O Theatro da Paz, em Belém do Pará, inaugurado em 15 de fevereiro de 1878

Com uma fotografia produzida pelo português Felipe Augusto Fidanza (1844 – 1903), um dos mais importantes fotógrafos que atuaram no norte do Brasil no século XIX e no início do século XX, e com uma de autoria de um fotógrafo ainda não identificado, o portal conta um pouco da história do Theatro da Paz, primeira casa de espetáculos construída na Amazônia e um dos mais representativos exemplares da arquitetura neoclássica no Brasil. É um dos teatros-monumentos do país. Não deixem de usar a ferramenta zoom para apreciar os detalhes da edificação e espiar uma pessoa que passava na frente do prédio.

 

No romance Chove nos Campos de Cachoeira (1941), do escritor paraense Dalcídio Jurandir, o menino Alfredo sonha em partir da pequena Cachoeira do Arari, na ilha do Marajó, para ir estudar na capital do Pará. Alfredo cria uma Belém particular, na medida do seu desejo, e, para isso, muito contribuem as histórias contadas pela vizinha Rosália, que todos os meses ia à capital receber seu montepio. Ela havia trabalhado no Teatro da Paz, seu orgulho: “Eu, eu vesti muita artista. Cada roupagem! Era ver uma princesa. fui camareira do Teatro da Paz!”, dizia, para a desconfiança de todos. “Camareira do Teatro da Paz! pasmava Cachoeira. Os conterrâneos de Rosália achavam demasiado, até mesmo irritante, que ela chegasse a ser camareira do maior teatro do norte do Brasil!”

A ficção dimensiona o real significado do Teatro da Paz para os nortistas”.

Roseane Silveira de Souza

 

A construção e fundação do Theatro da Paz, em 15 de fevereiro de 1878, foi uma das consequências do enorme crescimento econômico que Belém, capital do Pará, experimentou na segunda metade do século XIX devido ao ciclo da borracha. Surgia então uma nova elite econômica, a dos seringalistas, que começou a transformar a cidade em um centro de divertimento, consumo e luxo. Belém, a Capital da Borracha, foi modernizada e quase toda a produção da Amazônia era escoada por seu porto.

 

 

Até hoje pouco se sabe da vida de Fidanza, autor da foto acima do Theatro da Paz, antes de sua chegada ao Brasil, em fins da década de 1860. Em 1º de janeiro de 1867, o Diario do Gram-Pará publicou o anúncio : “PHOTOGRAPHIA, ao largo das Mercez , nº. 5, Fidanza & Com”, o que prova que nessa época ele já estava estabelecido no Pará. A modernização de Belém e do Pará foram registradas nas coleções Álbum do Pará (1899) e Álbum de Belém (Correio da Manhã, de 22 de outubro de 1903, na quarta coluna sob o título “Intendência Municipal de Belém”). Fidanza não teve um final feliz.

 

Reprodução do retrato de Fidanza, Álbum do Pará em 1899

 

Jornal do Brasil de 31 de janeiro de 1903 noticiou seu suicídio: “Atirou-se ao mar, de bordo do vapor Christiannia, em viagem de Lisboa para esta capital (Belém), o conhecido photographo Felippe Fidanza” ( Jornal do Brasil, 31 de janeiro de 1903, na primeira coluna ). Ele havia se jogado ao mar na altura da ilha da Madeira quando retornava de Portugal com a mulher e os filhos. Havia viajado para cuidar de uma encomenda dos governos do Pará e do Amazonas de 10 mil álbuns de vistas destes estados. Parece que foi mal sucedido e já havia, inclusive, tentado se matar em Lisboa ( O Pharol, 6 de março de 1903, na quinta coluna).

A fotografia do Theatro da Paz produzida por um fotógrafo ainda não identificado pertence ao acervo do Museu da República, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica. A imagem é de Nilo Peçanha (1867 – 1924), então candidato à presidência da República, discursando, em 1921, durante a  Reação Republicana, uma campanha política em torno da sucessão presidencial que mobilizou o Brasil, entre 1921 e 1922, cuja chapa oposicionista se opunha ao domínio de São Paulo e Minas Gerais na política nacional. Reuniu estados importantes – Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul, mais o Distrito Federal – que queriam construir um eixo alternativo de poder.  Os candidatos à presidência e à vice-presidência da Reação eram justamente o fluminense Nilo Peçanha e o baiano J.J. Seabra (1855 – 1942). Nas eleições de 1º de março de 1922, foram derrotados pelo mineiro Artur Bernardes (1875 – 1955) e pelo maranhense Urbano Santos (1859 – 1922), que morreu antes de tomar posse.

