Com imagens produzidas pelos fotógrafos Moritz (Maurício) Lamberg (18? – 19?) e Manoel Tondella (1861 – 1921), a Brasiliana Fotográfica destaca o Teatro de Santa Isabel, inaugurado no Recife, em 18 de maio de 1850, após quase 10 anos de obras, com a encenação da peça O Pajem D´Aljubarrota, do escritor português Mendes Leal.
O Teatro de Santa Isabel é o primeiro e mais expressivo exemplar da arquitetura neoclássica em Pernambuco e sua abertura deu início a uma nova fase artística, social e cultural da então província.
Foi o Conde da Boa Vista, Francisco do Rego Barros (1802 – 1870), governador de Pernambuco entre 1837 e 1844, que idealizou a construção de um teatro público no Recife. Ele assinou, em 30 de abril de 1839, a Lei número 74, autorizando sua construção.
O projeto foi elaborado e dirigido pelo engenheiro francês Louis Léger Vauthier (1815 – 1901), que chegou no Recife, em setembro de 1840. Foi um dos profissionais cuja vinda foi promovida por Rego Barros, já que Pernambuco não dispunha, na ocasião, de engenheiros, arquiteto, pedreiros e carpinteiros especializados. Vauthier ocupou o cargo de Diretor de Obras Públicas do Recife e coordenou posteriormente as obras do Mercado Público de São José, que começaram em 14 de junho de 1872, por determinação do presidente da província de Pernambuco, Henrique Pereira de Lucena (1835 – 1913).
A construção do Teatro de Santa Isabel foi realizada por trabalho não-escravo e com recursos vindos de loterias, da companhia de acionistas e do tesouro da província, uma inovação para a época. Chamado inicialmente de Teatro de Pernambuco, foi, pouco antes de sua inauguração, batizado de Teatro de Santa Isabel pelo então governador do estado, Honório Hermeto Carneiro Leão (1801 – 1856).
No dia 19 de setembro de 1869, um incêndio destruiu quase totalmente o teatro, tornando-o um montão de ruínas: apenas as paredes laterais, o alpendre e o pórtico ficaram de pé (Diário de Pernambuco, 20 de setembro de 1869, terceira coluna; Diário de Pernambuco, 21 de setembro de 1869, última coluna; Diário de Pernambuco, 20 de dezembro de 1869, segunda coluna).
As obras de reconstrução tiveram início, quase dois anos depois, em maio de 1871. O engenheiro Vauthier, já de volta a Paris, foi o encarregado pela revisão dos planos de obras e pela modernização do Teatro de Santa Isabel. Suas recomendações foram acatadas pelo engenheiro militar e arquiteto recifense José Tibúrcio Pereira de Magalhães (1831 – 1886), responsável pelas obras de reconstrução, e o Santa Isabel foi reinaugurado em 16 de dezembro de 1876, com a apresentação da ópera Um Baile de Máscaras, de Giuseppe Verdi (1813 – 1901), pela companhia lírica italiana Thomaz Pasini (Diário de Pernambuco, 14 de dezembro de 1876). Em 1916, passou a usar luz elétrica, eliminando de uma vez o risco de incêndio provocado pelas luminárias a óleo.
Ao longo de sua história recebeu personalidades como dom Pedro II (1825 – 1891), que, em 1859, passou seu aniversário no Recife, com a imperatriz Teresa Cristina (1822 – 1889), tendo sido homenageado com um espetáculo de gala no Santa Isabel, quando a cantora austríaca Agnes Ignez Fabbri Mulder (1831 – 1909) e seu marido, o pianista Ricardo Mulder (18? -?), apresentaram-se para o casal imperial (Jornal do Recife, 8 de outubro de 1859, segunda coluna; Jornal do Recife, 19 de novembro de 1959, primeira coluna; Jornal do Recife, 3 de dezembro de 1859, primeira coluna).
Dentre várias figuras proeminentes no cenário nacional e internacional, estiveram no teatro o poeta baiano Castro Alves (1847 – 1871), o escritor sergipano Tobias Barreto (1839 – 1899), o músico paulista Carlos Gomes (1836 – 1896), a bailarina russa de fama internacional, Anna Pavlova (1881 – 1931) e o ator carioca Procópio Ferreira (1898 – 1979).
O Teatro de Santa Isabel também testemunhou fatos históricos:
“O Teatro assistiu à Rebelião Praieira, à Campanha Abolicionista e à Campanha pelo advento da República, quando dois nomes ligaram-se definitivamente a sua história: Joaquim Nabuco e José Mariano. Nabuco proferiu a célebre frase que ficaria gravada numa placa do teatro: “A verdade histórica é esta: aqui nós ganhamos a causa da abolição”. Mas, antes do final da década, o Teatro foi ainda, mais uma vez, campo de batalhas políticas que agitavam o país. Agora, pela república, com os discursos de Martins Júnior e Silva Jardim”(Secretaria de Cultura do Recife)
Em 1949, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico Nacional (Iphan), tornando-se um dos 14 Teatros Monumentos do Brasil. Em seus palcos e dependências, já foram apresentadas óperas, peças de teatro, torneios de oratória, solenidades políticas e cívicas, além de bailes, festas, bailes de carnaval e jantares.
