Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas: centenário da construção da pesquisa clínica em Manguinhos

A Brasiliana Fotográfica publica o terceiro e último artigo da trilogia em comemoração ao centenário do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, com um texto de autoria de Dilene Raimundo do Nascimento, pesquisadora do Departamento de Pesquisa da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, instituição parceira do portal. Da construção de um centro de ciência na Fazenda de Manguinhos – o Castelo Mourisco – surgiu a ideia de um hospital dedicado aos experimentos, resultantes das expedições científicas realizadas pelos cientistas do Instituto Soroterápico Federal, denominado de Instituto Oswaldo Cruz, em 1908. O novo hospital estaria de acordo com os princípios da moderna higiene, com inspiração no Hospital Pasteur de Paris e a assistência ambulatorial, as internações e os cuidados médicos estariam atrelados a finalidades científicas. O projeto inicial foi assinado pelo arquiteto Luiz de Moraes Júnior, também responsável pela construção do Pavilhão Mourisco. O processo de construção foi registrado pelo fotógrafo J. Pinto. Ao longo de sua história, o Hospital de Manguinhos foi denominado Hospital de Doenças Tropicais, Hospital Oswaldo Cruz, Hospital Evandro Chagas, Centro de Pesquisa Clínica Hospital Evandro Chagas, Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC) e, desde 2010, Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas.

Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas: centenário da construção da pesquisa clínica em Manguinhos

Dilene Raimundo do Nascimento*

 

A ideologia do progresso e da civilização, vigente no início do século XX, no Brasil (Benchimol,1990), fez de Oswaldo Cruz, como diretor geral da Saúde Pública, nomeado em 1903, o responsável por erradicar as epidemias que ocorriam na cidade do Rio de Janeiro – febre amarela, varíola e peste – sobre as quais Rodrigues Alves, eleito presidente da República em 1902, disse no Manifesto à Nação: “Aos interesses da imigração, dos quais depende em máxima parte o nosso desenvolvimento econômico, prende-se a necessidade do saneamento desta capital (…)” (1) .

A campanha de saneamento da capital do país empreendida por Oswaldo Cruz foi exitosa e ele pode capitalizar seu prestígio para o Instituto Soroterápico Federal, do qual era também diretor. Da construção de um centro de ciência na Fazenda de Manguinhos – o Castelo Mourisco – surgiu a ideia de um hospital dedicado aos experimentos, resultantes das expedições científicas realizadas pelos cientistas do Instituto Soroterápico Federal, denominado de Instituto Oswaldo Cruz, em 1908.

Acessando o link para as fotografias relativas ao centenário da construção da pesquisa clínica em Manguinhos disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

Essas expedições adentravam o país para colaborar com empreendimentos ferroviários e hidrelétricos, além de obras de infraestrutura, que compunham o cenário de progresso e civilização, realizados tanto por empresas privadas quanto públicas, no sentido de debelar as doenças que acometiam os trabalhadores desses empreendimentos (Benchimol, 1990).

Os cientistas de Manguinhos se deparavam com uma diversidade de doenças, algumas já identificadas e outras totalmente desconhecidas. Foi em uma dessas expedições, realizada em Minas Gerais com o objetivo de combater a malária para facilitar a construção da Estrada de Ferro Central do Brasil até Pirapora/MG, que Carlos Chagas (1878 – 1934) descobriu, em Lassance, a nova tripanossomíase, que ficou conhecida como doença de Chagas.

 

 

 

Os anseios de Oswaldo Cruz de ter um hospital moderno e equipado para estudos clínicos e epidemiológicos dos doentes tomou mais corpo com o desenrolar das pesquisas da doença de Chagas. Sua repercussão possibilitou a obtenção de recursos, em 1912, para equipar um pequeno hospital em Lassance, para continuidade das pesquisas in loco, e para construir um hospital em Manguinhos (Decreto 9.346, de 24 de janeiro de 1912).

 

 

O plano de prover a cidade de um novo hospital de acordo com os princípios da moderna higiene, com inspiração no Hospital Pasteur de Paris, possibilitaria o isolamento individual dos doentes. A assistência ambulatorial, as internações e os cuidados médicos estariam atrelados a finalidades científicas, diferindo, dessa maneira, do modelo de hospitais voltados para a assistência em geral às populações urbanas. Ambicioso, o projeto inicial foi assinado pelo arquiteto Luiz de Moraes Júnior, também responsável pela construção do Pavilhão Mourisco, e previa a construção de seis pavilhões, dos quais só um se concretizou 3 (Cotrim, 2004). As obras foram iniciadas tão logo a verba foi liberada e concluídas em 1918, ano de sua inauguração. Oswaldo Cruz, falecido em 1917, não chegou a ver o hospital concluído. O processo de construção foi registrado pelo fotógrafo J. Pinto, desde a organização do canteiro de obras até a montagem da estrutura primária do edifício, de ferro forjado e em forma de gaiola.

 

 

 

 

Carlos Chagas, que se tornou diretor do Instituto Oswaldo Cruz, com a morte deste, tinha total envolvimento com o Hospital de Manguinhos, porque ali ele acompanhava os seus casos de Doença de Chagas, doentes trazidos do interior.

 

 

Ainda estudante, seu filho Evandro Chagas foi trabalhar no hospital, juntamente com outros pesquisadores como Eurico Vilela, primeiro diretor do hospital de Manguinhos, Lobato Paraense, Nery Guimarães, Emanuel Dias, dentre outros. Evandro Chagas desempenhou toda a sua prática profissional no Hospital de Manguinhos, desenvolvendo a partir dele suas incursões ao interior do Brasil para pesquisar, principalmente, casos de leishmaniose visceral americana. Nessas expedições, deparou-se com as várias endemias existentes no país, que o motivaram a criar o Serviço de
Estudos de Grandes Endemias (SEGE), no âmbito do Instituto Oswaldo Cruz, em 1937.

Sua ideia de expandir institucionalmente os estudos realizados no Hospital de Manguinhos já o havia levado a negociar com o governador do estado do Pará a criar no ano anterior o Instituto de Patologia Experimental do Norte (IPEN). O governador criou o instituto com a condição de ele se dedicar não somente ao calazar, mas também a outras doenças tropicais importantes daquela região, como a malária, a leishmaniose tegumentar, a amebíase, as parasitoses intestinais etc. Mas era natural que o calazar tivesse sido a primeira doença estudada pelo instituto. E foi com o calazar que o Evandro Chagas começou a trabalhar com a sua equipe, da qual faziam parte os irmãos Deane. A primeira viagem foi feita em dezembro de 1936. Leônidas Deane relata, em entrevista concedida à revista História, Ciência e Saúde – Manguinhos:

 “foi nosso primeiro contato com a selva (…), nós que nunca tínhamos saído de Belém, sempre citadinos. E tivemos uma experiência bem especial, porque todos os ruídos — ruídos dos sapos, dos grilos etc. — para nós eram como se fossem feras (…).”
“[Evandro] era um sujeito muito corajoso. Realmente ele dava o exemplo para tudo, porque era um homem muito arrojado, audacioso, inclusive. Fazia questão de mostrar que não tinha medo de coisa nenhuma. Como eu disse, ele ia para essas viagens de bermudas, botas e o chapéu colonial. E naturalmente os outros apetrechos, como a máquina fotográfica e o microscópio de campo, que ele usava a tiracolo também”(2).

Foi em Piratuba que encontraram os primeiros casos de calazar, vivos, da região amazônica. Examinavam as pessoas, pesquisando baço grande; se encontrasse faziam punção para procurar leishmânia. Evandro Chagas voltou a essa cidade várias vezes para dar continuidade à sua pesquisa de leishmânia e discutir e orientar a sua equipe do Pará.

 

 

A morte precoce e repentina de Evandro Chagas, em um acidente aéreo na Baía de Guanabara, aos trinta e cinco anos de idade, em 08 de novembro de 1940, interrompeu suas pesquisas em andamento e deixou sua equipe impactada. Para interromper um clima de instabilidade que se estabeleceu após a morte de Evandro Chagas, o então ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, nomeou Carlos Chagas Filho diretor do hospital e chefe do Serviço de Estudos de Grandes Endemias, que aí permaneceu por três anos. Apesar das dificuldades decorrentes da morte repentina de Evandro Chagas, o hospital permaneceu pelas mãos e esforços de seus pesquisadores, médicos e funcionários empenhados em realizar pesquisas clínicas a respeito de doenças infecciosas e parasitárias, em que se destacam a doença de Chagas, a leishmaniose, a malária, a toxoplasmose e a esquistossomose. Em 1942, em homenagem póstuma, o hospital foi nomeado Evandro Chagas, nome que carrega até hoje.

 

 

Ao longo de sua história, o Hospital de Manguinhos foi denominado Hospital de Doenças Tropicais, Hospital Oswaldo Cruz, Hospital Evandro Chagas, Centro de Pesquisa Clínica Hospital Evandro Chagas, Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC) e, desde 2010, Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas.

Em sua história constam fases de decadência, principalmente, no período da Ditadura Militar, instaurada com o golpe de 1964 e que perdurou por vinte e um anos, e fase de ascensão, com o processo de redemocratização no país.

Nessa ocasião, surgiram os primeiros casos de aids no Brasil, doença infecciosa grave e, na época, fatal, com uma tendência de crescimento. A questão central na defesa da permanência do Hospital Evandro Chagas na Fiocruz foi exatamente a sua vocação no âmbito das doenças infecciosas. O contexto epidêmico da aids contribuiu para impulsionar a reestruturação do
hospital.

Esta teve entre seus princípios a pesquisa clínica ampliada, que não se restringe aos médicos infectologistas, mas se expande a outras especialidades para alargar e aprofundar o conhecimento sobre o doente e sobre a doença, como a enfermagem, serviço social, nutrição, farmácia e psicologia. De acordo com essa concepção, era importante compreender as relações de adoecimento do paciente e o contexto que ele traz para o hospital. A empreitada foi liderada pela Dra. Keyla Marzochi, uma das principais entusiastas da pesquisa clínica ampliada, que elaborou o projeto de reestruturação apresentado e aceito pela presidência da Fiocruz.

Denominado Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI) desde o VI Congresso Interno da Fiocruz, realizado em 2010, o INI hoje se caracteriza pela excelência na pesquisa clínica, na assistência, no ensino e na gestão voltados tanto para a saúde humana como para a saúde animal, a partir dos estudos de zoonoses, além de ser referência no campo das doenças infecciosas. A pesquisa clínica desenvolvida no INI, desde sua reestruturação, como diz sua atual diretora, Valdiléa Veloso, é uma construção coletiva que congrega vários saberes dos diferentes profissionais que trabalham na unidade, com inclusão dos usuários, visando à melhoria da saúde da população.

Ao completar os seus 100 anos, no ano de 2018, a luta pela saúde pública implica para o INI a prática da pesquisa clínica ampliada, a assistência − em especial aos grupos vulneráveis −, o ensino para formar e capacitar novos profissionais na área, uma gestão participativa e parcerias com movimentos sociais e instituições nacionais e internacionais nessas áreas de atividade, e, a partir disso, dá sua inestimável contribuição para o desenvolvimento do SUS – Sistema Único de Saúde.

 

(1) Manifesto Inaugural de Francisco de Paula Rodrigues Alves, presidente eleito para o quadriênio de1902 a 1906. 15 de novembro de 1902. Rio de Janeiro, 1902, p. 11.

(2) História, Ciência e Saúde – Manguinhos. Vol.1, nº1, jul/out., 1994. Seção Depoimento.

 

*Dilene Raimundo do Nascimento é pesquisadora do Departamento de Pesquisa da Casa de Oswaldo Cruz

 

Outros textos sobre o centenário do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas publicados na Brasiliana Fotográfica:

Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas: 100 anos de pesquisa clínica, por Cristiane d´Avila, em 26/10/2018

Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas 100 anos: Carlos e Evandro Chagas em retratos de família, por Aline Lopes de Lacerda, em 27/11/2018

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