O cronista visual de Diamantina: Chichico Alkmim, fotógrafo (1886 – 1978)

 

O ateliê é o mundo

Eucanaã Ferraz*

 

As fotografias de Chichico Alkmim (1886 – 1978) são, antes de tudo emocionantes. Mas já o primeiro olhar reconhece o domínio dos recursos técnicos. Aprende a fotografar ainda muito jovem e, em Diamantina, abre seu primeiro estúdio em 1912. Depois de passar por outros endereços, muda-se em 1919 para o beco João Pinto, 86, na parte alta da cidade. Ali, monta seu ateliê definitivo, cujo funcionamento se estenderá até meados de 1950. O pavimento ao nível da rua é destinado ao laboratório fotográfico. Outro cômodo, na parte superior, é adaptado para estúdio, conforme o padrão da época: ampla janela envidraçada em uma das paredes e claraboia; sobre ambas, um cortinado leve, deslizante graças a um sistema de cordas, compondo um mecanismo de controle da luz natural; na parede ao fundo, uma viga de madeira serve como suporte para os painéis pintados com paisagens viçosas e motivos arquitetônicos de gosto classicizante; algum mobiliário – cadeiras, pequenas mesas, apoios para jarros, tapetes, cortina – ajuda a compor os cenários. Vivia-se ainda há pouco na escravidão de homens e mulheres roubados à África. Nas casas de família, tocam-se pianos juvenis. Lá fora, portugueses pobres cantam violões tristíssimos. Os negros fazem festas, vão à igreja. Procissões desfilam em latim enquanto nos cafés os chapéus falam francês. Há muitos padres e carnavais. Há meninos negros de terno em pés descalços. Tudo tão antigo e tão recente esta gente de papel convida a esquecer o tempo – até que a voz de um galo nos acorde.

*Eucanaã Ferraz é poeta e consultor de literatura do Instituto Moreira Salles.

 

Acessando o link para as fotografias de autoria de Chichico Alkmim disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Pequeno perfil de Chichico Alkmim

 Andrea C. T. Wanderley*

 

 

O mineiro Chichico Alkmim (1886 – 1978), autodidata, pioneiro da fotografia de estúdio em Diamantina, e primeiro cronista visual da cidade, atuou na profissão, que adotou em 1907, até 1955. Seu primeiro ateliê foi inaugurado em 1912. A obra de Chichico, que compreende imagens da arquitetura diamantinense, sua religiosidade, costumes, ritos e retratos de seus habitantes, é uma das principais referências da memória visual de Minas Gerais. Foi o mestre do fotógrafo Assis Horta (1918 – 2018), mineiro de Diamantina, que se tornou conhecido por registrar a classe trabalhadora na era Vargas. Uma curiosidade: a fotografia predileta de Assis Horta foi produzida por Chichico no dia de seu casamento: Eu mesmo levei a máquina para o Chichico fazer o retrato.

Chichico retratou a burguesia e também os trabalhadores ligados ao pequeno garimpo, ao comércio e à indústria. Produziu imagens de casamentos, batizados, funerais, festas populares e religiosas, paisagens e cenas de rua. De 1955, quando parou de  fotografar, até 1978, ano de sua morte, continuou cuidando de seu acervo, que guardava no porão de sua casa.

A gestão do acervo de Chichico Alkmim, de 5.549 negativos de vidro, foi transferida para o Instituto Moreira Salles (IMS), em 2015. Além dos negativos em vidro, existem no acervo alguns poucos negativos flexíveis, documentos, objetos e dezenas de fotografias de época.

Foi inaugurada em 13 de maio e 1º de outubro de 2017, na sede do IMS, no Rio de Janeiro, a exposição “Chichico Alkmim, fotógrafo”, cuja curadoria é do poeta Eucanaã Ferraz (1961-). Será encerrada em 1º de outubro de 2017. Segundo Eucanaã, “Chichico é daqueles fotógrafos que parecem ter o poder de fazer vir ao primeiro plano a vida de seus modelos. E é patente a densidade existencial que se expressa no conjunto de características físicas que chamamos fisionomia, compreendida como a realização momentânea de um destino”.