 

 

Voltando à história do Theatro da Paz. Em 1863, após a aprovação da Assembleia Provincial, o então presidente da província do Pará, Francisco de Araújo Brusque (1822 – 1886), sancionou a lei que autorizava a construção do teatro. Só cinco anos depois, em 1868, já na gestão de José Bento da Cunha Figueiredo (1818 – 1891), foi liberada a despesa para a obra. Inicialmente, por sugestão de dom Antônio de Macedo Costa (1830 – 1891), que lançou sua pedra fundamental, em 3 de março de 1869, se chamava Theatro Nossa Senhora da Paz, em referência à expectativa de término da Guerra do Paraguai, mas teve seu nome modificado, pois abrigaria apresentações mundanas (Diário de Belém, 4 de março de 1869, última coluna; Diário do Rio de Janeiro, 16 de março de 1869, segunda coluna; Diário de Pernambuco, 16 de março de 1869, quarta coluna).

O governo da província contratou o engenheiro militar pernambucano José Tibúrcio Pereira de Magalhães (1831 – 1886) para projetá-lo – foi inspirado no Teatro Scala de Milão – e para começar a construi-lo (Diário de Pernambuco, 16 de março de 1869, quarta coluna). Posteriormente, o engenheiro Antônio Augusto Calandrini de Chermont (1847 – 1907) fez alterações na planta e assumiu a obra. Foi construído, na Praça Pedro II, atual Praça da República, e devido a diversas brigas entre o governo e o arrematante das obras, o empresário português João Francisco Fernandes, só foi aberto em 1878, quando foi entregue apenas dois dias antes de sua inauguração, em 13 de fevereiro de 1878.

No período áureo do Ciclo da Borracha, o Theatro da Paz foi, finalmente, inaugurado, em 15 de fevereiro de 1878. A classe alta de Belém, referida pela imprensa da cidade como a gente escolhida, compareceu em peso ao evento. O povo ficou ao redor do teatro vendo a chegada dos convidados e o presidente da província, João Capistrano Bandeira de Melo Filho (1836 – 1905), foi saudado por uma banda de música e com foguetes. Dentro do teatro, a abertura aconteceu com a execução do Hino Nacional e da marcha Gram-Pará, de autoria do maestro maranhense Francisco Libânio Colás (c. 1831 – 1885). Foi apresentada a peça ópera As duas órfãs, do dramaturgo francês Adolphe d´Ennery (1811 – 1899), encenada pela companhia do pernambucano Vicente Pontes de Oliveira que teve até 1880 o monopólio da programação do Theatro da Paz. No palco: Manuela Lucci, Emília Câmara, Maria Bahia, Vicente Pontes de Oliveira, Joaquim Infante da Câmara, Xisto Bahia e Júlio Xavier de Oliveira, também ensaiador.

 

 

 

Possuía 1.100 lugares (hoje com 900), acústica perfeita, lustres de cristal, piso em mosaico de madeiras nobres, afrescos nas paredes e teto, dezenas de obras de arte, gradis e outros elementos decorativos revestidos com folhas de ouro (Site do Theatro da Paz).

O jornalista e escritor José Veríssimo (1857 – 1916), um dos mais importantes idealizadores da Academia Brasileira de Letras, dedicou sua coluna do dia 17 de fevereiro no jornal O Liberal do Pará à inauguração do teatro (O Liberal do Pará15 de fevereiro, última colunacoluna “Folhetim”, de José Veríssimo, 17 de fevereiro de 1878; Publicador Maranhense, 22 de fevereiro de 1878, terceira coluna).

 

 

 

Em 7 de agosto de 1880, estreia da primeira temporada de ópera do Theatro da Paz, com a Companhia Lírica Italiana, dirigida pelo empresário Tomas Passini, com a apresentação de Ernani, de Giuseppe Verdi (1813 – 1901), trazendo a soprano Filomena Savio (18? – ?), estrela da companhia (O Liberal do Pará, 6 de agosto, segunda colunacoluna “Folhetim”, 7 de agosto de 1880).

