Data Magna da Marinha do Brasil

Batalha Naval do Riachuelo – A Data Magna da Marinha do Brasil

Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha

A Batalha Naval do Riachuelo, ocorrida em 11 de junho de 1865, assinalou um momento capital na Guerra da Tríplice Aliança contra o Governo do Paraguai (1864-1870), o maior conflito entre Estados ocorrido na América. O controle dos rios Paraná e Paraguai, conquistado após a vitória sobre a Marinha paraguaia em Riachuelo, inviabilizou a ofensiva adversária sobre os territórios brasileiro e argentino, e também impediu que o Governo de Solano López ( 1827 – 1870) recebesse armamentos comprados no exterior.

Desde o início do conflito, com a invasão do Mato Grosso pelo Exército paraguaio, em dezembro de 1864, o Brasil e a Argentina sofriam seguidas derrotas no campo de batalha. O território de ambas as Nações foi invadido e algumas de suas cidades fronteiriças foram pilhadas pelas tropas adversárias, como Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, e Corrientes, na Argentina. A vitória brasileira na Batalha Naval do Riachuelo foi o primeiro triunfo aliado em quase sete meses de confronto e provocou uma grande onda de entusiasmo na população dos centros urbanos do País, antes apreensiva com os rumos da guerra.

O êxito da Força Naval, comandada pelo Chefe de Divisão Francisco Manoel Barroso da Silva (1804 – 1882), alcançado a quase 1.700 quilômetros da Capital do Império, continuou a ser celebrado nos anos posteriores à Guerra e deixou marcas profundas nas tradições da Marinha do Brasil. Tradições que não apenas cultuam a vitória através da figura do Almirante Barroso, mas os que tombaram em combate. Mesmo que muitos tenham perecido no bombardeio mútuo entre navios, foi na luta corpo a corpo que tomou conta do convés da Corveta brasileira Parnaíba, quando abordada por tripulações de três navios paraguaios, que emergiram os heróis que permanecem sendo celebrados pelos nossos marinheiros após um século e meio: o Guarda-Marinha João Guilherme Greenhalgh (1845 – 1865) e o Marinheiro de 1ª Classe Marcílio Dias (1838 – 1865).

 

 

Na imagem acima, registrada em 1917, ano que o Brasil entrava na Grande Guerra (1914-1918), a primeira guerra externa que o país se envolvia desde a travada no Paraguai, se vê uma das salas de aula da Escola de Aprendizes-Marinheiros do Ceará, instituição dedicada à formação militar dos novos tripulantes dos navios de guerra da Marinha do Brasil. O espaço, nomeado “Salão Riachuelo”, foi todo dedicado à celebração da Batalha. Na parede à direita dos alunos foram destacados os nove navios brasileiros que combateram naquele 11 de junho de 1865, expondo sua organização tática em duas divisões e o nome de cada um dos seus comandantes. À frente, onde todos os olhos se fixam, coroa o tablado designado ao professor o retrato do Almirante Barroso, ladeado pelas bandeiras do Regimento de Sinais que representaram os chamamentos daquele líder às tripulações durante os períodos mais adversos da Batalha: “Sustentar o fogo que a vitória é nossa” e “O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever”. Encerrando aquela composição, à esquerda dos alunos há o retrato do Guarda-Marinha Greenhalgh e à direita o do Marinheiro Marcílio Dias, expostos como exemplos a serem perseguidos por aqueles jovens na busca por se tornarem combatentes na Marinha do Brasil.

Acessando o link para as fotografias do acervo da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

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As fotografias do acervo da DPHDM disponibilizadas no portal são de autoria de Boute, H&J Tourte Éditeurs, Jorge Kfuri (1892/3 – 1965), um dos primeiros especialistas na fotografia aérea; Marc Ferrez (1843 – 1923) e de fotógrafos ainda não identificados. São imagens da visita do rei Alberto I da Bélgica ao Brasil em 1920, da Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará, do navio-escola Benjamin Constant, do cruzador Tamandaré e fotografias aéreas do Rio de Janeiro, além de outras.

 

 

A Gruta da Imprensa

A Brasiliana Fotográfica destaca uma imagem da Gruta da Imprensa, localizada na Niemeyer, uma das mais bonitas avenidas do Rio de Janeiro. O registro foi produzido por Augusto Malta ( 1864 – 1957), fotógrafo oficial da prefeitura do Rio de Janeiro, de 1903 a 1937, e pertence ao Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, uma das instituições parceiras do portal. A Gruta da Imprensa foi inaugurada pelo prefeito Carlos Sampaio (1861 – 1930), dias antes do início da viagem dos reis da Bélgica ao Brasil, em 1920, e sua denominação foi uma homenagem do prefeito à imprensa carioca (Correio da Manhã, 19 de setembro de 1920, na segunda coluna e O Globo, 10 de março de 1926, sob o título “Loucura que passou”).

“Em meio dessa avenida, a comitiva fez alto para inaugurar a “Gruta da Imprensa”, delicada homenagem do Sr. Prefeito. Trata-se de uma gigantesca laje, que da margem da avenida se aprofunda no oceano, deixando , por um capricho da natureza, larga abertura, formando gruta, de fácil acesso, onde o mar irrompe violento sem, contudo, oferecer perigo. Uma longa escadaria com balaustrada foi construída levando a gruta à entrada da qual o Sr. Carlos Sampaio fez colocar em cimento o dístico: – Gruta da Imprensa” (Jornal do Brasil, 18 de setembro de 1920, na quinta coluna).

Tornou-se, na época, um concorrido ponto turístico. Em 1926, foi cogitada a construção de um bar no local, mas os técnicos responsáveis pelas vistorias alegaram falta de segurança na região e alertaram para o iminente desaparecimento da Gruta, devido à “fácil deterioração pela ação da água” (O Globo, 10 de março de 1926, sob o título “Loucura que passou”). Contrariando as previsões de destruição, a Gruta da Imprensa continua lá, mas já não é uma área de lazer utilizada pelos cariocas. Sua presença foi de novo notada na ocasião do desabamento da Ciclovia Tim Maia, justamente na altura da Gruta da Imprensa, em 21 de abril de 2016, cerca de três meses após sua inauguração.

Durante as corridas de automóveis do Circuito da Gávea ou Trampolim do Diabo, concorrido acontecimento social e esportivo que acontecia no entorno do Morro Dois Irmãos e da Avenida Niemeyer, entre os anos 1933 e 1954, e chegava a reunir até 300 mil espectadores, alguns jornalistas esportivos acompanhavam as provas apoiados na mureta da gruta. Em 1935, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) foi presenteada pelo pintor Álvaro de Almeida com um quadro retratando a Gruta da Imprensa. Na ocasião, o gesto foi saudado pelo conselheiro da ABI, jornalista Carlos Maul: “É um quadro que tem para nós dupla valia: a de ser uma obra de beleza e a de fixar um dos mais formosos aspectos da paisagem carioca em que um governo da cidade perpetuou o nome da nossa classe. Esse quadro avivará em nosso espírito a memória do símbolo que ele exprime: a resistência heroica a todas as tempestades” (O Globo, 27 de abril de 2016).

Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

 

A viagem dos reis da Bélgica ao Brasil sob as lentes de Guilherme Santos

Nesse segundo artigo sobre a viagem dos reis da Bélgica ao Brasil em 1920, a Brasiliana Fotográfica conta um pouco dessa história e disponibiliza para seu leitores fotografias do acontecimento produzidas pelo fotógrafo amador Guilherme Santos (1871 – 1966), guardadas no acervo do Instituto Moreira Salles. No primeiro artigosobre o assunto, “Viagens do encouraçado São Paulo conduzindo os reis belgas em visita oficial ao Brasil“, publicado no último dia 19, foram destacadas as imagens da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, insitituição parceira do portal.

 

 

A visita do rei Alberto I da Bélgica (1875 – 1934) ao Brasil, entre 19 de setembro e 15 de outubro de 1920, foi a primeira realizada por uma monarca europeu à América do Sul (A Noite, 2 de junho de 1920). Ele veio acompanhado de sua esposa, a rainha Elisabeth (1876 – 1965), e o filho do casal, o príncipe Leopoldo (1901 – 1983), futuro rei Leopoldo III, juntou-se a eles no princípio de outubro. Durante sua estadia no país, o casal real foi sempre aclamado pela população e os jornais comumente referiam-se ao soberano como o “rei herói” ou o “rei soldado”, devido à sua atuação na Primeira Guerra Mundial (Jornal do Brasil, 8 de abril de 1920).

Em artigo assinado pelo jornalista e escritor Gilberto Amado (1887 – 1969) foi ressaltada a capacidade do “grande rei católico” de conciliar em sua pessoa “o espírito democrático do nosso tempo com as tradições da velha casa dinástica” e sua visita ao Brasil seria, então, “um extraordinário acontecimento que representa uma honra para o Brasil e uma glória para o governo que o propicia” e uma oportunidade para o povo brasileiro “aclamar uma das mais belas figuras morais do mundo moderno” (O Paiz, 14 de junho de 1920). Segundo o primeiro-ministro belga, Léon Delacroix (1867 – 1929), a viagem teria como consequência uma estreita aproximação comercial entre os dois países (O Paiz, 4 de setembro de 1920). De fato, um dos frutos da viagem foi a criação da Companhia Belgo Mineira, em 1921.

O convite formal para a viagem dos reis da Bélgica foi feito pelo delegado do Brasil na Conferência de Versalhes, em 1919, Epitácio Pessoa. Foi precedida por vários preparativos como a reforma do Palácio da Guanabara (O Paiz, 27 de abril de 1920), o restabelecimento da Ordem do Cruzeiro – criada por Dom Pedro I, em 1822, e extinta com a proclamação da República (Gazeta de Notícias, 15 de junho de 1920) – , e a criação de um protocolo para recebê-los. Vários eventos foram programados para recepcionar os reis, desde festas públicas a jantares protocolares e visitas a instituições como ao Jardim Botânico e ao Instituto Oswaldo Cruz. Os soberanos também foram a São Paulo e a Minas Gerais.

