O Dia do Advogado e a criação das Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife

O Dia do Advogado (1) é celebrado no dia da criação das duas primeiras faculdades de Direito do Brasil que, além de serem cursos jurídicos, foram também escolas de pensamento onde ideias em torno de temas como o abolicionismo, o conservadorismo e o republicanismo, por exemplo, eram discutidas. Até a década de 1930 o pensamento antropológico, jurídico, histórico, sociológico e a crítica cultural e política era derivada, no Brasil, principamente, dos bacharéis em Direito.

 

 

Em 11 de agosto de 1827, por iniciativa do então ministro da Justiça do Império, o santista José Feliciano Fernandes Pinheiro (1774 – 1847, o visconde de São Leopoldo, foram  criados os “Cursos de Sciencias Jurídicas e Sociaes” por Decreto Imperial de dom Pedro I (1798 – 1834). São as Faculdade de Direito de São Paulo, primeira instituição a integrar a Universidade de São Paulo no momento de sua criação, em 1934, a atual a atual Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), também conhecida por Faculdade de Direito do Largo de São Francisco; e a Faculdade de Olinda, transferida, em 1854, para Recife, a atual Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco.

 

 

Foram criadas em decorrência da proclamação da independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822. As leis vigentes eram até então as leis portuguesas. Com o novo status, o país precisava desenvolver novas leis e ter profissionais que as estudassem.

Registros da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo foram produzidos pelo fotógrafo carioca Militão Augusto de Azeredo (1837 – 1905) e por Frédéric Manoel (18? – ?), e pertencem,  respectivamente, aos acervos fotográficos do Instituto Moreira Salles e da Biblioteca Nacional, fundadoras da Brasiliana Fotográfica. A imagem da Faculdade de Direito, em Pernambuco, foi realizada pelo fotógrafo amador pernambucano Henrique Martins (1864 – 1933) e pertence à Fundação Joaquim Nabuco, parceira do portal.

Militão e Henrique Martins já foram temas de artigos publicados na Brasiliana Fotográfica. Militão foi um dos precursores da documentação da cidade de São Paulo. O Álbum comparativo da cidade de São Paulo 1862-1887, sua obra-prima, foi o primeiro realizado com o objetivo de mostrar as mudanças ocorridas na capital paulista, devido ao progresso. A fotografia da Academia de São Paulo integra este álbum. O trabalho de Militão Augusto de Azevedo é precioso para o estudo da sociedade e da cidade de São Paulo no século XIX, uma referência para historiadores, fotógrafos e estudiosos. Henrique Martins (1864 – 1933) foi um fotógrafo amador com atuação em Pernambuco nas primeiras décadas do século XX, sendo encontradas menções aos seus trabalhos, na imprensa recifense, a partir de 1903.

 

A Faculdade de Direito de São Paulo

 

A abertura do curso jurídico de São Paulo aconteceu em março de 1828 com o discurso do português naturalizado brasileiro José Maria de Avellar Brotero (1798 – 1873), primeiro professor da faculdade de direito em São Paulo, que lecionou direito natural, direito público, análise da constituição do império, direito das gentes, diplomacia, e a partir do segundo ano, direito eclesiástico (O Farol Paulistano, 8 de março de 1828).

 

 

A inauguração e as primeiras aulas aconteceram na antiga sacristia do convento dos Franciscanos que, em 8 de novembro do mesmo ano, entregaram voluntariamente todo o convento.

 

 

Seu primeiro diretor, que ocupou o cargo até 23 de agosto de 1833, foi o tenente-general José Arouche de Toledo Rendon (1756 – 1834), que cedeu seus vencimentos à Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

 

 

Assinaturas dos diretores da Faculdade de Direito de São Paulo de 1827 a 1905

Assinaturas dos diretores da Faculdade de Direito de São Paulo de 1827 a 1905 / São Paulo Antigo e São Paulo Moderno

 

A criação da Faculdade de Direito, que preparava burocratas e políticos para participar na vida pública do país, tornou a cidade de São Paulo em um centro da vida intelectual nacional, uma cidade acadêmica.
Da esquerda para a direita: primeiro estandarte, estandarte em 1906 e estandarte do Antigo Curso Anexo

