Os cinco anos da Brasiliana Fotográfica

A Brasiliana Fotográfica, fundada pela Biblioteca Nacional e pelo Instituto Moreira Salles, em 17 de abril de 2015, completa cinco anos de existência buscando contribuir para uma escrita da história do Brasil onde as fotografias deixam de ser mera ilustração. A data seria comemorada com a realização do Seminário Brasiliana Fotográfica 5 anos – A imagem e a escrita da história, no auditório da Biblioteca Nacional que, devido à situação pela qual atravessa o Brasil e o mundo, foi adiado.

Decidimos então promover no contexto atual da pandemia de coronavírus um debate relacionando urbanismo, saúde pública e a história da cidade do Rio de Janeiro e das grandes metrópoles brasileiras, temas frequentes dos artigos semanais publicados no portal, dando visibilidade aos arquivos de imagem das instituições parceiras, ora disponibilizados na Brasiliana Fotográfica e também às pesquisas existentes sobre estes temas – elementos de reflexão sobre o momento presente. O encontro virtual será disponibilizado on-line ao vivo para o público, gratuitamente, no canal de facebook do Instituto Moreira Salles -  https://www.facebook.com/pg/institutomoreirasalles, no dia 17 de abril de 2020, às 17h30m.

 

 

Convidamos para este encontro e debate o historiador Jaime Benchimol, a pneumologista Margareth Dalcolmo – ambos pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, instituição integrante do portal Brasiliana Fotográfica – e o arquiteto e urbanista Guilherme Wisnik, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. O debate será mediado pelos dois curadores da Brasiliana Fotográfica – Sérgio Burgi, Coordenador de Fotografia do Instituto Moreira Salles, e Joaquim Marçal, Coordenador da BN Digital -, e pela historiadora Aline Lopes de Lacerda, pesquisadora do Departamento de Arquivo da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.

 

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Queremos também celebrar o aniversário do portal agracedendo a você, nosso leitor, que percorre nosso acervo fotográfico que, até o momento, possui 6.709 imagens de 11 instituições, e também lê nossas publicações semanais: já são 249! Ao longo desses cinco anos já tivemos 38.437.165 acessos!

Com uma rigorosa seleção e indexação das imagens que integram nosso acervo fotográfico, com o uso de uma linguagem simples e com a realização de uma pesquisa minuciosa, um dos objetivos da Brasiliana Fotográfica é atrair o interesse do maior número de leitores possível, de todas as faixas etárias e níveis de formação acadêmica, para assuntos relativos à história da fotografia, do Brasil e do mundo. Os artigos, semanais, são escritos por profissionais ligados às instituições integrantes do portal,  por curadores convidados como Cassio LoredanoElvia BezerraEucanaã FerrazLilia Moritz SchwarczMaria Isabela Mendonça dos SantosMillard SchislerPedro Karp Vasquez e Rubens Ribeiro Gonçalves da Silva e também pelos curadores do portal Sérgio Burgi (IMS) e Joaquim Marçal (FBN).

 

Acessando o link para as 6.709 fotografias publicadas ao longo desses cinco anos na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

A escolha dos temas é variado: pode ser baseada tanto em uma efeméride como em uma reflexão mais teórica, na beleza ou na importância histórica de uma imagem ou de um grupo delas ou pode, também, se relacionar com algum fato da atualidade como foi, por exemplo, a publicação do artigo E o ex e futuro presidente do Brasil morreu de gripe…a Gripe Espanhola de 1918, em 20 de março de 2020, quando o mundo e o Brasil enfrentavam (ainda enfrentam) a pandemia do coronavírus. O presidente em questão foi Rodrigues Alves (1848 – 1919), uma das milhões de vítimas da gripe espanhola.

