Pela segunda vez a Brasiliana Fotográfica publica uma imagem do acervo fotográfico dos Diários Associados – Rio de Janeiro. O conjunto de fotos foi incorporado, em 2016, por um dos fundadores da Brasiliana Fotográfica, o Instituto Moreira Salles (IMS). O conjunto adquirido pelo IMS dos Diários Associados, que já foram o maior conglomerado de mídia do Brasil, possui cerca de 700 mil fotografias e 300 mil negativos com imagens produzidas para O Jornal, primeiro órgão dos Diários, adquirido por Assis Chateaubriand (1892 – 1968) em 1924; para o Diário da Noite, fundado por ele em 1929; e para o Jornal do Commercio, fundado em 1827 e adquirido pelo grupo em 1959. Os registros cobrem um período representativo do século XX – de 1915 a 2005.
Mais uma vez destacamos a relevância da preservação de um arquivo fotográfico de imprensa mesmo que as imagens estejam disponíveis em plataformas como a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, uma das mais importantes fontes de pesquisa do portal. Com a preservação, as fotografias podem, a partir de recursos tecnológicos como a digitalização e o zoom, terem outra visibilidade e serem acessadas em sua qualidade plena. Abaixo, publicamos a fotografia do Retiro dos Artistas, tema de nosso artigo de hoje, capturada do jornal e, a mesma, digitalizada.
Um pouco da história da Casa dos Artistas
Inspirado na Maison de Répos de Artistes Dramatiques Français, fundada em 1840 pelo barão Isidore Taylor (1789 – 1879), nos arredores de Paris, o ator Leopoldo Fróes (1882 – 1932) criou no Rio de Janeiro, então a capital administrativa e cultural do Brasil, a Casa dos Artistas, destinada a profissionais idosos que viveram da música, do teatro, do cinema, da televisão, do rádio ou do circo, tanto como estrelas como atuando nos bastidores. Para a realização de seu empreendimento, Fróes promoveu diversas iniciativas como a organização de um festival popular na Quinta da Boa Vista, em setembro de 1915, cuja renda seria revertida para a Casa dos Artistas e para os flagelados da seca no nordeste do Brasil; a instituição de um ingresso artístico de contribuição ao projeto, inicialmente no Teatro Pathé, onde tinha sua companhia teatral e, posteriormente, adotado em outros teatros. Irineu Marinho (1876 – 1925), dono do jornal A Noite, participou da campanha para a criação da instituição.
A Casa dos Artistas foi oficialmente fundada em 13 de agosto de 1918, no Teatro Trianon, por 68 profissionais. Seus primeiros presidente e vice-presidente foram os atores Leopoldo Fróes e Eduardo Leite (1868 – 1920), eleitos poucos dias depois. Na ocasião, também foi eleita uma comissão feminina de beneficência da qual faziam parte as atrizes Abigail Maia (1887 – 1981) e Amália Capitani (18? – 19?), entre outras. Como homenagem ao ator João Caetano (1808 – 1863), que havia falecido em 24 de agosto de 1863, a data oficial da fundação da Casa dos Artistas passou a ser dia 24 de agosto, e nessa data é comemorado o Dia do Artista. A sede social da Casa dos Artistas ficava na rua Espírito Santo, 53.
O terreno do Retiro dos Artistas, localizado em Jacarepaguá, foi doado pelo jornalista e empresário tcheco Frederico Figner (1866 – 1947), fundador da Casa Edison, pioneiro na comercialização de fonógrafos no Brasil e também o primeiro produtor fonográfico no país. Havia nascido na Boêmia, então parte do Império Austro-Húngaro e, aos 15 anos, imigrou para os Estados Unidos. Na época Thomas Edison (1847 – 1931) havia lançado o fonógrafo e Figner se encantou com a invenção. O nome da futura Casa Edison foi uma homenagem ao inventor. Figner foi para Belém do Pará, em 1891, e, um ano depois, após passar por várias capitais do Brasil mostrando o fonógrafo adquirido nos Estados Unidos, chegou ao Rio de Janeiro, onde, em 1900, inaugurou a Casa Edison, na rua Uruguaiana. No mesmo ano instalou uma sala de gravação anexa à Casa Edison, na Rua do Ouvidor nº 105. O primeiro disco brasileiro, o lundu Isto é bom, de Xisto Bahia (1841 – 1894), foi gravado, em 1902, justamente na Casa Edison, pelo cantor Manuel Pedro dos Santos, conhecido como Baiano (1870 – 1944). Em 1913, Fred inaugurou uma indústria fonográfica de grande porte em Vila Isabel, que deu origem ao selo Odeon.
Voltando ao Retiro dos Artistas. Sua primeira sede foi inaugurada em 25 de abril de 1919 (A Noite, 26 de abril de 1919, primeira coluna). A pedra fundamental da atual sede, no mesmo terreno da primeira, foi lançada em 20 de novembro de 1922, e a inauguração aconteceu em 20 de janeiro de 1925 (O Jornal, 24 de novembro de 1922, quarta coluna e O Jornal, 21 de janeiro de 1925, terceira coluna).
Em 1931, a Casa dos Artistas recebeu sua Carta Sindical, do recém-criado Ministério do Trabalho, tornando-se oficialmente representante dos artistas. Em 19 de outubro do mesmo ano, o então presidente do governo provisório, Getúlio Vargas (1882 – 1954), e Pedro Ernesto (1884 – 1942), interventor no Distrito Federal, visitaram o Retiro dos Artistas (Diário da Noite, 20 de outubro de 1931 e O Jornal, 20 de outubro de 1931, primeira coluna). Alguns anos depois, em 24 de setembro de 1938, foi inaugurado um busto de Vargas dentro do Retiro.
Até 1964, a Casa dos Artistas dividiu-se no atendimento assistencial e sindical e, a partir da fundação do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio de Janeiro(SATED-RJ), assumiu sua ação exclusivamente assistencial. Segundo o site da Casa dos Artistas, que depende de trabalho voluntário e de doações, com o passar do tempo e devido a alguns acontecimentos, a Casa dos Artistas se resumiu ao trabalho assistencial do Retiro.

O ator Leopoldo Fróes, fundador e primeiro presidente da Casa dos Artistas / Comoedia, julho de 1946
Em 12 de maio de 2022, o Retiro dos Artistas tornou-se um bem tombado pelo estado do Rio de Janeiro. A determinação foi publicada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultura (Inepac) no Diário Oficial. Segundo a diretora do Inepac, Ana Cristina Carvalho, o ato do tombamento é de vital importância para a preservação e manutenção da memória fluminense.
“O Retiro dos Artistas é um dos elementos que constituem a identidade e história da classe proletária artística no Rio de Janeiro. Nossa equipe tem trabalhado com o objetivo de reafirmar os papéis de proteção e de fiscalização conferidos legalmente ao Instituto”*
*Esses dois últimos parágrafos foram acrescentados em 29 de maio de 2022.
Andrea C. T. Wanderley
Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica
Artigos publicados na Brasiliana Fotográfica com fotografias do acervo dos Diários Associados
Fontes:
Dicionário Cravo Albim da Música Popular Brasileira
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
Site Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro
VERAS, Flávia Ribeiro. Tese de doutorado: “Fábricas da Alegria” O mercado de diversões e a organização do trabalho artístico no Rio de Janeiro e Buenos Aires 1918 – 1945. Fundação Getúlio Vargas, 2017