 

Acessando o link para as fotografias da viagem dos reis da Bélgica ao Brasil em 1920, de autoria de Guilherme Santos e disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Reveja as fotografias do encouraçado São Paulo e de outros aspectos da viagem dos reis da Bélgica ao Brasil em 1920, do acervo da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha publicadas no post do dia 19 de setembro, Viagens do Encouraçado São Paulo conduzindo os reis belgas em visita oficial ao Brasil.

 

Cronologia da viagem dos reis da Bélgica ao Brasil em 1920

 

 

19/09 – Chegada dos reis da Bélgica, Alberto I e Elisabeth, ao Rio de Janeiro, a bordo do encouraçado São Paulo. Desembarcaram no cais Mauá e a população os  recebeu de forma “apoteótica”. Seguiram com o presidente da República, Epitácio Pessoa (1865 – 1942), pela avenida Rio Branco, até o Palácio Guanabara, onde alunas do Instituto Nacional de Música e do Liceu Francês cantaram o hino da Bélgica, La Brabançonne. Na avenida Rio Branco, senhoritas da Cruz Vermelha venderam mais de 3500 edelweiss e 1500 laços com as cores da Bélgica em favor da Cruzada Nacional contra a Tuberculose. Às 18h, realização do círculo diplomático, quando os reis foram apresentados a vários embaixadores. O casal real chegou ao Palácio do Catete, às 17:35, para a visita protocolar ao presidente da República. Voltaram para o Palácio da Guanabara e, à noite, foram a um jantar íntimo no Palácio do Catete. Estavam presentes além dos reis, do presidente e da primeira-dama, a senhorita Laurita Pessoa e a condessa de Chimay (Correio da Manhã, 20 de setembro de 1920).

20/09 – Às 11h, no Palácio da Guanabara, os reis da Bélgica receberam os representantes do Congresso Nacional e outras autoridades. Às 15h, o rei Alberto I foi recebido no Palácio Monroe, para onde foi acompanhado pelo presidente da República. Foi saudado pelo presidente do Senado, Antonio Azeredo (1861 – 1936), e pelo presidente da Câmara, Bueno Brandão (1858 – 1931). Às 16h, seguiu então para o Supremo Tribunal Federal. Foi saudado pelo ministro André Cavalcanti (1834 – 1927). À noite, realização de um banquete para os reis no Palácio do Catete (O Paiz, 21 de setembro de 1920).

21/09 – Pela manhã, o rei Alberto I foi tomar um banho de mar em Copacabana. Depois deu uma volta de carro pelo Centro, pela Glória e por outros pontos da cidade. Visitou a igreja da Candelária. A rainha Elisabeth também foi tomar um banho de mar em Copacabana. À tarde, em companhia do presidente da República e da primeira-dama, o casal real foi visitar a Escola Nacional de Belas Artes e o Instituto Histórico e Geográfico (O Paiz, 22 de setembro de 1920).

 

 

22/09 - Pela manhã, em horários diferentes, o rei e a rainha voltaram a Copacabana onde tomaram um banho de mar. O rei, depois, passeou pelo bairro. À tarde, o rei Alberto I foi ao Segundo Regimento da Cavalaria, onde montou a cavalo. Depois, a rainha Elisabeth chegou em companhia de Epitácio Pessoa. Foi realizada uma parada militar, quando o rei passou em revista as tropas, tendo sido aclamado pela multidão que assistia ao cortejo. À noite, foram ao Corcovado (O Paiz, 23 de setembro de 1920).

23/09 – Às 11h, os reis receberam no prédio da legação da Bélgica, em Botafogo, os membros da colônia belga residentes no Rio de Janeiro. Foi oferecido um cheque de 50 mil francos para as obras de caridade da rainha. Dois pescadores portugueses ofereceram ao casal um cherne de cerca dede 80 quilos. Acompanhados pelo ministro da Bélgica, uma comissão dos presidentes das associações francesas do Rio de Janeiro visitaram a rainha e ofertaram um cheque de 25 mil francos para a Obra de Beneficência Belga. À tarde, o rei foi visitar o Colégio Militar em companhia de Epitácio Pessoa. Foram recebidos pelo ministro da Guerra. Os alunos jogaram pétalas de rosas no rei. Suas majestades visitaram o Pão de Açúcar, onde foi servido um chá.  À noite, no salão nobre do Club dos Diários, realização de uma solenidade promovida pelas associações científicas e literárias em homenagem aos reis. Foram saudados pelo barão Ramiz Galvão (1846 – 1938), presidente do Conselho Superior de Ensino e reitor da Universidade, após ouvirem a protofonia do “O Guarany”. O presidente do Instituto Histórico e Nacional, Afonso Celso (1860 – 1938), ofereceu a sua majestade o título de presidente honorário da mencionada instituição. O rei Alberto I condecorou o sr. Ramiz Galvão com a Ordem de Leopoldo II (O Paiz, 24 de setembro de 1920). A congregação dos professores da Academia de Comércio do Rio de Janeiro, por proposta de seu diretor, Cândido Mendes de Almeida (1866 – 1939), aclamou o rei Alberto I professor honoris causa da instituição (O Paiz, 26 de setembro de 1920).