 

 

A elaboração de perfis de fotógrafos acompanhados por galerias de suas fotografias disponíveis no acervo do portal e por cronologias é uma das marcas da Brasiliana Fotográfica. E uma das estrelas das pesquisas realizadas para esses artigos é, além da bibliografia disponível sobre os temas, a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, com os links para as notícias da época em que os fatos ocorreram. De abril de 2015 a março de 2020, foram publicados 44 perfis, o primeiro, Militão Augusto de Azevedo (1837 – 1905) e sua obra-prima, o “Álbum comparativo da cidade de São Paulo 1862-1887″, em 24 de maio de 2015; e o último, As Camélias Japonesas no carnaval de Alagoas pelas lentes do fotógrafo amador Luiz Lavenère Wanderley (1868 – 1966), em 21 de fevereiro de 2020.

 

 

Lista de todos os perfis de fotógrafos publicados na Brasiliana Fotográfica de abril de 2015 a março de 2020 

2015

 1 – Militão Augusto de Azevedo (1837 – 1905) e sua obra-prima, o “Álbum comparativo da cidade de São Paulo 1862-1887″

2 – O alemão Alberto Henschel (1827 – 1882), o empresário da fotografia

3 O alagoano Augusto Malta, fotógrafo oficial do Rio de Janeiro entre 1903 e 1936

4Vincenzo Pastore (Casamassima, Itália 5 de agosto de 1865 – São Paulo, Brasil 15 de janeiro de 1918)

5 - Alagoas, Bahia, Minas Gerais e Sergipe por Augusto Riedel (1836 -?)

6 – Guerra de Canudos pelo fotógrafo Flavio de Barros

7 – O editor e fotógrafo suíço Georges Leuzinger (1813 – 1892)

8 – Imagens do Espírito Santo por Albert Richard Dietze (Alemanha, 1838 – Brasil, 1906)

2016

9 – O fotógrafo francês Jean Victor Frond (1821 – 1881) e o “Brasil Pitoresco”

10 – O suicídio do fotógrafo Felipe Augusto Fidanza (c. 1847 – 1903)

11 – Ipanema, que completa 122 anos, pelas lentes de José Baptista Barreira Vianna (1860 – 1925)

12 - Notícia da viagem do fotógrafo Albert Frisch (31/05/1840 – 30/05/1918) à Amazônia

13 - O fotógrafo Juan Gutierrez de Padilla (c.1860 – 28/6/1897)

14 – O fotógrafo paisagista Camillo Vedani (18?, Itália – c. 1888, Brasil)

15 - O fotógrafo amador Guilherme Santos (1871 – 1966)

16 – Revert Henrique Klumb, o fotógrafo da família real do Brasil

17 – O retratista português Joaquim Insley Pacheco (c. 1830 – 14 de outubro de 1912)

18 – O fotógrafo Augusto Stahl (Itália 23/05/1828 – França, 30/10/1877)

19 – O brilhante cronista visual Marc Ferrez (RJ, 07/12/1843 – RJ, 12/01/1923)

2017

20- São Paulo sob as lentes do fotógrafo Guilherme Gaensly (1843 – 1928)

21 – Os trinta Valérios, uma fotografia bem-humorada de Valério Vieira (1862 – 1941) 

22- Os índios sob as lentes de Walter Garbe, em 1909 

23 - Abram-Louis Buvelot (Suíça, 03/03/1814 – Austrália, 30/05/1888) 

24 – Um fotógrafo inglês na Bahia: Benjamin Robert Mulock (18/06/1829 – 17/06/1863) 

25 - “Sete de Setembro: uma ponte entre dois maurícios”, por Pedro Vasquez

26 – Lampião e outros cangaceiros sob as lentes de Benjamin Abrahão 

27 – O cronista visual de Diamantina: Chichico Alkmim, fotógrafo (1886 – 1978)

28 - O fotógrafo austríaco Otto Rudolf Quaas e o construtor Ramos de Azevedo

29 –  O fotógrafo português Francisco du Bocage (14/04/1860 – 22/10/1919)

30- O fotógrafo Joaquim Pinto da Silva, o J. Pinto (1884-1951) e a Fundação Oswaldo Cruz

31 – O fotógrafo português José Ferreira Guimarães (1841 – 30/01/1924)

 2018

 32 – A construção Madeira-Mamoré, a ferrovia da Morte”, pelas lentes de Dana B. Merrill (c. 1887 – 19?)

33- O fotógrafo, botânico e naturalista alemão George Huebner (1862 – 1935)

34 - O francês Hercule Florence (1804 – 1877), inventor de um dos primeiros métodos de fotografia do mundo

35 - Lunara (1864 – 1937), um fotógrafo amador e fotoclubista de Porto Alegre

36 - O fotógrafo açoriano Christiano Junior (1832 – 1902) e sua importante atuação no Brasil e na Argentina

37 - A prisão do fotógrafo e aviador britânico S.H. Holland (1883 – 1936) no Rio de Janeiro, em 1930

2019

38 - Carlos Bippus e as paisagens cariocas

39 - Nudez na Galeria Ducasble causa polêmica no Recife do século XIX

40 - João Ferreira Villela, um dos primeiros fotógrafos pernambucanos

41 - Imagens de Blumenau: por Bernardo Scheidemantel e em álbum do início do século XX

42 - A Colônia Dona Francisca, Joinville, por Louis Niemeyer

43 – Jorge Kfuri (1893 – 1965), autor das primeiras fotografias aéreas do Rio de Janeiro

2020

44 - As Camélias Japonesas no carnaval de Alagoas pelas lentes do fotógrafo amador Luiz Lavenère Wanderley (1868 – 1966)

 

 

Dentre esses perfis está o do fotógrafo Marc Ferrez, O brilhante cronista visual Marc Ferrez (7/12/1843 – 12/01/1923), publicada em 7 de dezembro de 2016.

 

 

Sobre a obra de Ferrez, que é por muitos considerado o mais importante fotógrafo que atuou no Brasil no século XIX, foram escritos mais 13 artigos na Brasiliana Fotográfica: O Rio de Janeiro de Marc Ferrez, Obras para o abastecimento no Rio de Janeiro por Marc Ferrez , Do natural ao construído: O Rio de Janeiro na fotografia de Marc Ferrez, de Sérgio BurgiNo primeiro dia da primavera, as cores de Marc Ferrez (1843 – 1923)Marc Ferrez , a Comissão Geológica do Império (1875 – 1878) e a Exposição Antropológica Brasileira no Museu Nacional (1882)O quiosque Chopp Berrante no Passeio Público, Ferrez, Malta e Charles DunlopUma homenagem aos 175 anos de Marc Ferrez (7 de dezembro de 1843 – 12 de janeiro de 1923)Pereira Passos e Marc Ferrez: engenharia e fotografia para o desenvolvimento das ferrovias, Fotografia e ciência: eclipse solar, Marc Ferrez e Albert Einstein, Uma homenagem da Casa Granado ao imperial sob as lentes de Marc Ferrez, Ressaca no Rio de Janeiro invade o porão da casa do fotógrafo Marc Ferrez, em 1913 e Petrópolis, a Cidade Imperial, pelos fotógrafos Marc Ferrez e Revert Henrique Klumb.

Outro objetivo do portal é divulgar mais questões ligadas à preservação digital, um assunto que toca não apenas às instituições de memória, mas a todos aqueles que produzem imagens digitais em seu dia a dia sem, no entanto, cuidar de sua preservação. Nesse sentido, já publicamos alguns artigos mas ainda temos muito a percorrer. Também desejamos ampliar a abrangência do portal com a adesão de instituições de todos os estados do Brasil.

Ainda em seu primeiro ano, no blog do portal, tivemos uma publicação de relevância histórica: a presença de Machado de Assis (1839 – 1908) na fotografia da Missa Campal pela comemoração da abolição da escravatura (de autoria de Antonio Luiz Ferreira), realizada em 17 de maio de 1888, no Campo de São Cristóvão, com a presença da princesa Isabel. A descoberta, realizada pela editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, Andrea Wanderley, foi saudada em outra publicação do blog pelo historiador José Murilo de Carvalho.

 

 

Os registros mais acessados pelos leitores nesses cinco anos foram as fotografias Missa campal celebrada em ação de graças pela Abolição da escravatura no Brasil, de Antonio Luiz Ferreira; Índios Botocudos, de Walter Garbe; Escola pública em Curytiba, de Marcos A. de Mello; A Família Imperial reunida, de Alberto Henschel; e Índios da Tribo Carajás, de autoria desconhecida.

 

 

Além das instituições fundadoras do portal, FBN e IMS, integram a Brasiliana Fotográfica o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, o Arquivo Nacional, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, a Fiocruz, a Fundação Joaquim Nabuco, o Leibniz-Institut fuer Laenderkunde, o Museu Aeroespacial, o Museu da República e o Museu Histórico Nacional. A gestão do portal é realizada por Roberta Zanatta (IMS) e por Vinicius Martins (FBN).

 

Mais uma vez, muito obrigada e vamos em frente!

 

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

PHOTO FINISHED – A preservação, ou não, de fotografias digitais

A abordagem do tema preservação digital da fotografia na Brasiliana Fotográfica tem como objetivo fomentar a discussão e a conscientização sobre o ‘estado da arte’ quanto ao assunto. O professor Millard Schisler vem acompanhando este campo desde os seus primórdios, há cerca de duas décadas, e cumprindo destacado papel no ensino de estratégias e melhores práticas. O portal publica hoje o artigo PHOTO FINISHED – A preservação, ou não, de fotografias digitais, de sua autoria. “Um dos problemas de pensar a fotografia nativo digital, que nasce digitalmente, é que ela se materializa nas nossas telas, e em outros dispositivos, mas em sua essência é composta de informação ou dados digitais, zeros e uns, interpretados por códigos de softwares e armazenados em hardware/dispositivos digitais – são dados digitais, informações digitais e podem existir da mesma forma em muitos lugares distintos e ao mesmo tempo. A fotografia antes disto, que sempre foi somente fotografia e agora ganhou o adjetivo de analógica, reside nos objetos que lhe deram origem como negativos ou cópias em papel fotográfico – a imagem pode ser vista sem a necessidade de mediação de software, conectores e hardware. E por mais que tenhamos que cuidar das fotografias analógicas, as digitais é que correm mais perigo de sumir devido à essa fragilidade dos sistemas que a compõem. Elas estão por toda parte, e ao mesmo tempo, em nenhuma parte”.

PHOTO FINISHED – A preservação, ou não, de fotografias digitais

Millard Schisler

Anúncio da RadioShack no jornal Democrat and Chronicle,  Rochester, New York, maio de 2003, reprodução de Millard Schisler

Anúncio da RadioShack no jornal Democrat and Chronicle,
Rochester, New York, maio de 2003, reprodução de Millard Schisler

 

Em 2003 eu vi este anúncio que faz um trocadilho em inglês de acabamento da foto, photo finishing, com photo finished, ou seja, acabou a foto. Neste anúncio vemos rolos e caixas de filme jogadas dentro de um cesto de lixo, e um texto em cima deste “lixo” todo dizendo “Porque confiar em uma tecnologia velha de 140 anos para as suas fotos?”. Certamente os arquivos nativos digitais realizados naquele ano não devem mais existir, restando somente os “velhos” filmes feitos neste mesmo ano. 

Mas, de alguma forma a fotografia acabou. Grant Romer, um dos historiadores e conservadores de fotografia mais respeitados, afirma em três artigos que escreveu para o Getty Conservation Institute (1) que “…o espichamento e embaçamento da definição de “fotografia” é um resultado direto da evolução da imagem eletrônica…”, e “…os que advogam pelo “Progresso” apontam que a tecnologia fotográfica sempre se transformou desde sua introdução comercial em 1839. Um processo sucumbiu a outro, um após o outro. O que estamos passando agora, dizem, é somente o “fechamento de um outro capítulo na história da fotografia”. Mas, é importante considerar que este pode ser o último capítulo no livro.” Em 2013, Stuart Jeffries escreve um artigo The death of photography: are camera phones destroying an art form? (2). Nele ele conversa com Antonio Olmos, um renomado fotógrafo mexicano que diz “…é muito estranho. A fotografia nunca esteve tão popular, mas está sendo destruída. Nunca houve tanta fotografia sendo feita, mas a fotografia está morrendo…” Stephen Mayes comenta no artigo The Next Revolution in Photography is Coming (3) de 2015, que “É hora de parar de falar de fotografia. Não é que a fotografia está morta, como muitos dizem, é que ela se foi”. Em entrevista para a France Press em 2016, Sebastião Salgado diz “A fotografia não é imagem. Estamos em um processo de eliminação da fotografia. Hoje temos imagens, mas não fotografias (4). Continua, “A fotografia precisa se materializar, precisa ser impressa, vista, tocada...”. Um ano depois, afirma que a fotografia …agora mais do que nunca, tem um longo futuro pela frente (5). Sem saudosismos, estas duas frases citadas do Salgado demonstram o nível de confusão deste período de transformação sobre como vemos a fotografia e para onde ela está indo.

Em francês, a fotografia digital é la photographie numérique, que designa a fotografia binária, com números. Em inglês, muitas vezes nos referimos à ideia de um picture, um retrato, foto ou imagem. Podemos também usar fotografia digital, imagem digital, imagem eletrônica, ou info-imagem. Falamos também em fotografia computacional, processando os dados de sensores em combinações algorítmicas, criando novos tipos de imagens. Creio que podemos concordar que algo mudou, se transformou, mas o que não mudou é que continuamos a produzir um monte, cada vez mais, disto que temos dificuldade de definir. 

Um dos problemas de pensar a fotografia nativo digital, que nasce digitalmente, é que ela se materializa nas nossas telas, e em outros dispositivos, mas em sua essência é composta de informação ou dados digitais, zeros e uns, interpretados por códigos de softwares e armazenados em hardware/dispositivos digitais – são dados digitais, informações digitais e podem existir da mesma forma em muitos lugares distintos e ao mesmo tempo. A fotografia antes disto, que sempre foi somente fotografia e agora ganhou o adjetivo de analógica, reside nos objetos que lhe deram origem como negativos ou cópias em papel fotográfico – a imagem pode ser vista sem a necessidade de mediação de software, conectores e hardware. E por mais que tenhamos que cuidar das fotografias analógicas, as digitais é que correm mais perigo de sumir devido à essa fragilidade dos sistemas que a compõem. Elas estão por toda parte, e ao mesmo tempo, em nenhuma parte.

 

Comparativa

Fotografia de Millard Schisler, guarda de objetos versus guarda de informação

 

A produção cada vez maior e incessante desta informação digital é gerada principalmente por meio de câmeras de celulares, que representam, de acordo com estudo da InfoTrends, pelo menos 85% das imagens feitas em 2017 . Os números são estratosféricos – mais de um trilhão de fotografias produzidas em 2017. As estimativas são de que desde o início comercial da fotografia em 1839 até o ano 2000 chegamos a cerca de 100 bilhões de fotografias produzidas. Hoje produzimos facilmente mais do que 10 vezes desta quantidade por ano, com tendências crescentes. Estes números estão além da nossa capacidade de digestão visual. Estima-se que a nossa cultura produziu em torno de 5 trilhões de imagens até 2017, com um acréscimo anual agora de mais de 1 trilhão. 

Eu já fiz estas contas e você pode fazê-las também, mas se você tivesse a tarefa de visualizar estas imagens, uma por segundo, descansando 10 minutos por hora, e fazendo isto 7 horas por dia, 20 dias por mês, durante 11 meses do ano – pelo menos um mês de férias para descansar a vista – você veria 4.62 milhões de imagens neste primeiro ano. Após um milhão de anos neste processo você terá visto quase a totalidade da produção de imagens até 2017, de 4,9 trilhões. Será fundamental deixar um bilhete avisando onde você parou antes de morrer. Mas o problema é que em 2018  serão despejadas mais de um trilhão de novas imagens nesta conta. 

 

Creio que todos podemos concordar que a quase totalidade destas imagens não deva ser preservada e pode se perder sem prejuízos para a nossa cultura. Em matéria da CNN (6) de 2015, estima-se que há em torno de 6,5 bilhões de fotografias de gatos na internet. Existe um efeito efêmero nesta produção – eu comparo isto ao ditado conhecido mas com viés para o olhar: “O que entra por um olho, sai pelo outro”. Mal conseguimos lembrar de imagens que vimos dias atrás – já estão soterradas, há muito tempo. Me lembra uma imagem de autoria desconhecida, produzida em torno de 1950, de um dos primeiros ambientalistas, Howard Cleaves, no aterro sanitário Fresh Kills, em Staten Island, do lado de Nova Iorque. Todo dia despejamos toneladas de imagens neste grande lixão visual, que, como um lixão, também contém sua cota de preciosidades – a produção de hoje soterra a produção de ontem. E assim por diante. Mas então o que preservar? Como devemos direcionar os nossos esforços? O que deve sobreviver, vir à tona, ser resgatado, selecionado?

Anônimo. c. 1950. Nova Uork, Estados Unidos

Anônimo. Howard Cleaves no aterro sanitário Fresh Kill c. 1950. Staten Island, Estados Unidos

 

Este não é um problema novo. Em uma conversa com Grant Romer alguns anos atrás, discutíamos estas questões da preservação das fotografias digitais. Grant foi para sua biblioteca e trouxe o primeiro dicionário de fotografia de E. J. Wall. Ele tinha a primeira edição de 1902. Ao folhear o dicionário, procurando a palavra Fading, esmaecimento, ele leu:

Esmaecimento: O pior de todos os males para o qual negativos e cópias boas e interessantes estão sujeitos; mas em outros casos, um benefício para a humanidade.

 

Reprodução de Millard Schisler, 10ª edição de 1920

Reprodução de Millard Schisler, 10ª edição de 1920

 

Este texto surge na época Kodak do boom de produção de imagens da câmara Brownie e filme de rolo – “Você aperta o botão, a gente faz o resto”. Sistemas simples que qualquer um poderia usar, até crianças e mulheres, como vemos nas propagandas de época. Curioso que praticamente cem anos depois também vivemos um outro tipo de boom de produção de imagens, a partir de celulares – mas agora você aperta o botão e é você que faz o resto. 

Uma outra visão pode vir da entrevista feita pelo Cassiano Viana em 2016 (7) com a mexicana Mayra Mendoza, então subdiretora da Fototeca Nacional do Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH) do México. A Mayra nos dá uma luz:

“Em primeiro lugar, eu faria uma distinção entre imagem e fotografia. Hoje em dia, todos somos fazedores de imagens, já que uma grande quantidade da população mundial tem acesso a uma câmera, em um dispositivo móvel, em smartphones. Mas isso não quer dizer que todos somos fotógrafos. A fotografia, para além da câmera, implica um ofício e, sobretudo, uma intenção. A função social da imagem se cumpre ao poder compartilhá-la com um público cada vez mais amplo e que produz milhões de imagens diariamente publicadas nas redes sociais. No entanto, em termos de fotografia, apenas algumas transcendem a proposta visual de quem gera essa imagem.” 

Será que neste contexto, podemos pensar em salvar as fotografias e deixar as imagens sucumbirem à efemeridade ou à vida nas redes sociais, preservadas ou não pelos sistemas proprietários onde residem? As que queremos salvar vamos ter que preservar ativamente para garantir o seu acesso para esta e para próximas gerações. Este universo de imagens está além de nosso alcance e não poderemos visualizá-lo em sua totalidade para fazermos nossas triagens e decisões daquilo que consideramos importante. Estas imagens fazem parte do Big Data e só podem ser processadas e vasculhadas em sua complexidade por sistemas e programas. Um caminho pode ser a criação de algoritmos baseados em critérios estabelecidos para realizar o trabalho de seleção e preservação.

Vivemos em um período de extraordinárias mudanças. A fotografia sempre foi uma ferramenta da classe dominante – com acesso à tecnologia e educação para utilizá-la e com recursos para financiar sua realização. Agora podemos ter registros cotidianos sendo feito pelos próprios personagens que os vivenciam – não mais necessitamos de fotógrafos de fora. Grupos, culturas, regiões, povos, famílias, todos, fazendo sua própria documentação. Esta produção imagética é importante preservar, pois ela conta uma história por uma narrativa do agente e ela é feita praticamente na sua integridade, de forma digital. Tenho que citar três artigos (8) de muita importância escritos por duas repórteres de O Globo em, 2012, Maiá Menezes e Tatiana Farah. Neles estas questões são abordadas de forma muito interessante com três casos distintos e parecidos ao mesmo tempo, apontando a tanto a relevância desta produção como a sua fragilidade.

Resta entender como faremos este trabalho de peneirar este universo imagético na busca da guarda do que faz sentido preservar. Deixaremos para cada grupo ou indivíduo a responsabilidade de cuidar de sua própria produção? Cuidar de dados digitais não só exige um grau de conhecimento como também um constante cuidado com recursos humanos e financeiros, mão de obra especializada e compra contínua de equipamentos para realizar esta guarda. A produção pode ter se democratizada, mas o armazenamento a longo prazo não. A única opção para a grande maioria que não se enquadra em uma preservação digital intencional é considerar o YouTube, o Facebook, o Instagram, entre outros, como sendo os repositórios digitais para preservar a sua produção. Por outro lado, muitas imagens digitais acabam em Dark Data – material coletado, processado, armazenado e preservado mas não distribuído, postado ou utilizado para outras finalidades, ou seja, material em estado latente, e com grande risco de não sobreviver. Podemos pensar até em uma analogia com rolos de filmes fotografados, com uma imagem latente gerado pela exposição, mas nunca revelados.

Quando pensamos em preservação a longo prazo, pensamos em 100 anos, ou duas gerações de trabalho ativo. Isto significa que a minha geração irá cuidar e educar/criar uma outra geração que fará o mesmo, assim garantindo pelo menos uns 100 anos de preservação. A próxima geração fará o mesmo e assim por diante. Teremos as redes sociais de hoje daqui 50 anos? 

Mas, para um programa intencional de preservação de fotografias digitais, teremos que fazer escolhas, seleção, e ter um papel ativo no que deva ser preservado. Isto certamente passa por um crivo editorial ou institucional, voltado para a missão de quem está fazendo este processo de seleção e guarda. David Rosenthal comenta no post em seu blog de maio de 2012, intitulado Lets Just Keep Everything Forever in the Cloud (9), que não temos como guardar tudo:

“Então vamos ter que jogar coisas fora. Mesmo se acreditarmos que guardar coisas é muito barato, ainda é muito caro. A má notícia é que decidir o que guardar e o que jogar fora não é de graça. Ignorar o problema acarreta no custo de manter os dados; lidar com o problema acarreta no custo de decidir o que jogar fora. Podemos estar em uma situação ruim de não poder arcar com os custos de manter ou jogar fora os dados que geramos. Talvez seja necessário pensar com mais cuidado, antes de mais nada, sobre a geração dos dados. É claro, que pensamentos assim também não são sem custo.” 

É interessante que o David menciona sempre a questão do custo. Um outro David, o David Giaretta, cita em uma de suas publicações de 2008, Advanced Digital Preservation (10), que a preservação digital é algo muito fácil de se fazer, desde que você possa ter muito dinheiro para sempre. 

A publicação Dilema Digital, de 2007 (11), já aponta para a questão do custo, demonstrando que a guarda de produções cinematográficas em película, filmes em rolo, é em torno de 10 vezes mais barato do que a guarda de uma mesma produção realizada inteiramente de forma digital. Guardar objetos é muito mais simples e barato do que guardar informação! Infelizmente, muitas instituições no Brasil e no mundo ainda batalham para obter recursos para conseguir cuidar de forma adequada de suas coleções de objetos. Enquanto isso, o empilhamento de dados digitais continua ano a ano. 

O Instituto Americano de Conservação (AIC), publicou um livro (12) em 2011 sobre fotografia digital e documentação em conservação, e em um dos capítulos fala sobre cinco etapas fundamentais para a preservação de fotografias digitais.

