de uma pretensa universalidade – equacionada com o cânone da música clássico-romântica ocidental – e um veredicto de provincianismo. Além disso, a negritude era vista como sinal de inferioridade sociocultural”.

Rafael José de Menezes Bastos

 

Segundo Sérgio Cabral, no livro Pixinguinha – Vida e Obra (1997), na ocasião da estreia do grupo no Cine Palais, que reabria suas portas, em 1919, o pianista e maestro paulista Júlio Cesar do Lago Reis (1863 – 1933), em sua coluna de música no jornal A Rua, se disse envergonhado com o que considerava um escândalo. Afinal, como poderia um grupo musical composto de afro-descendentes se apresentar em um endereço chique e elegante, um cinema na antiga avenida Central? 

Na Revista da Semana, do início de abril de 1919, em nota atribuida ao jornalista Xavier Pinheiro, veio a resposta à crítica de Júlio Reis que, segundo ele:

“(não aceita) pela sua fina educação artística, que o violão, o cavaquinho, o reco-reco, o chocalho e a flauta interpretem as modinhas, as chulas, os sambas, os tangos e outras composições que tenham cunho nacional, na sala de espera de qualquer cinema da avenida porque isso é ofensivo aos ouvidos educados da grande maioria da nossa sociedade composta de uma boa parte de nossa aristocracia. O defensor de nossa sociedade aristocrática está enganado na apreciação da orquestra dos Oito Batutas. Aqueles rapazes morenos, que levam horas a cantar as encantadoras modinhas da nossa terra e as executam na flauta, no violão, no reco-reco, no cavaquinho e no chocalho, têm sido apreciados pela nossa finíssima sociedade, não têm escandalizado, têm obtido ruidoso sucesso…A Orquestra dos Oito Batutas foi mal apreciada pelo aplaudidíssimo e popular maestro Julio Reis porque aqueles rapazes tocam e cantam com clima, com sentimento, interpretam a música muito melhor do que certos e conceituados artistas que andam por aí…O maestro Júlio Reis foi severo. Foi injustíssimo com os morenos que ganham sua vida com brilho e aplauso no Cine Palais. Eles tocam bem, são da nossa terra, têm compostura, agradam a todos e o povo que ali vai gosta da flauta de Pixinguinha, do violão de Donga, do cavaquinho do Nelson e dos outros caboclos seus companheiros”.

Os ataques racistas, segundo os quais os Batutas desmoralizariam o Brasil levando para Paris o que o país tinha de pior para o seio da civilização da Europa, recrudesceram, em 1922. O cronista A. Fernandes escreveu no Diário de Pernambuco: “Não sei se a coisa é para rir ou para chorar. Seja como for, o boulevard vai se ocupar de nós. Não do Brasil de Arthur Napoleão, de Osvaldo Cruz, de Rui Barbosa, de Oliveira Lima, não do Brasil expoente, do Brasil elite, mas do Brasil pernóstico, negróide e ridículo e de que la chanson oportunamente tomará conta” (Diário de Pernambuco, 1º de fevereiro de 1922, segunda coluna). Uma observação: o destacado político baiano Ruy Barbosa (1849 – 1923) era grande fã dos Batutas e presença frequente nas apresentações do grupo no Cine Palais.

O cronista que se assinava como S, no Jornal do Commercio, em 1º de fevereiro de 1922, descreveu os Batutas como oito, aliás, nove pardavascos que tocam violas, pandeiros e outros instrumentos rudimentares” e lamentava“não haver uma política inexorável que, legalmente, os fisgasse pelo cós e os retirasse de bordo com a manopla rija, impedindo-lhes a partida no liner da Mala Real!”.

Segundo o artigo do jornalista e escritor Benjamin Costallat (1897 – 1961), publicado na Gazeta de Notícias de 22 de janeiro de 1922, foi um verdadeiro escândalo a presença dos Batutas no Cine Palais, em 1919, assim como o anúncio da ida do grupo para Paris. Foram atacados com um desabrido e repugnante racismo:

“Eram  músicos brasileiros que vinha cantar cousas brasileiras. Isso em plena Avenida, em pleno almofadismo, no meio de todos esses meninos anêmicos, frequentadores de “cabarets” que só falam francês e só dançam tango argentino! No meio do internacionalismo das costureiras francesas, das livrarias italianas, das sorveterias espanholas, dos automóveis americanos, das mulheres polacas, do esnobismo cosmopolita e imbecil!

Não faltaram censuras aos modestos “oito batutas”. Aos heróicos “oito batutas” que pretendiam, num  cinema da Avenida, cantar a verdadeira terra brasileira, atráves de sua música popular, sinceramente, sem artifícios nem cabotinismos, ao som espontâneo de seus violões e cavaquinhos.

A guerra que lhes fizeram foi atroz. Como os músicos eram bons, “batutas de verdade”, violeiros e cantadores magníficos, como a flauta de Pixinguinha fosse melhor do que qualquer flauta por aí saída com dez diplomas de dez Institutos, começaram os despeitados a alegar a cor dos “oito batutas”, na maioria pretos”. Segundo os descontentes, era uma desmoralização para o Brasil ter na principal artéria de sua capital uma orquestra de negros! O que iria pensar de nós o estrangeiro?”

O jornal A Noite também antecipou a possibilidade de que haveria quem num melindre idiota reprovasse a ida dos rapazes porque eram de cor (A Noite, 28 de janeiro de 1922).

 

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O Imparcial saudou com entusiasmo a viagem dos Batutas, exímios tocadores de instrumentos nacionais que só executam músicas nacionais, o que só podem considerar como uma das mais altas expressões da arte musical genuinamente brasileira (O Imparcial, 28 de janeiro de 1922, segunda coluna).

 

 

 

Uma carta enviada pelo jornalista Floresta de Miranda, de Paris, defendeu e deu notícias das apresentações dos Batutas na França (Jornal do Recife, 11 de abril de 1922, primeira coluna).

 

 

“Paris, inverno de 1922. Frio de rachar, vários graus abaixo de zero. Duque e eu estávamos na Estação de Quai d´Orsay, esperando o trem de Bordéus. Nesse trem iriam chegar os Oito Batutas. Às 23 horas apareceram os músicos brasileiros, cada qual carregando o seu instrumento. Trajavam roupas leves e tiritavam. Na manhã seguinte Duque os levou a comprar roupas apropriadas para aquele clima. Vem a estreia no Shéhérazade. Sucesso completo. Paris acode àquele dancing. Pixinguinha com a sua flauta infernal faz o diabo. China abafa com o seu violão e a sua bela voz e Donga abafa no pinho e desperta paixões…”

Parte de uma crônica do jornalista Floresta de Miranda

publicada no livro Samba jazz & outras notas

 

Já em fins da década de 1970, o jornalista carioca João Ferreira Gomes, cujo pseudônimo era Jota Efegê (1902 – 1987) e que se destacou como um grande cronista das histórias cariocas, de seus personagens e manifestações culturais, comentou esse tipo de declaração abertamente racista em relação aos Batutas no artigo Para os racistas, os Oito Batutas eram “negróides” e “pardavascos”, publicad0 em O GLOBO.