 

 Cronologia de Chichico Alkmim

 

 

1886 – Filho de Herculano Augusto d’Alkmim e Luiza Gomes d’Alkmim, Francisco Augusto de Alkmim, o Chichico Alkmim, nasceu em 28 de março, na fazenda do Sítio, município de Bocaiuva.

 

1890 – 1900 – Em 7 de abril de 1890, falecimento de sua mãe, em Bocaiuva. Chichico e sua irmã Carmina foram levados para a fazenda do Caeté Mirim, localizada próximo ao distrito de São João da Chapada, das suas tias Tereza de Jesus Gomes Ribeiro e Maria Amélia de Jesus Ribeiro. A irmã mais velha, Amanda, permaneceu em Bocaiuva. Nessa década, na fazenda, foi educado pelas tias, com quem aprendeu a ler e escrever.

1900-1910 – Nesse período, Chichico ajudou nos negócios da fazenda e nos trabalhos de mineração de diamantes empreendidos por suas tias. Realizou várias viagens, a maioria delas em companhia de seu pai, que comercializava gado. Os deslocamentos em tropa davam-se entre Caeté Mirim, São João da Chapada, Diamantina, Bocaiuva, Montes Claros, Buenópolis, Coração de Jesus, Januária, Carinhanha (Bahia) e várias outras localidades do vale do São Francisco, chegando algumas vezes até a Vila de Posse, atual cidade de Posse, em Goiás. Nessas viagens, Chichico vendia jóias e, possivelmente, foi em uma delas que, entre 1900 e 1902, conheceu a fotografia.

1907 – Adotou a profissão de fotógrafo.

1912 - No fim do ano, passou a residir em Diamantina. Sua casa e seu primeiro ateliê ocupavam parte do sobrado situado à praça Francisco Sá, 53, largo do Bonfim (atual sede da Casa da Cultura). Nos anos seguintes, mudou de endereço várias vezes, tendo permanecido por mais tempo em um sobrado localizado no alto da rua da Romana, 37.

1913 – Em 14 de junho, casou-se com Maria Josephina Netto, a Miquita.

1914 – No fim do ano, seu irmão por parte de pai, José Maria Alkmim (1901 – 1974), futuro político e vice-presidente do Brasil, entre 1964 e 1967, passou a residir em sua casa, até completar os estudos em 1921.

1916 - Em 30 de junho, nasceu sua primeira filha, Maria de Jesus Alkmim, que faleceu poucos meses depois.

1917 – Em 20 de agosto, nasceu a segunda filha, Maria Bernadette.

1919 – Em 17 de abril, nasceu a filha Déa Maria.

Em 9 de outubro, Chichico mudou-se para o beco João Pinto, 86, na parte alta da cidade, onde montou seu ateliê definitivo.

1920 – Em 20 de outubro, nasceu a filha Luíza Marilac.

1923 – Em 13 de outubro, nasceu a filha Maria Ruth.

1924 – Em 12 de novembro, nasceu o filho José Antônio.

1955 – Chichico  encerrou a carreira de fotógrafo.

1978 – Faleceu em consequência de um colapso cardíaco, em 22 de agosto.

1980 – Na inauguração do Centro de Documentação e Pesquisa da Casa da Cultura de Diamantina, durante o 16º Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), realizou-se a primeira exposição de fotografias de Chichico, no Museu do Diamante/Ibram/MinC.

1998 – O acervo fotográfico de Chichico, constituído por aproximadamente 5.500 negativos, começou a ser higienizado, indexado e catalogado na Faculdade de Filosofia e Letras da Fundação Educacional do Vale do Jequitinhonha (Fevale), em projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de Minas Gerais (Fapemig) e apoio da UFMG.

1999 – Chichico Alkmim foi apresentado como um artista do circuito fotográfico brasileiro na mostra Minas: minas memorial e contemporânea, realizada no MIS-SP, com curadoria do fotógrafo Bernardo Magalhães.

2002 – O acervo fotográfico de Chichico foi doado pelos seus herdeiros à Fevale.

2005 – Foi lançado o livro O olhar eterno de Chichico Alkmim, pela Editora B, organizado por Flander de Sousa e Verônica Alkmim França.

