Missa Campal de 17 de maio de 1888

 

A pesquisadora e editora-assistente da Brasiliana Fotográfica, Andrea Wanderley*, identificou a presença de Machado de Assis na fotografia da Missa Campal de Ação de Graças pela Abolição da Escravatura realizada no dia 17 de maio de 1888, no Campo de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. O autor da foto foi Antonio Luiz Ferreira.

A identificação de Machado de Assis foi confirmada por Eduardo Assis Duarte, doutor em Teoria da Literatura e Literatura Comparada (USP) e professor da Faculdade de Letras da UFMG , que considerou a fotografia um documento histórico da maior importância. Segundo ele, Machado de Assis teve uma “atitude mais ou menos esquiva na hora da foto, em que praticamente só o rosto aparece, dando a impressão de que procurou se esconder, mas sem conseguir realizar sua intenção totalmente. Atitude esta plenamente coerente com o jeito encolhido e de caramujo que sempre adotou em público, uma vez que dependia do emprego público para viver e eram muitas as perseguições políticas aos que defendiam abertamente o fim da escravidão.”

Eduardo Assis Duarte, que organizou “Machado de Assis afrodescendente” (2007) e a coleção “Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica” (2011, 4 vol.), e é coordenador do Literafro – Portal da Literatura Afro-brasileira, justificou a proximidade de Machado da princesa Isabel. Segundo ele, “Machado foi abolicionista em toda a sua vida e, a seu modo, criticou a escravidão desde seus primeiros escritos. Nunca defendeu o regime servil nem os escravocratas. Além disso, era amigo próximo de José do Patrocínio, o grande líder da campanha abolicionista e, junto com ele, foi à missa campal do dia 17, de lá saindo para com ele almoçar… Como Patrocínio sempre esteve próximo da princesa em todos esses momentos decisivos, é plenamente factível que levasse consigo o amigo para o palanque onde estava a regente imperial. A propósito, podemos ler no volume 3 da biografia escrita por Raimundo Magalhães Júnior :

‘Na manhã de 17 de maio, foi promovida uma grande missa campal, comemorativa da Abolição, em homenagem à Princesa Isabel, que compareceu, e houve em seguida um almoço festivo no Internato do Colégio Pedro II. Terminada a missa, José do Patrocínio foi para sua casa, à rua do Riachuelo, com dois amigos que convidara para almoçar em sua companhia: um deles era Ferreira Viana, ministro da Justiça do Gabinete de João Alfredo. E o outro era Machado de Assis, a quem, aliás, o grande tribuno abolicionista oferecera a carta autógrafa que recebera, em 1884, em Paris, de Victor Hugo.’ (MAGALHÃES JÚNIOR, Vida e obra de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira / INL-MEC, 1981, vol. 3, Maturidade, p. 125).”

O biógrafo, continua Eduardo Assis Duarte, “não diz onde estava Machado durante a missa, mas pode-se concluir perfeitamente que ele compareceu e que estava junto a José do Patrocínio. Daí minha conclusão: se a imagem que aparece na foto não for de Machado, é de alguém muito parecido.”

Segundo Ubiratan Machado, jornalista, escritor, bibliófilo e autor do “Dicionário de Machado de Assis”, lançado pela Academia Brasileira de Letras, a identificação de Machado de Assis na foto foi uma dupla descoberta: “Não há dúvida que se trata do Machado, atrás de um senhor de barbas brancas e mil condecorações no peito. O fato do seu rosto estar um pouco escondido não atrapalha em nada a identificação. É o velho mestre, perto de completar 50 anos. Igualzinho aos dos retratos que conhecemos desta fase de sua vida.  A segunda revelação é a de Machado ter ido à missa de ação de graças, fato até hoje desconhecido pelos biógrafos. A foto tem ainda outra importância: mostrar que ele se preocupava com a libertação dos escravos, acabando de vez com a idiotice de alguns que afirmam ser ele indiferente ao destino da raça negra no Brasil. É a prova visual da alegria embriagadora que ele sentiu com a abolição, como narra em seu conhecido depoimento (Gazeta de Notícias, edição de 14 de maio de 1893, sob o título “A Semana”).