 

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O GLOBO, 22 de março de 1977

 

Até por políticos a ida dos Batutas à Europa foi questionada. Em 24 de julho de 1922, votava-se na Câmara um auxílio de 40 contos de réis para uma viagem do compositor Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959) à Europa. Pedro da Costa Rego (1889 – 1954), representante de Alagoas, deu parecer contrário e Gilberto Amado (1887 – 1969), deputado por Sergipe, ao encaminhar a votação, discordou de seus colegas que combateram a emenda e apelou:

“Negar a Heitor Vila Lobos 40:000$ para que possa tomar passagem e ir à Europa, que nos manda, todos os anos, maestros e pseudomaestros, às vezes abaixo de nossa cultura negar a Vila Lobos o direito de ir à Europa, mostrar que não somos apenas os “Oito Batutas”, que lá sambeiam, é negar que pensamos musicalmente, é uma atitude não digna da Câmara dos Senhores Deputados brasileiros!”

 

O Retorno

“Chiii! Se fosse agora, nós seríamos o Roberto Carlos”

Pixinguinha em depoimento dado, em 1966,

sobre a popularidade dos Batutas quando retornaram de Paris

“Fiquei tão apaixonado pela França que compus uma valsa de seis partes, ganhando um prêmio da Sociedade Francesa de Compositores. Mas era grande a saudade que sentíamos do Rio de Janeiro. Um dia, quando passeávamos por uma rua parisiense, um de nós começou a assobiar uma valsa de Manuel da Harmonia. Não nos contivemos: choramos como crianças”.

Donga(1966)

 

Em 31 de julho de 1922, os Batutas embarcaram no Lutetia, em Bordeauxna França. O navio fez escalas em Boulogne-sur-mer, Vigo e Lisboa e, após cerca de 6 meses, em 14 de agosto de 1922, os músicos chegaram no Rio de Janeiro. Durante a viagem de volta, fizeram algumas apresentações em festas a bordo. Saudades do Brasil, os negócios de Duque que não rendiam muito e a vontade de participar dos festejos do centenário da independência do Brasil foram razões alegadas para o retorno. Além deles, desembarcaram também do navio o fotógrafo Marc Ferrez (1843 – 1923), o inventor Alberto Santos Dumont (1873 – 1932), o presidente do Jockey Clube, Lineu de Paula Machado (1880 – 1942); o empresário Arnaldo Guinle (1884 – 1963); o coronel Buchalet, da missão militar francesa no Brasil, e o médico Paulo de Figueiredo Parreiras Horta (1884 – 1961) (A Noite1º de agosto, primeira coluna, e 14 de agosto de 1922; O Paiz, 15 de agosto de 1922, página 3 e página 4). No artigo do Imparcial, de 15 de agosto, Pixinguinha (1897 – 1973), declarou que não havia animosidade contra os homens de cor na França. Mencionou a presença de músicos de jazz em Paris e disse que os Batutas voltaram para o Brasil para tomar parte nas comemorações pelo centenário da Independência do Brasil.

 

 

“Modéstia à parte, fique sabendo que triunfamos. É bom que se saiba de que quando daqui saímos, animados por uns, ridicularizados por outros, não tinha a estulta pretensão de representar no estrangeiro a arte musical brasileira. O que iríamos apresentar em Paris, e o fizemos com decência, graças a Deus, era apenas uma das feições de nossa música, mas daquela essencialmente popular, característica. Para os que amavam, ficam em nossos corações o reconhecimento e a saudade. Dos outros, preferimos amargar os apodos a discutir. Tocamos para frente!”

Pixinguinha, em entrevista dada ao jornal A Notícia, após a chegada no Rio de Janeiro (Pixinguinha: Vida e Obra)

Durante o mês de setembro, os Batutas fizeram apresentações na Exposição do Centenário da Independência como atração fixa do pavilhão da montadora de automóveis norte-americana General Motors, contando com os reforços da cantora Zaíra de Oliveira (1900 – 1951), mulher de Donga (1890 – 1974)); e do trompetista Bonfiglio de Oliveira (1894 – 1940). Pixinguinha, em entrevista, disse que havia tocado também durante a primeira transmissão radiofônica oficial brasileira, ocorrida em 7 de setembro de 1922. O evento integrou as comemorações do centenário da Independência. Toquei num estudiozinho que havia lá e a Zaíra de Oliveira cantou. O estúdio foi montado no pavilhão dos Estados Unidos.

 

 

Uma estação de 500 watts, montada no alto do Corcovado pela Westinghouse Eletric International em combinação com a Companhia Telefônica Brasileira, irradiou músicas e um discurso do presidente Epitácio Pessoa (1865 – 1942), surpreendendo os visitantes da Exposição Internacional do Rio de Janeiro, através de 80 receptores vindos dos Estados Unidos, que haviam sido distribuídos às autoridades e instalados em pontos centrais da cidade.

Após diversas apresentações, entre agosto e dezembro de 1922, dentre elas shows promovidos pela famíla Guinle em dois dos mais exclusivos clubes do país, o Fluminense, presidido por Arnaldo Guinle; e o Jockey Club do Rio de Janeiro, cujo presidente era Lineo de Paula Machado, marido de Celina Guinle; os Oito Batutas embarcaram no navio Duque d´Osta para uma temporada no Teatro Empire, em Buenos Aires, sob o comando do empresário José Segreto (O Paiz, 2 de dezembro de 1922, quarta coluna).

 

Os Batutas na imprensa brasileira em 1922

 

Decadência do maxixe… (O Paiz, 4 de janeiro de 1922, última coluna) – Na coluna “Artes e Artistas”, comentário sobre o fato dos Oito Batutas ser o único conjunto musical a privilegiar o maxixe.

Os Oito Batutas estrearam no Cine Theatro Abigail Maia, em Madureira (Correio da Manhã, 7 de janeiro de 1922, terceira coluna; A Noite, 9 de janeiro de 1922, segunda coluna)

Os Oito Batutas apresentavam-se no Cine-Theatro Abigail Maia, em Madureira. Mané Pequeno, imitador de caipiras também participava do espetáculo (O Imparcial, 11 de janeiro de 1922, primeira coluna; O Jornal, 12 de janeiro de 1922, última coluna).

No Cine Theatro Fluminense, em São Cristóvão, com a participação dos Oito Batutas e a apresentação de duas peças, realização de um espetáculo em homenagem ao Clube de São Cristóvão (Correio da Manhã, 13 de janeiro de 1922, quinta coluna; O Jornal, 17 de janeiro, sexta coluna).

Os Oito Batutas tocaram durante uma excursão marítima em comemoração aos 35 anos de formatura de uma turma de médicos (O Paiz, 14 de janeiro de 1922, terceira coluna).