24/09 – O rei começou o dia com o usual banho de mar em Copacabana. Depois, a bordo de uma lancha, passeou pela baía de Guanabara. A rainha ficou no Palácio da Guanabara lendo sua correspondência. O rei foi, ainda pela manhã, passear pela Floresta da Tijuca. Almoçou com sua comitiva no Hotel do Itamaraty. Uma curiosidade: o rei apreciou muito o bacalhau à brasileira, um dos pratos servidos, que chegou a repetir. Continuou então o passeio, escalou o Pico da Tijuca e ficou entusiasmado com a beleza da natureza. Chegou ao Palácio da Guanabara, às 18h. O major Mario Coutinho, intendente do palácio do governo, e vários oficiais do encouraçado São Paulo foram condecorados pelo rei Alberto I com o oficialato do rei Leopoldo II. Noticiou-se que as negociações para a reabertura da Câmara de Comércio Belgo Brasileira estavam intensificadas. Em Bruxelas, foi aceita a proposta para a criação da cátedra de português na Universidade da Bélgica. Nos cinemas da capital da Bélgica, foram projetados filmes sobre o Brasil (O Paiz, 25 de setembro de 1920).

25/09 – O rei começou o dia com o usual banho de mar em Copacabana. No meio da manhã, foi para o Derby Club, onde a colônia belga havia preparado uma recepção para o soberano. Às 14h, Alberto I foi com o presidente Epitácio Pessoa visitar o Instituto Oswaldo Cruz (Manguinhos). Foram recebidos pelo doutor Carlos Chagas (1878 – 1934) e seus assistentes. Às 17h, a rainha Elisabeth foi visitar o Museu Nacional, tendo sido recebida pelo professor Bruno Lobo (1884 – 1945), diretor da instituição, que a presentou com um livro contendo os arquivos do museu ”ricamente encadernado”. O ministro da Marinha, Raul Soares (1877 – 1924), foi convidado para o almoço que os reis ofereceram no dia 26 na legação da Bélgica. O casal real foi visitado, no Palácio da Guanabara, por Max Fleuiss (1868 – 1943), Carlos de Laet (1847 – 1927), Ramiz Galvão (1846 -1938) e por Fontoura Xavier (1856 – 1922), embaixador do Brasil em Londres. A imprensa belga elogiou o Brasil e os brasileiros pela acolhida a seus soberanos (O Paiz, 26 de setembro de 1920).

26/09 - Apesar da chuva, os soberanos iniciaram o dia com um banho de mar em Copacabana. O rei foi seguido pelas senhoritas Zoraida Cavalcanti e Angelina Cock. Em seu passeio até o Leme, foi presenteado por uma caixa de charutos pela baiana Alva Leoni, filha do deputado baiano Arlindo Leoni (1869 – 1936). Às 9 horas, o casal assistiu à missa solene realizada no Palácio São Joaquim pelo cardeal Arcoverde (1850 – 1930). Almoçaram no Palácio da Guanabara, onde foram visitados por Hilário de Gouveia (1843 – 1923), sr. e sra. Bento Oswaldo Cruz, e pelo senador Irineu Machado (1872 – 1942). Moradores da estação do Encantado mandaram uma carta para o diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil pedindo que o nome da estação fosse mudado para Sua Majestade Elisabeth. Com a presença de Epitácio Pessoa e do casal real, realização no Derby Club de um páreo com o nome de Alberto I (O Paiz, 27 de setembro de 1920). Cerca de 35 mil pessoas compareceram ao estádio do Fluminense para participar da homenagem aos reis belgas. Segundo a imprensa: “foi uma apoteose sem igual!”. Cerca de 1500 jogadores de futebol, dos clubes da Liga Metropolitana, desfilaram para o casal real. Realizou-se uma partida de futebol entre os times da zona norte e da zona sul da Liga Metropolitana. A zona sul venceu por 3 a 0 (O Paiz, 27 de setembro de 1920).

27/09 – O soberano belga começou o dia com seu habitual banho de mar em Copacabana. Às 11:15, o rei recebeu no Palácio da Guanabara a imprensa brasileira. Saudou os jornalistas e Raul Pederneiras (1874 – 1953), presidente da Associação de Imprensa, apresentou a ele cada diretor de jornal presente à cerimônia. Na sede da legação da Bélgica, na praia de Botafogo, o rei Alberto ofereceu um almoço ao presidente da República, Epitácio Pessoa. Depois foram juntos, acompanhados pelo prefeito do Rio, Carlos Sampaio (1861 – 1930), e por outras autoridades dar um longo passeio pela Tijuca. Voltaram pela Gávea e o rei inaugurou oficialmente a avenida Niemeyer. A rainha Elisabeth visitou o Instituto Oswaldo Cruz (Manguinhos). À noite, jantaram no Palácio da Guanabara (O Paiz, 28 de setembro de 1920). Abaixo, uma fotografia da Avenida Niemeyer, dias antes de sua inauguração.