Machado de Assis participou também, no dia 20 de maio de 1888, do préstito organizado pela Comissão de Imprensa para celebrar a Abolição. Na ocasião, ele desfilou no carro do fundador da Gazeta de Notícias, o Sr. Ferreira de Araújo (1848 – 1900) (Gazeta de Notícias, edição de 21 e 22 de maio de 1888, na última coluna) .  Antes dessas festividades, Machado havia sido agraciado com a Imperial Ordem da Rosa, que premiava civis e militares que houvessem se destacado por serviços prestados ao Estado ou por fidelidade ao imperador.

Além disso, em 16 de maio, dia anterior à realização da missa campal, Machado de Assis havia participado de uma homenagem prestada pelos empregados da secretaria de Agricultura e repartições anexas ao conselheiro Rodrigo Silva (1833 – 1889), autor e co-assinante da Lei Áurea, ministro dos Negócios da Agricultura e interino dos Negócios Estrangeiros, integrante do Gabinete de 10 de março de 1888, proferindo as seguintes palavras:

“Todos os vossos empregados que eram vossos amigos agradecidos pela elevação do trato e confiança com que são acolhidos, são hoje vossos admiradores pelo imorredouro padrão de glória a que ligastes vosso nome, referendando a lei que declarou para sempre extinta a escravidão no Brasil” (Gazeta de Notícias, 17 de maio de 1888, na terceira coluna). O conselheiro Rodrigo Silva estava presente à missa campal.

Machado também foi apontado como um dos funcionários da secretaria de Agricultura que muito fizeram em prol da causa da abolição e que “no silêncio do gabinete …dedicaram-se durante anos a velar com solicitude na defesa dos direitos dos escravos, a tirar das leis de liberdade todos os seus naturais corolários, a organizar e tornar efetiva a emancipação gradual pela ação do Estado, a marcar por laboriosas estatísticas o andamento do problema, a estabelecer hermenêutica sã como reguladora dos casos controversos, a saturar a atmosfera, enfim, de princípios fecundos na sua aplicação prática, firmando o corpo de doutrina e, na realidade, sustentando verdadeira propaganda eficacíssima para a aspiração da liberdade”(Gazeta de Notícias, 18 de maio de 1888, na quarta coluna).

MISSA 2

Detalhe da foto

 

 

A Brasiliana Fotográfica convida os leitores a participar do desafio de identificar outras personalidades presentes na foto da solenidade. Abaixo, destacamos na foto e em sua silhueta o grupo em torno da princesa Isabel (1) e do conde D’Eu (2). Machado de Assis é o número 5. Possivelmente o número 7 é José do Patrocínio, atrás de um estandarte e segurando a mão de seu filho, então com três anos. Quem serão os outros?

 

MISSA 2

missa_silhuetas_edit

Numeramos alguns dos presentes, mas a identificação de qualquer pessoa que esteja na fotografia é bem-vinda.

Um pouco da história da foto

A Missa Campal em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, em 17 de maio de 1888, foi uma celebração de Ação de Graças pela libertação dos escravos no Brasil, decretada quatro dias antes, com a assinatura da Lei Áurea. A festividade contou com a presença da princesa Isabel, regente imperial do Brasil, e de seu marido, o conde D´Eu, príncipe consorte, que, na foto, está ao lado da princesa, além de autoridades e políticos. De acordo com os jornais da época, foi um “espetáculo imponente, majestoso e deslumbrante”, ocorrido em um “dia pardacento” que contrastava com a alegria da cidade.

Cerca de 30 mil pessoas estavam no Campo de São Cristóvão. Dentre elas, o fotógrafo Antonio Luiz Ferreira que há muito vinha documentando os eventos da campanha abolicionista brasileira desde suas votações e debates até as manifestações de rua e a aprovação da Lei Áurea. Não se conhece um evento de relevância nacional que tenha sido tão bem fotografado anteriormente no Brasil. No registro da missa campal é interessante observar a participação efetiva da multidão na foto, atraída pela presença da câmara fotográfica, o que proporciona um autêntico e abrangente retrato de grupo. Outra curiosidade é a cena de uma mãe passeando com seu filho atrás do palanque, talvez alheia à multidão, fazendo um contraponto de quietude à agitação da festa.