No Trianon, participaram de uma festa em benefício de Christóvão Vasques (O Paiz, 17 de janeiro de 1922, sexta coluna).

Artigo do jornalista e escritor Benjamin Costallat (1897 – 1961) fazendo uma pequena trajetória dos Batutas e criticando o esnobismo imbecil em relação à música popular brasileira e o racismo e defendendo a ida do conjunto para Paris (Correio da Manhã, 22 de janeiro de 1922, penúltima coluna).

Lançamento da música A Carta, de autoria de Pixinguinha (1897 – 1973) e M. Almeida (A Noite, 24 de janeiro de 1922, terceira coluna). 

Sátira aos novos auxiliares do Ministério da Fazenda, chamando-o de Oito Batutas (D. Quixote, 25 de janeiro de 1922).

Os Oito Batutas vão dar concertos em Paris (O Imparcial, 28 de janeiro de 1922, segunda coluna).

Pelo que é nosso (A Noite, 28 de janeiro de 1922).

A Pátria saudou a viagem como uma das expressões mais legítimas do que é nosso (A Pátria, 28 de janeiro de 1922).

No dia 29 de janeiro de 1922, o grupo musical Oito Batutas embarcou no navio transatlântico Massília rumo à França (O Paiz, 29 de janeiro de 1922, terceira coluna).

Na coluna Aventuras de Motta e Chefe, publicação de uma charge satirizando a ida dos Oito Batutas à Europa (Jornal do Brasil, 29 de janeiro de 1922). 

Crítica à ida dos Batutas a Paris. “Não sei se a coisa é para rir ou para chorar. Seja como for, o boulevard vai se ocupar de nós. Não do Brasil de Arthur Napoleão, de Osvaldo Cruz, de Rui Barbosa, de Oliveira Lima, não do Brasil expoente, do Brasil elite, mas do Brasil pernóstico, negróide e ridículo e de que la chanson oportunamente tomará conta” (Diário de Pernambuco, 1º de fevereiro de 1922, segunda coluna).

Meu diário

O sr. Benjamin Costallat, que é um dos nossos mais finos observadores, estava o ano passado em Paris, quando a sua confreira patrícia, a sra. Regina Regis, lá residente, fez representar num teatro qualquer uma peça “genuinamente brasileira” por ela assim inculcada ao público e, como tal, por esse vivamente aplaudida. Nessa assistência, contava-se a flor de nossa colônia na Cidade Luz. E o cronista não pode deixar de manifestar a sua indignação em correspondência para um jornal do Rio diante de um negroide obsceno das bananeiras e dos sambas que a sra. Regis se lembrara de impingir como as únicas coisas típicas de sua pátria à frivolidade boulevardière.

Eu recordei-me imediatamente do protesto de Costallat ao ler um dias desses do telegrama (informando) que o dançarino Duque embarcara com destino à capital francesa levando em sua companhia a troupe dos Oito Batutas. Esses “artistas” já estiveram aqui se exibindo no Teatro Moderno. São oito, aliás, nove desempenados pardavascos, que tocam viola, pandeiro e outros instrumentos rudimentares, acompanhando uns aos outros em cantigas do horrível gênero Catulo Cearense e dançando com exagero as cores da nossa Tersícopere bárbara.

Pois bem! É essa gente que Luiz Duque, o famoso bailarino do Luna Park, um dos ilustres reveladores de “La Mattchiqhe” ao velho mundo, vai fazer exibir no seu cassino, onde passa cotidianamente a gama de blasbenismos e do rastacuerismo internacional. Os Oito Batutas vão ser, dentro de pouco, o número “suco” do Luna e, diante deles, o parisiense blasé se espantará, excitando a sua perdida sensualidade diante das sortes daqueles mulatos audazes que pretendem representar o Brasil”.

E não haver uma política inexorável que legalmente os fisgasse pelo cós e os retirasse de bordo com manopla rija, impedindo-lhes a partida no liner da Mala Real! Impunemente, porém, os Oito Batutas lá vão rumo a Paris mais o Duque, que tem olho fino, mais fino mesmo que os pés e sabem como treinar para que eles se mostrem de verdade uns cotubas no remelexo, nas cantilenas estropeadas de Catulo, na música lúbrica dos choros. Para consagrá-los e desmoralizarem cada vez mais o seu país, lá estão a espera com os seus lugares reservados, os mesmíssimos brasileiros que aplaudiram a peça “nacionalista” da sra. Regis. E depois ainda nos queixamos quando chega por aqui um maroto estrangeiro que, de volta a penates, se dá a divertida tarefa de contar das serpentes e da pretalhada que viu no Brasil (Jornal do Commercio, 1º de fevereiro de 1922 – de um cronista que se identificava como S).

Foi noticiado que tanto o Jornal do Commercio como o Diário de Pernambuco, do Recife, criticaram a ida dos Oito Batutas à Europa com comentários racistas (Jornal do Brasil, 2 de fevereiro de 1922, segunda coluna). 

Crítica à ida dos Oito Batutas para a Europa. Menção à música Ai, seu Mé, uma sátira em torno da alegada passividade de Artur Bernardes (1875 – 1955), eleito presidente da República, em março de 1922  (Correio da Manhã, 3 de fevereiro de 1922, sexta coluna). 

De Barbacena, Leon Feranda enviou uma carta em francês criticando a ida dos Oito Batutas a Paris como representantes do Brasil como havia sido noticiado pelo jornal A Noite. O jornal O Paiz responde às críticas (O Paiz, 4 de fevereiro de 1922, terceira coluna).

Na coluna “Ecos e Novidades”, comentário sobre a ida dos Batutas a Paris e crítica ao esnobismo ignorante dos que nunca atentaram para as belezas da música popular (A Noite, 4 de fevereiro de 1922, primeira coluna).

Crítica ao esnobismo em torno da ida dos Oito Batutas a Paris (A Província, 15 de fevereiro de 1922, terceira coluna).

Notícia sobre a estreia, com sucesso, dos Batutas, em Paris (Jornal do Brasil, 17 de fevereiro de 1922, sexta coluna; Gazeta de Notícias, 17 de fevereiro de 1922, sétima coluna).

Publicação do artigo Os “Batutas” em Paris, de José Fortunato, em torno da polêmica da ida dos Batutas a Paris (A Maçã, 18 de fevereiro de 1922).

O préstito do Club dos Democráticos durante o carnaval contou com um carro alegórico de crítica chamado Oito Batutas, onde eram tocados os tangos que mais agradaram ao público dos teatros cariocas (Correio da Manhã, 28 de fevereiro de 1922, quarta coluna; Jornal do Brasil, 4 de março de 1922, última coluna; O Jornal, 28 de fevereiro de 1922, quinta coluna).

Notícia sobre o sucesso dos Oito Batutas no pequeno teatro de Montmartre, Shéhérazade, sob a direção de Duque, em Paris (O Paiz, 9 de março de 1922, quarta coluna; O Jornal, 10 de março de 1922, última coluna).