 

 

Outras temporadas de ópera se seguiram, alternando-se com apresentações dramáticas, estações carnavalescas, números circenses e eventos políticos. Em 1882, a temporada lírica teve como convidado de honra o compositor e maestro Carlos Gomes, no auge da fama (Roseane Silveira de Souza, 2011). Carlos Gomes (1836 – 1996) foi o maior nome da música brasileira do Segundo Reinado. Chegou a Belém, em 24 de julho de 1882 (O Liberal do Pará, 25 de julho de 1882, penúltima coluna; 27 de julho de 1882, quarta coluna). Estreou no Theatro da Paz  regendo a abertura da ópera O Guarani, de sua autoria (O Liberal do Pará, 3 de agosto de 1882, primeira coluna). Alguns dias depois, apresentação da ópera O Salvador Rosa, também de sua autoria e ensaiada por ele (O Liberal do Pará, 10 de agosto de 1882, quinta coluna). A Companhia Lírica Italiana de Tomás Passini havia sido contratada pelo maestro paraense José Cândido da Gama Malcher (1853 – 1921). A presença de Carlos Gomes na cidade foi um acontecimento marcado por diversas homenagens e eventos sociais (O Liberal do Pará, 6 de agosto, quarta coluna).

O Theatro da Paz era considerado feio e foi assim descrito pelo jornalista José Veríssimo em sua noite de inauguração: No meio d’aquelle luxo, d’aquelle explendor, só uma cousa era feia, o theatro. Se exteriormente o theatro da Paz é desgeitoso e em contrario a todas as regras da architectura, interiormente é nú, sem arte, sem gosto, sem riquezas, sem luxo”. Uma reforma realizada no teatro entre 1887 e 1890, trouxe arte e beleza a seu interior. O versátil artista pernambucano Crispim do Amaral (1858 – 1911) e o pintor italiano Domenico De Angelis (c. 1852 – 1900) foram responsáveis pela decoração interna do edifício.

O pano de boca de cena, intitulado Alegoria da República, é de autoria de Crispim. Sua autoria é muitas vezes atribuída, erroneamente, ao cenógrafo francês Eugène Carpezat (1833 – 1912), que Crispim havia conhecido na França e em cujo ateliê parisiense o trabalho foi realizado.

 

“A alegoria do pano de boca reúne a figura de Marianne, uma síntese das representações de 1789 e 1848, ladeada por personagens da mitologia greco-romana, de elementos indígenas e caboclos, em meio a oficiais participantes do movimento republicano. Estudioso das representações republicanas, o historiador José Murilo de Carvalho ressalta que o baiano Manuel Lopes Rodrigues, autor de uma Alegoria da República, de 1896, só poderia tê-la concebido com os atributos da Segunda República porque vivia na Europa, onde esses elementos já haviam sido apropriados. Para ele, talvez não haja outra pintura de igualvalor. É lícito incluir Amaral nessa lista, pois sua pintura, além da qualidade estética, é a primeira representação republicana concebida no Pará e, provavelmente, no Brasil, além de integrar-se a um teatro-monumento”.

 

Nascido em Olinda, Crispim do Amaral (1858 – 1911), era pintor, caricaturista, decorador, ilustrador e cenógrafo e havia estudado no Recife com o pintor e cenógrafo francês Leon Chapelin, que possuia um estúdio fotográfico na cidade (Diário de Pernambuco, 23 de abril de 1867).  Em 1876, Crispim havia se fixado em Belém. Tudo indica que foi discípulo do também pernambucano Vicente Pontes de Oliveira que, além de ator, era decorador e cenógrafo. Crispim foi agraciado, por intermédio de De Angelis, em 1888, com uma bolsa de estudos do governo paraense para aperfeiçoar-se em pintura na Academia de San Luca, e provavelmente, entre alguns anos da década de 1880 e 1893, viveu entre a França e a Itália. Na Itália, teria se formado pela Academia San Lucca. Na França, colaborou em vários periódicos, dentre eles o Le Rire, e trabalhou como cenógrafo da Comedie Française. Trabalhou também no Teatro Amazonas, inaugurado, em Manaus, na virada do ano de 1896 para 1897. Foi morar no Rio de Janeiro em fins do século XIX. Ao longo de sua vida, editou e ilustrou o jornal O Estafeta (1879), sob o pseudônimo Puck, trabalhou na revista A Semana Illustrada (1887), foi o primeiro diretor artístico da revista O Malho (1902), e o fundador das revistas A Avenida (1903) e O Pau (1905). Trabalhava como caricaturista na revista O Século quando faleceu, em 1911.

 

 

O plafond (teto) e as pinturas decorativas das dependências da plateia são de autoria de Angelis.

“A obra de De Angelis no plafond é uma reunião de personagens mitológicos, a começar pelo deus Apolo, em uma versão multifacetada, com atributos greco-romanos e celtas. Ele abre caminho para as musas, representadas em três nichos da pintura elíptica. Essas figuras são entremeadas por representações indígenas e tapuias, sinalizando a natureza e a cultura da região amazônica, embora claramente o conjunto pictórico reitere a supremacia europeia sobre aquele mundo novo, desconhecido e exótico”.

Roseane Silveira de Souza, 2010

 

A pintura do teto do foyer do Theatro da Paz foi realizada no período desta reforma, mas foi perdida em um desabamento do teto na década de 30. Em uma das outras reformas realizadas no teatro, na década de 1960, uma nova pintura do teto do foyer, com temática amazônica, foi feita pelo artista Armando Ballon.

De Angelis havia chegado em Belém com seu sócio, o também italiano Giovanni Capranesi (1852 – 1921) e com o também pintor Sperindio Aliverti, em 1881, para trabalhar nas pinturas decorativas da Catedral de Belém.

 

 

Os artistas Adalberto de Andreis, Francesco Alegiani, Silvio Centofanti e José Gomes Corrêa de Faria colaboraram nesta reforma do teatro. Esses três primeiros trabalharam na decoração interna do Theatro Amazonas, de novo com Crispim e de Angelis, inaugurado na virada de 1896 para 1897.

O Theatro da Paz foi reinaugurado em 2 de julho de 1890 com a apresentação da ópera A Sonâmbula, de Vicenzo Bellini, encenada pela Companhia Lírica Italiana, empresariada pelo maestro Gama Malcher (Diário do Notícias (PA), 2 de julho de 1890, quarta coluna).

Durante a gestão do governador Augusto Montenegro (1867 – 1915), foi realizada uma nova reforma no teatro, entre 1904 e 1905. Foi reaberto em 3 de maio de 1905, com a estreia da Companhia Lírica Italiana, de Donato Rotolli, com a ópera Tosca, pela primeira vez executada no Pará.  Em 1918, na segunda quinzena de março, foi apresentada no Theatro da Paz espetáculos da companhia de balé da grande bailarina russa Anna Pavlova (1881 – 1931) (Estado do Pará, 16 de março de 1918, segunda coluna).

 

Programa do espetáculo de Ana Pavlowa, 1918 / Acervo “Em março de 1918 Ana Pavlowa deslumbrou Belém com sua arte. O casal Hydéa e Luiz Maximino de Miranda Corrêa (…), que haviam recepcionado Ana Pavlowa em Belém, realizou uma viagem à América do...

 

Em 21 de junho de 1963, o Theatro da Paz foi tombado pelo serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que o considera um dos teatros-monumentos do Brasil.

Na década de 1970, passou por uma nova reforma, tendo sido reaberto, em 15 de fevereiro de 1975, com a comemoração dos 70 anos do maestro paraense Waldemar Henrique (1905 – 1995), que dirigiu o teatro por mais de 10 anos entre as décadas 60 e 70. Em 1977, foi de novo fechado para restauro e sua reabertura aconteceu em 15 de fevereiro de 1978, data de seu centenário, com a apresentação do coral Ettore Bosio (Correio Braziliense, 5 de fevereiro de 1978).

 

 

Durante as décadas de 80 e 90, foram realizados vários melhoramentos. Em 1996, foi formada a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz.

Passou, durante dois anos, por uma meticulosa restauração, tendo sido reaberto em abril de 2002 com a realização do 1º Festival de Ópera do Theatro da Paz. Ganhou dois pianos novos – um Yamaha Grand Konzert e um Steinway – e seu palco tornou-se desmontável para atender a diferentes tipos de espetáculo (Folha de São Paulo, de 19 de agosto de 2002).

Ao longo de seus mais de 100 anos de existência, já passaram por seu palco, dentre várias outras atrações, Arnaldo Cohen, Arthur Moreira Lima, Bibi Ferreira, Bidu Sayão, Cacilda Becker, Fernanda Montenegro, Francisco Mignoni, Glauce Rocha, Guiomar Novaes, Henritte Morineau, Margarida Lopes de Almeida, Maria Della Costa, Maria Lucia Godoy, Miguel Proença, Natalia Thimberg, Nelson Freire, Paulo Autran, Procópio Ferreira, Renato Vianna, Tamara Taumonova, Tito Schipa, Tonia Carrero, Waldemar Henrique, além do corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, do Ballet Kirov, dos Les Etoilles de l’Opera de Paris e do Ballet Stagium.

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

Fontes:

Arquivo Público do Estado do Maranhão

BRITO, Maria. Arte no Theatro da Paz.

CABRAL, Luisa. Theatro da Paz e Waldemar Henrique. Portal LIV – Arte e Cultural, 15 de fevereiro de 2011.

Biblioteca do IBGE

Guia das Artes de Belém do Pará

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

SALLES, Vicente. A música e o tempo no Grão Pará. Belém: Cons. Est. de Cultura, 1980

SALLES, Vicente. Theatro da Paz – tempo e gente.

SILVA, Aline Costa da. José Veríssimo: seus anos de formação (1877 – 1891). Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras do Instituto de Letras e Comunicação da Universidade Federal do Pará, para obtenção do grau de Doutorado em Letras (Área de Concentração: Estudos Literários), 2021.

SOUZA, Roseane Silveira de. Teatro da Paz: histórias invisíveis em Belém do grão-Pará. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, dezembro de 2010.

Site Fragmentos de Belém

Site IPatrimônio

Site Theatro da Paz

 

Outros artigos publicados na Brasiliana Fotográfica sobre teatros e cinemas 

 

Série O Rio de Janeiro desaparecido I Salas de cinema do Rio de Janeiro do início do século XXpublicado em 26 de fevereiro de 2016.

Os teatros do Brasil, publicado em 21 de março de 2016

A inauguração do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, publicado em 14 de julho de 2017

Cinema no Brasil – a primeira sessão e um pouco da história do Cinema Odeon, publicado em 8 de julho de 1921

Série “O Rio de Janeiro desaparecido” XII – O Teatro Lírico (Theatro Lyrico), publicado em 16 de setembro de 2021

O Theatro de Santa Isabel, publicado em 28 de outubro de 2021

O Teatro Amazonas (Theatro Amazonas), em Manaus, a “Paris dos Trópicos”, publicado em 28 de dezembro de 2021

O Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, no Dia Mundial do Teatro, publicado em 27 de março de 2023

Dia do Cinema Brasileiro, publicado em 19 de junho de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXV – O Theatro Phenix, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado em 5 de setembro de 2023

O Teatro Amazonas (Theatro Amazonas), em Manaus, a “Paris dos Trópicos”

Com registros realizados pelo fotógrafo, botânico e naturalista alemão George Huebner (1862 – 1935) a Brasiliana Fotográfica conta um pouco da história do Teatro Amazonas, um dos símbolos do apogeu da borracha na região Norte do Brasil, inaugurado na virada do ano de 1896 para 1897. O Teatro Amazonas mantém viva parte da história do ciclo da borracha e é, até hoje, um dos mais importantes símbolos culturais e arquitetônicos do estado do Amazonas. Localiza-se no Largo de São Sebastião, no centro de Manaus. Destaca-se, em sua história, a importância de Eduardo Ribeiro (1862 – 1900), governador do Amazonas em dois períodos – 1890 a 1891 e 1892 a 1896- , considerado o grande transformador de Manaus. A historiografia amazonense diz que ele teve origem modesta e que talvez fosse descendente de escravos.

 

 

Huebner foi um dos estrangeiros atraídos a Manaus quando a cidade, justamente com o ciclo da borracha, tornou-se um importante pólo econômico. Estabeleceu-se comercialmente em Belém onde, em 1897, colaborou com o fotógrafo português Felipe Augusto Fidanza (c. 1847 – 1903). Em novembro do mesmo ano, apresentando-se como membro correspondente da Sociedade Geográfica de Dresden, informava a abertura de um ateliê fotográfico em Manaus, a Photographia Allemã, no antigo Hotel Cassina, junto ao Palácio do Governo. O ateliê mudou algumas vezes de endereço. Fotografou etnias indígenas, retratos de personalidades importantes de sua época, a sociedade que surgiu a partir do apogeu da economia da borracha, paisagens da floresta amazônica e a chegada da modernidade em Belém e em Manaus. Os registros do Teatro Amazonas se enquadram nessa última categoria.

 

Acessando o link para as fotografias do Teatro Amazonas disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Durante a administração do governador Fileto Pires Ferreira (1866 – 1917), o Teatro Amazonas, imponente e de estilo neoclássico com detalhes ecléticos, foi inaugurado em 31 de dezembro de 1896, com a execução de trechos de óperas, apresentada pela Companhia Lírica Italiana, empresariada pelo maranhense Joaquim de Carvalho Franco. Na semana seguinte, em 7 de janeiro de 1897, a mesma companhia encenou a primeira récita operística no teatro: a ópera La Gioconda, de Almicare Ponchielli (1834 – 1886). Era a época áurea de Manaus, quando a cidade era conhecida como a Paris dos Trópicos. 

 

 

A história do teatro começou durante o governo de Alarico José Furtado (1846 – 1884) no estado do Amazonas, quando o deputado provincial Antônio José Fernandes Júnior apresentou, em 21 de setembro de 1881, o projeto de lei para a construção de um teatro em Manaus. Sua construção foi polêmica, já que a cidade contava apenas com cerca de cem mil habitantes. Porém, a sociedade local, com a prosperidade causada pelo ciclo da borracha e influenciada pela cultura europeia, exigia um espaço para as artes, onde pudesse ver e ser vista.

Em 1882, a licitação da obra foi vencida pelo Gabinete Português de Engenharia de Lisboa, representado pelo comerciante Antônio de Oliveira Braga. Segundo o historiador Mario Ypiranga Monteiro, constavam da planta original do teatro os nomes dos construtores Jorge dos Santos e Felipe Monteiro e do arquiteto francês Charles Peyroton (18? – 19?), que mais tarde participou da construção do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Em 1884, foi lançada sua pedra fundamental e o teatro começou a ser construído mas, em 11 de agosto de 1885, as obras foram suspensas porque os construtores queriam alterar o projeto inicial. Finalmente, em 12 de janeiro de 1886, o contrato com a firma italiana Rossi & Irmãos foi rescindido. Em 1892, já no período republicano, o governador do Amazonas, o militar e positivista maranhense Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862 – 1900) (O Paiz, 18 de outubro de 1900, sexta coluna) decidiu reiniciar a construção, que ganhou fôlego a partir de uma lei que oferecia facilidades a artistas brasileiros e estrangeiros que quisessem se fixar em Manaus. Eduardo Ribeiro foi o grande transformador de Manaus. São também do período de sua administração o Palácio da Justiça, o Instituto Benjamin Constant e o inacabado Palácio do Governo, que se transformou no Instituto de Educação do Amazonas (IEA).

Segundo o trabalho Da província à corte: a trajetória do negro maranhense Eduardo Ribeiro, rumo ao Rio de Janeiro, da historiadora Geisimara Soares Matos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresentado no II Seminário Internacional Histórias do Pós-Abolição do Mundo Atlântico, realizado entre 15 a 18 de maio de 2018, na Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro:

Na pesquisa documental feita até o momento não encontramos fontes primárias que permitissem dizer se Ribeiro nasceu livre ou escravo, ou, se sua mãe viveu as experiências do cativeiro. Muito pouco se sabe sobre a infância de Ribeiro, a historiografia amazonense diz que teve origem modesta e que talvez fosse descendente de escravos, mas sem nenhuma indicação de fonte primária sobre isso. Sua mãe, Florinda Maira da Conceição é citada em vários documentos aqui analisados, desde Fé de Ofício de Eduardo Ribeiro até o seu inventário póstumo. Em nenhum momento há referência a seu pai. No registro de batizados da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da capital do Maranhão de 1863 há apenas o registro da descendência feminina; sem nenhuma menção a sua paternidade. Isso era um fato preponderante, pois já que o mesmo era desconhecido, muitos jornais oposicionistas utilizavam-se desse fato para sugerir que não fosse filho natural e assim estigmatizá-lo, tendo em vista o preconceito contra uniões sem oficialização, ou para insinuar que Eduardo Ribeiro tinha vergonha de sua origem.

Em 2019, Robério Braga (1951-), presidente da Academia Amazonense de Letras, proferiu uma palestra segundo a qual teria havido uma tentativa de apagamento do legado público de Eduardo Ribeiro:

“Soterraram seu nome do alto do Teatro Amazonas que havia sido gravado em pedras revestidas de ouro, na lateral superior esquerda do prédio […]”, afirmou Braga, reforçando sua tese de que Eduardo Ribeiro sofreu preconceito, por ser negro, nordestino e de baixa estatura, e perseguição política por parte das elites política e econômica da época“.  A placa em homenagem a Ribeiro foi redescoberta, durante obras de manutenção do teatro, em 2012.

 

 

Na mesma palestra, Robério Braga afirmou que no sepultamento de Eduardo Ribeiro, João Barreto de Menezes, corajoso jornalista, filho de Tobias Barreto, então residente em Manaus, tido e havido como figura de contestação e coragem, anunciou que Ribeiro havia sido envenenado e que não havia praticado o suicídio, e o fez na presença de alguns de seus algozes.

No trigésimo dia de sua morte foi realizada uma sessão magna, no Teatro Amazonas (Commercio do Amazonas, 13 de novembro de 1900):

 

 

Voltando à história da construção do teatro. Em 1893, Manuel Coelho de Castro, também encarregado da construção do Palácio da Justiça, que assim como os Palácio do Governo e os prédios do Instituto Benjamin Constant e de Artes e Ofícios estava sendo construídos, assinou um contrato para a retomada das obras do Teatro Amazonas (Diário Oficial do Amazonas, 25 de novembro de 1893, última colunaDiário Oficial do Amazonas, 10 de julho de 1894, última coluna).

O versátil artista pernambucano, nascido em Olinda, Crispim do Amaral (1858 – 1911) foi contratato, em 1893, para as obras de decoração, pintura, ornamentação e mobiliário do teatro. Crispim era pintor, caricaturista, decorador, ilustrador e cenógrafo e havia estudado no Recife com o pintor e cenógrafo francês Leon Chapelin, que possuia um estúdio fotográfico na cidade (Diário de Pernambuco, 23 de abril de 1867). Foi o responsável pelo pano de boca do Teatro Amazonas, que descreve o encontros dos rios Negros e Solimões (Diário Oficial do Amazonas, 23 de janeiro de 1896, segunda coluna).

 

 

Em 1876, havia se fixado em Belém. Tudo indica que foi discípulo do também pernambucano Vicente Pontes de Oliveira que, além de ator, era decorador e cenógrafo. Provavelmente, entre alugns anos de 1880 e 1893, Crispim viveu entre a França e a Itália. Na Itália, teria se formado pela Academia San Lucca. Na França, colaborou em vários periódicos, dentre eles o Le Rire, e trabalhou como cenógrafo da Comedie Française. Após sua passagem por Manaus, foi morar no Rio de Janeiro em fins do século XIX. Ao longo de sua vida, editou e ilustrou o jornal O Estafeta (1879), sob o pseudônimo Puck, trabalhou na revista A Semana Illustrada (1887), foi o primeiro diretor artístico da revista O Malho (1902), e o fundador das revistas A Avenida (1903) e O Pau (1905). Trabalhava como caricaturista na revista O Século quando faleceu, em 1911.

 

 

Por intermédio de Crispim, o pintor romano Domenico De Angelis (c. 1852 – 1900) retornou, em torno de 1897, ao Brasil, onde já havia vivido. De Angelis havia participado da decoração interna do Teatro Nossa Senhora da Paz, em Belém, inaugurado em 1878. Haviam se conhecido nesta ocasião e foi justamente por intermédio de De Angelis que Crispim foi agraciado, em 1888, com uma bolsa de estudos do governo paraense para aperfeiçoar-se em pintura na Academia de San Luca.

 

 

De Angelis foi contratado como decorador do Salão Nobre do Teatro Amazonas, no período de 1897 a 1899 (Commercio do Amazonas, 17 de julho de 1898, segunda coluna). É de sua autoria a pintura A glorificação das Bellas Artes da Amazônia (1899), que orna o plafond do teatro. O teto tem também bustos de personalidades brasileiras e as tapeçarias que cobrem todas as paredes retratam a fauna e a flora amazônica. Possui lustres de vidro de Murano e seu piso, com formatos geométricos, foram produzidos com quatro tipos de madeiras. Faleceu na Itália, em março de 1900.

 

 

Outro destaque do teatro é sua cúpula, composta por 36 mil peças importadas da região da Alsácia, na França, nas cores da bandeira brasileira. Foi adquirida na Casa Koch Frères, em Paris, e sua pintura ornamental foi feita por Lourenço Machado.

Segundo o Portal do Iphan:

“A construção do teatro apresentou soluções avançadas para a época destacando-se a estrutura metálica da cobertura incluindo a cúpula. Devido à dificuldade de importação de materiais nobres, as colunatas, alisares, óculos e balaústres foram feitos de cimento, alvenaria e reboco, mas preparados para parecerem mármore e outros materiais nobres. A cúpula é revestida externamente em cerâmica policromada, com telhas em escamas e áreas em vidros coloridos”.

 

 

Outros artistas que participaram da decoração interna do teatro foram Silvio Centofanti, Adalberto de Andreis e Francisco de Alegini. Provavelmente participaram da decoração do Salão de Honra Giovanni Capranesi (1852 – 1921) e Enrico Quattrini (1864 – 1950). A decoração externa foi realizada por Henrique Mazzolani. A época da construção do teatro foi, portanto, um tempo de efervescência artística em Manaus, quando oficinas de aprendizados e realizações foram formadas para sua edificação.

Segundo a Secretaria de Cultura e Economia Criativa Amazonas:

“A maior parte do material usado na construção do teatro foi importada da Europa: as paredes de aço de Glasgow, na Escócia; os 198 lustres e o mármore de Carrara das escadas, estátuas e colunas, são da Itália.