Antonio Luiz Ferreira presenteou a princesa Isabel com 13 fotos de acontecimentos em torno da Abolição. A maior parte dessas fotos faz parte da Coleção Princesa Isabel que se encontra em Portugal, conservada por seus descendentes. Ferreira produziu duas fotos das duas missas realizadas em ação de graças pela Abolição. Uma delas, a principal,  intitulada “Missa campal celebrada em ação de graças pela Abolição da escravatura no Brasil”, é a que está aqui destacada e faz parte da Coleção Dom João de Orleans e Bragança. A outra missa foi celebrada pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. Outros três registros foram feitos por Ferreira no dia 22 de agosto de 1888 e documentaram o retorno do imperador Pedro II ao Brasil. A prova da fotografia da missa campal, que ficou em exposição na papelaria Guimarães & Ferdinando, foi entregue à princesa em junho de 1888 (Diário de Notícias, 9 de junho de 1888, na segunda coluna).

Ao todo, Antonio Luiz Ferreira fotografou 18 cenas ligadas às celebrações de 1888 e com isso, apesar de ter tido uma carreira discreta, tornou-se um importante fotógrafo do século XIX. As imagens captadas por ele nessas datas tão marcantes da história do Brasil caracterizam-se pela expressividade dos rostos retratados, decorrência da relevância do fato e da fascinação causada pela câmara fotográfica. Também foi responsável por um Álbum de vistas da Biblioteca Nacional, em 1902.

Ampliando-se a fotografia abaixo clicando em cima dela, vê-se, no alto à esquerda, um anúncio da Photographia Central de Antonio Luiz Ferreira no Largo da Carioca onde está anunciado que trabalhava-se mesmo com mau tempo**:

 

 

 

Acessando o link para a fotografia Missa campal celebrada em ação de graças pela Abolição da Escravatura no Brasil produzida  Antonio Luiz Ferreira,  disponível na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar a imagem e verificar todos os dados referentes a ela.

 

Contribuíram para esta pesquisa Elvia Bezerra (IMS) e Luciana Muniz (BN).

 

*O texto desta publicação foi revisto em 15 de maio de 2018.

**Essa informação foi inserida no artigo em 9 de setembro de 2019.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

28 pensamentos sobre “Missa Campal de 17 de maio de 1888

  • 18 de maio de 2015 em 23:42
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    Aquele de bigode e óculos, segunda pessoa à direita de Machado de Assis (logo abaixo da lança em primeiro plano, atrás de um homem calvo quase de costas) é muito parecido com o Valentim Magalhães!

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  • 19 de maio de 2015 em 00:35
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    À direita da Princesa Isabel , de roupa clara e chapéu escuro, está a sua amiga a Baronesa de Loreto.

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  • 19 de maio de 2015 em 15:09
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    Parece que houve um engano em relação ao número 7, pois me parece André Rebouças e não José do Patrocínio

    Responder
    • 19 de maio de 2015 em 15:13
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      Prezado René, a Brasiliana Fotográfica agradece sua indicação.

      Responder
    • 19 de maio de 2015 em 17:36
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      Prezado José Renato, a Brasiliana Fotográfica agradece sua indicação.

      Responder
  • 20 de maio de 2015 em 02:21
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    O senhor de barba, à esquerda em primeiro plano, número 10, parece o abolicionista Joaquim Nabuco.

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  • 22 de maio de 2015 em 17:08
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    O numero 13 é o Conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira.

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    • 31 de maio de 2015 em 23:01
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      A Brasiliana Fotográfica agradece o contato.

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  • 22 de maio de 2015 em 17:11
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    O detalhe na Gola do casaco e o fato de estarem perto uns do outros ( números 10, 11 e 13) sugerem serem alto escalão do governo da Princesa Isabel.

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    • 31 de maio de 2015 em 23:00
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      Sr. Jose Carlos Albino, são deputados ou senadores. A Brasiliana Fotográfica agradece seu contato.

      Responder
  • 23 de maio de 2015 em 02:16
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    O senhor à direita do estandarte, na altura do Conde D’Eu parece ser Joaquim Nabuco.

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    • 31 de maio de 2015 em 22:58
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      Sr, Marco Túlio, a Brasiliana Fotográfica agradece seu contato. Nossa pesquisa indica que o sr. Joaquim Nabuco não foi à missa canmpal.

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    • 25 de maio de 2015 em 12:56
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      Prezado Carlos, esta imagem é uma silhueta do detalhe da fotografia da Missa Campal em Ação de Graças à Abolição.A Brasiliana Fotográfica agradece seu contato.