Publicação do artigo A Música Brasileira, de Chrysantheme, Maria Cecília Bandeira de Melo Vasconcelos (1870 – 1948), elogiando a turnê dos Oito Batutas, em Paris (Correio Paulistano, 29 de março de 1922, primeira coluna).

Matéria celebrando o sucesso dos Batutas em Paris (Careta, 1º de abril de 1922).

Quando o samba fala francês… Publicação da letra do samba Les Batutas, composto por Pixinguinha (Gazeta de Notícias, 14 de abril de 1922, quarta coluna).

Uma carta enviada pelo jornalista A. Floresta de Miranda de Paris defendeu e deu notícias das apresentações dos Batutas em Paris (Jornal do Recife, 11 de abril de 1922, primeira coluna).

Carta do jornalista A. Floresta de Miranda em defesa dos Batutas (Jornal do Recife, 11 de abril de 1922, primeira coluna). 

Os “Oito Batutas” representam a música vulgar carioca’(A Noite, 19 de abril de 1922, quinta coluna).

Crítica sobre a temporada dos Batutas em Paris. Estariam fazendo sucesso.  …está dando em resultado o cruzamento harmônico e melódico do nosso do samba com o cancan parisiense (Jornal do Brasil, 22 de abril de 1922, sexta coluna).

Em um artigo sobre a universalidade da linguagem universal, o autor, Augusto de Lima (1859 – 1934), membro da Academia Brasileira de Letras, cita os Oito Batutas (O Imparcial, 16 de junho de 1922, quarta coluna).

Após cerca de 6 meses, em 14 de agosto de 1922, os Batutas voltaram ao Rio de Janeiro, a bordo do Lutetia. O paquete partiu de Bordeux, em 1º de agosto, e fez escalas em Boulogne-sur-mer, Vigo e Lisboa (A Noite1º de agosto, primeira coluna, e 14 de agosto de 1922; Diário de Pernambuco, 2 de agosto de 1922, quarta colunaO Paiz, 15 de agosto de 1922, página 3 e página 4Jornal do Brasil, 15 de agosto, quinta colunaGazeta de Notícias, 15 de agosto de 1922, última coluna).

Pixinguinha declarou que não havia animosidade contra os homens de cor na França. Mencionou a presença de músicos de jazz em Paris e disse que os Batutas voltaram para o Brasil para tomar parte nas comemorações pelo centenário da Independência do Brasil (O Imparcial, 15 de agosto de 1922).

O dançarino Duque, Antônio Lopes de Amorim Diniz (1884-1953), que também havia retornado de Paris, fez uma visita à redação da Gazeta de Notícias e revelou que pretendia abrir um curso de dança no Rio de Janeiro. Estava acompanhado de Donga (1891 – 1974) e de China (1888 – 1926). Foi noticiado que, em 17 de agosto, os Batutas apresentariam um repertório de músicas brasileiras, no Jockey Club em uma festa oferecida ao presidente do clube, Lineu de Paula Machado. No dia 6 de setembro, se apresentariam no Fluminense Futebol Clube no gênero jazz band (Gazeta de Notícias, 16 de agosto de 1922, segunda coluna).

Na coluna “Artes e Artistas” foi noticiado que, a convite da sra. Rasimi (1874 – 1954), diretora da Companhia do Ba-ta-clan, os Oitos Batutas haviam apresentado no Theatro Lyrico o repertório dos shows que haviam realizado em Paris. “Não há dúvida nenhuma: mais uma vez os versos do trovador popular se justificam… ”A Europa continua a curvar-se ante o Brasil” (O Paiz, 23 de agosto de 1922, quinta coluna; e 27 de agosto, penúltima coluna, de 1922; Correio da Manhã, 24 de agosto de 1922, segunda coluna; Gazeta de Notícias, 27 de agosto de 1922,segunda coluna).

A senhora Rasimi ofereceu um almoço, na Ilha d´Água, a vários escritores, artistas e jornalistas brasileiros com uma apresentação dos Oito Batutas (O Paiz, 24 de agosto de 1922, primeira coluna).

Propaganda e notícia da apresentação dos Batutas no Theatro Lyrico, no espetáculo de revista V´la Paris (O Paiz, 26 de agosto de 1922 e Correio da Manhã, 26 de agosto de 1922; O Jornal, 26 de agosto de 1922, terceira coluna).

No Palace Hotel, a esposa do adido naval dos Estados Unidos, a sra. Herbert Sparrow, ofereceu uma recepção com a apresentação dos Oito Batutas (O Paiz, 2 de setembro de 1922, terceira coluna).

Foi noticiado que os Oito Batutas trouxeram de Paris novas músicas: Dádiva d´ Amor, de Donga (1891 – 1974), e Batutas, samba de Pixinguinha (A Noite, 5 de setembro de 1922, última coluna).

Segundo artigo do poeta e compositor Hermes Fontes (1888 – 1930): “Já cá estão os Oito Batutas, de volta de Paris, onde estragaram o sentimento brasileiro e a verdadeira poesia dos sertões” (A Illustração Brasileira (FRA), 7 de setembro de 1922).

Apresentação dos Oito Batutas na inauguração do Hotel Balneário Sete de Setembro, construído na Praia de Botafogo para as comemorações do centenário da independência do Brasil (O Paiz, 7 de setembro de 1922, quarta coluna; O Imparcial, 7 de setembro, penúltima coluna).

Propaganda da estreia dos Oito Batutas no Cine-Theatro Rialto (O Paiz, 10 de setembro e 12 de setembro de 1922; Correio da Manhã, 10 de setembro de 1922; O Imparcial, 12 de setembro de 1922, quarta coluna).

Os Oito Batutas foram contratados pelo prefeito do Rio de Janeiro, Carlos Sampaio (1861 – 1930), para tocarem na festa, no alto do Corcovado, oferecida às delegações de Buenos Aires e de Montevidéu, presentes na cidade devido à comemoração do centenário da Independência do Brasil. “Os Oito Batutas empurraram um maxixe eletrizante” (Correio da Manhã, 16 de setembro, última coluna; O Combate, 18 de setembro de 1922, primeira coluna).

Participaram, no Teatro Municipal, de uma homenagem ao presidente de Portugal, Antônio José de Almeida. O ator Leopoldo Froes (1882 – 1932) e os músicos Catulo da Paixão Cearense (1863 – 1946) e Mario Pinheiro (1883 – 1923) também participaram do evento (Jornal do Commercio, 18 de setembro de 1922, última coluna).

No Country Club, apresentação dos Oito Batutas e da jazz band Harry Kosarin´s (ou Kosarini) em um chá dançante em homenagem a estudantes sul-americanos (O Paiz, 21 de setembro de 1922, primeira coluna; O Imparcial, 21 de setembro de 1922, penúltima coluna).