  1. Usar formatos de arquivos sustentáveis
  2. Organizar os dados digitais, inserir metadados para descrevê-los
  3. Fazer os backups e migração dos dados
  4.  Processos contínuos de verificação da integridade dos arquivos
  5. Imprimir material selecionado/editado em processos mais permanentes 

Estes cinco itens representam uma versão simplificada e resumida do processo e entendemos hoje que a preservação digital não é garantida somente com backups, e guardar não resolve se não há acesso. Temos que pensar na difusão. Fotografias digitais catalogadas devem ser disponibilizadas em sistemas de banco de imagens para consulta e pesquisa. Este uso é o que dará sentido e vida às coleções e inserção no cotidiano das pessoas. Será o combustível para a própria manutenção e ampliação destes acervos digitais. Se não for disponibilizado e usado de forma eficiente, um arquivo vira um arquivo morto. Será complicado procurar formas de financiamento para a manutenção de um arquivo morto. 

É muito interessante ver o quinto item sobre impressão como forma de preservação de fotografias digitais. Da mesma forma que encontramos cópias em coleções e na maioria dos casos não temos os negativos que os geraram, também aumentam as chances de preservação dos arquivos digitais quando materiais editados são impressos em suportes estáveis que possam ser armazenados em acervos climatizados. Publicar livros também é uma forma de consolidar um trabalho de milhares de imagens. A impressão não substitui a preservação das fotografias digitais, é um complemento a esta preservação.

Acho que o nosso desafio atual pode se resumir no conceito e analogia criado na Memory Waka Research Group (13) da Massey University da Nova Zelândia. Waka é uma canoa Maori. Waka também possui outros significados, como um receptáculo dos tesouros de um chefe, o waka huia, contendo seus pertences valiosos incluindo penas premiadas. Waka também se refere a um grupo de pessoas de um mesmo parentesco. Metaforicamente, o Memory Waka é um recipiente da humanidade, de ideias e cultura. É também, literalmente, uma forma de viagem para pessoas aliadas a uma causa comum, remando na mesma direção. Assim, o nosso Waka da memória é que deve carregar nossas imagens preciosas para serem preservadas, vistas e valorizadas pelas gerações atuais e futuras.

 

Waka

 

 

*Millard Schisler é fotógrafo e educador com MFA­‐Mestrado em artes visuais no Visual Studies Workshop, Rochester New York. Lecionou no School of Photographic Arts and Sciences e School of Print Media no Rochester Institute of Technology de 1995 a 2006. Também em Rochester, cursou e depois lecionou no curso de preservação fotográfica do George Eastman House de 1996 a 1998. Trabalha com a preservação de acervos analógicos e digitais, digitalização, tratamento e impressão de imagens e produção de livros, e processos históricos fotográficos. Defende a importância dos fotógrafos conhecerem todas as etapas e ferramentas de produção de livros para poder produzir os seus próprios livros como também ter uma maior interlocução com outros membros de equipe em projetos maiores.

     

       Referências

  1. The Getty Conservation Institute, Module 3, Technical notes, textos de Grant Romer, What is a Photograph; What was Photography; Why Conserve Photographs.
  1. The death of photography: are camera phones destroying an art form?
  1. The Next Revolution of Photography is Coming
  1. Sebastião Salgado prevê fim da fotografia ‘em 20 ou 30 anos’, 2016 
  1. Sebastião Salgado afirma: “a fotografia não está acabando”, 2017 
  1. Matéria da CNN 
  1.  Entrevista com Mayra Mendoza 
  1. Maiá Menezes e Tatiana Farah, O Globo, 04/11/2012     

Barateamento de celulares e câmeras revoluciona forma como classe C, D e E registram dia a dia

Proliferação de imagens esbarra no caos e em problemas de HD

Com celulares à mão, índios, agricultores e cabeleireiras retratam pela 1ª vez suas famílias

  1. DSHR’s Blog, do David Rosenthal
  1. Advanced Digital Preservation, David Giaretta
  1.  The Digital Dilemma
  1. The AIC Guide to Digital Photography and Conservation Documentation, 2011
  1. The Memory Waka, Memory Connection Journal