Guarujá, a “Pérola do Atlântico”, em fins do século XIX, por Guilherme Gaensly

O surgimento da Vila Balneária Guarujá, na Ilha de Santo Amaro, que se tornou em fins do século XIX e início do século XX, o destino de verão mais disputado da classe alta paulistana, não passou despercebido pelo fotógrafo suíço Guilherme Gaensly (1843 – 1928), que a fotografou em torno de 1894, ano em que ele e seu sócio desde 1882, Rodolpho Lindemann (c. 1852 – 19?), abriram uma filial da próspera empresa Gaensly & Lindemann, em São Paulo, onde Gaensly havia ido morar. Ele havia chegado em Salvador com cinco anos e, em 1871, após um período de aprendizado no ateliê de Alberto Henschel (1827 – 1882) na capital baiana, estabeleceu-se como fotógrafo. Destacou-se como retratista e como fotógrafo de paisagens urbanas e rurais. Em São Paulo, foi contemporâneo dos fotógrafos Valério Vieira (1862 – 1941), do austríaco Otto Rudolf Quaas (c. 1862 – c. 1930) e do húngaro  José Wollsack (1847 – 1927), dentre outros.

 

 

Apesar de nunca ter sido o fotógrafo oficial de São Paulo, como foi Augusto Malta (1864 – 1957) no Rio de Janeiro, Gaensly foi o autor de uma abrangente obra sobre a capital paulista nas primeiras décadas do século XX, o que o coloca nessa posição. Ele e Militão Augusto de Azevedo (1837 – 1905) são considerados os fotógrafos que mais cultuaram São Paulo. Seus registros eram vendidos como fotografias em papel albuminado e colotipias impressas na Suíça e comercializadas em álbuns. Ao lado de seu contemporâneo Marc Ferrez (1843 – 1923), foi provavelmente o fotógrafo mais publicado em postais no Brasil.

 

Acessando o link para as fotografias  produzidas por Guilherme Gaensly, disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

A imagem destacada nesse artigo faz parte do Álbum de Fotografias de São Paulo 1900 e mostra o hotel do Guarujá, inaugurado em 1893, tendo, à esquerda, a linha do trem e, ao fundo, os chalés da Vila Balneário. O álbum, com encadernação em papelão e título em tinta dourada, traz 18 fotografias em gelatina/prata no formato 17,6 x 23,3, coladas em papel cartão cinza e com legenda manuscrita em tinta branca abaixo da imagem.

 

 

Com a presença de várias autoridades, dentre elas o então governador de São Paulo, Bernardino de Campos (1841 – 1915) e o bispo Joaquim Arcoverde (1850 – 1930), a Vila Balneário foi inaugurada, em 2 de setembro de 1893, quando foi aberto pela Companhia Balneário, sob a liderança do Grupo Prado Chaves, presidido pelo conselheiro Antônio da Sillva Prado (1840 – 1929), o empreendimento que deu início a um importante pólo de turismo no Brasil, que viria a ser frequentado por personalidades como Ruy Barbosa (1849 – 1923), Washington Luis (1869 – 1957) e por Alberto Santos Dumont (1873 – 1932), que se suicidou no hotel do balneário em 23 de julho de 1923; além de estrangeiros que passavam pelo porto de Santos.

Os convidados para a inauguração foram recepcionados pelo engenheiro civil, doutor pela Universidade de Cornell, e empresário Elias Fausto Pacheco Jordão (1849 – 1901), gerente da Companhia Prado Chaves e realizador do ousado e inovador plano de urbanização da área. Elias Fausto havia integrado, em 1875, a Comissão Geológica Imperial chefiada por Charles Frederick Hartt (1840 – 1878), da qual também faziam parte os geólogos Orville Adalbert Derby (1851 – 1915) e Richard Rathbun (1852-1918) – ambos da Universidade de Cornell -, que chegaram ao Brasil em fins de 1875; John Casper Branner (1850-1922), do Departamento de Botânica e Geologia da Universidade de Indiana; e o brasileiro Francisco José de Freitas, assistente geral e tradutor. Integraram, também, o corpo técnico da comissão os geólogos Luther Wagoner, substituto de Pacheco Jordão, em 1876, que foi posteriormente substituído por Frank Carpenter; o naturalista Herbert Huntington Smith (1851-1919), e o fotógrafo Marc Ferrez (1843-1923).