2008 – Foi realizada a exposição Chichico Alkmim, na galeria da Escola Guignard, Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg), em Belo Horizonte.

2010 – Com a extinção da Fevale, o acervo fotográfico retornou aos herdeiros.

2013 - Foi realizada a exposição Paisagens humanas — Paisagens urbanas, no Memorial Minas Gerais Vale, em Belo Horizonte.

2015 – O acervo de Chichico Alkmim passou a integrar em regime de comodato o acervo de fotografias do Instituto Moreira Salles.

2017 – Foi aberta a exposição Chichico Alkmim, fotógrafo, no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, em 13 de maio, com curadoria de Eucanaã Ferraz.

 

 

 

 

*Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

Esse artigo contou com a colaboração de Gabriella Vieira Moyle, da equipe do IMS.

 

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Fontes:

Chichico Aklmim, fotógrafo. IMS, 2017.

FRANÇA, Verônica Alkmim; SOUZA, Flander de (orgs). O olhar eterno de Chichico Alkmim. Belo Horizonte: Editora B, 2005.

HARAZIM, Dorrit. O instante certo. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

Site do Instituto Moreira Salles

Diamantina, Chichico Alkmim (1886 – 1978) e Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987)

A Brasiliana Fotográfica homenageia Diamantina, cidade mineira fundada em 6 de março de 1831, com uma seleção de imagens produzidas no século XIX e nas primeiras décadas do século XX. As fotografias do século XIX são de autoria de Augusto Riedel e foram produzidas durante uma expedição pelo interior do Brasil acompanhando a comitiva de D. Luis Augusto Maria Eudes de Saxe Coburgo Gotha e por seu irmão D. Luis Philippe, em 1868.

Os registros produzidos entre as décadas de 1910 e 1950 são do mineiro Chichico Alkmim (1886 – 1978), autodidata e pioneiro da fotografia em Diamantina. A gestão do acervo do fotógrafo, de 5.549 negativos de vidro, foi transferida para o Instituto Moreira Salles, em 2015. A obra de Chichico, que compreende imagens da arquitetura diamantinense, sua religiosidade, costumes, ritos e retratos de seus habitantes, é uma das principais referências da memória visual de Minas Gerais. Foi o mestre do fotógrafo Assis Horta(1918 – 2018), mineiro de Diamantina, que se tornou conhecido por registrar a classe trabalhadora na era Vargas.

Além disso, a Brasiliana Fotográfica oferece a seus leitores a crônica Encanto de Diamantina, do poeta e escritor mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987), publicada no Jornal do Brasil, de 19 de outubro de 1972 (Jornal do Brasil, 19 de outubro de 1972, última coluna).

 

“Encanto de Diamantina”

Carlos Drummond de Andrade

De Diamantina se pode dizer o que em Diamantina se diz musicalmente no famoso tim-tim:

Quem não gosta dela,

de quem gostará?

Quem, conhecendo Diamantina, será capaz de não gostar de Diamantina? Mesmo não conhecendo: ouvindo falar. Pois, entre outras excelências, povo de Diamantina é povo que canta, e isto significa riqueza de coração. Canta, sem necessidade de festival de canção, essa psicose do grito que já começa a invadir cidades mineiras.

À noite, depois do batente – é Aires da Mata Machado Filho que informa – há sempre um barzinho aberto a pessoas de temperamento melódico. Finda a libação mais ou menos discreta – o que depende antes do frio do que da vontade – os cidadãos saem para a rua, providos de violão, clarineta, saxofone, flauta. Saem “cantando à toa”. Pelo prazer de cantar. Depois é que se lembram, aniversário de Fulano? Então vamos lá? Vamos. Em frente à janela fechada de Fulano – fechada, parece, deliberadamente, para o gosto de abrir-se às lufadas de música – a turma bate um castelo. Pode ser noite alta, olha lá a janela se abrindo feliz. Havendo modinha, Diamantina ignora o sono. Acabada a cantoria, pensam que os seresteiros vão dormir? Aí começa a segunda parte, mais íntima, de ternura ou dor-de-cotovelo: eles se dispersam, mas em direção a outras janelas, atrás das quais dormem (ou esperam) suas respectivas amadas. Nesse deambular já de madrugada, os seresteiros voltam a encontrar-se, cruzando os caminhos do sentimento. Assim é a noite em Diamantina: música por todos os lados, abrindo janela e alma, entre o chão e os sobrados. E, em boa parte, música de tradição local, obra de compositores e poetas diamantinenses, conhecidos ou anônimos, que desafiam o tempo.

