As favelas do Leblon

Com fotografias do acervo do médico pernambucano Victor Tavares de Moura (1892-1960) que, em 1941, constituiu uma comissão para o estudo das favelas, tornando-se um dos responsáveis pela execução do projeto piloto dos Parques Proletários, o pesquisador Ricardo Augusto dos Santos, da Fiocruz, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica, conta um pouco da história das favelas do Leblon, suas remoções e incêndios suspeitos ou oficiais como no caso da Favela do Largo da Memória, que foi realizado através de ato oficial, em 1942.  Seus residentes foram para o Parque Proletário Provisório da Gávea ou Parque Proletário nº 1, formado por imensos barracões erguidos pela Prefeitura na Rua Marquês de São Vicente, na Gávea, ao lado da Pontifícia Universidade Católica (PUC).

 

Favelas do Leblon

Ricardo Augusto dos Santos*

 

 

Os atuais moradores do Leblon, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, não devem conhecer, mas o bairro carrega marcas das lutas dos trabalhadores. Em esquina elegante, localizamos um pequeno comércio com o nome de Largo da Memória. Também encontramos uma praça com a mesma designação. Qual a origem dessas referências? Na região – Leblon e Gávea -, em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas, existiram várias favelas. Não eram poucas as comunidades. Catacumba, Favela do Capinzal, Piraquê, Praia do Pinto. Esta última, possuía grande dimensão. Algumas delas chegavam a ocupar as águas da Lagoa. Por exemplo, a Favela da Ilha das Dragas localizava-se perto do Canal do Jardim de Alah, fronteira entre Ipanema e Leblon, e ocupava a ilha Caiçaras.

 

 

 

Dominando uma extensa faixa de terra, situava-se a favela Largo da Memória. Sua origem está em antigo acesso à praia. Várias favelas da Zona Sul da cidade desaparecerem após incêndios de origem suspeita. Razões para essa suposição são abundantes. Um dos motivos para sustentar a hipótese criminosa está na rapidez com que, após a queima dos barracos, e consequente mudança dos habitantes para regiões distantes, acontecia a urbanização dos terrenos. Hoje, a região é área de residências de altíssimo valor.

 

Acessando o link para as fotografias de favelas do Leblon disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

No entanto, curiosamente, a favela do Largo da Memória, removida na época do primeiro governo Vargas (1930-1945), foi incendiada através de ato oficial. O acontecimento representa um importante registro da política habitacional para os trabalhadores. Uma fogueira de quilômetros ardeu durante horas entre a Gávea e o Leblon. Este incêndio foi documentado e noticiado pela imprensa e o prefeito Henrique Dodsworth (1895-1975) participou do evento, ateando a chama original.

 

 

No momento de sua destruição, a plateia formada por políticos, bombeiros, moradores e jornalistas assistia ao fato. A favela foi arrasada pelo projeto que criou os Parques Proletários Provisórios. Os residentes do Largo da Memória foram para o Parque Proletário Provisório da Gávea ou Parque Proletário nº 1, constituído por imensos barracões erguidos pela Prefeitura na Rua Marquês de São Vicente (Gávea), ao lado da Pontifícia Universidade Católica (PUC). Mas, as precárias habitações provisórias tornaram-se permanentes e acabaram se deteriorando em meio aos destroços que restavam do abandono. Em menor intensidade, isso aconteceu na Gávea. Mas, os barracões do Parque Proletário nº3 erguidos na Praia do Pinto – misturados aos antigos casebres – formaram o maior conjunto de moradias do lugar. Fontes indicam que, em finais da década de 1960, moravam na Praia do Pinto mais de 10.000 pessoas. O Parque Proletário Provisório nº2 localizava-se no Caju.

 

 

Encontramos fotos que documentam estes momentos no acervo do médico Victor Tavares de Moura (1892-1960). Nomeado pelo Prefeito Dodsworth para centralizar as ações de estudo e erradicação das favelas, Moura defendia que essas aglomerações urbanas deveriam ser objeto de intervenção. Reassentados nos parques provisórios, adultos e crianças receberiam atenção dos órgãos públicos. Originalmente, o programa possuía atendimento médico e social, mas as ações assistenciais não duraram muito tempo. No acervo fotográfico, várias imagens registram uma visita do presidente Getulio Vargas (1882-1954).

 

 

Victor Tavares nasceu em 12 de abril de 1892, em Nazareth (PE), filho de João de Moura Vasconcelos e Davina de Moura Tavares. Em 1906, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, concluindo o curso em 1913, no Rio de Janeiro. Entre 1916 e 1918, morou em Paris e Berlim, especializando-se em cirurgia. Em consequência da Primeira Guerra Mundial, regressou a Pernambuco, assumindo um cargo na Diretoria de Higiene e Saúde Pública. Em 1920, foi nomeado médico da prefeitura de Garanhuns. Dois anos depois, coordenaria uma campanha contra a peste bubônica. Em 1935, transferiu-se para o Rio de Janeiro para trabalhar como médico da prefeitura do Distrito Federal. Posteriormente, trabalhou na Diretoria-Geral de Assistência Municipal, no Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB) e no IAP dos Comerciários. Em 1937, foi nomeado chefe do Albergue da Boa Vontade. Em virtude da Lei de Desacumulação, optou pelo cargo que ocupava na prefeitura, coordenando a comissão para o estudo das favelas, tornando-se responsável pelo planejamento dos Parques Proletários Provisórios. Faleceu em 3 de novembro de 1960.

 

 

Muitas favelas foram incendiadas, provocando a movimentação involuntária das pessoas. Em 1967, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, um incêndio destruiu parte da Favela da Catacumba (perto do Corte de Cantagalo), trazendo pânico e desabrigando milhares. Contudo, este não foi o único e, tampouco, o último fogo nas residências dos pobres. Esses acontecimentos se repetiram em várias favelas durante anos. Várias comunidades localizadas na Zona Sul foram removidas com o argumento de que o espaço seria organizado. Além disso, sustentavam que, após a transferência, os moradores viveriam em acomodações dignas. Entretanto, afastados das áreas valorizadas, os habitantes foram para conjuntos habitacionais longínquos e sem condições adequadas.

 

 

Em 1969, situada entre a Lagoa e a orla, um incêndio arrasou a favela da Praia do Pinto. O contínuo processo de valorização imobiliária provocava conflitos entre os trabalhadores e a população de alto poder aquisitivo que estava se estabelecendo no local. A partir do início da década de 1960, as políticas públicas em relação aos ocupantes das áreas cobiçadas pelos empresários dos ramos construtor e imobiliário possuíam como pressuposto o deslocamento para bairros afastados dos locais de trabalho dos moradores.

 

*Ricardo Augusto dos Santos é Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz

 

Indicações Bibliográficas:

AMOROSO, Mauro; BRUM, Mario; GONÇALVES, Rafael Soares (Orgs.). Pensando as favelas cariocas: história e questões urbanas. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Ed. Palas, 2021.

PESTANA, Marco Marques. Remoções de Favelas no Rio de Janeiro. Empresários, Estado e movimento de favelados. 1957-1973. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2022.

 

Link para o artigo A favela banida, publicado no portal de fotojornalismo Testemunha Ocular, em 2 de junho de 2022.