Da esquerda para a direita: primeiro estandarte, estandarte em 1905 e estandarte do Antigo Curso Anexo / São Paulo Antigo e São Paulo Moderno

 

“Da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco partiram os principais movimentos políticos da História do Brasil, conduzidos por seus estudantes ou egressos, desde o Abolicionismo de Joaquim Nabuco, Pimenta Bueno e Perdigão Malheiro e do Movimento Republicano de Prudente de Moraes, Campos Salles e Bernardino de Campos até a mais recente campanha das Diretas Já!, com Ulysses Guimarães e André Franco Montoro. Ao longo do tempo, dela emergiram presidentes da República, governadores, prefeitos e outras incontáveis autoridades e representantes da Advocacia e da Cidadania.
 
Na fervilhante vida cultural que a Faculdade de Direito introduziu na pequena São Paulo do Século XIX, foi também gestado um sem-número de periódicos, peças teatrais, obras literárias e poéticas, que representam fundamentos da vida intelectual nacional, condensados nas figuras de Álvares de Azevedo, Castro Alves e Fagundes Varella, poetas românticos cujos nomes, gravados em placas de mármore, encimam o portal de entrada da Faculdade”.

 

 

O convento que sediou a Faculdade de Direito foi construído por volta do ano de 1647 e sofreu um incêndio criminoso, em 1880. Foi remodelado em 1886. O prédio passou por uma grande reforma, na década de 1930, sendo mantida a arquitetura dos arcos em seu pátio central, o relógio e a sepultura do alemão Julius Frank (1808 – 1841), que foi professor do Curso Anexo, preparatório para ingresso na faculdade. Frank foi também o fundador, na década de 1830, da Burschenschaft Paulista, a Buchauma sociedade secreta, liberal e filantrópica que que defendia ideias liberais e republicanas da Faculdade de Direito de São Paulo. Alguns de seus participantes mais ilustres foram o Barão de Rio Branco (1845 – 1912) e Rui Barbosa (1849 – 1923), além de diversos presidentes da República, dentre eles Afonso Pena (1847 – 1909) e Rodrigues Alves (1848 – 1919).

Voltando à reforma do prédio. O projeto, representante da própria criação do estilo neocolonial no Brasil, foi do arquiteto e engenheiro português Ricardo Severo da Fonseca e Costa (1869-1940), sucessor de Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851 – 1928). Lembramos aqui que Ramos de Azevedo, o grande construtor de São Paulo entre a virada do século XIX e as primeiras décadas do século XX, teve diversas de suas obras registradas pelo fotógrafo austríaco Otto Rudolf Quaas (c. 1862 – c. 1930).

A trova mais conhecida dos alunos da faculdade é do sergipano Tobias Barreto de Menezes (1839-1889), jurista formado na Faculdade de Recife, e está gravada no Monumento Constitucionalista de 1932, que se encontra no Pateo das Arcadas:

“…quando se sente bater, no peito heroica pancada, deixa-se a folha dobrada, enquanto se vai morrer…”

 

 

A Faculdade de Direito do Recife

 

 

O Curso Jurídico de Olinda originou a Faculdade de Direito do Recife e foi instalado no dia 15 de maio de 1828, no mosteiro de São Bento, funcionando em dependências cedidas pelos monges beneditinos. Quando foi inaugurado aconteceu uma grande solenidade com a presença de autoridades eclesiásicas e civis e a celebração de um Te-Deum em ação de graças. Olinda ficou iluminada durante três dias (Diário de Pernambuco, 31 de maio de 1828). As aulas começaram poucas semanas depois, em 2 de junho. A primeira turma tinha 41 alunos de diferentes estados do Brasil e também de Angola e Portugal. Formaram-se bacharéis em 1832 (Diário de Pernambuco, 2 de setembro de 1832, segunda coluna).

