O assunto do sexto artigo da Série 1922 – Hoje há 100 anos e do décimo pri artigo da série Feministas, graças a Deus, é a fundação, em 9 de agosto de 1922, da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), iniciativa vinculada ao movimento sufragista internacional, principal objetivo do feminismo no início do século XX. As outras reivindicações feministas eram, em resumo, a igualdade entre os sexos e a independência da mulher. A existência da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino foi fundamental para o processo de emancipação das mulheres no Brasil.
Ainda em 1922, em dezembro, a FBPF promoveu o I Congresso Internacional Feminista no Rio de Janeiro e recebeu a medalha de ouro na Exposição Internacional do Centenário da Independência (Revista da Semana, 2 de julho de 1932). Bertha Lutz (1894 – 1976), Carmen Portinho (1903 – 2001), Jeronyma Mesquita (1880 – 1972) e Stella de Carvalho Guerra Duval (1879 – 1971) foram algumas das fundadoras da entidade, que sucedeu a Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher e a Liga pelo Progresso Feminino. Eram mulheres com excelente escolaridade e conheciam as direções dos movimentos feministas tanto na Europa como nos Estados Unidos.
Bertha Lutz, cuja biografia confunde-se com a história da FBPF, e Stella de Carvalho Guerra Duval foram designadas presidente e vice-presidente, respectivamente; a secretaria geral coube a Valentina Biosca (? -?) e a segunda secretaria a Esther Salgado Monteiro (?-?). A tesouraria ficou a cargo de Corina Barreiros (? -?) e a escritora Júlia Lopes de Almeida (1862 – 1934) foi eleita presidente de honra da federação.
Em seu início, as reuniões da FBPF ocorriam nas residências das sócias, já que a entidade não tinha sede própria. Sua primeira sede ficava na avenida Rio Branco, 117 (Revista da Semana, 2 de julho de 1932).
No fim dos anos 20, a FBPF reunia várias associações profissionais de mulheres e possuía núcleos em vários estados, com destaque para os de Alagoas, sob a direção de Lili Lages (1907 – 2003), primeira mulher eleita deputada da Assembleia Legislativa de Alagoas, em 1934; da Bahia, dirigido por Maria Luísa Dória Bittencourt (1910 – 2001), primeira deputada estadual da Bahia, em 1935; de Minas Gerais, pela advogada Elvira Kommel (1906 – 1932); e de Pernambuco, por Nícia Sá Pereira.
Houve, durante os cerca de 15 anos da entidade, uma cisão, em 1930, devido a divergências entre Bertha Lutz e a advogada gaúcha Natércia da Cunha Silveira (1905 – 1993) em relação a questões de engajamento partidário. Natércia saiu da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e fundou a Aliança Nacional de Mulheres, no Rio de Janeiro, em 30 de janeiro de 1931. A entidade era mobilizada pelo tema do trabalho e foi registrada em 7 de março do mesmo ano.
A FBPF liderou conquistas como a criação da União Universitária Feminina, em 13 de janeiro de 1929, sob a presidência de Carmen Portinho (1903 – 2001); as leis de proteção à mulher e à criança; o ingresso de meninas no Colégio Pedro II, a equiparação da Escola Normal aos cursos secundários oficiais e o voto feminino.
O Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 instituiu o Código Eleitoral Provisório e reconheceu o direito de voto às mulheres.
Com a instauração do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, Bertha Lutz foi se afastando da FBPF e a entidade perdeu sua força. Em 1940, a escritora e declamadora Maria Sabina de Albuquerque (1898 – 1991) passou a presidi-la.
Pequeno perfil de algumas das fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino
Bertha Lutz (1894 – 1976) foi um dos principais nomes do feminismo no Brasil. Em 1932, foi uma das duas mulheres nomeadas para integrar a comissão para elaborar o ante-projeto da nova Constituição – a outra foi a advogada Natércia da Cunha Silveira (1905 – 1993).
Em 1936, Bertha, bióloga por formação, assumiu o mandato de deputada na Câmara Federal. Sempre ocupou importantes cargos públicos, dentre eles a chefia do setor de Botânica do Museu Nacional, cargo no qual se aposentou em 1964. Em agosto de 1965, recebeu o título de professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua vida sempre esteve ligada à ciência e à luta pela emancipação da mulher. Nasceu em São Paulo, em 2 de agosto de 1894, filha da enfermeira inglesa Amy Marie Gertrude Fowler (1869 – 1922 ) e do cientista e pioneiro da Medicina Tropical, Adolpho Lutz (1855 – 1940). Faleceu no Rio de Janeiro, em 16 de setembro de 1976.
Carmen Velasco Portinho (1903 – 2001) nasceu em Corumbá, no Mato Grosso, em 26 de janeiro de 1903, e foi uma militante das causas feministas como o sufrágio feminino, além de ativista pela educação das mulheres e pela valorização do trabalho feminino fora da esfera doméstica, tendo sido uma das primeiras mullheres a se formar em Engenheira Civil (1925) e a primeira a obter o título de urbanista (1939) no Brasil.
Sempre na vanguarda, foi uma mulher graciosa, cheia de energia, culta, inteligente, dinâmica, tenaz, considerada simpática e afável. E, segundo a própria, apesar de ter tido uma vida de muito trabalho, sempre se divertiu. Viveu quase todo o século XX, tendo falecido em 25 de julho de 2001.
A enfermeira Jerônima Mesquita (1880 – 1972) e Stella de Carvalho Guerra Duval (1879 – 1971) eram muito amigas e participaram juntas de diversos projetos além da FBPF.