A Sociedade Brasileira de Autores Teatrais havia aberto um inquérito contra os Oito Batutas devido a acusações feitas a eles por J. B. da Silva, o Sinhô (1888- 1930), e Francisco José Freire Junior (1881 – 1956). Segundo os compositores, os Oito Batutas haviam, sem autorização, editado, em Paris, trabalhos musicais da autoria deles. O relator foi Cardoso de Menezes, que pediu que o professor Duque fosse ouvido (O Imparcial, 21 de setembro de 1922, segunda coluna; Jornal do Commercio, 6 de outubro de 1922, quinta coluna; Jornal do Commercio, 10 de outubro de 1922, segunda coluna).

Os Oito Batutas tocaram na festa oferecida pelo Círculo da Imprensa para os jornalistas estrangeiros, presentes na cidade devido à comemoração do centenário da Independência do Brasil (Correio da Manhã, 2 de outubro de 1922, quarta coluna).

A Companhia Abigail Maia estava sendo esperada, com os Oito Batutas, em São Paulo, onde fariam apresentações no Teatro da República (O Combate, 2 de outubro de 1922, segunda coluna3 de outubro, primeira coluna).

No Clara Hotel, apresentação dos Oito Batutas com o delicioso exotismo de seus fox-trots parisienses (O Imparcial, 7 de outubro de 1922, terceira coluna).

A valsa Diza, de autoria de China (1888 – 1926), irmão de Pixinguinha (1897 – 1973), e executada pelos Oito Batutas e pelas orquestras Cícero, Romeu Silva e Andreosi, foi editada pela Casa Viúva Guerreiro (O Jornal, 1º de novembro de 1922, terceira coluna).

No Palácio das Festas, na Exposição do Centenário da Independência do Brasil, os Oito Batutas e uma banda militar foram as atrações musicais do baile promovido pela União dos Empregados no Comércio. O serviço de buffet foi do restaurante Falconi (A Noite, 8 de novembro de 1922, quarta coluna; O Paiz, 9 de novembro de 1922, segunda coluna).

Tocaram na sala de espetáculos do Teatro Carlos Gomes, onde se apresentava o vaudeville Surpresas da exposição, do dramaturgo Gastão Tojeiro (1880 – 1965) (Jornal do Brasil, 28 de novembro de 1922, quinta coluna); O Imparcial, 28 de novembro de 1922, segunda coluna).

Os Oito Batutas embarcaram no navio Duque d´Osta para uma temporada no Empire, em Buenos Aires, sob o comando do empresário José Segreto (O Paiz, 2 de dezembro de 1922, quarta coluna; O Jornal, 3 de dezembro de 1922, quinta coluna; Correio Paulistano, 2 de dezembro de 1922, quinta coluna 1922, quinta coluna; Correio Paulistano, 2 de dezembro de 1922, quinta coluna).

 

Uma brevíssima história dos Oito Batutas e Pixinguinha

 

“Se você tem 15 volumes para falar de toda a música popular brasileira, fique certo de que é pouco. Mas, se dispõe apenas do espaço de uma palavra, nem tudo está perdido; escreva depressa: Pixinguinha”

Ary Vasconcellos, crítico e historiador

 

 

“É o melhor ser humano que conheço. E olha que o que eu conheço de gente não é fácil!”

Vinícius de Moraes sobre Pixinguinha

 

O elegante Cine Palais foi inaugurado, na avenida Rio Branco, antiga avenida Central, no Rio de Janeiro, em 16 de julho de 1914. Ficava no edifício onde anteriormente localizava-se o Cine Pathé (Correio da Manhã, 12 de julho e 15 de julho de 1914). Seu proprietário era o coronel Gustavo de Mattos (Revista da Semana17 de julho  e 24 de julho de 1915).

 

 

Apresentaram-se pela primeira vez, em abril de 1919, na sala de espera do Cine Palais, os Oito Batutas, formado por Pixinguinha (flauta), Donga (violão), China (voz e violão), Nelson Alves (cavaquinho), os irmãos Raul (violão) e Jacob Palmieri (pandeiro); José Alves de Lima, o Zezé (bandolim e ganzá) e Luís de Oliveira (bandola e reco-reco). Todos os livros consultados pela pesquisa da Brasiliana Fotográfica apontam o dia 7 de abril de 1919 como o da estreia do grupo no Cine Palais, mas há registros nos jornais da época de apresentações anteriores a essa data (O Paiz2 de abril, penúltima coluna; e 4 de abril, terceira coluna, de 1919; Manchete, 24 de setembro de 1966).

Pixiguinha já havia tocado flauta, em meados da década de 1910, na sala de projeção do Cine Palais, acompanhando os filmes mudos. 

 

 

A ideia da criação do conjunto musical, que se tornaria lendário na história da música popular brasileira, foi de Isaac Frankel, gerente do cinema, como uma estratégia para resgatar o público que havia se afastado dos cinemas devido à violenta epidemia de gripe espanhola, em 1918. Frankel havia ouvido, no carnaval de 1919, o Grupo Caxangá, do qual faziam parte, dentre mais de 15 músicos, Pixinguinha (1897 – 1973), Donga (1891 – 1974) e João Pernambuco (1883 – 1947), no coreto do Largo da Carioca, ao lado da sede da Sociedade Tenentes do Diabo. O Caxangá era, na década de 1910, uma das principais atrações do carnaval do Rio de Janeiro.

 

Grupo Caxangá no carnaval de 1915 / Pixinguinha, vida e Obra

Grupo Caxangá no carnaval de 1914 / Pixinguinha, Vida e Obra

 

Em julho de 1919, os Oito Batutas também tocaram nas salas de espera dos teatros Carlos Gomes e São José, ambos do empresário e um dos pioneiros do cinema no Brasil, Paschoal Segreto (1868 – 1920) (O Paiz, 23 de julho de 1919). Em outubro, João Pernambuco integrava o conjunto, do qual o bandolinista José Alves de Lima havia se desligado.

 

 

As apresentações do grupo na sala de espera do Cine Palais, frequentado pela elite carioca, onde já haviam tocado os pianistas Oswaldo Cardoso de Menezes (1893 – 1935) e Luciano Gallet (1893 – 1931), fizeram muito sucesso e logo o conjunto ganhou admiradores como o músico Ernesto Nazareth (1863 – 1934), que tocava na sala de espera do concorrente Cine Odeon; o político Ruy Barbosa (1849 – 1923) e o empresário Arnaldo Guinle (1884 – 1963) que, como já mencionado, patrocinou uma turnê do grupo por estados do sudeste e do nordeste do Brasil, entre 1919 e 1920; e, em 1922, para Paris.

 

 

Estava programada uma apresentação dos 8 Batutas para os reis da Bélgica, que visitaram o Brasil entre 19 de setembro e 16 de outubro de 1920. Aconteceria durante o almoço que seria oferecido a eles pelo então prefeito do Rio de Janeiro, Carlos Sampaio, na Mesa do Imperador. Porém uma chuva fez com que o evento fosse cancelado (O Paiz, 24 de setembro de 1920, segunda colunaO Paiz, 25 de setembro de 1920).