Em 1852, o Curso foi transferido do mosteiro de São Bento para o palácio dos antigos governadores,no alto da Ladeira do Varadouro, em Olinda, que ficou conhecido pelo nome de Academia. Dois anos depois, transferiu-se para o Recife, onde ocupou um casarão na rua do Hospício. Pela inadequação do local, foi apelidado de Pardieiro. Finalmente, em 1912, mudou-se para a Praça Dr. Adolfo Cirne, no bairro da Boavista, onde funciona até hoje. O prédio foi projetado pelo arquiteto francês Gustave Varin (1865 – 1919) e foi construído por José de Almeida Pernambuco. Localiza-se no centro de uma area ajardinada e ocupa uma área de 3.600 metros. Sua pedra fundamental havia sido lançada, em 19 de agosto de 1889, pelo Conde d’Eu (1842 – 1922) (Diário de Pernambuco, 20 de agosto de 1889, penúltima coluna; Jornal de Recife, 21 de agosto de 1889, quarta coluna), e sua construção foi concluída em 1911, ano em que, em 11 de dezembro de 1911, o edifício foi inaugurado. É tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e foi inscrito, em 06 agosto de 1980, no Livro do Tombo Histórico. Além de ser um centro de formação de bacharéis, sempre atuou como uma escola de Filosofia, Ciências e Letras, tornando-se célebre pelas discussões e polêmicas que empolgavam a sociedade da época. 

“Nela nasceu e floresceu o movimento intelectual poético, crítico, filosófico, sociológico e jurídico conhecido como a Escola do Recife, também chamada de “Geração de 1871”, com grande repercussão no Império entre os anos de 1860 e 1880, tendo por líder incontestável o jurista sergipano Tobias Barreto. O movimento se notabilizou pela crítica devastadora ao clericalismo e ao neoescolasticismo vigente nos estudos jurídicos da época, bem como pela introdução da doutrina alemã no pensamento nacional, pela divulgação da obras de autores germânicos até então inéditos na vida intelectual brasileira, como Rudolf Von Jhering”.

Encontra Recife

 

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Alguns de seus ex-alunos notáveis foram: o Barão do Rio Branco, pai da diplomacia brasileira; Joaquim Nabuco, um dos líderes da abolição da escravatura; os ex-presidentes da República Epitácio Pessoa e Nilo Peçanha; os juristas Clóvis Bevilaqua, Tobias Barreto e Ruy Barbosa; o filólogo Aurélio Buarque de Holanda; o jornalista Assis Chateaubriand; os poetas Augusto dos Anjos, Castro Alves, Fagundes Varella, Guimarães Júnior, Carlos Pena Filho e Mauro Mota; os escritores Ariano Suassuna, Franklin Távora, José Lins do Rego e Raul Pompeia; o filósofo Raimundo de Farias Brito; o educador Paulo Freire, os governadores João Pessoa, Marco Maciel e Miguel Arraes; os ensaistas Graça Aranha e Sílvio Romero; o folclorista Câmara Cascudo; o historiador Capistrano de Abreu; o músico Capiba; o crítico literário Álvaro Lins; e o líder revolucionário Francisco Julião.

Em 20 de junho de 1946, foi criada a Universidade do Recife e a Faculdade de Direito e a Faculdade de Medicina do Recife, a Escola de Engenharia de Pernambuco, a Escola de Belas-Artes de Pernambuco e a Escola de Filosofia do Recife passaram a integrá-la (Diário de Pernambuco, 22 de junho de 1946, segunda coluna). Em 1965, a Universidade do Recife se tornaria a Universidade Federal de Pernambuco.

(1) Também é comemorado o Dia do Pendura.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

Arcadas.org.br

BEVILAQUA, Clovis. História da Faculdade de Direito do Recife. 2.ed. Brasília: INL; Conselho Federal de Cultura, 1977.

FERNANDES, Cláudio. 11 de agosto – Dia do AdvogadoBrasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/datas-comemorativas/dia-advogado.htm. Acesso em 28 de dezembro de 2022.

Ipatrimônio

PINTO FERREIRA, Luiz. História da Faculdade de Direito do Recife. Recife: UFPE, Ed. Universitária, 1980.

Portal da Câmara dos Deputados

Portal da Faculdade de Direito da USP

Portal da Faculdade Federal de Pernambuco – Centro de Ciências Jurídicas

São Paulo Antigo e São Paulo Moderno – 1554-1904. São Paulo : Editores Vanorden & Cia, 1905.

Site Encontra Recife

Site Fundação Joaquim Nabuco

SiteInfoEnem

Site Projuris

VIOTTI, Dario Abranches. Conselheiro José Maria de Avellar BroteroRevista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1974.

Wikipedia