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  • 30 de maio de 2015 em 01:06
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    Brilhante descoberta, Andrea! Parabéns!
    É mais uma fotografia que poderia compor uma já merecida re-edição de “A Olhos Vistos: uma iconografia de Machado de Assis”, lançada em 2009, tendo como autores Hélio de Seixas Guimarães e Vladimir Sacchetta.
    Encontrei outras fotografias de Machado dispersas em publicações e que não fazem parte daquele livro.
    Sou autor da “Iconografia de Euclides da Cunha” (2011), de quem sou pesquisador da vida e da obra há 25 anos.
    Voltando à fotografia, de fato, embora Nabuco não estivesse presente, concordo com a opinião do leitor que o apontou à direita da ponta da lança do estandarte. É uma pessoa com os mesmos traços.
    Achei curiosa a presença de um senhor (à extrema esquerda), sobre o palanque, de óculos escuros. Seria um vampiro? rsrsrs Infelizmente a foto não é colorida, para verificarmos se as lentes dos óculos são verdes (como as produzidas naquela época), sem contar o modelo um tanto moderno.
    Um Grande Abraço,
    Felipe Rissato.

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    • 1 de junho de 2015 em 20:59
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      Também achei curioso! Alteraram a foto? O cara é da matrix?

      Responder
    • 2 de março de 2016 em 22:05
      Permalink

      Prezado Felipe Rissato, como vai?
      Fique interessado em conhecer as outras fotos do Machado que você encontrou em outras publicações. Desde a publicação de A olhos vistos, tive conhecimento de duas novos fotos: a do Machado aos 25 anos, sentado, lendo (da coleção particular do Manuel Portinari Leão), e aquela em que ele aparece no almoço oferecido ao Lúcio de Mendonça, em 1901.
      Um abraço,
      Hélio Guimarães

      Responder
  • 2 de junho de 2015 em 02:59
    Permalink

    Olá, estou pesquisando tudo referente ao João Fernandes Clapp pois é meu ancestral, e analisando a foto com outra que tenho em desenho parece que o número 9 parece muito com ele, na foto que vocês detalharam da missa Campal, se vocês quiserem eu envio a foto-desenho que tenho dele.

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    • 2 de junho de 2015 em 12:09
      Permalink

      Sra. Ivana Clapp, nossa pesquisa aponta que o número 9 da foto seja possivelmente Ferreira Araujo, importante jornalista, diretor da Gazeta de Notícias e vice-diretor da Comissão Central da Imprensa Fluminense, formada para organizar e programar os festejos em torno da Abolição. Temos uma boa imagem de João Fernandes Clapp, que, aliás, enviamos para a senhora, mas ainda não o identificamos na foto da missa campal. A Brasiliana Fotográfica agradece seu contato.

      Responder
  • 2 de junho de 2015 em 18:53
    Permalink

    Um comentário a respeito do comportamento: não há ninguém sorrindo. Algumas expressões dos populares são inclusive semelhantes à raiva.

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  • 20 de maio de 2016 em 18:33
    Permalink

    O número 7 é Marechal Hermes Ernesto da Fonseca

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    • 23 de maio de 2016 em 16:23
      Permalink

      Prezada Jennifer, a Brasiliana Fotográfica acha que possivelmente o número 7 seja José do Patrocínio (1854-1905) – escritor e jornalista, uma das maiores figuras do movimento abolicionista. Na foto está segurando a mão de seu filho primogênito, que ao fim da missa foi beijado pela princesa Isabel. O Marechal Hermes da Fonseca é o número 4. A Brasiliana Fotográfica agradece sua participação.

      Responder
  • 20 de maio de 2016 em 18:43
    Permalink

    Considerado o grande líder da campanha abolicionista, Luiz Gama (número 7) aparece parcialmente atrás de um estandarte, segurando a mão de um menino

    Responder
    • 23 de maio de 2016 em 16:24
      Permalink

      Prezada Eliza, a Brasiliana Fotográfica acha que possivelmente o número 7 seja José do Patrocínio (1854-1905) – escritor e jornalista, uma das maiores figuras do movimento abolicionista. Na foto está segurando a mão de seu filho primogênito, que ao fim da missa foi beijado pela princesa Isabel. Agradecemos sua participação.

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