De 1877 até o final da década de 1880, o fotógrafo Marc Ferrez (1843-1923) foi o responsável pela produção da documentação fotográfica das obras destinadas a melhorar o abastecimento de água no Rio de Janeiro (Gazeta de Notícias, de 28 de junho de 1889, na segunda coluna, sob o título “Águas do rio S. Pedro”).
Quase metade de toda a produção fotográfica de Ferrez foi realizada na cidade do Rio de Janeiro e em seu entorno. A outra parte registrou as regiões do Brasil que ele regularmente percorreu em seus diversos trabalhos comissionados, tanto como fotógrafo da Comissão Geológica do Império, em meados dos anos 1870, quanto como fotógrafo das construções ferroviárias no Brasil, especialmente entre 1880 e 1890, quando produziu um grande panorama da paisagem brasileira de sua época.
Sempre atento às inovações tecnológicas, Marc Ferrez aumentou suas possibilidades de fotografar paisagens com a câmera Brandon, equipamento de fotografia panorâmica de varredura, tendo sido o único fotógrafo da década de 1880 a fazer esse tipo de registro em grande formato no Brasil. Fato que o levou, mais tarde, a suas magistrais fotografias de arquitetura produzidas durante a construção da avenida Central, no Rio de Janeiro, e também a seu envolvimento com a introdução do cinema e da fotografia estereoscópica em cores no Brasil, no início do século XX.
Em suas fotografias da cidade, além do espaço construído, registrou a exuberância da natureza que a envolvia. Particularmente na documentação das obras de abastecimento de água, Ferrez percorreu os arredores da cidade, onde documentou os trabalhos técnicos de captação e distribuição, ao mesmo tempo em que construiu, com estas mesmas imagens, significativa parte de sua visão poética e autoral sobre a cidade onde vivia, estruturada em torno das áreas de fronteira entre o natural e o construído, que até hoje caracterizam o Rio de Janeiro.
Este trabalho comissionado de Marc Ferrez resultou em oito álbuns com os registros fotográficos das obras de abastecimento de água. Três deles foram presenteados a dom Pedro II, em 1889, último ano do regime imperial no Brasil. Outros três foram dados ao engenheiro Francisco de Paula Bicalho (1847-1919), diretor das Águas da Corte.
Porém, apesar dessas obras, em 1889, uma grave crise hídrica atingiu o Rio de Janeiro. Já em fevereiro, a Revista Illustrada denunciava a situação (Revista Illustrada, de 2 de fevereiro, sob o título “Medidas Sanitárias”, e de 9 de fevereiro de 1889). Uma grande polêmica em torno do tema se instalou entre os jornais, principalmente entre o governista Cidade do Rio, de José do Patrocínio (Cidade do Rio, de 9 de março de 1889, na segunda coluna sob o título “Cousas do Dia”), e o de críticos do regime imperial como o Diário de Notícias, dirigido por Rui Barbosa (Diário de Notícias, de 10 de março de 1889, sob o título “O Terror”). Em 12 de março cerca de duas mil pessoas foram às ruas para protestar pedindo por água, mesmo dia em que os engenheiros José Américo dos Santos e de Luís Carlos Barbosa de Oliveira propuseram acabar com o problema em 40 dias (Gazeta de Notícias, de 13 de março de 1889, na segunda coluna).
Finalmente, sob o título “Água em seis dias”, foi publicada uma carta assinada pelo jovem engenheiro e professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, Paulo de Frontin (Diário de Notícias, 16 de março de 1889, na segunda coluna). Ele propunha aumentar o abastecimento de água da cidade em 15 milhões de litros diários. Dom Pedro II pediu que o ministro da Agricultura, Rodrigo Silva, analisasse a proposta. O engenheiro foi contratado e teve êxito: no dia 23 de março a cidade já contava com mais cerca de 17 milhões de litros diários de água (Diário de Notícias, de 24 de março, na quinta coluna; e de 25 de março, na sexta coluna, ambas de 1889 e sob o título “Commissão Frontin”).
Em uma charge, publicada por Angelo Agostini na Revista Illustrada, de 30 de março de 1889, o episódio foi resumido: as eficientes obras hídricas de Frontin arrastaram com torrentes de água a ineficácia do governo no assunto.
Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica
Fontes:
ELIAS, Rodrigo; SCARRONE, Marcello. “Quando o Império morreu de sede”. Revista de História. Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 2015.
KOSSOY, Boris. Dicionário histórico-fotográfico brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002. 408 p., il. p&b.
O Brasil de Marc Ferrez – São Paulo : Instituto Moreira Salles, 2005.
Rio / Marc Ferrez – São Paulo : IMS; Göttingen: Steidl, 2015