 

 

28/09 –  Os reis belgas e a comitiva real foram para Teresópolis em companhia de Epitácio Pessoa e outras autoridades. Seguiram no vapor Presidente até a estação Piedade, onde passaram para um trem especial da Estrada de Ferro Teresópolis. O casal real ficou hospedado no palacete do sr. Sloper. Almoçaram no bosque da Caixa d´Água e depois visitaram o salto do Imbuhy e o bosque da residência do comendador Gonçalo de Castro. Jantaram na Villa Sloper  e foram saudados com um show de fogos de artifício (O Paiz, 29 de setembro de 1920).

29/09 – O grupo partiu pela manhã para Petrópolis, onde hospedou-se na residência da sra. Franklin Sampaio. Almoçaram no Palácio da Prefeitura e depois visitaram o Colégio São Vicente de Paula. Chegaram ao Arsenal de Marinha, no Rio de Janeiro, depois das 20h (O Paiz, 30 de setembro de 1920).

30/09 –  Após trocar de roupa no palacete Mackenzie, o rei Alberto tomou seu habitual banho de mar em Copacabana. A rainha Elisabeth foi visitar o Jardim Botânico e o rei Alberto foi ao reservatório do Trapicheiro, na Fábrica das Chitas. Também percorreu a Floresta do Andaraí. O casal real almoçou no Palácio da Guanabara. O rei Alberto recebeu em audiência especial brasileiros que haviam cursado universidades belgas. À tarde, o soberano visitou o Jardim Botânico, onde a pedido do diretor da instituição, Pacheco Leão, plantou uma árvore. A rainha Elisabeth recebeu um donativo das senhoras da Cruz Vermelha. O governo brasileiro ofereceu ao soberanos uma garden party nos jardins do Palácio do Catete, a partir das 16:30. Foram apresentados vários bailados executados pela companhia Bonetti. Os soberanos se retiraram às 19h. Foram ao Teatro Municipal onde foi realizado um concerto de gala em homenagem ao casal, sob a regência dos maestros Francisco Braga (1868 – 1945), Elpidio Pereira (1872 – 1961), Octaviano Gonçalves (1892 – 1962) e de Villa-Lobos (1887 – 1959). Depois do espetáculo, o rei foi passear na Tijuca, subindo pela Gávea, de onde retornou por volta das duas horas da madrugada (O Paiz, 1º de outubro de 1920).

01/10 – Para “encanto” da população, os reis belgas percorreram ruas do centro do Rio de Janeiro. Após o almoço, o soberano visitou a brigada policial. A rainha Elisabeth voltou ao Jardim Botânico. A congregação da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro decidiu dar o título de doutor honoris causa para o rei Alberto da Bélgica. Às 19:10, o casal real embarcou para Belo Horizonte, em Minas Gerais. O comboio real partiu da Estação Central do Brasil. Como de hábito, a comitiva real foi aclamada pela população. O filho dos reis belgas, o príncipe Leopoldo (1901 – 1983), futuro Leopoldo III, rei da Bélgica, chegou no Recife, a bordo do transatlântico belga Pays de Waes (O Paiz, 2 de outubro de 1920).

02/10 –  A chegada dos soberanos a Belo Horizonte foi marcada pela aclamação popular. Epitácio Pessoa, outras autoridades e a comitiva real também foram para a capital mineira. Recebidos por Artur Bernardes (1875 1955), governador de Minas Gerais, ficaram hospedados no Palácio da Liberdade, para onde foram após o cortejo pela cidade. Almoçaram no palácio e depois visitaram Artur Bernardes. Receberam diversas autoridades e depois, em companhia de Epitácio Pessoa e sua mulher, foram visitar o Conselho Deliberativo e o Tribunal da Relação. Na Praça da Liberdade, alunos de escolas públicas cantaram o hino belga. Foi noticiado que o rei havia recebido o título de “Cidadão Carioca” (O Paiz, 3 de outubro de 1920).

Link para imagens da visita do Rei Alberto I a Belo Horizonte.

03/10 -   Às 9:00, o rei Alberto, acompanhado por Epitácio Pessoa e Artur Bernardes , visitou o quartel da força pública de Belo Horizonte. Às 10:30, em companhia da rainha Elisabeth, assistiu à missa no Colégio de Santa Maria das Irmãs Dominicanas, celebrada pelo abade Nols.  Almoçaram no palacete Afonso Penna. Os reis visitaram a Lagoa Santa. A Assembleia Legislativa do estado de Mato Grosso fez uma sessão em homenagem aos reis. O príncipe Leopoldo desembarcou em Salvador, onde foi recebido pelo cônsul belga e por representantes do governador da Bahia. Às 13:30, o transatlântico zarpou com destino ao Rio de Janeiro (O Paiz, 4 de outubro de 1920).

04/10 - Às 8 horas, o grupo seguiu para São Paulo de trem. No caminho, visitou a mineração de ouro em Morro Velho, em Vila Nova de Lima. Foram recebidos na residência do superintendente da companhia, Dr. Chalmers, onde foi servido um café da manhã e, mais tarde, um almoço. Às 16h, seguiram para Raposos, onde se despediram do governador de Minas e de outras autoridades do governo mineiro (O Paiz, 5 de outubro de 1920).

05/10 - O comboio real chegou em Rezende, às 10:40, e foi recebido pelo prefeito da cidade, o Dr. Cotrim Filho. Chegou na Estação da Luz, em São Paulo, às 19:20h, onde foi recebido pelo governador do estado, Washington Luís (1869 – 1957), e por outras autoridades, em meio a uma grande aclamação popular. Foram executados os hinos do Brasil e da Bélgica e os soberanos seguiram em um cortejo até a Chácara do Carvalho, onde ficaram hospedados. Na entrada da chácara estava escrito: Gloire a vous Albert Premier, vainqueur de la bataille de Flandres, personification de l´honneur devant les générations. Foram recebidos pelo prefeito de São Paulo, Firmiano de Moraes Pinto (1861 – 1938). O presidente da República ficou hospedado no palacete Martinho Prado. No Tribunal do Juri, houve uma manifestação de “regojizo” pela visita dos soberanos a São Paulo. Chegada, às 20h, do príncipe Leopoldo ao Rio de Janeiro. Foi conduzido ao Palácio da Guanabara, onde ficou hospedado (O Paiz, 6 de outubro de 1920).

06/10 -  Às 9h, no Palácio dos Campos Elísios, o rei Alberto visitou Washington Luís, a quem entregou o cordão da Ordem de Leopoldo II. Às 10h, os soberanos assistiram, na avenida Tiradentes, a uma parada e desfile da força pública. Visitaram a escola de educação física da força pública, onde foram saudados por uma pirâmide humana. À tarde, o rei foi visitar o Palácio das Indústrias e percorreu vários pontos da cidade (O Paiz, 7 de outubro de 1920). O príncipe Leopoldo visitou o Corcovado, o Pão de Açúcar e a Tijuca. Foi visitado pelo senador Antonio Azeredo e pelos senhores Honório e Álvaro Guimarães, com quem havia estudado na Inglaterra. Recebeu também diversos embaixadores e ministros (Gazeta de Notícias, 7 de outubro de 1920).

07/10 - O príncipe Leopoldo chegou a São Paulo com sua comitiva. Os reis belgas, o presidente da República, e membros de suas comitiva visitaram o Instituto Butantan. Voltaram para a Chácara do Carvalho onde receberam ex-alunos da Universidades de Liège, membros das colônias francesa e belga da capital e de Santos, além de uma comissão da imprensa. Os soberanos foram muito presenteados e a rainha Elisabeth determinou que todas as flores que ela havia recebido fossem distribuídas pelos hospitais de São Paulo. À tarde, visitaram em companhia de Washington Luís, sua esposa e do príncipe Leopoldo, a Escola Normal, onde assistiram a um espetáculo musical e à uma demonstração de ginástica calistênica. Foram calorosamente saudados pelas alunas. Os soberanos se retiraram às 16:30 e voltaram para a Chácara do Carvalho. Às 19:30, partiram da Estação da Luz para a fazenda Guatapará. O comboio passou por Campinas e os soberanos jantaram em Rio Claro (O Paiz, 8 de outubro de 1920).

08 e 09/10 - Visita à Fazenda Guaratapá (O Paiz, 9 de outubro de 1920 e 10 de outubro de 1920).

10/10 – O rei Alberto iniciou o dia fazendo exercícios na piscina. Após o café da manhã, percorreu a propriedade em companhia do dr. Alves de Lima, diretor presidente da Companhia da Fazenda Guaratapá. No almoço só foram servidos pratos brasileiros. À tarde foi com Alves de Lima a Ribeirão Preto, onde assistiu a um jogo de futebol entre o Palestra e um clube local. Retornou por volta das 18h. A rainha Elisabeth e o príncipe Leopoldo , com a condessa Caraman Chimay e com o dr. Adolpho Lutz, fizeram um passeio de canoa pelo rio Mogi-Guaçu, onde pescaram e caçaram borboletas. Dois cinegrafistas da comitiva do rei fizeram um voo com o piloto Edu Chaves (O Paiz, 11 de outubro de 1920).

11/10 - O casal real, o príncipe Leopoldo e a comitiva voltaram a São Paulo. Chegaram na Estação da Luz por volta das 17:30 e seguiram para a Chácara do Carvalho. A Rainha Elisabeth foi então percorrer a avenida Paulista. De volta à chácara, ela, seu marido e seu filho passearam pelos jardins até a hora do jantar (O Paiz, 12 de outubro de 1920).

12/10 - O casal real, o príncipe Leopoldo e a comitiva visitaram a cidade de Santos, onde chegaram por volta das 12:10h. Seguiram em cortejo pela cidade, onde foram aclamados, e seguiram para o Parque Balneário, onde foi servido um banquete. À noite, partiram de São Paulo de volta ao Rio de Janeiro (O Paiz, 13 de outubro de 1920).

13/10 - Já no estado do Rio, na cidade de Pinheiros, os soberanos visitaram o Patronato de Menores e o Posto Zootécnico do governo federal. Chegaram ao Rio de Janeiro por volta das 16:30. Seguiram em cortejo para o Palácio da Guanabara. O casal foi nadar na praia de Copacabana, da onde retornaram por volta das 18:30 (O Paiz, 14 de outubro de 1920).

14/10 – Os reis foram ao Palácio do Catete, às 14h, de onde seguiram com o presidente da República e sua mulher para a Quinta da Boa Vista, onde assistiram à festa das crianças. Como lembrança da viagem ao Brasil, os reis belgas ofereceram ao presidente Epitácio Pessoa uma coleção de pratos de porcelana de Bruxelas com pinturas das principais cidades da Bélgica. À esposa de Epitácio Pessoa ofereceram um relógio pulseira e às filhas do casal pendentifs de platina e pedras preciosas. O presidente assinou um decreto dando cidadania brasileira ao rei Alberto e o tornando marechal do Exército nacional. Além disso, o decreto previa a construção de um monumento em homenagem à viagem dos belgas ao Brasil (O Paiz, 15 de outubro de 1920).

15/10 - Às 12h, o senador Rui Barbosa (1849 – 1923) chegou ao Palácio da Guanabara, onde almoçou com os soberanos belgas. À tarde, o rei visitou com o prefeito Carlos Sampaio o Campo de Santana. Foi presenteado com vários exemplares de palmeiras. Por ordem do presidente Epitácio Pessoa a legação da Bélgica foi elevada à categoria de embaixada. Os soberanos belgas receberam diversos presentes, dentre eles uma “rica e luxuosa encadernação de um volume da Constituição Brasileira e outra do Código Civil Brasileiro, acondicionada em uma bela caixa de veludo verde escuro guarnecida de ouro, tendo gravada na tampa as armas da República”, ofertada pelo diretor da Imprensa Nacional, sr. Castelo Branco. O casal presidencial jantou no Palácio da Guanabara com os reis belgas. Foi realizada na baía da praia de Botafogo a festa veneziana organizada pelo Conselho Municipal em homenagem aos reis da Bélgica, que compareceram com o príncipe Leopoldo e com Epitácio Pessoa e sua esposa. A festa teve a apresentação de um préstito de embarcações das sociedades de regatas associadas à Federação Brasileira das Sociedades de Remo, a execução de diversas músicas e fogos de artifício. A população lotou toda a enseada de Botafogo. Quando a festa terminou, os soberanos passearam pela enseada a bordo da lancha Internacional e se retiraram (O Paiz, 16 de outubro de 1920).

16/10 –  Às 10:30, o presidente Epitácio Pessoa e sua esposa, acompanhados de outras autoridades, chegaram ao Palácio da Guanabara, onde foram recebidos pelo casal real. Meia hora depois, o cortejo real partiu para a praça Mauá, passando pela rua Paissandu, e pelas avenidas Beira-Mar e Rio Branco. Foram aclamados por todo o trajeto, que contava com tropas de terra e de mar, sob o comando do general Luiz Barbedo. No cais Mauá, foram recebidos por várias autoridades. Embarcaram com o príncipe Leopoldo, com Epitácio Pessoa e sua esposa, e com mais algumas autoridades e membros de sua comitiva no galeão Dom João VI em direção ao encouraçado São Paulo. Demais membros da comitiva embarcaram na lancha Olga. Os soberanos foram recebidos no São Paulo pelo comandante Gomensoro e por toda a oficialidade. Foram para o salão de honra do navio, onde houve os últimos cumprimentos e a despedida. Às 14h, o encouraçado teve suas âncoras suspensas e iniciou a viagem de volta dos reis belgas (O Paiz, 17 de outubro de 1920).

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

Para a elaboração dessa cronologia, a Brasiliana Fotográfica consultou diversos periódicos da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

Viagens do Encouraçado São Paulo conduzindo os reis belgas em visita oficial ao Brasil, em 1920

 Carlos André Lopes da Silva*

Antes da difusão do avião, o principal meio de contato entre povos separados por grandes distâncias, os navios dominavam o transporte de passageiros, como ainda hoje prevalecem no transporte de carga. Neste contexto, era comum que chefes de estado e outros dignitários fossem conduzidos em viagens transoceânicas por navios de guerra como uma forma de demonstrar o poderio daquela nação mesmo para países com os quais mantinham boas relações.

 

Acessando o link para as fotografias do encouraçado São Paulo e de outros aspectos da visita dos reis belgas ao Brasil, em 1920, do acervo da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Após a Primeira Guerra Mundial e durante um período marcado pela agitação política e crise econômica também no Brasil, o recém-eleito presidente Epitácio Pessoa pretendia elevar a precária posição do país no contexto internacional, percepção consolidada quando chefiou a delegação nacional na Conferência de Paz, em Versalhes. Foi lá que manteve contato com o soberano belga, Alberto I, apelidado de “rei soldado” por liderar, em campo de batalha, o exército de seu país contra a invasão alemã. O convite para uma visita oficial foi feito e logo aceito pelo monarca europeu, não sem despertar críticas dos que por aqui viam incoerência em uma ainda nova República se utilizar de um monarca para ampliar sua visibilidade internacional.

 

 

Para fornecer um transporte adequado à posição do rei belga e sua consorte, Rainha Elisabeth, o governo primeiro pretendeu utilizar um navio de transporte de passageiros de uma das companhias de navegação nacionais, claro, escoltado por um navio de guerra da Marinha do Brasil. Porém, a excelente impressão que teve o presidente da República quando inspecionou as acomodações do navio de escolta, o Encouraçado São Paulo, fez com que a missão de transporte do casal real recaísse naquele navio que acabara de retornar de uma modernização em estaleiro estadunidense. O São Paulo era um dos dois encouraçados adquiridos junto à Inglaterra no final da primeira década daquele século junto com toda uma nova Esquadra. A Marinha do Brasil tornou-se uma das primeiras operadoras mundiais daquele tipo de navio, os encouraçados denominados tipo Dreadnought, elevando o Brasil a uma potência naval no contexto sul-americano. Embora o São Paulo, como seu “irmão”, o Minas Gerais, já estivesse algo desatualizado perante o rápido progresso dos navios de guerra durante o conflito de 1914 a 1918 – ainda abastecia-se com carvão quando o uso do óleo combustível já se encontrava disseminado –, a belonave de 150 metros de comprimento, mais de 20 mil toneladas de deslocamento e tripulada por mil homens ainda era um poderoso símbolo para uma nação que pretendia participação mais ativa no concerto internacional. Àquela missão somariam-se outras duas, quando da viagem de retorno dos monarcas à Europa, o navio faria visitas protocolares aos aliados europeus no conflito recém-encerrado – sim, aliados conquistados com a declaração de guerra do Brasil à Tríplice Aliança em 1917, que redundou no envio de uma flotilha da Marinha do Brasil para atuar em operações antissubmarino no último ano da Guerra – e, na última parada europeia, em Lisboa, novamente serviria a monarcas, repatriando os restos mortais do último Imperador brasileiro e sua esposa, Pedro II e Teresa Cristina.

As adaptações nas acomodações para transportar o casal real e sua comitiva numa viagem transatlântica foram realizadas pelo Estaleiro de Henrique Lage e, em 27 de julho de 1920, o São Paulo partiu com destino a Zeebrugge, porto comercial no Mar do Norte, de intenso simbolismo naquela Europa recém-pacificada, por ter sido local de intensas lutas na última fase do conflito. A utilização desse porto para o embarque dos reis belgas foi desaconselhada por aquele governo e por autoridades navais britânicas, ambas envolvidas nos trabalhos de desobstrução do canal navegável, bloqueado por vários cascos propositalmente afundados pela Marinha britânica para inviabilizar o uso da base naval ali montada pelos alemães. Mesmo assim, a tripulação do São Paulo, em manobra precisa e arriscada, conseguiu realizar a atracação em 28 de agosto. Quatro dias depois, o casal real embarcou e foi recebido por uma salva de 21 tiros. No regresso ao Brasil, deram-se os festejos do 7 de setembro e a tradicional cerimônia naval da passagem do Equador, porém houve um momento de intensa tristeza. Durante a travessia, faleceu, vítima de um acidente, o grumete Francisco Soares Lima; a cerimônia fúnebre foi realizada no mar pelo capelão que acompanhava o casal real. Testemunhas afirmaram que os marinheiros ficaram tocados com a consternação da Rainha Elisabeth, que se ajoelhou ao lado do caixão para orar pelo grumete. Em 19 de setembro, o encouraçado já se aproximava do Rio de Janeiro e recebeu a escolta de outros navios da Marinha do Brasil, hidroaviões da Aviação Naval brasileira sobrevoavam a formação e inúmeros mercantes saíram porto afora para receber os ilustres visitantes. Coube à Galeota D. João VI, que serviu durante décadas aos Orleans e Bragança da Casa Imperial brasileira, conduzir a comitiva no último e menor trecho da viagem, do navio de guerra fundeado até a Praça Mauá, seguindo dali o séquito pela Avenida Rio Branco para receber a aclamação popular.

 

 

Menos de um mês depois, em 16 de outubro, o casal real voltava a embarcar no São Paulo para seu retorno à Europa. Em 1º de novembro, o Rei Alberto I desembarcou em Lisboa, e a Rainha Elisabeth permaneceu a bordo até a conclusão daquela missão, quando foi deixada junto com sua comitiva no porto belga de Dunquerque. O navio ainda aportou em Portsmouth, Antuérpia e Cherburgo, cumprindo o roteiro de visitas protocolares aos aliados da Primeira Guerra Mundial. A derradeira missão se iniciou em 19 de outubro, quando o São Paulo chegou a Lisboa para receber os restos mortais dos últimos imperador e imperatriz do Brasil. O cortejo fúnebre que saiu do Panteão dos Bragança  reuniu grande multidão nas ruas da capital portuguesa; acompanharam os corpos até o navio brasileiro o Conde D’Eu e o Príncipe D. Pedro. No mesmo dia o São Paulo deixou Portugal e, em 7 de janeiro de 1921, atracava na Praça Mauá encerrando com sucesso as três missões consecutivas iniciadas quase seis meses antes, quando percorreu sem falhas mais de 40 mil quilômetros.

 

*  Carlos André Lopes da Silva é pesquisador da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha

 

Em 26 de setembro de 2016, foi publicado um segundo artigo sobre o assunto, de autoria da pesquisadora Andrea C. T. Wanderley: A viagem dos reis da Bélgica ao Brasil sob as lentes de Guilherme Santos