 

 

Voltando à Vila Balneário. Para sua construção, foram encomendadas 46 casas de madeira nos Estados Unidos e um hotel de luxo com um cassino. A vila tinha grande sofisticação para a época, oferecendo confortos como água encanada, esgoto e luz elétrica. Suas calçadas tinham quatro metros de largura com avenidas largas e perpendiculares, além de duas estações de trem, igreja e um mini zoológico. Além da vila, a Companhia construiu uma linha férrea ligando o estuário de Santos à praia de Pitangueiras, batizada de Tramway de Guarujá, bem como o primeiro serviço regular de navegação entre Santos e Guarujá (Correio Paulistano, 28 de agosto de 1891, segunda coluna; Correio Paulistano, 5 de setembro, última coluna; Correio Paulistano, 6 de setembro de 1893, primeira coluna; O Commercio de São Paulo, 27 de setembro,  28 de setembro e 29 de setembro de 1895, terceiras colunas;  Revista Moderna, 1º de fevereiro de 1898).

Em 1894, o artista plástico paulista Benedito Calixto (1853 – 1927) pintou a Vila Balneário no quadro Jardim à beira-mar.

 

 

Um incêndio destruiu o hotel, em 17 de novembro de 1897 (Correio Paulistano, 19 de novembro de 1897, segunda coluna).

 

 

O ex-gerente da sucursal paulista da Photographia Henschel que, em 1888, tornou-se dono da referida filial, o já mencionado fotógrafo húngaro José Vollsack (1847 – 1927), foi um dos 22 hóspedes que se encontravam no hotel. Ele avaliou em 10.000$ os objetos que perdeu no incêndio. O vice-cônsul dos Estados Unidos, que morava no quarto 43, sofreu prejuízos no valor de mil dólares.

 

 

Com corridas de bicicleta e a pé, apresentação da banda do Corpo de Bombeiros, da orquestra da Pauicéia e com uma soirée no sallão do cassino, o hotel foi reinaugurado em 8 de setembro de 1898 (O Commercio de São Paulo, 7 de setembro de 1898, segunda coluna).

 

 

No início da década de 10, a companhia foi adquirida por um grupo de empreendedores, dentre eles o empresário norte-americano Percival Farquhar (1865 – 1953), passando a se denominar Companhia Guarujá, que se associou ao grupo Ritz Carlton para administrar o novo complexo.

A trajetória de Farquhar no Brasil aconteceu em um período de maciça presença do capital norte-americano e europeu no país. Suas atividades empresariais no Brasil começaram, em 1904, quando fundou a Rio de Janeiro Light & Power, companhia que assumiu concessões de serviços públicos de bondes, iluminação a gás e energia hidrelétrica. No ano seguinte, começou a investir na Amazônia, fundou a Brazil Railway Company (1906), a fim de construir um sistema ferroviário interligando a América do Sul e, em 1907, obteve a concessão para construir a Madeira-Mamoré.

 

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Percival Farqhart, New York Times, 22 de setembro de 1912

 

O projeto do Grand Hotel de la Plage, terceira versão do primeiro, foi realizado pelo renomados arquitetos Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851 – 1928) e por Ricardo Severo da Fonseca e Costa (1869 – 1940).

 

 

 

As obras começaram em 15 de janeiro de 1911 e o hotel foi reinaugurado em 8 de junho de 1913: “...as magníficas instalações são comparáveis às dos melhores hoteis da Europa“. Mais de duzentos convidados participaram das celebrações que incluíram bailes, piqueniques, shows aéreos, passeios de charrete e observação da flora e da fauna dos morros nos arredores do hotel, que tinha 220 quartos, salões de festa, de leitura, de refeição e um cassino anexo. A chegada do aviador Edu Chaves (1887 – 1975), aterrissando quase em frente ao hotel, foi um verdadeiro triunfo. Na ocasião, a reinauguração do Grand Hotel de la Plage foi a notícia mais comentada pela imprensa brasileira. O Guarujá foi o maior centro de diversão e turismo do Brasil nos primeiros 25 anos do século XX (Correio Paulistano, 9 de junho de 1913, primeira coluna).