O peixe-vivo, marca de Diamantina, que cobre vasta região mineira, conta-nos o mesmo Aires, foi enriquecido de trovas feitas no Rio de Janeiro, por volta de 1939. Manuel Bandeira fez quatro, a primeira delas aproveitada, com variante, na Lira dos Cinquent´anos:

Vi uma estrela tão alta,

Vi uma estrela tão fria.

Estrela, por que me deixas

sem a tua companhia?

Vinícius de Morais fez duas por conta própria, e uma de parceria com Pedro Nava. Este, por sua vez, compôs duas e mais uma quintilha. Ouçamos Nava:

Dom Diniz, o rei poeta,

derrotou a mouraria

para merecer um pouco

dessa tua companhia.

E Carlos Sá, cearense-mineiro:

Vivo alegre na tristeza

vivo triste na alegria,

no desejo e na saudade

dessa tua companhia.

Mas Diamantina não é apenas serenata e coreto. Como nas boas cidades antigas de Minas, tem tesouro escondido, como por exemplo “duas garrafas de ouro e três chifres de diamante”, e quem cavar junto ao córrego Pururuca, atrás do quartel do III BP, é capaz de encontrá-los: segredos de padre, à espera de decifrador. Lendas, festas religiosas e populares que teimam em resistir na medida do possível à descaracterização universal da sociedade mercantil. Igrejas antigas de fino acabamento artístico, sobrados que a gente desejaria ver em pé para sempre, não vá o progresso arrasá-los. Diamantina enfrenta o problema da industrialização. Precisa criar riquezas outras além das que derivam do temperamento amável de seus filhos. Lá se fala agora em incentivos fiscais, energia elétrica, e até já se exporta a flor da sempre-viva para outros países.

Que Deus conserve Diamantina gostosa, musical e hospitaleira depois que subir nas asas do chamado desenvolvimento. É o voto que faço depois de ler Dias e Noites em Diamantina, livro que o bom Aires acaba de publicar corajosamente em edição de autor, e tão chamativo, tão cheio de graça e apelo sensorial, que dá vontade de sair correndo, e:

_ Rápido, uma passagem para Diamantina, mas de ida só, porque eu fico por lá!

 

Acessando o link para as fotografias de Diamantina disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Pequeno histórico de Diamantina

A formação de Diamantina está ligada à exploração de diamante e de ouro.  Foi  Jerônimo Gouvêa que, a partir da descoberta de uma grande quantidade de ouro nas confluências do Rio Piruruca e do Rio Grande, deu início à ocupação do território. O povoado, então denominado Arraial do Tejuco, começou a ser formado nas primeiras décadas do século XVIII, sempre seguindo as margens dos rios que eram garimpados. Aos poucos foi surgindo o conjunto urbano de Diamantina. O Arraial do Tijuco emancipou-se do município do Serro, em 1831, e passou a se chamar Diamantina.

Uma das cidades históricas mais conhecidas e visitadas do Brasil, Diamantina, o Portal do Vale do Jequitinhonha, é  também o ponto inicial da Estrada Real, que levava ouro e diamantes até Paraty, no Rio de Janeiro. A cidade conserva o casario colonial, as edificações históricas e as igrejas seculares. Em 1938, o conjunto arquitetônico de seu centro histórico foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e, em 1999,  recebeu da Unesco o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Além do patrimônio construído, a cidade possui um rico patrimônio natural e cultural, com uma marcante tradição religiosa, folclórica e musical.

Foi em Diamantina, na época Arraial do Tijuco, que a escrava alforriada Chica da Silva (c. 1732-1796) viveu. É também a cidade natal do ex-presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek (1902-1976).

 

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Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica