A Revolta da Armada

“Grave notícia se espalhou desde manhã cedo pela cidade: uma parte da força armada da nação se sublevara, e havia uma greve assustadora na estrada de ferro Central.

Nem tudo isso era verdade. Os sucessos ocorridos na estrada não tinham a gravidade que se anunciava; mas era certo que a esquadra se achava em atitude francamente hostil ao governo”.

 

 

Assim a Gazeta de Notícias, de 7 de setembro de 1893, iniciava a matéria sobre a Revolta da Armada, rebelião da última década do século XIX, que evidenciou algumas das cisões da então incipiente República brasileira.

A Brasiliana Fotográfica traz para seus leitores registros fotográficos desse acontecimento produzidos pelo importante fotógrafo Marc Ferrez (1843-1923), que foi fotógrafo da Marinha brasileira, e pelo espanhol Juan Gutierrez (?-1897), que chegou ao Brasil, provavelmente, na década de 1880, e foi um dos últimos profissionais que recebeu o título de “Fotógrafo da Casa Imperial, em 1889.

 

Acessando o link para as fotografias da Revolta da Armada disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

O Comitê Nacional do Brasil do Programa Memória do Mundo da UNESCO, o MoWBrasil, reunido em Sessão Plenária com a maioria de seus membros, entre os dias 2 e 3 de outubro de 2017, na cidade de Belo Horizonte, escolheu 10 das 22 candidaturas recebidas ao Edital MoWBrasil 2017, para serem inscritas no Registro Nacional do Brasil do Programa Memória do Mundo da UNESCO. Os registros iconográficos da Revolta da Armada (1893 – 1894), cuja inscrição foi proposta pelo Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, pelo Instituto Moreira Salles e pelo Museu Histórico Nacional*, foi um dos selecionados. O IMS é um dos fundadores da Brasiliana Fotográfica e o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro é parceiro do portal.

Os outros escolhidos cujos proponentes são parceiros ou fundadores da Brasiliana Fotográfica foram o Arquivo Lima Barreto, da Fundação Biblioteca Nacional; a Coleção Família Passos, do Museu da República; a Correspondência original dos governadores do Pará com a corte. Cartas e anexos (1764-1807), do Arquivo Nacional; o Formulário médico manuscrito atribuídos aos jesuítas e encontrado em uma arca da igreja de São Francisco de Curitiba, da Fundação Oswaldo Cruz.

Também foram selecionados: Atas do Montepio Geral de Economia dos Servidores do Estado – o início da Previdência no Brasil, da Mongeral Aegon Seguros e Previdência; a Coleção Tribunal de Segurança Nacional: a atuação do Supremo Tribunal Militar como instância revisional, 1936-1955, do Superior Tribunal Militar; a Coleção Vladimir Kozák: acervo iconográfico, filmográfico e textual de Povos Indígenas Brasileiros (1948 – 1978), do Museu Paranaense; os Livros de registros da Polícia Militar da Bahia, da Polícia Militar da Bahia; e o Testamento do senhor Martim Afonso de Souza e de sua mulher dona Ana Pimentel, da Universidade Federal de Minas Gerais.

A cerimônia de entrega dos certificados ocorrerá no dia 7 de dezembro, no Rio de Janeiro, no Forte de Copacabana.

 

Um pouco da história da Revolta da Armada

 

As origens da Revolta da Armada remontam a novembro de 1891 (Gazeta de Notícias, de 5 de novembro de 1891, na primeira coluna), quando o marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), primeiro presidente do Brasil, fechou o Congresso Nacional por não conseguir negociar com as bancadas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, estados produtores de café. Sob a liderança do contra-almirante Custódio de Mello (1840 – 1902), unidades da Marinha se sublevaram e ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro. Vinte dias depois, em 23 de novembro, Deodoro renunciou e o vice-presidente, marechal Floriano Peixoto (1839-1895), assumiu a presidência (Gazeta de Notícias, de 24 de novembro de 1891). Porém, não convocou eleições presidenciais conforme previa a Constituição em vigor. Foi acusado de ocupar ilegalmente a presidência.