 

 

 

 

A vila seguiu se desenvolvendo durante toda a primeira metade do século XX devido ao sucesso do hotel e a reputação do Guarujá como balneário de primeira classe. Na década de 30, o hotel foi comprado por Alberto Quatrini Bianchi (1892 – 19?) e, em 30 de Junho de 1934, a cidade recebeu o título de Estância Balneária, tendo se emancipado de Santos. Com a proibição do jogo, em 1946, começou a decadência do hotel, que foi, na década de 60, demolido. Bianchi, que com Joaquim Rolla (1899 – 1972) dividia o título de Rei do Turismo Nacional,  teve diversos empreendimentos turísticos como, em Minas Gerais, o Pale Hotel de Ouro Preto e o Palace Casino de Poços de Caldas; em São Paulo, o já mencionado Hotel de La Plage e Cassino de Guarujá e o Serra Negra Hotel; no Maranhão, o Hotel Palace de São Luis; em Pernambuco, o Hotel Palace do Recife; Na Bahia, o Hotel e Cassino Palace de Salvador; no Espírito Santo, o Grande Hotel Guarapari (ES); no Rio de Janeiro, o Icaraí Hotel, além de dezenas de cassinos em doversos estados do Brasil. Quando faleceu, segundo reportagem do Diário do Rio Claro, 22 de julho de 2019, era garçom de um hotel no Guarujá que havia sido dele.

 

Alguns de seus visitantes ilustres foram o governador de São Paulo, Adhemar de Barros (1901 – 1969), Alberto I, rei da Bélgica (1875 – 1934), o banqueiro Anthony Gustav de Rothschield (1887 – 1961), o pi ntor Benedito Calixto (1853 – 1927), a cantora lírica Bidu Sayão (1902 – 1999), os presidentes do Brasil, Campos Salles (1841 – 1913), que inclusive faleceu no Guarujá (Correio Paulistano, 29 de junho de 1913); Getulio Vargas (1882 – 1954) e Rodrigues Alves (1848 – 1919); a atriz Carmen Miranda (1909 – 1955), o comediante mexicano Cantinflas (1911 – 1993), o escritor Euclydes da Cunha (1866 – 1909), o Conde Francesco Matarazzo (1854 – 1937), o ator norte-americano Glenn Ford (1916 – 2006), o ator francês Jean Sablon (1906 – 1994), o presidente da Argentina, general Julio Roca (1843 – 1914); o escritor Mário de Andrade (1893 – 1945), o pioneiro aviador francês Roland Garros (1888- 1918),  a atriz espanhola Sarita Montiel (1928 – 2013), o cantor Silvio Caldas (1908 – 1998), a pintora Tarsila do Amaral (1886 – 1973)

 

 

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

BURGI, Sergio;DIETRICH, Ana Maria;MENDES,Ricardo. Imagens de São Paulo – Gaensly no acervo da Light 1899 – 1925, organização Vera Maria de Barros Ferraz. São Paulo:Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo, 2001.

Catálogo da Exposição comemorativa da doação do Acervo Brascan ao IMS – Guilherme Gaenly e Augusto Malta: dois mestres da fotografia brasileira no Acervo Brascan. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, 2002

Centro de Documentação e Memória do Guarujá – História do Grande Hotel et de La Plage de Santos e Guarujá. 1893-1962 (Youtube)

d´Ávila, Cristiane. Trilhos sobre a floresta: imagens da construção da E.F. Madeira-Mamo, publicado na Brasiliana Fotográfica em 14 de outubro de 2019 – https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=16710

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Jornal de Rio Claro

Kossoy, Boris. Álbum de Fotografias do Estado de São Paulo – 1892; São Paulo, CBPO/Kosmos, 1984.

KOSSOY, Boris. Dicionário histórico-fotográfico brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002. 408 p., il. p&b.

Site CPDOC

Site Novo Milênio

Site Universidade do Porto

WANDERLEY, Andrea. A construção da Madeira-Mamoré, a “Ferrovia da Morte”, pelas lentes de Dana B. Merrill (c. 1887 – 19?)publicado na Brasiliana Fotográfica em 16 de janeiro de 2018 - https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=10460

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