Em 1º de dezembro de 1922, após a turnê de Paris, o conjunto seguiu em nova viagem internacional, desta vez para a Argentina e foram mesmo Oito Batutas: Pixinguinha (flauta e saxofone), Donga (violão e banjo), J. Tomás (bateria), China (violão e voz), Nelson Alves (cavaquinho e banjo), J. Ribas (piano), Josué de Barros (violão) e José Alves (bandolim e ganzá). Apresentaram-se em Buenos Aires, no Teatro Empire; em Rosário, La Plata e Chivilcoy (O Paiz, 2 de dezembro de 1922, quarta coluna). A temporada foi um sucesso e terminou em abril de 1923 (Correio da Manhã, 6 de abril de 1923, sexta coluna).

Em 1927, os Batutas começaram a tocar no Cinema Odeon e fizeram uma turnê por Santa Catarina (Correio da Manhã, 25 de agosto, segunda coluna). Também se apresentaram em teatros e no espetáculo Noites de Montmartre, no Assyrio (Correio da Manhã, 14 de julho de 1927), onde, de maio de 1928 a 1931, foram atração fixa.

Pixinguinha, Donga (1891 – 1974) e João da Baiana (1887 – 1974) criaram o Grupo da Guarda Velha, que substituiu os Batutas e foram um grande sucesso no carnaval de 1932. Os três músicos foram frequentadores da Casa de Tia Ciata (1854 – 1924), que ficava na Pequena África no Brasil, expressão baseada numa afirmação do cantor e pintor Heitor dos Prazeres (1898 – 1966) se referindo à área que começava no Porto do Rio de Janeiro e abrangia os atuais bairros da Saúde, Estácio, Santo Cristo, Gamboa e Cidade Nova, até a Praça Onze de Junho, que foi totalmente remodelada nos anos 1940 para a abertura da avenida Presidente Vargas. Foi  lá que, a partir da década de 1870, a comunidade baiana se estabeleceu no Rio de Janeiro, fazendo da área um local de concentração de diversas manifestações da cultura afro-brasileira.

 

 

João da Baiana era filho de Prisciliana Maria Constança, e Donga, filho de Amélia Silvana de Araújo, tias baianas da Pequena África. Eras irmãs-de-santo da lendária Tia Ciata (1854 – 1924), Hilária Batista de Almeida, no terreiro de João Alabá, um dos principais babalorixás do candomblé  no Rio de Janeiro. Havia também as tias Bebiana, Carmen e Mônica, dentre outras, que fizeram de suas casas pontos de referência e de convívio, que garantiram a manutenção das tradições africanas na cidade. Nessas casas eram cultuadas a música e a religiosidade afro-brasileira. As casas de Tia Prisciliana e, principalmente, a de Tia Ciata foram espaços fundamentais da música popular carioca.

 

O GLOBO, 26 de maio de 2019

Região da Pequena África / O GLOBO, 26 de maio de 2019

 

Entre a última década do século XIX e as primeiras décadas do século XX, a comunidade afro-descendente se reunia nessa região para praticar religiões de matriz africana e cantar sambas. Foi na casa de Tia Ciata, onde havia um terreiro de candomblé clandestino e onde os bambas do samba se encontravam, que o primeiro samba, registrado e gravado como tal, Pelo telefone, foi composto por Donga e Mauro de Almeida (1882 – 1956), em 1916. Foi lançado pela Odeon, em 1917. Existiu uma polêmica em torno de sua autoria: foi registrado por Donga, em 27 de novembro de 1916, mas teria sido uma criação coletiva. Houve uma troca de petardos musicais entre Sinhô (1888 – 1930), que estaria presente na casa de Tia Ciata quando o samba foi composto e a turma de Donga, dentre eles João da Baiana e Pixinguinha. Outra polêmica envolve o fato de ter sido mesmo o primeiro samba ou se foi o primeiro samba a fazer sucesso, já que alguns autores alegam que antes foram compostos os sambas Em casa da baiana, de 1911; e A viola está magoada, de 1914.

 

 

Foi também na Pequena África que a Deixa Falar, considerada a primeira escola de samba, foi fundada, em 12 de agosto de 1928, pelos sambistas Bide, Mano Edgar, Brancura, Baiaco, dentre outros, além de Ismael Silva, que reinvidicava a expressão escola de samba. Eles se reuniam no Bar Apolo ou no Café Compadre, em frente à Escola Normal, no Largo do Estácio. Existiu até 1932, quando se apresentou como rancho carnavalesco.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

A Brasiliana Fotográfica agradece a colaboração de Bia Paes Leme, coordenadora de Música do Instituto Moreira Salles, e a de Fernando Krieger e Isadora Cirne, assistentes da Coordenadoria de Música do Instituto Moreira Salles, para a publicação desse artigo.

Para mais informações sobre Pixinguinha e os Batutas, inclusive para acessar gravações e mais fotografias do conjunto, acesse o site Pixinguinha, do Instituto Moreira Salles.

 

Abotoaduras que pertenceram a Pixinguinha. Arquivo Pixinguinha / Acervo IMS

Abotoaduras que pertenceram a Pixinguinha/ Arquivo Pixinguinha / Acervo IMS

 

 

Fontes:

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Site Musica Brasiliensis -Crônicas bovinas

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Links para os artigos já publicados da Série 1922 – Hoje, há 100 anos

Série 1922 – Hoje, há 100 anos II- A Semana de Arte Moderna, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 13 de fevereiro de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos III – A eleição de Artur Bernardes e a derrota de Nilo Peçanha, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado em 1º de março de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IV – A primeira travessia aérea do Atlântico Sul, realizada pelos aeronautas portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicada em 17 de junho de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos V – A Revolta do Forte de Copacabana, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicada em 5 de julho de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VI e série Feministas, graças a Deus XI – A fundação da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 9 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VII – A morte de Gastão de Orleáns, o conde d´Eu (Neuilly-sur-Seine, 28/04/1842 – Oceano Atlântico 28/08/1922), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 28 de agosto de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos VIII – A abertura da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil e o centenário da primeira grande transmissão pública de rádio no país, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 7 de setembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos IX – O centenário do Museu Histórico Nacional, de autoria de Maria Isabel Lenzi, historiadora do Musseu Histórico Nacional, publicado em 12 de outubro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos X –  A morte do escritor Lima Barreto (1881 – 1922), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 1º denovembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

Série 1922 – Hoje, há 100 anos XI e série Feministas, graças a Deus XII 1ª Conferência pelo Progresso Feminino e o “bom” feminismo, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, antropóloga do Arquivo Nacional, publicado em 19 de dezembro de 2022, na Brasiliana Fotográfica.