Foi reaberto em 11 de novembro de 2002, após sete anos de reforma, a terceira a que foi submetido. A primeira aconteceu em 1916, sob o governo de Manoel Borba (1864 – 1928) e, a segunda, em 1936, sob a prefeitura de João Pereira Borges (? – 19?).
Os fotógrafos Lamberg e Tondella
Em 1880, o gerente da Photographia Allemã de Recife, Constantino Barza, anunciou a chegada do fotógrafo europeu Moritz (Maurício) Lamberg (18? – 19?), para cuidar da parte técnica e artística do ateliê do berlinense Alberto Henschel (1827 – 1882). Lamberg foi apresentado como celebridade europeia e insigne artista, que havia dirigido estabelecimentos em Berlim e em Viena e obtido prêmios em Paris e em Viena nas exposições de 1868 e 1873. Provavelmente nesse período, entre 1880 e 1885, produziu diversos registros de Recife, capital de Pernambuco. Vinte dessas fotografias foram reunidas no álbum Ansichten Pernambuco’ s Recife Photographia Allemã, dedicado a d. Pedro II, que faz parte do acervo da Biblioteca Nacional. Outras 48 imagens estão no álbum Vistas de Pernambuco, pertencente ao acervo do Instituto Moreira Salles. A foto de autoria de Lamberg do Teatro de Santa Isabel destacada nesse artigo pertence a esse álbum.
Manoel Tondella (1861 – 1921) foi um dos mais importantes fotógrafos de Pernambuco da segunda metade dos século XIX, período a partir do qual Recife tornou-se referência histórica para a fotografia no Brasil. Dedicou-se à fotografia da paisagem urbana, documentando em imagens as transformações da cidade, entre os anos 1890 e as duas primeiras décadas do século XX.
Registrou, predominantemente no Recife e em Olinda, as ruas, a estação de trem, os prédios, o Mercado Público de São José, os casebres, as pontes, as igrejas, os ancoradouros, o Teatro de Santa Isabel, as praças, a Assembleia Legislativa, o Ginásio Pernambucano, as praias, cemitérios, locomotivas, engenhos, quiosques, feiras, estradas, os bairros centrais e também os subúrbios, com suas casas de taipa, além de vendedores, de pessoas se banhando no rio Beberibe e até um grupo de ciclistas à beira de um açude. São imagens muito ricas em detalhes que se destacam pela beleza, pela qualidade técnica e nos ajudam a entender a vida em Pernambuco no início do século XX. Alguns registros foram inspirados nas antigas litografias que desenhavam o perfil do litoral do Recife, da tradição holandesa ou portuguesa. Muitas imagens foram editadas em cartões-postais.
Andrea C. T. Wanderley
Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica
Fontes:
FERREZ, Gilberto. Velhas fotografias pernambucanas: 1851-1890. Rio de Janeiro: Campo Visual, 1988.
GASPAR, Lúcia; BARBOSA, Virginia. O Recife: uma bibliografia. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2008. 360 p.
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
KOSSOY, Boris. Dicionário histórico-fotográfico brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002.
LAMBERG, Moritz. O Brazil. Rio de Janeiro: Casa Lombaerts, 1896.
MALTA, Albertina – Memória em sais de prata: fotografias do Recife em instituições memoriais. Dissertação para Universidade Federal de Pernambuco, fevereiro de 2013.
MEDEIROS, R. M. H. (Orgs.). Arquivos e coleções fotográficas da Fundação Joaquim Nabuco. Recife: Massangana, 1995.
MENDES, Luciana Cavalcanti. O campo fotográfico em Pernambuco: um resumo do final do XIX até 1930. XXIX Simpósio Nacional de História – Anpuh, 2017.
Secretaria de Cultura do Recife
SILVA, Fabiana Bruce. Entre fotógrafos, modernidade e fotografia no Recife do século XX, uma pesquisa. Apresentado durante XI Encontro Regional Sudeste de História Oral, realizado na Universidade Federal Fluminense, em Niteroi, em julho de 2015
SILVA, José Amaros Santos da. Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a história e o ensino da música no Recife. Pernambuco : Editora Unversitária UFPE, 2006.
VASQUEZ, Pedro. Fotógrafos alemães no Brasil. São Paulo: Metalivros, 2000.
Outros artigos publicados na Brasiliana Fotográfica sobre teatros e cinemas
Série O Rio de Janeiro desaparecido I - Salas de cinema do Rio de Janeiro do início do século XX, publicado em 26 de fevereiro de 2016.
Os teatros do Brasil, publicado em 21 de março de 2016
A inauguração do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, publicado em 14 de julho de 2017
O Theatro de Santa Isabel, publicado em 28 de outubro de 2021
O Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, no Dia Mundial do Teatro, publicado em 27 de março de 2023