Série “Avenidas e ruas do Brasil” XIII – A Rua Buenos Aires no Rio de Janeiro
No 13º artigo da Série Avenidas e ruas do Brasil, a Brasiliana Fotográfica destaca a Rua Buenos Aires, antiga Rua do Hospício, no Centro do Rio de Janeiro. Os registros são de Augusto Malta (1864 – 1957), alagoano que foi o fotógrafo oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro, entre 1903 e 1936, e de um fotógrafo ainda não identificado. Malta foi contratado pelo prefeito Pereira Passos (1836 – 1913) para documentar a radical mudança urbanística promovida por ele, período que ficou conhecido como o “bota-abaixo” e que contribuiu fortemente para o surgimento do Rio de Janeiro da Belle Époque.
A Rua Buenos Aires liga o Campo de Santana à rua 1º de Março e fica na região conhecida como Saara, caracterizada pela forte presença de lojas especializadas em artigos populares. Lembramos a nossos leitores que a utilização da ferramenta zoom possibilita a exploração mais aproximada de aspectos interessantes das fotografias. Por exemplo, na imagem abaixo, realizada por um fotógrafo ainda não identificado, que registrou a Rua Buenos Aires na direção da Avenida Passos, podem ser observados mais detalhadamente seu antigo casario, os pedestres, as fachadas das lojas e um bonde em seus trilhos.
No século XVIII, a Rua Buenos Aires era chamada de Rua Detrás do Hospício, apesar de não ter existido um hospício nela: a parte de trás da antiga Igreja do Hospício, localizada na Rua do Rosário, que tinha uma capela e um albergue, dava para a Buenos Aires. Conforme lembrado por Brasil Gerson (1904 – 1981), no livro História das Ruas do Rio: No português antigo, hospício era o mesmo que albergue e hospital. Ainda, segundo o mesmo autor, antes de ficar conhecida como Rua do Hospício, alguns de seus trechos tiveram outras denominações como Rua da Portuguesa, certamente por causa da portuguesa Margarida Soares, que nela morava quando ela não ia além do caminho para o Morro da Conceição; Rua do Sebastião Ferrão, que foi provavelmente um tabelião; Rua do Teixeira, que nela explorava uma casa de jogo de truque; Rua do Becão, famoso cirurgião da Santa Casa; e Rua do Alecrim.
Passou a chamar-se Rua Buenos Aires, em 1915, durante a gestão do prefeiro Rivadávia da Cunha Correia (1866- 1920) (A Noite, 16 de novembro de 1915, quarta coluna; A Rua, 23 de novembro, segunda coluna).
Abrigou alguns estabelecimentos importantes da cidade como, por volta de 1860, a empresa Mesquita e Moreira, de matérias fecais, que antes da instalação do serviço de esgoto no Rio de Janeiro recolhia os urinóis caseiros e jogava sua carga no mar; a redação do jornal O Jacobino, a primeira sede do Clube Ginástico Português, a companhia Mútua de Seguros de Vida de Escravos, em 1862; em 1880, o Grêmio dos Professores; e, em 1905, a Liga Metropolitana de Futebol. Já na década de 1930, tornou-se uma Ra cheia de sedes de jornais: lá estavam instalados, no quarteirão entre o Mercado das Flores e a Rua Uruguaiana, A Manhã, O Popular e A Tarde.
O registro abaixo, do Mercado das Flores, na Rua Buenos Aires, foi produzido por Malta. Foi inaugurado em 17 de abril de 1910 com a presença do então prefeito da cidade, Serzedelo Correia (1858 – 1932) e de Julio Furtado (1851 -1934), diretor das Matas e Jardins. Agora já pode o estrangeiro ir a um mercado de flores decente e digno de uma capital como a nossa (Correio da Manhã, 18 de abril de 1910, última coluna). Porém a construção não agradou a todos (Gazeta de Notícias, 18 de abril de 1910, segunda coluna). Foi o caso da escritora Julia Lopes de Almeida (1862 – 1934), que publicou uma crítica no jornal O Paiz, de 10 de maio de 1910. O Mercado das Flores, além de ser um polo de referência no comércio de flores, foi um ponto turístico da cidade, devido à exuberância de seus arranjos florais.
A Rua Buenos Aires, que ainda se chamava Rua do Hospício, foi mencionada na crônica Vinte Anos! Vinte Anos!, de Machado de Assis (1839 – 1908).
“…Depois de dizer o diabo do correspondente, de fazer e desfazer mil planos, Gonçalves assentou no que lhe pareceu melhor, que era ir à casa dele, na Rua do Hospício, descompô-lo, armado de bengala, e dar-lhe com ela, se ele replicasse alguma coisa. Era sumário, enérgico, um tanto fácil, e, segundo lhe dizia o coração, útil aos séculos…Eram os vinte anos que irrompiam cálidos, férvidos, incapazes de engolir a afronta e dissimular. Gonçalves foi por ali fora, Rua do Passeio, Rua da Ajuda, Rua dos Ourives, até à Rua do Ouvidor. Depois lembrou-se que a casa do correspondente, na Rua do Hospício, ficava entre as de Uruguaiana e dos Andradas; subiu, pois, a do Ouvidor para ir tomar a primeira destas. Não via ninguém, nem as moças bonitas que passavam, nem os sujeitos que lhe diziam adeus com a mão. Ia andando à maneira de touro. Antes de chegar à Rua de Uruguaiana, alguém chamou por ele.”
Andrea C. T. Wanderley
Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica
Fontes:
GERSON, Brasil. História das Ruas do Rio. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2013.
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
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