Jerônima era mineira de Leopoldina. Trabalhou como voluntária da Cruz Vermelha na França e na Suíça durante a Primeira Guerra Mundial. Durante a Gripe Espanhola, já de volta ao Brasil, como associada da entidade Damas da Cruz Verde, ao lado de sua mãe, a baronesa do Bonfim, e de sua amiga Stella de Carvalho Guerra Duval, coordenou a assistência às vítimas da pandemia, no Rio de Janeiro, improvisando enfermarias de emergências dentro dos hospitais cariocas. Cerca de 14 senhoras da sociedade carioca faziam parte do grupo Damas da Cruz Verde.
Foi a partir dessa experiência que surgiu o projeto de criação da Pró-Matre, cuja fundação aconteceu na casa da família Duval, em 1º de abril de 1918, com a presença de Jerônima, da promotora cultural e feminista Laurinda Santos Lobo (1878 – 1946) e da escritora e também feminista Maria Eugênia Celso Carneiro de Mendonça (1886 – 1963), dentre outras mulheres, além do ginecologista e obstetra Fernando Magalhães (1871-1944) e do marido de Stella, do fotógrafo amador, barítono e poeta Fernando Guerra Duval (18? – 1959) – casaram-se-se em 1º de dezembro de 1908. Formavam um casal muito popular e frequentavam os salões mais requintados e intelectualizados do Rio de Janeiro, além de terem sido festejados anfitriões de muitas festas e reuniões em seu palacete na rua Barão de Itambi, em Botafogo (O Imparcial, 31 de julho de 1935, terceira coluna; Illustração Brasileira, janeiro de 1939).
Voltando à Pró-Matre. A primeira maternidade foi inaugurada em 9 de fevereiro de 1919, em um casarão na avenida Venezuela, cedido por Venceslau Brás (1868 – 1966), presidente da República. Stella foi tesoureira da entidade por quase vinte anos e sua presidente perpétua (O Paiz, 4 de dezembro de 1908, segunda coluna; O Jornal, 5 de dezembro de 1951, segunda coluna; O Cruzeiro, 12 de novembro de 1955).
Em 1919, Jerônima e Stella com Bertha Lutz, a escritora Maria Eugênia Celso Carneiro de Mendonça (1886 – 1963), a educadora Maria Lacerda de Moura (1887 – 1945), Isabel Imbassahy Chermont, a escritora Júlia Lopes de Almeida (1862 – 1934), Valentina Biosca, Esther Salgado Monteiro e Corina Barreiros criaram a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher. Em 1922, foi substituída pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
Jerônima fundou, em 1920, a Federação das Bandeirantes do Brasil e foi sua primeira presidente, tendo, devido à sua dedicação, sido homenageada com o título de Chefe Fundadora do Movimento Bandeirante brasileiro. Participou também da fundação da Associação Brasileira de Educação (1924) e da criação do Conselho Nacional das Mulheres (1947). Foi uma das pioneiras na luta pelo direito ao voto feminino, participando ativamente do movimento sufragista de 1932.
Em 1926, quando Madame Curie e sua filha, Irène Joliot-Curie (1897 – 1956) visitaram o Brasil, tanto Jerônima como Stella as receberam. Na ocasião, Jerônima presidia o Conselho Nacional de Mulheres (O Paiz, 31 de janeiro de 1926, quarta coluna). A cientista compareceu a uma reunião das senhoras da comissão de recepção organizada pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, na casa da tesoureira da instituição, Stella de Carvalho Guerra Duval (1879 – 1971)(O Paiz, 11 de agosto de 1926, quarta coluna). Houve também uma recepção oferecida pela baronesa de Bonfim (1862-1953) e por Jerônima. Entre os presentes, os ministros Félix Pacheco (1879 – 1935), Miguel Calmon (1879 – 1935) e Edmundo da Veiga (1869 – 1946), o prefeito do Rio de Janeiro, Alaor Prata (1882 – 1964), além de embaixadores, diplomatas, acadêmicos, enfim personalidades importantes de diversos setores da sociedade ( O Paiz, 7 de agosto de 1926, quarta coluna e Revista da Semana, 7 de agosto de 1927). Lembramos que Carmen Portinho e Bertha Lutz eram integrantes da comissão de senhoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino responsável pela programação da cientista e de sua filha, no Rio de Janeiro.
Em homenagem a Jerônima, o dia 30 de abril, data de seu nascimento, em 1880, é o Dia Nacional da Mulher, instituído pela Lei nº 6.791, de 9 de junho de 1980. Faleceu, em 10 de dezembro de 1972, no Rio de Janeiro (Jornal do Brasil, 11 de dezembro de 1971).
Stella de Carvalho Guerra Duval nasceu em 1º de dezembro de 1879 e faleceu em 2 de fevereiro de 1971, no Rio de Janeiro (Jornal do Brasil, 3 de fevereiro de 1971, última coluna).
Andrea C. T. Wanderley
Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica
Fontes:
BARRETO, Maria Renilda Nery. Pro Matre: arquivo e fontes para a história da maternidade no Rio de Janeiro, 2011.
DEL PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres no Brasil. Coordenação de textos de Carla Bassanesi. São Paulo: Contexto, 1997
DEL PRIORI, Mary. História e conversas de mulher. São Paulo: Planeta Brasil, 2014
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
HEYNEMANN, Claudia; RAINHO, Maria do Carmo. Memória das lutas feministas in Brasiliana Fotográfica, 8 de agosto de 2017.
PINTO, Celi Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo (coleção história do povo brasileiro) 2003.
SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Erico Vital (organizadores). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 2000.
Site Mulher 500 anos atrás dos panos
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