O salão de espetáculos tem capacidade para 701 pessoas, distribuídas entre a plateia e três pavimentos de camarotes. Impossível não ficar hipnotizado com o teto côncavo, no qual estão quatro telas pintadas em Paris pela tradicional Casa Carpezot. As telas representam música, dança, tragédia e ópera. Esta última, uma homenagem ao compositor brasileiro Carlos Gomes. Ao centro, um majestoso lustre de bronze francês. Também não passam despercebidas as máscaras nas colunas da plateia, que homenageiam compositores e dramaturgos, entre eles, Aristophanes, Molière, Rossini, Mozart e Verdi.”

Foi tombado pelo Iphan, em 1966, e reformado diversas vezes ao longo do século XX. Entre 1987 e 1990, durante o governo de Amazonino Mendes (1939-), foi feita a restauração e conclusão do projeto original do Teatro Amazonas. Dez anos depois, em 1997, foi realizado o I Festival de Ópera de Manaus e tiveram início os festivais de Teatro, Dança, Música, Rock, Jazz e Cinema.

Em 2015, foi indicado para tombamento como Patrimônio da Humanidade, pela ONU-Unesco. Em setembro de 2021, foi inaugurada no Teatro Amazonas uma exposição comemorativa de seus 125 anos, com a curadoria do artista plástico paraense Jandr Reis (1968-).

Link para todas as fotografias do Álbum Vistas de Manaus, de Georges Huebner, do acervo da Instituto Moreira Salles, uma das instituições fundadoras da Brasiliana Fotográfica. A fotografia destacada abaixo faz parte do álbum.

 

 

O Teatro Amazonas serviu como cenário para o filme Fitzcarraldo (1982), de Werner Herzog, e do desenho animado Rio 2 (2014). Vários artistas de destaque estiveram no palco do Teatro Amazonas, dentre eles o compositor Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959), os cantores líricos Bidu Sayão (1902 – 1999) e José Carreras (1946-), a pianista Guiomar Novaes (1895 – 1979), o ator Procópio Ferreira (1898 – 1979), os cantores Caetano Veloso (1942-) e Gilberto Gil (1942-), além do grupo de rock norte-americano White Stripes.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

Acervo Digital da UNESP

ARAÚJO, Emanuel (curador). Para nunca esquecer: negras memórias / memórias de negros. Rio de Jnaeiro : Museu Histórico Nacional, 2002.

Enciclopédia Itaú Cultural

Globoplay

Hemeroteca Digital daBiblioteca Nacional

MATOS, Geisimara Soares. Da província à corte: a trajetória do negro maranhense Eduardo Ribeiro, rumo ao Rio de Janeiro in Caderno de Progamação e Resumos II Seminário Internacional Histórias do Pós-Abolição do Mundo Atlântico, página 49, 2018.

MONTEIRO, Mário Ipyranga. Teatro Amazonas, 2ª edição. Amazonas : Valer, 2003.

Portal Iphan

SAMUEL, Rogel. Teatro Amazonas . Amazonas: Editora Eduá, 2012.

Site AmazonaAmazônia

Site CPDOC

Projeto de planta de site

Site Teatro Amazonas

Site Secretaria de Cultura e Economia Criativa Amazonas

VALLADARES, Clarival do Prado. Restauração e Recuperação do Teatro Amazonas. Amazonas : Governo do Estado do Amazonas, 1974.

 

Outros artigos publicados na Brasiliana Fotográfica sobre teatros e cinemas

 

Série O Rio de Janeiro desaparecido I Salas de cinema do Rio de Janeiro do início do século XXpublicado em 26 de fevereiro de 2016.

Os teatros do Brasil, publicado em 21 de março de 2016

A inauguração do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, publicado em 14 de julho de 2017

Cinema no Brasil – a primeira sessão e um pouco da história do Cinema Odeon, publicado em 8 de julho de 2021

Série “O Rio de Janeiro desaparecido” XII – O Teatro Lírico (Theatro Lyrico), publicado em 16 de setembro de 2021

O Theatro de Santa Isabel, publicado em 28 de outubro de 2021

O Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, no Dia Mundial do Teatro, publicado em 27 de março de 2023

Dia do Cinema Brasileiro, publicado em 19 de junho de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXV – O Theatro Phenix, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado em 5 de setembro de 2023

O Theatro da Paz, em Belém do Pará, inaugurado em 15 de fevereiro de 1878, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado em 15 de fevereiro de 2024