Em 1892, ocorreu o primeiro movimento de oposição: 13 oficiais-generais divulgaram um manifesto exigindo a convocação de eleições. Os líderes do movimento foram presos e parte deles foi mandada para o interior do estado do Amazonas, na cidade de Tabatinga (Diário de Notícias, 23 de abril de 1892, sob os títulos “Manifesto” e “Habeas Corpus”).

Em  6 de setembro de 1893, um grupo de oficiais da Marinha, liderados pelo ministro da Marinha e da Guerra, o contra-almirante Custódio de Mello (1840 – 1902), que pretendia se candidatar à sucessão de Floriano Peixoto, voltou a se rebelar. Iniciava-se assim a Revolta da Armada, na Baía de Guanabara, com os navios Aquidabã, Javari, TrajanoRepública. Custódio de Mello divulgou um manifesto acusando o governo de ter “armado brasileiros contra brasileiros” e de ter iludido “a Nação, abrindo com mão sacrílega as arcas do erário público a uma política de suborno e corrupção”(Gazeta de Notícias, 8 de setembro de 1893, na quinta coluna). Também fazia parte do grupo o almirante Eduardo Wandenkolk (1838 – 1902), que havia sido ministro da Marinha do governo de Deodoro da Fonseca e que, um ano antes, havia sido um dos oficiais presos por ter assinado o manifesto dos 13 generais.  Além das acusações contra a política de Floriano Peixoto, os oficiais da Marinha também se ressentiam de seu desprestígio em relação aos oficiais do Exército.

Em 13 de setembro, os fortes fluminenses, em poder do Exército, começaram a ser bombardeados (Gazeta de Notícias, 14 de setembro de 1893, sob o título “A Revolta”). A frota das forças rebeldes era formada por embarcações da Marinha de Guerra e por navios civis de empresas brasileiras e estrangeiras.

 

 

 

Na Marinha os revoltosos eram maioria, porém enfrentavam forte oposição no Exército, onde milhares de jovens aderiam aos batalhões que apoiavam o presidente Floriano. As elites dos estados, principalmente a de São Paulo, também eram favoráveis a Floriano.

Na madrugada de 1º de dezembro, Custódio de Mello, no Aquidabã, seguido do República e de cruzadores auxiliares, foi para o sul para unir-se aos federalistas (O Paiz, 2 de dezembro de 1893, sob o título “A Revolta”). Na época acontecia a Revolução Federalista, uma disputa entre os federalistas (maragatos) e republicanos (pica-paus), esses últimos apoiados por Floriano. A cidade de Desterro, como se chamava então a capital de Santa Catarina, foi dominada pelos revoltosos.

 

 

Em 7 de dezembro, o contra-almirante Luís Filipe Saldanha da Gama (1846 – 1895), então diretor da Escola Naval, aderiu ao movimento, assumindo o comando dos revoltosos no Rio de Janeiro, dando início à segunda fase da Revolta da Armada (Gazeta de Notícias, 15 de dezembro de 1893, na segunda coluna). A essa altura, os rebelados contavam com pouca munição e não dispunham de víveres. A Fortaleza de São José, na Ilha das Cobras, foi praticamente destruída pelas tropas legalistas e, em 9 de fevereiro de 1894, quando os rebelados, sob o comando de Saldanha da Gama, desembarcaram na Ponta da Armação, em Niterói, foram derrotados. Também foram vencidos na Ilha do Governador (Gazeta de Notícias, 10 de fevereiro de 1894, sob o título “A Revolta”).

Niterói, que era a capital do estado do Rio de Janeiro, teve seus sete fortes bombardeados. Em 20 de fevereiro de 1894 , a sede do governo foi então transferida para Petrópolis, cidade serrana fora do alcance dos canhões da Marinha (Gazeta de Petrópolis, 24 de fevereiro de 1894). Niterói só voltaria a sediar a capital em 1903.

O governo federal havia adquirido navios de guerra, que foram apelidados de “frota de papelão”. O comando dessa esquadra foi entregue ao almirante Jerônimo Gonçalves (1835 – 1903), veterano da Guerra do Paraguai. Em março de 1894, com o apoio do Exército e do Partido Republicano Paulista (PRP), a Revolta da Armada foi sufocada ( O Paiz, 14 de março de 1894Gazeta de Notícias, 16 de março de 1894). Os rebeldes se asilaram nos navios portugueses Mindelo e Afonso de Albuquerque, terminando a segunda fase da revolta.

A Revolução Federalista continuava no sul, para onde Saldanha da Gama e seus homens foram conduzidos. Custódio de Mello havia tomado o porto de Paranaguá e estava unido ao líder federalista Gumercindo Saraiva (1852 – 1894). Tomaram a cidade da Lapa e as tropas do governo deslocaram-se para o sul. Em 16 de abril de 1894, o encouraçado Aquidabã, dos revoltosos, foi torpedeado, em Santa Catarina, pela torpedeira Gustavo Sampaio, comandada pelo tenente Altino Flavio de Miranda Correia (Gazeta de Notícias, 18 de abril de 1894, sob o título “A Revolta”).

No cruzador República, Custódio de Mello, comandando quatro navios mercantes e dois mil homens, tentou, sem sucesso, desembarcar na cidade do Rio Grande. Foi derrotado pelas tropas do governo de Julio de Castilhos. Os revolucionários da Armada estavam vencidos. Custódio refugiou-se na Argentina, onde entregou os navios (Diário de Notícias, 23 de abril de 1894). Segundo o historiador Helio Silva, o fim da terceira e última fase da Revolta da Armada aconteceu com a morte de Saldanha da Gama, em 25 de junho de 1895, em Campo Osório, no Rio Grande do Sul (Gazeta de Notícias, 26 de junho de 1895).

 

 

Floriano Peixoto ficou conhecido como “Marechal de Ferro” e governou até 15 de novembro de 1894, quando foi sucedido por Prudente de Morais, primeiro presidente civil do Brasil.

 

 

O Decreto nº 310, de 21 de outubro de 1895, anistiou “todas as pessoas que directa ou indirectamente se tenham envolvido nos movimentos revolucionarios occorridos no territorio da Republica até 23 de agosto do corrente anno, com as restricções que estabelece”(Gazeta de Notícias, de 22 de outubro de 1895, sob o título “Amnistia”). Custódio de Mello e outros oficiais envolvidos na Revolta da Armada  retornaram ao Brasil (Gazeta de Notícias, de 24 de outubro de 1895, sob o título “Telegrammas”, e Gazeta de Notícias, de 31 de outubro de 1895, no topo da segunda coluna). Chegaram no Rio de Janeiro em 6 de novembro (Gazeta de Notícias, de 7 de novembro de 1895, na terceira coluna).

 

 

Para a elaboração desse resumo da Revolta da Armada, a Brasiliana Fotográfica pesquisou diversos jornais da Hdmeroteca Digital da Biblioteca Nacional, além do Atlas da Fundação Getúlio Vargas, e dos livros A Revolta da Armada, de Hélio Leôncio Martins; Nasce a República 1888-1894, de Hélio Silva, e “Coleção História Naval Brasileira”.

 

Outras publicações da Brasiliana Fotográfica sobre conflitos no Brasil:

Guerra de Canudos pelo fotógrafo Flavio de Barros

Lampião e outros cangaceiros pelas lentes de Benjamin Abrahão

Registros da Guerra do Paraguai

 

A Brasiliana Fotográfica convida seus leitores para uma visita ao Correio IMS, onde estão publicadas duas cartas que o jurista, escritor e jornalista Rui Barbosa (1849-1923) – opositor de Floriano Peixoto, que o considerava o mentor intelectual da Revolta da Armada – escreveu para sua esposa, Maria Augusta Viana Bandeira (1855-1949), na época da rebelião:

“As “delícias” de ser preso”, de 7 de setembro de 1893

“Não sei como ainda vivo!”, de 19 de setembro de 1893

 

A Brasiliana Fotográfica faz um agradecimento especial ao Departamento de História da Marinha, à socióloga Roberta Zanatta e ao arquiteto Bruno Buccalon, ambos da equipe do IMS. 

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

*ERRATA: anteriormente, a Brasiliana Fotográfica havia apontado o Museu da República como um dos proponentes. A correção foi feita em 30 de maio de 2018.