A cidade de São Paulo e Tebas (1721 – 1811), reconhecido como arquiteto, em 2018, mais de 100 anos após sua morte

Hoje, no dia em que São Paulo completa 467 anos, a Brasiliana Fotográfica publica um artigo sobre um homem escravizado conhecido em seu tempo como o mestre pedreiro Tebas (1721 – 1811), que se destacou na cidade, no século XVIII, por criar projetos de edifícios, principalmente religiosos, tornando-se por sua atuação um ícone da arquitetura colonial no Brasil. Essencial para a renovação do estilo arquitetônico da cidade de São Paulo no século XVIII, foi o mais afamado oficial de cantaria de pedra, técnica de talhar pedras em formas geométricas, e era também mestre nas técnicas de alvenaria e hidráulica. Apesar da importância de seu legado, só foi reconhecido como arquiteto, em 2018, quando foi inserido no quadro associativo do Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo. Era dado, então, mais um passo para acabar com a invisibilidade da trajetória desse importante personagem da história de São Paulo e do Brasil.

 

 

Nascido em 1721, em Santos, seu nome era Joaquim Pinto de Oliveira. Aprendeu seu ofício com o português Bento de Oliveira Lima (? – 1769), seu proprietário e renomado mestre de obras da cidade. Passaram a ser chamados para trabalhar na cidade de São Paulo, onde atuaram em diversas obras. Foram responsáveis pela restauração da antiga Catedral da Sé, demolida em 1911. Tebas já havia construido a torre da igreja em 1750. Lima morreu, em 1769, antes da conclusão da reforma da Sé, deixando sua viúva, Antônia Maria Pinta, endividada. No inventário de Lima, Tebas valia 400 mil réis enquanto seus outros três artífices escravizados valiam 100mil. Segundo o pesquisador do IPHAN, Carlos Gutierrez Cerqueira, a alforria de Tebas aconteceu entre 1777 e 1778, em ação judicial movida por Tebas contra a viúva de Bento, sob orientação de Matheus Lourenço de Carvalho, arcebispo da Sé.

 

 

 

 

Entre os trabalhos de Tebas estão a pedra fundamental da fachada da antiga igreja do Mosteiro de São Bento, um cubo de 22 centímetros “com relíquias e um Agnus Dei na base do cunhal”, pela qual teria recebido, em 1766, seis tostões. Além disso, segundo o arquiteto Carlos Lemos, “lavrou também a portaria de pedra da igreja, encimada por um frontão em forma de concha. Por todo o trabalho de cantaria lavrada – portada principal, três janelas do coro e cruz romana de remate da fachada – recebeu ele do mosteiro, no mesmo ano de 1766, a quantia de 286$040 réis.”

 

 

Também construiu o Chafariz da Misericórdia (1792), primeiro chafariz público da capital paulista, erguido onde hoje encontra-se a rua Direita. Na época era ponto de trabalho e de encontro do povo, especialmente da população negra da cidade. Na época, por permitir o acesso à água, os chafarizes eram fundamentais para a dinâmica de funcionamento das cidades.

Segundo o livro A mão afro-brasileira: significado da contribuição artística e histórica (1988), organizado pelo artista plástico baiano, que a partir de 2004 passaria a ser diretor curador do Museu Afro Brasil, Emanoel Araújo (1940 – ), o chafariz foi “transferido para o distante Largo de Santa Cecília, talvez para servir de bebedouro de cavalos. Ficou por ali até os anos da I Grande Guerra. Depois, foi desmontado e largado num dos depósitos da prefeitura e, segundo informações que tivemos, até há uns quinze ou vinte anos atrás, ainda permanecia semi-enterrado entre os escombros e velhos postes de iluminação pública abandonados.” A transferência ocorreu em 1886.

 

 

 

Outras obras realizadas com a participação de Tebas foram as partes frontais da igreja da Ordem Terceira do Carmo (1775 – 1776) e da igreja da Ordem Terceira do Seráfico São Francisco (1783).

 

 

Construiu a torre do Recolhimento de Santa Teresa e foi também o responsável pelo Cruzeiro Franciscano da cidade de Itu (1795), que integra o Centro Histórico de Itu, e foi tombado em 2004 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo. Considerado um monumento raro, só é comparável aos cruzeiros da Igreja de São Francisco, em João Pessoa; e o do Convento de Nossa Senhora das Neves, em Olinda.

 

 

Ainda trabalhava em obras quando faleceu, em 11 de janeiro de 1811, de gangrena. Foi velado e sepultado na Igreja de São Gonçalo, na Praça João Mendes, em São Paulo.

O primeiro registro escrito sobre Tebas de que se tem notícia é de 1899 em uma cronologia da história paulistana, Chronologia paulista ou relação histórica dos factos mais importantes ocorridos em S. Paulo, desde a chegada de Martim Affonso de Souza a S. Vicente até 1898, elaborada pelo cronista maranhense José Jacinto Ribeiro (1846 – 1910), filiado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Em 1935, Nuto Sant’Anna, chefe da Seção de Documentação Histórica do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, publicou o artigo Thebas: subsídios inéditos para a reconstituição da personalidade do célebre arquiteto paulistano do século XVIII, na Revista do Arquivo Municipal de São Paulo. Dois anos depois, escreveu o romance Tebas, o escravo, publicado em 1939.

Nas páginas iniciais do livro de Sant´Anna, há explicações preliminares:

 

PERSONAGENS

LENDÁRIO

Tebas, escravo pedreiro.

FICÇÃO

José Vaz, Mestre de Campo e D. Cotinha, sua mulher; Padre Justino, cônego; Gregório dos Anjos, feitor; Luiza, mulher do administrador do Quebra Lombo; Maria das Dores, Carolina, Tião, Juvêncio, Quitéria, Joana, Tibúrcio e Barnabé, escravos.

(…)

ENTRECHO

Dizem historiadores e cronistas que as tôrres das igrejas do Convento de Santa Teresa e da Sé foram construidas por Thebas. Thebas (Joaquim Pinto de Oliveira Thebas) trabalhou efetivamente nas obras do chafariz do largo da Misericórdia. O sítio do Tapanhoim existiu nas baixadas do ribeirão do Lavapés. A chácara do Quebra Lombo é também história. Os nomes das ruas e os aspectos ligeiramente delineados são reais.

O mestre de campo José Vaz é o dono do sítio do Tapanhoim e de tudo o que há nele, incluindo Tebas, protagonista da estória, e as demais pessoas ali escravizadas. O antagonista é o feitor Gregório dos Anjos, impedido por Tebas, a golpes de capoeira, de estuprar Maria das Dores, “mulatinha esguia, de saliências naturais bem feitas. Uns bonitos dentes. E uma certa vivacidade encantadora” nunca vista “nas outras crioulas” (p. 31).

Nesse tempo, a construção das pontes, a edifi cação de prédios altos, a erecção da tôrre das igrejas, constituiam verdadeiros problemas. Obras Tebas e o Tempo 15 difíceis e custosas. Os artífi ces da terra sentiam-se quasi incapazes de as realizar. O Convento de Santa Teresa, que, da beira do morro abrupto, espiava para a várzea, tinha já a sua igrejinha – mas sem tôrre; a da Sé também não a possuia; e a da igreja do Colégio, era pequenina e baixa. (p. 69)

Interessado nas habilidades de Tebas como pedreiro, padre Justino, cônego da Sé, o adquire junto ao mestre de campo José Vaz, sob a condição de libertá-lo assim que a obra estivesse concluída. Justino morre antes do início das obras, mas ainda tem tempo de ordenar o cumprimento da promessa e de determinar os ganhos (uma pataca e meia) do mestre pedreiro escravizado. Terminada a torre, o agora livre e respeitado Tebas juntara dinheiro para propor ao seu ex-senhor a compra de Maria das Dores. Mas é surpreendido por José Vaz, que lhe oferece de presente o amor de sua vida. Joaquim Pinto de Oliveira e Maria das Dores se casam um mês depois.

FIM

São Paulo, de 20 a 30 de junho de 1937

 (transcrito do livro Tebas, um negro arquiteto na São Paulo escravocrata, páginas 14 e 15)

 

O compositor paulistano Geraldo Filme (1927 – 1995) cantou a história do arquiteto no samba de 1974, da extinta escola de samba Paulistano da Glória, que, com o enredo, conquistou o vice-campeonato do Grupo de Acesso. Ouça aqui.

 

Praça da Sé, Sua Lenda, Seu Passado, Seu Presente

Geraldo Filme

Tébas negro escravo
Profissão alvenaria
Construiu a velha sé
Em troca da carta de alforria
Trinta mil ducados que lhe deu padre Justino
Tornou seu sonho realidade
Daí surgiu a velha Sé
Que hoje é o marco zero da cidade
Exalto no cantar de minha gente
A sua lenda, seu passado, seu presente
Praça que nasceu do ideal
E braço escravo, é praça do povo
Velho relógio, encontro dos namorados
Me lembro ainda do bondinho de tostão
Engraxate batendo na lata de graxa
E o camelô fazendo pregão
O tira-teima dos sambistas do passado
Bixiga, Barra Funda e Lavapés
O jogo da tiririca era formado
O ruim caía, o bom ficava de pé
No meu São Paulo, olê olê, era moda
Vamos na sé que hoje tem samba de roda
No meu São Paulo, olê olê, era moda
Vamos na sé que hoje tem samba de roda

 

Sobre o apelido e a vida de Tebas, segue um depoimento de Geraldo Filme:

 

 

Em 1988, no já mencionado livro A mão afro-brasileira: significado da contribuição artística e histórica,  foi publicado o artigo Thebas, do arquiteto Carlos Lemos, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Em 2011, Carlos Gutierrez Cerqueira, pesquisador do IPHAN, colocou no ar o blog Resgate – história e arte, a fim de divulgar suas pesquisas sobre Tebas, no artigo Tebas: vida e atuação na S. Paulo colonial; e também o resultado das suas mais de três décadas de trabalho no IPHAN. Em 2018, foi lançado o livro Tebas: Um Negro Arquiteto na São Paulo Escravocrata, organizado pelo jornalista Abilio Ferreira e fundamental para a elaboração desse artigo.

Foi inaugurado, em 20 de novembro de 2020, Dia da Consciência Negra, um monumento em homenagem a Tebas. A estátua, de autoria do artista plástico Lumumba Afroindígena e da arquiteta Francine Moura, está exposta na praça Clóvis Bevilaqua, entre as igrejas da Sé e do Carmo, em São Paulo.

 

 

“A natureza coletiva do seu legado o libertou do esquecimento”.

 

 

Como não existe nenhuma pintura ou desenho de Tebas, o quadro Cabeça de negro (1934), de Cândido Portinari (1903 – 1962), é muitas vezes associado à imagem do arquiteto. Fenômeno semelhante foi abordado no artigo A mulher negra de turbante, de Alberto Henscheldas historiadoras Aline Montenegro Magalhães e Maria do Carmo Rainho, publicado aqui no portal em 13 de maio de 2020. Nele é mencionado a frequência com que a imagem de Luiza Mahin, mãe do poeta, advogado e abolicionista Luís Gama (1830 – 1882), e liderança da Revolta dos Malês, um dos maiores levantes de escravizados promovidos no Brasil, em Salvador, em 1835, é associada à fotografia Mulher de turbante, produzida em torno de 1870, no Rio de Janeiro, pelo fotógrafo alemão Alberto Henschel (1827 – 1882).

 

 

Uma curiosidade: Tebas era uma gíria usada pela populaçao paulista, no século XIX, para designar algo que era bom ou o melhor. Segundo o livro A capital da solidão: uma história de São Paulo das origens a 1900 (2003), do jornalista Roberto Pompeu de Toledo: “Foi tal a fama de Tebas, considerado, além de pedreiro exímio, corajoso e desenvolto, que até a primeira metade do século XX seu nome, em São Paulo, era sinônimo tanto de valentão, quanto de habilidoso. “Fulano é um Tebas”, dizia-se, e a palavra, com tais acepções, até hoje está nos dicionários. Alguns afirmam que o adjetivo “tebas” não vem do Tebas, e sim do idioma quimbundo – mas o simples fato de outros o atribuírem ao artesão paulista já é indicativo de sua reputação”.

A história de Tebas foi lembrada no documentário AmarElo – É tudo pra ontem (2020) em torno de um show do rapper Emicida (1985 – ), realizado no Theatro Municipal de São Paulo, em 27 de novembro de 2019. No filme, é resgatada parte da história da cultura e dos movimentos dos negros no Brasil. Sobre Tebas: foi decisivo na renovação estilística pela qual São Paulo passou no século XVIII.

 

O livro  Tebas, um negro arquiteto na São Paulo escravocrata, organizado por Abilio Ferreira e lançado em 2018, foi fundamental para a elaboração desse artigo.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

ARAUJO, Emanoel (Org.). A mão afrobrasileira: significado da contribuição artística e histórica. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/ Museu Afro Brasil, 2010.

Arch Daily, 27 de novembro de 2020

Aventuras na História, 27 de outubro de 2020

Documentário AmarElo – É tudo pra ontem

FERREIRA, Abilio (org.); CERQUEIRA, Carlos Gutierrez; YOUNG, Emma; JACINO, Ramatis; CHIARETTI, Maurilio. Tebas, um negro arquiteto na São Paulo escravocrata. São Paulo ; Idea, 2018.

Google Arts and Culture

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional 

O Estado de São Paulo

Outras palavras, 5 de abril de 2019

Projeto Tebas

Revista Galileu, 30 de junho de 2020

Revista Projeto, 14 de setembro de 2020

Site Cidade On

Site Prefeitura da Instância Turística de Itu

Site Cidade de São Paulo Cultura

Site IHGB

Site Secretaria de Cultura da Cidade de São Paulo

Site X Special Design

Veja São Paulo